Esta postagem nasce deste esforço e o blog pensa que pode ser ampliado e auxiliado por outros que acompanham a realidade do Estado do Rio de Janeiro.
Sobre o que se divulga
Assim, vamos inicialmente à primeira parte, com aquilo que as autoridades estaduais falam. Mesmo aquilo que é falado é truncado e fragmentado em informações soltas e por isto, difícil de ser compreendido pela maioria das pessoas. Isto não se dá por acaso:
1) O déficit das contas (diferença entre o arrecadado e o previsto para pagamento no orçamento anual) nos dois primeiros meses é de R$ 3,66 bilhões;
2) As despesas previstas e efetuadas nos dois primeiros meses de 2016 foi de R$ 11,8 bilhões. Destes foram pagos R$ 8,45 bilhões, segundo o governo. É desta diferença que se originaria o déficit de R$ 3,66 bilhões divulgados, embora a conta indique exatos R$ 3,45 bilhões.
3) O total de "Restos a pagar" do orçamento executado em 2015 é ainda de R$ 4,35 bilhões, embora tenha sido pago em 2016, R$ 1,66 bilhão, gastos no ano passado.
4) Assim, o que resta a pagar em dois meses seria de R$ 4,35 bilhões de 2015, mais os R$ 3,66 bilhões de valores não honrados de débitos de janeiro e fevereiro de 2016. É por esta conta que se chega ao déficit total de R$ 8 bilhões até fevereiro. Segundo previsão do estado em dezembro o rombo será de R$ 19 bilhões.
5) As receitas do ICMS, principal fonte de receita do governo estadual, totalizadas nos meses de janeiro e fevereiro chegam a R$ 5,54 bilhões, um valor 0,8% superior, em valores absolutos ao arrecadado no ano passado, para este mesmo período.
6) Ainda segundo o governo estadual, na parte de gastos de todo o ano, o pagamento de pessoal ativo estaria estimado em R$ 26 bilhões. Para o pessoal inativo R$ 17 bilhões. Para custeio R$ 7 bilhões. Totalizando gastos anuais de R$ 50 bilhões, considerando que nenhum investimento novo seja realizado.
Sobre o que esconde
Da parte que não está dita e explicita pelo governo estadual sobre sua crise financeira, pode-se enumerar alguns pontos:
I) Diante do porte destes números é possível observar o peso da dívida antiga do estado para além dos atuais déficits. Estas dívidas antigas do estado que não conseguem ser negociadas, porque as garantias que desde os governos anteriores eram dadas com as receitas dos royalties. Agora, isto não é mais aceito. Isto se dá por conta da redução das quotas por conta do baixo preço do barril de petróleo e ainda dos riscos que os bancos credores não querem assumir de uma suspensão da liminar no STF, que garante a atual forma de rateio entre os estados produtores. Já comentamos de forma bem detalhada sore isto em uma postagem no blog (aqui) em 28 de janeiro de 2016.
II) A perda de receita com os royalties e PE ao contrário do que se imagina fica apenas perto dos 4 bilhões. A perda de receita com ICMS é relativamente pequena, mesmo em valores corrigidos. Para se ter um exemplo, em janeiro agora de 2016, a arrecadação foi de R$ 3,3 bilhões, contra 2,9 bilhões em janeiro de 2015.
III) É bom lembrar que nos últimos dez anos, esta dívida não apenas foi sendo rolada, como novos e robustos empréstimos foram sendo obtidos, como se não houvesse amanhã. Estes novos empréstimos ajudam a explicar o rombo atual.
IV) A dívida ativa do governo do estado do Rio de Janeiro hoje está em torno dos R$ 70 bilhões. Ou cerca de R$ 10 bilhões anuais, só com juros e serviços da dívida.
V) No passado diversos projetos foram aprovados na Alerj para "securitização" desta dívida ativa. Uma das formas usadas pela gestão estadual para fazer isto é através da criação do que chama de "Sociedade de Propósito Específico (SPE)", para gestão da dívida ativa, a ser negociada através debêntures (título de dívida de médio e longo prazo) no mercado financeiro. Com o gargalo atual tudo isto está suspenso.
VI) É oportuno recordar que no ano passado legislações aprovadas na Alerj concederão a sonegadores, inscritos na dívida ativa generosos descontos e parcelamentos para pagamento de suas dívidas. O fato que gera de um lado a obtenção de algumas receitas no curto prazo, de outro, serve mais uma vez de estímulo ao atraso de pagamento de tributos. Assim, no presente, outros contribuintes que pagavam em dia seus tributos com o estado agora, ficam tentados a reter estes valores, investindo-os em mercados financeiros, de olhos em novas renegociações do estado. Em termos de grandes empreendimentos os volumes são sempre grandes e na casa dos milhões.
VII) O que pouco se diz é sobre as isenções ou reduções tributárias que, neste mesmo período o governo estadual concedeu para diversos empreendimentos. A alegação é que se não fossem concedidos, eles não viriam e não gerariam os empregos. Isto não é verdade.
VIII) Na fase de "boom" da economia, a maior parte destes empreendimentos viriam de qualquer forma para o ERJ, independente da "guerra de localizações" que os empreendedores fazem na competição entre os estados e os municípios.
IX) Mesmo que o rombo com estas isenções não cheguem ao valor apurado pelo próprio TCE-RJ em R$ 138 bilhões, apenas nos últimos cindo anos, bastariam apenas menos 15% destes subsídios e "incentivos" tributários (vulgo isenções) que dariam R$ 20,7 bilhões que equilibrariam as contas do estado pagando todo o déficit de R$ 19 bilhões e ainda deixando mais R$ 1,7 bilhão para novos investimentos e correções salariais dos servidores.
Para entender o peso da cadeia do petróleo e sua capacidade de arrasto
Por fim, vale observar ainda que a dependência que as contas do estado passou a ter da cadeia do petróleo, apesar de todos os alertas, avançou enormemente para um dos riscos do que chamamos de "maldição mineral".
Visto de forma mais ampla, o setor é na verdade composto de forma mais macro, pelo que eu chamo de uma "tríade" composta pelos segmentos: "petróleo-porto-indústria naval". A tríade arrasta inúmeros outros setores, como construção civil, imobiliário, turismo de negócios, comércio, etc.
Tudo isto ajuda a explicar porque a fase de expansão (ou boom) do que também chamo de "ciclo petro-econômico" tenham levado o PIB do estado, ligado ao setor de petróleo fosse estimado pelo próprio governo estadual em 33% do total.
Hoje, na fase de colapso do ciclo, já se reconhece que este percentual se situe 37% e 38% do PIB total do estado. Observem que tudo isso, em meio a um período em que a expansão nacional da economia teve no estado outros "insights" importantes, embora temporários, que são os eventos esportivos do porte, nada mais nada a menos, do que a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Repito, eventos temporários e cujos preparativos e realização se encerrarão em três meses que tendem a deixar um hiato de demandas de vagas de empregos e circulação de dinheiro na economia que se somarão aos demais problemas estruturais.
E aí? Qual a saída?
É certo que a eventual negociação dos estados com a União podem trazer algum alívio nas contas, mas estarão longe de resolver os graves problemas do caixa estadual. É certo que colocarão que a suspensão das isenções tributárias seriam considerados rompimentos de contratos.
Ainda mais que as empresas beneficiadas alegarão dificuldades com as vendas reduzidas do atual momento da fase de colapso da economia, sem querer lembrar das fases de boom do ciclo econômico.
Porém, diversos outros contratos já estão sendo rompidos pela gestão estadual, como o não pagamento com fornecedores e prestadores de serviços que atendem à população, especialmente, nas áreas de educação e saúde. E não se pode deixar de realçar a quota de sacrifícios já imposta aos servidores, com os salários não pagos aos servidores inativos e aos atrasos sequenciais daqueles que são da ativa, que ainda sofrem a não correção da inflação.
Esta realidade expõe uma situação de grave emergência. Diante dela não pode ser aceitável que apenas a população pague por tudo isto.
Assim, não há como não cobrar das empresas beneficiadas, parte daquilo que foi obtido com a redução e isenção de impostos. Pelo menos parte desta sangria tem que ser daqui para frente reposta aos cofres do ERJ.
É certo que a gestão estadual cooptada em boa parte pelo poder econômico, não vai querer cogitar desta hipótese. Porém, não há outro caminho tanto do ponto de vista financeiro quanto moral. É certo que as pressões populares avançarão neste sentido. Ninguém pode pode ter dúvidas disto.
O blog assim espera que as discussões sobre a crise financeira do ERJ possam ser consideradas num patamar de debates dos problemas reais, em busca de efetivas soluções. A força de trabalho do Estado não pode ser vista como estorvo e despesas e sim como forma de atender o cidadão, sua razão de existir.
Não haverá acordo sem que todas as partes envolvidas conheçam os problemas e possam construir soluções. Digo mais, sem que possam juntos planejar os passos para diante.
PS.: Atualizado às 15:00: Para breves ajustes e inclusões no texto.
VII) O que pouco se diz é sobre as isenções ou reduções tributárias que, neste mesmo período o governo estadual concedeu para diversos empreendimentos. A alegação é que se não fossem concedidos, eles não viriam e não gerariam os empregos. Isto não é verdade.
VIII) Na fase de "boom" da economia, a maior parte destes empreendimentos viriam de qualquer forma para o ERJ, independente da "guerra de localizações" que os empreendedores fazem na competição entre os estados e os municípios.
IX) Mesmo que o rombo com estas isenções não cheguem ao valor apurado pelo próprio TCE-RJ em R$ 138 bilhões, apenas nos últimos cindo anos, bastariam apenas menos 15% destes subsídios e "incentivos" tributários (vulgo isenções) que dariam R$ 20,7 bilhões que equilibrariam as contas do estado pagando todo o déficit de R$ 19 bilhões e ainda deixando mais R$ 1,7 bilhão para novos investimentos e correções salariais dos servidores.
Para entender o peso da cadeia do petróleo e sua capacidade de arrasto
Por fim, vale observar ainda que a dependência que as contas do estado passou a ter da cadeia do petróleo, apesar de todos os alertas, avançou enormemente para um dos riscos do que chamamos de "maldição mineral".
Visto de forma mais ampla, o setor é na verdade composto de forma mais macro, pelo que eu chamo de uma "tríade" composta pelos segmentos: "petróleo-porto-indústria naval". A tríade arrasta inúmeros outros setores, como construção civil, imobiliário, turismo de negócios, comércio, etc.
Tudo isto ajuda a explicar porque a fase de expansão (ou boom) do que também chamo de "ciclo petro-econômico" tenham levado o PIB do estado, ligado ao setor de petróleo fosse estimado pelo próprio governo estadual em 33% do total.
Hoje, na fase de colapso do ciclo, já se reconhece que este percentual se situe 37% e 38% do PIB total do estado. Observem que tudo isso, em meio a um período em que a expansão nacional da economia teve no estado outros "insights" importantes, embora temporários, que são os eventos esportivos do porte, nada mais nada a menos, do que a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Repito, eventos temporários e cujos preparativos e realização se encerrarão em três meses que tendem a deixar um hiato de demandas de vagas de empregos e circulação de dinheiro na economia que se somarão aos demais problemas estruturais.
E aí? Qual a saída?
É certo que a eventual negociação dos estados com a União podem trazer algum alívio nas contas, mas estarão longe de resolver os graves problemas do caixa estadual. É certo que colocarão que a suspensão das isenções tributárias seriam considerados rompimentos de contratos.
Ainda mais que as empresas beneficiadas alegarão dificuldades com as vendas reduzidas do atual momento da fase de colapso da economia, sem querer lembrar das fases de boom do ciclo econômico.
Porém, diversos outros contratos já estão sendo rompidos pela gestão estadual, como o não pagamento com fornecedores e prestadores de serviços que atendem à população, especialmente, nas áreas de educação e saúde. E não se pode deixar de realçar a quota de sacrifícios já imposta aos servidores, com os salários não pagos aos servidores inativos e aos atrasos sequenciais daqueles que são da ativa, que ainda sofrem a não correção da inflação.
Esta realidade expõe uma situação de grave emergência. Diante dela não pode ser aceitável que apenas a população pague por tudo isto.
Assim, não há como não cobrar das empresas beneficiadas, parte daquilo que foi obtido com a redução e isenção de impostos. Pelo menos parte desta sangria tem que ser daqui para frente reposta aos cofres do ERJ.
É certo que a gestão estadual cooptada em boa parte pelo poder econômico, não vai querer cogitar desta hipótese. Porém, não há outro caminho tanto do ponto de vista financeiro quanto moral. É certo que as pressões populares avançarão neste sentido. Ninguém pode pode ter dúvidas disto.
O blog assim espera que as discussões sobre a crise financeira do ERJ possam ser consideradas num patamar de debates dos problemas reais, em busca de efetivas soluções. A força de trabalho do Estado não pode ser vista como estorvo e despesas e sim como forma de atender o cidadão, sua razão de existir.
Não haverá acordo sem que todas as partes envolvidas conheçam os problemas e possam construir soluções. Digo mais, sem que possam juntos planejar os passos para diante.
PS.: Atualizado às 15:00: Para breves ajustes e inclusões no texto.
3 comentários:
Lúcida abordagem. Professor Roberto: e o alegado déficit previdenciário, tem a ver também?
Sobre a questão do deficit da Previdência Estadual, vejam o que disse a Justiça ao determinar o pagamento aos aposentados (notícia que está no site do Tribunal de Justiça), desvendando alguns mistérios do rombo nas contas públicas:
"Na decisão, o juiz assinala que ao editar o decreto estadual 45.628/2016, que modificou a data de pagamento das aposentadorias e pensões acima de R$ 2 mil, o governador do estado apontou como motivos ´o déficit do Fundo de Previdência e a necessidade do Tesouro Estadual´. Segundo o magistrado, o governo, ao que parece, tratou de forma idêntica dois institutos que não deveriam se misturar: a parafiscalidade - déficit do Fundo de Previdência do Estado do Rio de Janeiro, com a fiscalidade - ´necessidade do Tesouro Estadual´.
Afinal, em que medida interessa ao Tesouro Estadual o orçamento ou as verbas depositadas no Fundo de Previdência do Estado do Rio de Janeiro? Mais ainda. Qual é o déficit do Fundo de Previdência do Estado do Rio de Janeiro, que deveria estar sendo gerido, por força de cálculos matemáticos, com equilíbrio financeiro e atuarial? Por que ele foi gerado? Quem o causou? Qual o seu montante? Como ele será corrigido? Vou além. De fato há déficit no sistema previdenciário ou há invasão no orçamento parafiscal, decorrente de problemas de caixa do Tesouro?”, questionou o juiz, ao afirmar mais à frente que não imagina que o sistema, de fato, apresente-se deficitário".
Eu evitei este assunto, porque considero que o Fundo de Previdência do ERJ é um caixa difícil de ser desvendado. Sabe-se muito pouco dele. No passado foram feitas movimentações no fundo que contribuem para a sua atual situação.
Só uma investigação detalhada sobre as movimentações dos quatro últimos mandatos podem explicar a contabilidade do fundo.
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