quarta-feira, setembro 02, 2015

Soffiati fala sobre o bicentenário da expedição do alemão Wied-Neuwied na região

Abaixo mais um artigo do historiador e ecologista Aristides Soffiati sobre a geografia histórica da região:

O bicentenário da expedição científica de Maximiliano de Wied-Neuwied - I

Arthur Soffiati

Há exatos 200 anos, em 1815, o príncipe naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied começou sua expedição científica entre o Rio de Janeiro e Salvador. Seu roteiro acompanhava a costa do Brasil, mas fazia incursões ao interior. Ele foi acompanhado por Georg Wilhelm Freyreiss e Friedrich Sellow, também naturalistas experientes e seus patrícios.

Maximiliano nasceu em 23 de setembro de 1782. Seu nome completo era Maximilian Alexander Philipp, nascido em Neuwied, Renânia. Em 1815, ele contava 33 anos de idade. Sua equipe era consideravelmente grande, integrada por caçadores, empalhadores, carregadores, além dos dois naturalistas mencionados.

                          
                     Figura 1 - Retrato do Príncipe Maximiliano quando jovem

Maximiliano beneficiou-se da Abertura dos Portos, em 1808, para realizar sua expedição científica, relatada por ele, em "Viagem ao Brasil", excelente diário de registro. Nele, o príncipe observou ecossistemas, plantas, animais, povos nativos, núcleos urbanos e costumes dos colonos. Cabe lembrar que o Brasil ainda era colônia de Portugal, sediando, no Rio de Janeiro, a capital do império colonial português, desde a transmigração da família real para o Brasil. A independência política do grande país só viria em 1822, com D. Pedro, filho do príncipe regente D. João. A família real portuguesa transferiu-se para o Brasil fugindo da invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte e contando com o apoio da Inglaterra.

Beneficiando-se da abertura das colônias portuguesas para o mundo, Maximiliano realizou seu grande sonho de naturalista. Embora nobre e rico, ele cultivava grande amor pela ciência. Era um verdadeiro naturalista ao estilo do século XIX, isto é, estudioso da natureza, como Von Martius, Spix, Saint-Hilaire e Darwin, para só mencionar alguns nomes dessa época áurea do conhecimento científico. Ser naturalista então não era ser especialista numa das ciências da natureza. Aliás, as especializações, felizmente, não tinham sido criadas. Um naturalista conhecia o que hoje chamamos de astronomia, geologia, ecologia, botânica e zoologia. Particularmente, Maximiliano tinha um especial interesse por aves, mas observava os demais grupos de animais, as plantas e as rochas.

Em pleno romantismo, notaremos que esse movimento, manifestado principalmente nas artes com a Revolução Francesa, influenciou a ciência. Maximiliano era um romântico. Ele escrevia muito bem, dono de um estilo belo e preciso. Nada do ranço academicista que invadiu as ciências de um modo geral. Seu diário foi traduzido com apuro por Edgar Süssekind de Mendonça e Flávio Poppe de Figueiredo. Os comentários científicos couberam ao competente Olivério Pinto. A fidelidade ao texto e a pontuação merecem elogios aos tradutores. As notas de Olivério Pinto são primorosas.

Como todo naturalista que se prezasse no século XIX, Maximiliano sabia desenhar, já que ainda não existia a fotografia. Mas não desenhava muito bem. Assim, suspeito que seus esboços foram redesenhados por algum desenhista e pintor de formação. Tomando o mapa de Arrowsmith para se orientar, ele foi fazendo reparos nele com a finalidade de aprimorar o conhecimento geográfico que se tinha na época.



Figura 2 - Mapa de Arrowsmith, usado por Maximiliano em sua expedição entre 1815 e 1817

A expedição de Maximiliano passou pelo norte fluminense em 1815. Em seu diário, ele fez anotações sobre Macaé, Campos, São Fidélis e São João da Barra, além das observações que empreendeu sobre os espaços entre esses núcleos urbanos. Quando confrontamos as informações de Maximiliano sobre a região e a observamos hoje, parece que o norte fluminense do naturalista é um mundo perdido. Creio que, se ele ressuscitasse e voltasse a nos visitar, não reconheceria mais os lugares por onde passou.

Além do denso relato contido em "Viagem ao Brasil", publicado na Alemanha, em dois volumes, em 1820-21, incorporando informações de muitas leitura, o príncipe escreveu também "Beiträge zur Naturgeschichte von Brasilien", em quatro volumes, não traduzidos para o português, analisando os animais que coletou na expedição. Escreveu também "Abbildungen zur Naturgeschichte Brasiliens", com magníficas gravuras dos animais que estudou no Brasil.


                         Figura 3- Folha de rosto de Beiträge zur Naturgeschichte von Brasilien


                       Figura 4- Folha de rosto de Abbildungen zur Naturgeschichte Brasiliens

Alemão e romântico, Maximiliano tem pensamentos e atitudes que, para nós, seriam preconceituosas. Mas é preciso inseri-lo em seu tempo. Ele condena a escravidão, mas compra um negro. Ele condena o tratamento que os índios recebiam dos portugueses e brasileiros, mas compra o famoso Quak, que também leva para a Europa. Embora reconhecendo as injustiças praticadas contra os índios, ele está sempre com o dedo no gatilho para atirar neles, caso atacado. Instinto de sobrevivência.

Luís da Câmara Cascudo dedicou um livro ao naturalista, intitulado "O Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied no Brasil: 1815 1817". Muitos trabalhos acadêmicos têm sido escritos sobre ele. São tantos que merecem um levantamento. Em suas andanças, Maximiliano se interessa mais pela natureza do que pelas sociedades humanas. Mas olha para essas com bastante agudeza. Ele anotou que, entre o Rio de Janeiro e Salvador, Campos era o mais importante núcleo urbano, embora ainda fosse uma vila. Ela só ganharia o estatuto de cidade vinte anos mais tarde, em 1835.


Figura 5- Capa de O Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied no Brasil: 1815 1817, de Luís da Câmara Cascudo, mostrando Maximiliano e o índio Quak

Sua vida foi longa e bem vivida. A longevidade não era comum no século XIX, mas o príncipe morreu em 1867, com 84 anos, em seu castelo, cercado da coleção que formou em suas viagens científicas.

Como meu recorte de estudos se estende do Rio Macaé ao Rio Itapemirim, vasta área que denomino de Ecorregião de São Tomé, em homenagem ao Cabo e à Capitania de São Tomé, alonguei meus interesses pelas observações que o príncipe fez no sul do Espírito Santo. Para escrever uma série de talvez seis artigos, a começar por este, usei ''Viagem ao Brasil" (Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/EDUSP, 1989).


                                  Figura 6- Capa de "Viagem ao Brasil" usada pelo autor.

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