sexta-feira, março 27, 2015

Soffiati aprofunda a análise sobre a crise hídrica da Lagoa do Campelo e aponta medidas necessárias

O historiador, pesquisador e ambientalista Aristides Soffiati produziu e nos brinda com mais um texto analisando problemas relativos à seca e nossa região. Dessa vez, a sua observação e análise se voltaram para a Lagoa do Campelo, situada nos limites territoriais entre os municípios de Campos e São Francisco do Itabapoana. 

Soffiati não apenas traz mais dados que contam o processo da história da geografia na região, especialmente dos seus corpos hídricos, como aponta algumas soluções para reavivá-los, enquanto "elemento e estranho e sábio na natureza". Confiram:

Sobre a crise hídrica da Lagoa do Campelo

Arthur Soffiati

Todos estão impressionados com a seca da Lagoa do Campelo: pescadores, fazendeiros, estudiosos e meios de comunicação. Os pescadores declaram-na morta e alguns cientistas sustentam que ela necessitará de 20 anos para se recuperar. Creio que, de todas as partes, existe um certo exagero e uma tentativa de prever o imprevisível. Visitei a lagoa e também fiquei bastante impressionado com seu estado esquelético. Aliás, com o estado esquelético de todas as lagoas de tabuleiro na margem esquerda da Lagoa do Campelo. As Lagoas de Imburi, de Floresta, da Saudade, de Santa Maria, de São Gregório, dos Bondes, de Brejo Grande, do Arisco e as demais enfrentam severa crise hídrica.

Figura 1 - Lagoa da Saudade. Foto do autor
Figura 2 - Lagoa de Santa Maria, Foto do autor
Lidando com as lagoas do norte fluminense e do sul capixaba desde 1977, compreendo o drama de pescadores e fazendeiros. Eles dependem da água a do solo para viver, eu não. Como professor aposentado, meu salário está garantido no final do mês. O deles não. Mas não vaticinemos a morte da lagoa ou a sua doença prolongada. 

Figura 3 -Lagoa do Campelo na atual crise hídrica. Foto do autor





No meu entendimento, as condições climáticas vivem um período de turbulência por mudanças profundas causadas pelo despejo de gases causadores do efeito estufa na atmosfera, pelo mau funcionamento da Amazônia e pelo desmatamento das bacias do Nordeste, Sudeste e Centro Oeste. Não podemos pensar que o drama é apenas nosso. Para que a Lagoa do Campelo se recupere, fortes chuvas na Zona da Mata Mineira seriam suficientes. Os maiores afluentes do Rio Paraíba do Sul provêm de Minas Gerais, a grande fonte de águas do Brasil, fora a Amazônia. Os Rios Paraibuna de Minas, Pomba e Muriaé correm em zona serrana baixa e plana. A área ocupada por eles é muito extensa. Daí serem capazes de recolher mais águas que os rios que descem da Serra do Mar para o Paraíba do Sul. Mas a Zona da Mata está carecendo daquilo que lhe deu nome: mata. Urge começar agora um programa de reflorestamento de nascentes e de margens de rios para colhermos resultados a médio e a longo prazo.
Figura 4 - Aspecto da seca na Lagoa do Campelo. Foto do autor
Em 1925, o engenheiro Martins Romeu, observando atentamente as marés na costa norte fluminense, fixou marcos de referência mais precisos que os definidos por Francisco Saturnino Rodrigues de Brito no início do século XX. Tanto assim que este passou adotar a Referência de Nível (RN) daquele. Esta referência foi adotada pela Inspetoria Federal de Portos Rios e Canais (IPC). Este sistema começou a ser substituído em 1946 por referenciamento mais preciso. Hoje, ele é adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e, em relação ao sistema de Martins Romeu, apresenta diferença de 1,75 m.

Os marcos de referência de nível do sistema Martins Romeu foram adotados pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento. Hoje, eles estão danificados e até foram arrancados. Carecemos de novos marcos com a referência de nível do IBGE. Apesar da diferença entre a Referência de Nível (RN) antiga e a nova, a observação empírica do terreno e das águas permite perceber os sutis desníveis. A água é um elemento estranho e sábio na natureza. Pela própria força, ela não se move e sim pela gravidade ou por alguma forma de energia.

Se observarmos o comportamento da água do Rio Paraíba do Sul na entrada do Canal do Vigário, em Campos, quando o nível está mais alto que a entrada do canal, constataremos que ela corre em direção à Lagoa do Campelo, com todos os obstáculos representados pelo lixo e pela densa vegetação alimentada por esgoto orgânico. Sinal que o ponto de tomada d'água do canal situa-se em ponto mais elevado que o fim do canal na lagoa. Se observamos a água, nas comportas do Córrego da Cataia, em ponto do Paraíba do Sul mais próximo da foz, notaremos que, quando o nível do rio se eleva, a água entra no córrego e alcança a Lagoa do Campelo, embora o nível da lagoa esteja ligeiramente em ponto mais alto que o nível de estiagem do Paraíba do Sul. É que a elevação de nível do rio ultrapassa a diferença entre seu nível baixo e o nível da lagoa. Quando as águas do rio baixam as águas vertem da lagoa para ele.

Se notarmos o ponto em que começa o Canal Engenheiro Antonio Resende, na extremidade norte da Lagoa do Campelo, e o mar, concluiremos que o início do canal está na cota IPC 4,69 m, mais alta, portanto, que o nível do mar, na cota e zero. Temos, assim, grosso modo, quatro planos: início do canal do Vigário (a mais alta cota), Lagoa do Campelo (cota média), início do Córrego da Cataia (cota baixa) e mar (cota baixíssima). As cotas registradas na imagem do Google Earth, conquanto meio imprecisas, podem mostrar como funciona o sistema como um todo. Há dois pontos de entrada para a lagoa, a partir do Rio Paraíba do Sul (Canais do Vigário e da Cataia) e dois pontos de saída. Pelo Canal Engenheiro Antonio Resende, a água só sai em direção ao mar. Pelo Córrego da Catai, ela entra em períodos de cheia e sai em períodos de estiagem.

Figura 5 -Aspecto do Canal Engenheiro Antonio Resende do lado da Lagoa do Campelo. Com a estiagem atípica, ele não consegue ultrapassar o vertedouro que permite o escoamento da água excedente para o mar. Foto do autor
Não podemos precisar quando o nível do Paraíba do Sul suprirá a Lagoa do Campelo pelo Canal do Vigário e pelo Córrego da Cataia. Lembremos que, assim como ocorre uma estiagem atípica no norte fluminense desde o início de 2014, pode ocorrer uma enchente atípica que permitirá recuperar a lagoa.

Figura 6 - Planta da Lagoa do Campelo. Sem data e sem autor.





Em vez de pronunciamentos oficiais, sempre baseado na informação que melhor lhe convém, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) deve abandonar sua postura arrogante e:

1- Providenciar um novo levantamento topográfico da região em consonância com o referencial de nível do IBGE, como já prometido em outras ocasiões. Tal levantamento pode começar pela margem esquerda do rio.

2- Limpar e definir Faixa Marginal de Proteção para as margens do Canal do Vigário, impedindo o lançamento de esgoto e lixo no seu leito. A prefeitura de Campos deve colaborar neste sentido.

3- Examinar a viabilidade de construir diques margeando o Córrego da Cataia, do Rio Paraíba do Sul à Lagoa do Campelo, de modo a permitir que as águas de cheia do rio cheguem à lagoa sem afetar a agropecuária e beneficiem a fauna aquática e a pesca. Este será um dique com funções ecológicas e pesqueiras.

PS.: Atualizado às 23:18 de 30/03/2015 para atender a uma solicitação. Abaixo um pequeno mapa com identificação das lagoas de Campos e SJB. Clique sobre a imagem para ver em tamanho maior.

































PS.: Atualizado às 11:08 de 31/03/2015: Para acrescentar outro mapa com as lagoas da região no início do século XX. Mapa da publicação de 2002 da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do ERJ: "Lagoa dos Norte Fluminense, Projeto Planágua - GTZ - Cooperação Brasil - Alemanha - P.15. Para ver em tamanho maior clique sobre a imagem.



2 comentários:

Anônimo disse...

Professor: confesso desconhecer a localização de quase todas as lagoas mencionadas pelo Soffiati. Seria pedir demais uma mapa com a localização de todas as lagoas da nossa região?

Anônimo disse...

A Odebrecht fez levantamento topográfico em toda essa região.