terça-feira, março 05, 2024

Dominação tecnológica no capitalismo contemporâneo

Atualizando dados para uma mesa de debates que envolve a dominação tecnológica no capitalismo contemporâneo, observei que a soma de valores de mercado das 10 maiores corporações de tecnologia já equivale a 4 vezes à soma das 10 maiores petroleiras no mundo.

Há menos de um ano (nove meses) essa relação entre as dez maiores companhias de tecnologia e as dez maiores petroleiras do mundo era de três vezes.

Observa-se ainda que a maior corporação de tecnologia hoje, a Microsoft, vale 3,089 trilhões. 50% a mais que a maior petroleira, a Saudi Aramco que vale 2,023 trilhões. Só a Microsoft vale, ainda, 19% mais que a soma do valor de mercado das demais nove petroleiras.

Hoje, três das maiores corporações de tecnologia (Microsoft, Apple e Nvidia) valem, individualmente, mais que a petroleira saudita, Saudi Aramco. E oito das dez maiores corporações em valor de mercado do mundo são do setor de tecnologia. Tudo isso, num momento em que a Inteligência Artificial (IA) ainda dá os primeiros passos, em termos de captura e/ou geração de valor na economia em sua totalidade. 

Processo que venho chamando de “dominação tecnológica”, profundamente imbricado à “hegemonia financeira” no capitalismo contemporâneo com liderança do oligopólio das Big Techs que lutam e disputam dia-a-dia para avançar para monopólios que já se tornaram reais em alguns subsetores.

Vale ainda observar que se trata de dois setores transversais com enorme capacidade de atravessar todos os outros setores da economia e da vida em sociedade.

O setor de tecnologia digital como etapa contemporânea da reestruturação produtiva possui características multidimensionais e transescalares.

Além disso, tem o predicado de se espalhar e penetrar muito facilmente em rede nas diversas atividades humanas, seja como meio de produção (negócios e logística) ou como meio de comunicação, caso das conhecidas mídias digitais onde exerce a capacidade de influenciar nas potentes relações de poder e política, para além da economia.

Ou seja, no plano da superestrutura, mediado pela noção de totalidade, há ainda muito a ser analisado sobre o fenômeno contemporâneo da digitalização de quase tudo que vem transformando o capitalismo enquanto sistema nos diferentes espaços do mundo.

sábado, fevereiro 17, 2024

Por que os R$ 21 bilhões da movimentação de 2023 do Porto do Açu são tão pouco comentados?

Eu fiz uma postagem (aqui) no meu blog, no dia 6 de fevereiro de 2024 repercutido também no meu perfil no FB e no Instagram sobre a movimentação (exportações e importações) do Porto do Açu no ano de 2023 com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

Repito o valor FOB (US$) dessa movimentação em 2023: US$ 4,219 bilhões ou aproximadamente R$ 21 bilhões. Este valor, 70% maior do que a movimentação do Porto do Açu em 2023.

Na movimentação de 2023, 86% são referentes às exportações que totalizaram (US$ 3.626) e apenas 14% o valor das importações (US$ 592 milhões).

 Atividades de serviços portuários no Açu, SJB em 2023.
Como já comentamos, as maiores exportações dizem respeito aos recursos minerais (minério de ferro, petróleo, cobre e até lítio). Os países a que se destinaram as maiores exportações são: 1) China (42%) valor de US$ 1,523 bilhão; 2) EUA (25%) - US$ 906 milhões; 3) Índia - US$ 507 milhões; 4) Espanha - US$ 297 milhões; 5) Holanda - US$ 112 milhões; 6) Itália - US% 83 milhões; 7) Uruguai - 54 milhões. As importações, que equivaleram a apenas 14% de toda a movimentação, vieram em sua maior parte da Alemanha, Reino Unido, EUA, França e China.

É interessante que uma informação desse tipo (divulgada aqui, repito, no dia 6 de fevereiro de 2024) não tenha sido repercutida, porque imagino que fosse de interesse ao nível regional e nacional.

Os dados são públicos e podem ser acessados por qualquer pessoa, jornalista ou a mídia corporativa. O fato me chama a atenção. Evidente que muitas hipóteses podem ser levantadas para essa questão. Porém, destaco uma delas. As informações corporativas e financeiras são em sua grande maioria fruto de releases produzidos pelas próprias corporações e sob a ótica dos seus interesses. E como a própria companhia, grupo ou o seu fundo controlador não divulgou, ela não saiu divulgada mais amplamente.

Então caberia outra pergunta enquanto hipótese: por que os proprietários e controladores do Porto do Açu não teriam interesse nessa divulgação específica sobre valores da movimentação portuária (já que o mesmo aconteceu em 2023 sobre a movimentação do ano de 2022), diante de tantos releases e posteriores matérias sobre tipos de movimentação portuária, exportação, contratos, empregos, obras e possibilidades de novos negócios naquele empreendimento?

Vou citar apenas uma hipótese: não interessa divulgar o volume de riqueza que passa pelo Porto do Açu e pela região deixando tão pouco em impostos e mesmo empregos, proporcionalmente, aos negócios que acabam, usando, especialmente, a região como "território de passagem" num empreendimento até aqui como um enclave com pouquíssima conexão com a região, reforçando a caracterização de um porto como base logística transescalar, mais ligada ao extrativismo.

Seus proprietários desejam fluidez das cargas para ampliar seus lucros na produtividade do porto, pouco se interessando por enlaces com as comunidades locais, vistas, na realidade, mais como problemas do que como solução e oportunidade.

Evidente que há outros argumentos, hipóteses e explicações. Porém, se trata de um fato. O volume em valores FOB da movimentação portuária do Porto do Açu é um assunto a ser deixado de lado.

Uma riqueza que pela região apenas circula, como característica principal de um porto de 5ª geração com conexões na escala global e até aqui muito pouco de agregação de valor em indústria (porto-indústria, Zona Industrial Portuária - ZIP ou MIDAs, Maritime Industrial Development Area) na enorme retroárea de mais de 90 Km², fruto, em boa parte, de centenas de desapropriações de pequenos produtores rurais. As exceções são a unidade de geração de energia elétrica da GNA (UTE) e a FMC-Technip com a produção de tubos flexíveis para uso nas instalações offshore das petroleiras para extração de petróleo.

O assunto demandaria mais uma série de outros comentários que esse autor e seu blog vêm fazendo e comentando desde o início das intenções do projeto de instalação do empreendimento ainda no ano de 2005 e 2006, porém para não misturar muitos os assuntos ficaremos por aqui.

PS.: Os dados dos valores da movimentação portuária aqui comentado são um pouco maiores (exportações) do que os da postagem do dia 6 de fevereiro de 2024, por conta de atualizações e ajustes feitos pelo MDIC em seu site.

terça-feira, fevereiro 06, 2024

Movimentação de cargas no Porto do Açu e receitas de ISS em SJB e Campos, RJ, em 2023 reafirmam a condição principal de “território de passagem”

O crescimento dos serviços é uma característica da sociedade contemporânea e de todo o país. Desde 2000-2004 (época que elaborei do Raio X do orçamento de Campos dos Goytacazes) acompanho essas principais receitas dos municípios. Naquela época começavam a disparar as receitas dos serviços nas capitais e cidades das regiões metropolitanas, logo após terem superado as receitas do imposto sobre a propriedade, o IPTU.

Nesses últimos vinte e três anos as receitas dos serviços seguiram se ampliando. Logo adiante, o mesmo fenômeno passou para as cidades de médio porte e agora até mesmo em alguns municípios de menor porte.

Nessa transição foi sendo superada a antiga classificação da economia entre de atividades do setor primários, secundário e terciário. Os serviços se ampliaram como atividades que foram se desagregando da produção industrial e mesmo agrícola e avançando para além de saúde e educação. 

Também por isso essas atividades e suas receitas passaram a crescer mais na esfera da União, Estados e municípios. Estes, por direito constitucional, passaram a monitorá-los e regulamentá-los mais de perto, visando maior arrecadação diante do aumento das despesas derivadas dos direitos dos cidadãos.

Numa sociedade mais complexa e sofisticada os serviços se multiplicam. Um exemplo: no passado, não existia a ideia de logística e nem a informática como instrumento da chamada transformação digital. A intermediação de serviços de RH, contabilidade, marketing, TI, etc. para além de saúde e educação eram departamentos das companhias. Os serviços são atividades ligadas à densidade populacional e/ou negócios e mesmo das cadeias de produção.

É nesse contexto que se deve observar as variações deste tipo de receita nos últimos anos nesses dois municípios do Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes–RJ, como município de médio porte que é polo regional há muitas décadas e São João da Barra, após separado do município de São Francisco do Itabapoana em 1995, do início da construção do Porto do Açu em 2008 e do início de suas operações e movimentação portuária que se dá a partir do 2º semestre de 2014.

   Atividades de serviços portuários no Açu, SJB, só impactam ISS
Em 2014, com o início das operações de exportações no Porto do Açu, a receita de ISS em SJB somou R$ 63 milhões. Em 2017 caiu para R$ 42 milhões. O fato se deveu a um acidente ocorrido no mineroduto entre o município que liga a mina de minério de ferro da Anglo American no Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais e o Porto do Açu (PdA) em São João da Barra, litoral norte do ERJ.

Em 2016 o ISS de Campos foi de R$ 89 milhões enquanto o ISS de SJB foi de R$ 43 milhões. Em 2020 (1º ano da pandemia) a receita de ISS em Campos foi de 81,5 milhões e o de SJB já tinha subido para R$ 86 milhões, ano é que começa a haver um distanciamento da receita de ISS entre esses dois municípios.

Em 2023 as receitas do imposto ISS nesses dois municípios foram:

São João da Barra - R$ 174 milhões;
Campos dos Goytacazes - 152 milhões.

Ou seja, em 2023, SJB arrecadou 14% a mais com o imposto de ISS do que Campos, RJ.

Nas Leis Orgânicas Anuais (LOAs) desses dois municípios, a previsão de receita para 2024 é de R$ 123,4 milhões para Campos, RJ e de R$ 184,0 milhões para SJB, RJ. A maior arrecadação de Imposto Sobre Serviços (ISS) em SJB está diretamente vinculada aos serviços e atividades portuárias nos dez terminais do complexo do Porto do Açu licenciados junto à Antaq.

Em SJB, a receita de ISS já é quase dez vezes maior do que a receita sobre propriedade, o IPTU. Já em Campos dos Goytacazes, essa relação entre ISS (maior) e IPTU é de cerca de 15% a mais. Em Campos dos Goytacazes, foi em 2020 que a receita de ISS ultrapassou a receita do imposto IPTU.

No caso município de SJB, a receita do ISS, basicamente oriunda das atividades e obras no complexo portuário. Dessa forma, não é um exagero a afirmação que venho efetuando de se tratar, basicamente, de um “território de passagem” para a riqueza mineral que é por ali exportada, em especial minério de ferro e petróleo, após transbordo em navios no terminal 1 do Porto do Açu.

Vale lembrar que o ISS é um imposto municipal e que tem uma alíquota que varia até 5% conforme os serviços prestados. No caso de SJB na fase de instalação e implantação do porto, essa alíquota para os serviços portuários foi reduzida pela Câmara de 5% para 2,5%.  



Movimentação portuária nos dez terminais portuários licenciados pela Antaq no Açu em 2023

Enquanto isso, a movimentação portuária (exportações + importações) nos dez terminais portuários do Complexo do Porto do Açu, através de mais de 6 mil embarcações circulando em 2023 teve como destino e/ou origem mais de 30 diferentes países. 

A movimentação de cargas no ano de 2023, segundo dados da Comex-Mdic, em valores FOB US$, chegou a (US$ 4,210 bilhões (US$ 3,617 de exportações e US$ 592 milhões de importações). Uma movimentação com valor, 89% maior do que em 2022, quando essa cifra foi de US$ 2,25 bilhões. A maioria das exportações são dos produtos minerais como petróleo, minério de ferro e também cobre (vindo de Goiás e mesmo o lítio vindo do Vale do Jequitinhonha).

Em valores na moeda brasileira, essa movimentação de cargas de 2023 em SJB, significa cerca de R$ 21 bilhões. Se estimarmos, um percentual de 10% de receita para o conjunto dos serviços portuários, é possível chegar a um valor de cerca de R$ 2,1 bilhões para a holding Prumo Logística Global, dona do Porto do Açu controlada pelo fundo americano EIG Global Energy Partners

Diante desses números, pode-se dizer que o aumento da receita de ISS para o município de SJB em 2024 de R$ 184 milhões é ainda muito pequena para o município que não a fiscaliza, aceitando as autodeclarações das companhias que atuam nas movimentações de carga no Porto do Açu.

Assim, é também possível reafirmar que as atividades de logística servem mais aos objetivos do extrativismo e o uso do “território como de passagem”, do que, propriamente, à noção de desenvolvimento regional. Até aqui as únicas exceções são a geração de energia elétrica na usina termelétrica, GNA e à produção de tubos flexíveis pela FMC Technip.

Adiante, detalharemos um pouco mais sobre os dados do MDIC a respeito do volume de exportações e importações realizadas pelo Porto do Açu (PdA) em SJB no ano de 2023, seja em valores FOB US$, em toneladas e tipos de cargas.

Essa movimentação de cargas no PdA em SJB se relaciona a mais de três dezenas de países, sendo que a maior parte das exportações continua a ser para a China 42% e depois EUA e Índia. E as importações, em bem menor valor e peso, vêm especialmente da Alemanha, Reino Unido e EUA e depois são reencaminhadas aos clientes dessas cargas.


PS.: Atualizado às 09:50 de 07/02/2024: para corrigir o valor da movimentação em US$ do Porto do Açu em 2023, quando citamos apenas as exportações sem considerar as importações. Junto, esse volume chegou a US$ 4,2 bilhões, ou R$ 21 bilhões, 89% superior à movimentação de 2022. Foram acrescentadas outras informações no texto como a maioria das exportações para petróleo e minério de ferro e referente à alíquota de ISS dos serviços portuários cobrada pelo município de SJB de 2,5%.

sexta-feira, fevereiro 02, 2024

IBGE: Brasil tem mais igrejas que escolas somadas. Campos, RJ índice chega a mais 52%

Esse indicador do IBGE é muito interessante e permite um conjunto expressivo de análises em múltiplas dimensões. É um indicador com relação direta com o dado sobre população. Onde se tem mais moradores há necessidade de mais escolas e unidades de saúde.

Os estabelecimentos religiosos tendem a seguir essa tendência, porém a maior densidade em alguns municípios e regiões levam a várias questões. O cruzamento dos municípios com mais diferenças podem levar a outras hipóteses a serem analisadas.

Vale ainda observar que dos dez municípios com mais estabelecimentos religiosos por habitantes do Brasil, oito são do ERJ, a maioria da Baixada Fluminense.

Mesmo que os estabelecimentos religiosos estejam agrupados pelas diferentes frações, é sabido que o avanço das dezenas de religiões evangélicas deve ter fator de peso, nesse indicador, divulgado hoje pelo IBGE, por conta das pequenas igrejas e cultos instalados nos bairros da periferia e junto à população mais pobre e carente de todo tipo de apoio do material, ao apoio pessoal, psicológico e espiritual.

Nessa linha, voltou a sugerir a leitura de dois livros que me impactaram e me deram uma interpretação que não tinha sobre o assunto: "A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil do século XXI" do jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso e o livro "Traficantes do evangelho: quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus" da pastora e pesquisadora Viviane Costa. Breves resenhas destes dois livros podem ser vistas na postagem abaixo desse blog em 27 de dezembro de 2023:
A fé, o fuzil, os traficantes evangélicos, o crime e os bandidos de Deus no Brasil contemporâneo
 
As duas publicações oferecem dados empíricos e análises sobre a relação entre algumas igrejas e líderes religiosos com o crime e com a política, mas de forma nenhuma, pretenderam atribuir ao conjunto dos seus seguidores e líderes essa acusação, o que seria uma aberração, além de um desvairado e inconcebível preconceito, que só atrapalha na compreensão desse fenômeno social em nosso país.

Tenho insistido que mais que dados e indicadores, temos necessidade (não apenas os pesquisadores, mas gestores e a população em geral) de ligar as pontas entre eles, para se tentar construir interpretações mais potentes sobre a conjuntura que possam se desdobrar em melhores planejamentos e planos de ação. Esse indicador permite e sugere uma enormidade de estudos que podem ser realizados.


Campos dos Goytacazes, RJ tem 52% mais de igrejas do que escolas e unidades de saúde somadas

Complementando a nota anterior sobre o indicador que a´pontou que hoje no Brasil há mais estabelecimentos religiosos que escolas e unidades de saúde somadas. Vale conferir.
Aqui exponho os dados de dois municípios do Norte Fluminense (ERJ) Campos dos Goytacazes e São João da Barra, usando uma ferramenta automática criada pelo G1 com esses dados do IBGE que lista o nº de habitantes, residências, escolas, unidades de saúde e estabelecimentos religiosos.



Em Campos dos Goytacazes, RJ são 1.727 estabelecimentos religiosos x 643 escolas x 488 unidades de saúde =1.132. Ou seja, 52% mais estabelecimentos religiosos, e olhe que o índice de escolas em Campos, RJ é alto quando comparado à população. É o sétimo melhor índice do país, o que reforça o que já falávamos há mais de uma década. O enfrentamento das questões do ensino em Campos são as qualidades das instalações das escolas e a qualidade do ensino e em especial, o estímulo a maior capacitação docente e melhor política salarial. Porém, aqui o enfoque é na questão do número proporcionais de igrejas em relação a estes dois principais equipamentos públicos, como já comentei na nota anterior.


No município de São João da Barra, esses números são um pouco diferentes, mesmo que ainda com mais estabelecimentos religiosos (139 igrejas e cultos) x 128 (66 unidades de saúde: hospitais e UBS) = 62 escolas. Ou seja, cerca de 8% a mais.
Esses dados e indicadores merecem uma análise mais apurada para leituras mais potentes.



quarta-feira, dezembro 27, 2023

A fé, o fuzil, os traficantes evangélicos, o crime e os bandidos de Deus no Brasil contemporâneo

Nessa virada de ano ofereço a sugestão de dois livros que merecem ser lidos, para se tentar compreender um pouco mais o fenômeno da fé e da religião evangélica - que não para crescer em todo o país - e sua relação com o crime, o tráfico e as milícias no Rio, São Paulo e em todo o Brasil.

São duas publicações editadas nesse ano de 2023. O autor do livro “A Fé e a Religião: Crime e religião no Brasil do Século XXI” é o jornalista Bruno Paes Manso que é quem indica e prefacia o segundo livro “Traficantes evangélicos: Quem são e a que servem os novos bandidos de Deus” de autoria da Viviane Costa.

Bruno Manso tem doutorado pela USP, mas se apresenta apenas como jornalista e pesquisa o assunto da violência urbana há mais de duas décadas. Ele é também o autor do livro (que ainda não li) “República das Milícias”. Já a Viviane Costa é licenciada em história, mestra em Ciências da Religião e pastora da Assembleia de Deus.

O primeiro livro, o do Manso, trata mais do fenômeno do PCC e da expansão dos evangélicos na região metropolitana de São Paulo, mas não unicamente. Já o segundo livro da Viviane trata mais do que autora chama de “narcoreligiosidade carioca” que envolve ainda a periferia da região metropolitana que inclui a Baixada Fluminense. A abrangência geográfica das duas publicações permite uma análise mais profunda, assim como suas ligações com outras regiões do país e mesmo o interior dos estados RJ e SP.

De cara digo, que os dois livros me impactaram profundamente e percebi com a visão que temos desse fenômeno é superficial, preconceituoso e quase invisível diante do todo, seja da política, da economia e/ou da vida em sociedade no Brasil contemporâneo.

A religião evangélica está por meses ou anos para se tornar a religião hegemônica no Brasil, embora a estimativa tenha sido feita até o ano do 2030.

O livro “A fé e o fuzil” de 301 páginas do Manso vai além da análise das milícias do seu livro anterior, tratando também do tráfico, mas foca nas razões que podem explicar o crescimento da igreja evangélica pentecostal, a partir da rede de proteção material e de solidariedade humana oferecida por essas organizações entranhadas nas comunidades, em especial, as periféricas e de sua a relação, quase automática, com os grupos criminosos com os quais seguem ambiguamente convivendo e se retroalimentando.

Como bom jornalista e pesquisador, Bruno Manso ouviu muitos assassinos, pastores e gente convertida. Muitas vezes, exatamente os mesmos personagens, apenas em lapsos de tempo distintos. Com texto perfeito, direto, contextualizado e que fui facilmente, o relato descortina um mar de questões e indagações sobre a sociedade brasileira e periférica contemporânea. Penso que se trata do relato de uma pesquisa com forte poder de contribuir com explicações para a questão do peso dos evangélicos na ascensão da extrema-direita no Brasil.

Manso descreve também como se dá a montagem dos “exércitos da fé” e sua preparação para o que chama de “batalhas espirituais” da salvação do apocalipse. A guerra do bem contra o mal aliada à teologia da prosperidade (empreendedorismo de si próprio) que, de certa forma, ajuda na explicação (para muitos, contraditória) sobre as razões da defesa pelos evangélicos para o uso das armas para sua “guerra santa”.

Assim, a periferia está cada vez mergulhada nessa alternativa, desacreditada daqueles que defendem a política, as políticas públicas e o aperfeiçoamento do Estado que muitas dessas organizações enxergam como problema e inimigos do seu bem-estar e da sua forma de ver o mundo.

O segundo livro “Traficantes Evangélicos: Quem são os novos bandidos de Deus” da Viviane Costa é outro relato de pesquisa que nos auxilia na compreensão sobre o fenômeno ligado às relações do narcotráfico com o pentecostalismo que compõe o que autora chama de “narcoreligiosidade carioca”. Um fenômeno que se integra à dimensão da política e da disputa pelo poder no Rio ligado ao surgimento da facção bolsonarista e da guerra urbana dos territórios pentecostalizados (a autora não separa a fração do neopetencostalismo).

Viviane em sua publicação de densas 170 páginas, expõe um pentecostalismo fluido do “espírito santo” que protege a todos que se associam contra o mal, seja quem for: o Estado, ou os grupos rivais na disputa pelo território que tem levado a um “Jesus dono desse lugar” a partir da narcoreligiosidade.

É importante registrar que a autora não apenas dá crédito, mas utiliza de uma forma inteligente, resgatando e contextualizando, em ótima síntese, fontes anteriores que pesquisara e trataram do tema como Marcos Alvito, Cristina Vital da Cunha, Patrícia Birman, o próprio Bruno Manso e dezenas de outros autores citados nas referências), indo bem além, numa pesquisa empírica de quem vê e vem de dentro do fenômeno e no território onde o mesmo se desenvolve.

Viviane Costa explica em boa parte essa guerra do bem (guerra das divindades ou guerra santa) que envolve as disputas pelo domínio do território. Em que pastor pode ser também chefe do tráfico (TCP), frequenta cultos e se mistura nessa ambiguidade (para nós estranha), mas que dá direção ao seu grupo, ao território, constitui novas lideranças, define estratégias, etc. tudo (ou quase) sob “a orientação de Deus”.

Viviane atualiza dados sobre a colossal expansão da religião evangélica que se sustenta numa potente rede de proteção material e espiritual onde o Estado é ausente. Assim, falam de manuais, dão orientações de táticas de guerra, de expansão do credo e informam sobre novas batalhas santas (“proibidões”) quando e onde formam novos ídolos e personalidades (gospel e influenciadores), estilos culturais, etc.

Ambos os relatos permitem ver, por boas frestas, como a religião evangélica se torna uma chave interpretativa das dinâmicas de violências facciosas no Rio de Janeiro para domínio do território, visto como espécie de “reconstrução dos muros da Cidade Santa” que obedeceria a ordens divinas em territórios em que “Jesus passa a ser o dono do lugar”, como o Complexo de Israel (Parada de Lucas e Vigário Geral), da mesma forma que se entende a hegemonia política da extrema-direita na periferia do Rio de Janeiro.

Fica claro com o livro, as identificações econômicas e neoliberais comuns às teologias pentecostais que aparecem não por acaso nas estruturas dessas organizações narcoreligiosas.

Trata-se de um fenômeno complexo, amplo, mais que ambíguo, multifacetado e para nós (outros, quase em minoria), ainda quase que invisível. Um fenômeno que, segundo a autora “se entrelaça em nome de Deus, por disputas espirituais e por território, nas fronteiras de uma guerra que não tem fim no horizonte”.

Penso que é preciso sair da superficialidade das leituras preconceituosas e da ideia apenas das diferenças entre pentecostais e neopentecostais como base da extrema-direita nas periferias de nossas metrópoles. Há que se oferecer alternativas e isso não é simples, porque se enfrenta uma enorme base instalada de organizações que fazem a mistura do divino com o material e a junção da concepção de mundo que junta o neoliberalismo e a divindade.

Vale muito a leitura de ambos os livros. Peço desculpas pela extensa e humilde resenha, mas ela tem a finalidade de não apenas sugerir, mas insistir que vale a pena a leitura de ambos os livros.

Mesmo que as perspectivas nas fronteiras dessa guerra (dissimulada) pareça não ter fim, haveremos de prosseguir tentando entendê-la como parte de uma disputa de classes e interesses no ambiente do capitalismo hegemonicamente financeiro e neoliberal.

Não haverá saídas sem a participação direta da população periférica e marginalizada que foi capturada pela esperança vendida com enorme rede de proteção que ofereceu solidariedade e novos horizontes. São essas crenças e ações que seguem em disputa.

domingo, novembro 19, 2023

BlackRock: estratégias e ampliação da participação em negócios financeiros e corporações no Brasil

O fundo financeiro americano BlackRock é a maior gestora de fundos do mundo, controlando um patrimônio líquido que não para de aumentar e chega, hoje, a cerca de US$ 10 trilhões ou R$ 50 trilhões no mundo. No Brasil, a BlackRock atua tanto na capitalização para seus fundos, quanto nos investimentos em valorização de ativos da economia real.

Esse valor de patrimônio sob gestão do BlackRock no mundo de US$ 10 trilhões é equivalente a 6X o PIB de todo o Brasil, embora essa comparação seja para ter ideia dos volumes de capital, mas um se trata do valor de patrimônio em valor de mercado - incluindo capital fictício - e outro estoque de riqueza real do país. No Brasil, não se tem o número exato do volume de patrimônio e participações da BlackRock entre investimentos em inovações financeiras (ações, outros fundos, etc.) e nas participações de corporações da economia real.

Porém, é vasta e impressiona a quantidade os investimentos e participações do fundo financeiro BlackRock em grandes corporações no Brasil. Em geral, são participações que oscilam entre 1% e 10%. Ex: Petrobras, Eletrobras, Bradesco, Light, Equatoral Energia, Embraer, JBS, Suzano Celulose, BRF, Marfrig, Minerva, Klabin, Fibria, Vale, Itaú, Bradesco, BTG, PRio, 3R Petroleum, Gerdau, Usiminas, Energisa, Cemig, Copasa, Via Varejo (Casas Bahia), Renner, Ambev, WEG, Grupo Soma (Hering, Animale e Farm), Arezo, Drogasil, Localiza, Assaí, Iguatemi, Cyrela, Qualicorp, etc. Vale observar que essas participações são muito dinâmicas e se alteram muito rapidamente no tempo conforme busca de maior rentabilidade.


Fonte: Quadro e-investidor publicado em matéria 30 maio 2023.

Como se sabe, os negócios e participações da BlackRock vão bem para além do quadro acima que mostra alguns dos principais movimentos no final de 2022 e início de 2023. A gestora de fundo de investimentos BlackRock está presente em negócios de diversos setores no Brasil como energia (eletricidade e petróleo), bancos, agronegócio, alimentos, mineração, siderurgia, indústria, comércio e varejo, construção e imobiliáio, etc. e também utiliza o discurso de privilegiar a visão ESG (Environmental, Social and Governance ou investimentos em Meio Ambiente, Social e Governança) com foco na sustentabilidade e da transição energética. 

No Brasil, mais recentemente, chama a atenção o avanço dos investimentos em negócios privatizados e em termos espaciais há agora um grande interesse em Minas Gerais que está em vias de privatização de empresas estatais com o governo Zema. 

No mundo, e em especial nos EUA, a BlackRock também tem ampla e diversificada participação em grandes corporações do setor de energia (Esso), tecnologia (Big Techs: Apple, Google, Microsoft, Tesla), indústria, alimentação, varejo (Wallmart) e investimentos cruzados com outros grandes fundos globais como o Vanguard, Fidelity, Morgan Staley, etc. que fazem o mesmo com outras companhias mundo afora. Como se observa, muitas dessas corporações possuem ramificações no Brasil com filiais e/ou subsidiárias.

Quem controla, mesmo que de forma minoritária, tão ampla participação em diferentes setores e territórios, sempre atuará tanto politicamente em defesa dos seus interesses, quanto geoeconomicamente, para garantir ganhos em escala e não necessariamente localizados em ativos por país. O que muitas vezes explica negócios, aparentemente inexplicáveis, de entrada e saída na participação de companhias, que individualmente não teriam razões para isso.

Vale observar com atenção os movimentos de entrada e saída dessas participações acionárias da gestora BlackRock no Brasil. Em especial no setor elétrico, lembrando que na Eletrobras privatizada por Bolsonaro, o BlackRock tem posição expressiva superior a R$ 6 bilhões. Na América Latina, a BlackRock tem investimentos e patrimônio da ordem de quase US$ 100 bilhões.

Tenho insistido desde o lançamento do livro "A ´indústria´ dos fundos financeiros: potência, mobilidade e estratégias no capitalismo contemporâneo" (Ed. Consequência, 2019) sobre a necessidade de melhor se observar o papel que as gestoras de fundos globais realizam no âmbito da configuração da atual hegemonia financeira no Brasil e no mundo.

São movimentos que mostram ainda o enlace do BlackRock com o setor bancário, fundos financeiros nacionais, controle das inovações financeiras (e papeis), captura de excedentes nacionais em seus diferentes tipos de capitalização e ainda dos ativos da economia real, em controle de ativos que vai lhe garantir valorização, alta rentabilidade e capacidade de interferência nas políticas e nas economias nacionais.

Essa denominação de ativos explica como as gestoras dos fundos financeiros lidam de forma simultânea com negócios financeiros (aplicação em renda fixa, titulo, ações e mercado de capitais, câmbio, etc.) e as aplicações em companhias da economia real, onde apostam na sua valorização e nos rendimentos a serem capturados das economias nacionais. A denominação de ativos facilita a comparação destes diferentes tipos de investimentos que passam a ser considerados pelo valor de mercado, incluindo especulação e expectativa de valorização futura e não pela capacidade produtiva de riqueza.

Um dos instrumentos do BlackRock nesses movimentos é sua plataforma Aladdin muito voltada para os fundos tipo ETF e/ou iShares(fundo de índices ou fundos coletivos negociados em bolsas) em que sua capacidade oligopólica de atuação permite simular movimentos e rentabilidades de entrada e saídas em prazos mais curtos que engolem estimativas de investidores e corretoras menores.

A plataforma Aladdin, é um sistema operacional potente que faz uso de fortíssimo aparato computacional, baseado em nuvens (centro de dados ou datacentes), que disponibilizam dados em grandes painéis de vídeo, espécie de central de operação, com capacidade de monitorar online (ou diariamente) milhares de fatores de risco, levando em conta milhares de cenários para dezena de milhares de carteiras. 

Com uso de pessoal qualificado em TIC e finanças, essa plataforma (sistema) pode submeter seus investimentos a testes de stress com centenas de milhões de cálculos e algoritmos que são atualizados e ajustados para opções de seus interesses. Outro forte instrumento de capitalização é a atração do capital de grandes famílias para seus investimentos no Brasil e fora, através das careteiras do tipo family office.

Trata-se de uma forma mais agressiva de financeirização que substitui o crédito e o endividamento bancário pelo controle direto dos ativos escolhidos em prateleira, onde através dos seus representantes, CEOs e diretores com mandatos temporários e fixados e ganhos conforme resultados pré-definidos que acabam impondo perversos mecanismos de enxugamento, exigem "reengenharia", pressões sobre os vários stakeholders e precarização sobre o trabalho no território.

É essencial entender e debater esse fenômeno sobre as cadeias de valor global, a atuação transversal e transfronteiriça dos fundos, sobre a geoeconomia, a geopolítica, a disputa pelo poder político nos países e a formulação das estratégias dos projetos nacionais de desenvolvimento.

segunda-feira, novembro 06, 2023

O Brasil precisa de mais - e eficiente - Estado social

Muitos na sociedade falam da necessidade de reduzir o Estado e perdem a noção do peso da previdência social e dos direitos sociais na vida das pessoas e também dos municípios. Nesse sentido, a nossa Previdência Social e o INSS prestam um serviço e cumprem um papel nem sempre reconhecido.

No Brasil todo, 37,6 milhões de pessoas recebem algum benefício (aposentadoria, pensão e/ou auxílios) do INSS. Em 2022 o INSS pagou a extraordinária quantia de R$ 734 bilhões. Uma quantia espantosa.

Só para se ter uma ideia na escala local. Em Campos dos Goytacazes, município de médio porte com 474 mil habitantes, o INSS pagou no ano passado (2022) cerca de R$ 1 bilhão a 87 mil beneficiários. Ou seja, 18,5% da população recebe algum benefício, seja aposentadoria (a maioria), pensão e auxílio de diversas naturezas. Valor equivalente a mais de 1/3 do orçamento previsto para o município em 2023.

Uma potente rede de proteção social que alimenta o circuito da economia local e que acaba por garantir emprego e renda em setores como comércio e os serviços, hoje, o maior empregador no município de Campos dos Goytacazes. Esse dinheiro pago pelo INSS é fonte de emprego, geração de renda, salário e proteção social.

Essa conversa de menos Estado é um engodo. 

O Estado social pode ser aperfeiçoado para ser mais eficiente. Necessitamos de um Estado Social com boas políticas públicas de saúde, educação, transportes. Digitalização para facilitar a vida de todos e não dirigir dados e rendas para os oligopólios das Big Techs.

Um Estado que regule o trabalho (em suas diferentes formas) e nos garanta direitos para superar a atual e enorme precarização, onde sofre aqueles que não possuem esses direitos. 

O Estado Social é também base da economia e só reduzindo a desigualdade se pode pensar e falar em democracia.

segunda-feira, outubro 23, 2023

Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em cerca de 17 mil, em 2022 em Campos, RJ. Somado à EaD chega a 27 mil graduandos.

Este blog, há quase duas décadas, publica a evolução das matrículas nas instituições de ensino superior no município de Campos dos Goytacazes, RJ e demais municípios fluminenses. Os números têm sido extraídos e tabulados da complexa "base de microdados" do Censo do Inep/MEC, em trabalho dedicado, feito exclusivamente para o blog (e pesquisadores que aqui colhem informações), pelo professor José Carlos Salomão Ferreira (IFF). Esses indicadores são do Censo do Ensino Superior 2022. 

Na semana passada publicamos aqui os números do Ensino à distância (EaD) em Campos dos Goytacazes cresceu mais que o dobro do Brasil. Agora apresentamos a evolução dos dados das matrículas do ensino presencial entre os anos 2003 e 2023 no município, classificados por instituição e com uma tabulação comparativa do número de matrículas nas instituições públicas e privadas. 

A redução do total de matrículas presenciais no município de Campos dos Goytacazes entre 2022 e 2021 é pequena, de pouco mais de 1%, saindo de 17,4 mil para 17,1 mil, caracterizando uma estabilidade, embora com algumas variações no nº de universitários entre as onze instituições ofertantes no município. 

O pico do nº de matrículas no ensino superior presencial em Campos foi de 21.244 matrículas em 2008, quando o número de bolsas universitárias das prefeituras era grande (com a fartura dos royalties) e o percentual de matrículas nas instituições privadas era de 78% do total. Abaixo a tabela com os números extraídos do Censo do Ensino Superior 2022 do Finep-MEC.


Desde 2021, as instituições públicas somam mais matrículas que as instituições privadas: 8.708 matrículas (8.708 matrículas: 50,7% x 8.455 matrículas: 49,3%. A instituição pública com maior número de graduandos é o Instituto Federal Fluminense (IFF) com 3.791 matrículas, seguido da UFF com 2.333 matrículas, depois Uenf com 2.088 matrículas. 

Entre as instituições privadas no município, a que possui o maior nº de graduandos é a Estácio com 2.292 matrículas, seguido do Isecensa com 1.648 matrículas e depois a Universo com 1.574 matrículas. A maior perda de matrículas entre as instituições públicas é da Uenf com menos 216 graduandos e nas instituições provadas da Ucam com menos 286 matrículas. A Ucam chegou a ter 2.442 universitários em 2018 e em 2022 tinha regredido para 913 graduandos.

Observa-se, como já temos comentado nos levantamentos nos anos anteriores, que o ensino universitário deve ser sustentado no tripé: ensino, pesquisa e extensão, que deveriam funcionar de forma integrada, em que cada uma alimenta a outra. E neste caso, a pesquisa e extensão nas instituições privadas são irrisórias ou não existem. Em especial, a pesquisa, já que a extensão, existe com alguns esforços nesse sentido, em algumas das sete instituições privadas que funcionam em Campos, RJ. No caso de EaD a ausência da extensão e pesquisa é ainda pior.
 
Vale ainda observar que as variações entre 2020 e 2022 decorrentes da pandemia acabaram não sendo tão grande como se imaginou num primeiro momento no ensino presencial, embora o crescimento do número de matrículas no ensino superior à distância (EaD), em todo o Brasil e também em Campos seja expressivo.


Referências:
[1] Postagem do blog em 1 de novembro de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 4% em Campos, RJ, mas com ligeiro aumento nas instituições públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/11/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[2] Postagem do blog em 18 de abril de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 5% em 2020, em Campos, RJ. Porém, somado à EaD chegam a 25 mil graduandos.
 Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2022/04/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[3] Postagem do blog em 22 de setembro de 2019. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em Campos nos últimos 4 anos: percentual aumenta nas públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2019/09/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[4] Postagem do blog em 23 de setembro de 2018. Apesar da crise, as matrículas no ensino superior em Campos se estabilizam em 20 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/09/apesar-da-crise-as-matriculas-no-ensino.html

[5] Postagem do blog em 11 de novembro de 2017. Censo do Ensino Superior 2016: Campos com 19,8 mil universitários. E a qualidade? Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/11/censo-do-ensino-superior-2016-campos.html

[6] Postagem do blog em 8 de dezembro de 2017. Entre 2003 e 2016, as matrículas no ensino superior no ERJ cresceram 36%. Nas instituições públicas cresceram (82%). Mais de três vezes que (25%) o crescimento nas instituições privadas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/12/entre-2003-e-2016-as-matriculas-no.html

[7] Postagem do blog sobre o Censo no anos anteriores. Em 23 nov. 2016.
Campos aumenta nº estudantes no Ensino Superior para 19,3 mil matrículas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/11/campos-aumenta-n-estudantes-no-ensino.html

[8] Postagem do blog em 1 de mar. 2016. Campos possui 18 mil alunos no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/03/campos-possui-18-mil-alunos-no-ensino.html

[9] Postagem do blog em 18 de ago. de 2015. Ensino superior em Campos perde 4 mil matrículas em 5 anos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/08/ensino-superior-em-campos-perde-4-mil.html?m=1

[10] Postagem do blog em 31 jul 2015. Campos tem 17,1 mil alunos matriculados no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/campos-tem-171-mil-alunos-matriculados.html

quinta-feira, outubro 19, 2023

Ensino à distância (EaD) em Campos dos Goytacazes cresceu mais que o dobro do Brasil

No município de Campos dos Goytacazes, RJ, em 2009 eram 886 matrículas em EaD ofertadas por 8 instituições. Já no ano passado, em 2022, eram 9.864 matrículas, ofertadas por 38 instituições, instaladas pelo país. 

Em 13 anos, um crescimento de mais de 11 vezes no número de matrículas no município, enquanto em todo o Brasil, eram 837.431 matrículas em 2009, tendo passado para 4.321.934 matrículas em 2022, com um crescimento de 5 vezes.

Já as matrículas no ensino superior presencial no município de Campos dos Goytacazes tem se mantido relativamente estável na última década, em torno de 17 mil estudantes, embora com variação do n.º de universitários por instituição. Porém, esses dados publicaremos adiante no blog, como fazemos há muito tempo. Não há o que comemorar, mas muito a ser analisado e em várias dimensões.

Essas informações foram estratificadas dos microdados do Censo do Ensino Superior Inep/Mec e foi divulgado há poucos dias. A tabulação é do professor do IFF, Jose Carlos Salomão, que realiza esse levantamento há quase duas décadas.




quinta-feira, setembro 07, 2023

Kopenhagen & Nestlé: um negócio entre fundos financeiros

Muitos não se deram conta que entre os donos da antiga e inovadora empresa Konpehagen e a Nestlé, a empresa passou pelas mãos do fundo americano Advent International, que ganhou um bom dinheiro nessa intermediação.

Entre processos de capitalização e valorização, essencialmente a gestora de fundos serviu de intermediadora.
 
Na ocasião informou que teria comprado a Kopenhagen para abrir capital em IPO, mas era jogo de cena, para entregar o mercado à gigante Nestlé.

Como destinatário final dos negócios, a Nestlé objetivou manter o controle sobre mercado de chocolates no Brasil, numa estratégia que se segue à compra de outra fabricante brasileira tradicional, a Garoto.

Antes de terminar uma parte dos bastidores que não aparece na mídia financeira e corporativa, vale dizer que a Nestlé, há algum tempo deixou de ser apenas aquela grande corporação suíça e hoje é um ativo controlado por grandes fundos, entre eles o também americano, Vanguard Group.

As indústrias são de chocolate (alimento) na economia real, mas os negócios são de natureza financeira e oligopólica. Por isso, nossa referência, aos negócios quase simultâneos que misturam capitalização, valorização e oligopolização que são atualmente sustentados pela hipermobilidade dos fundos financeiros globais.

sexta-feira, agosto 25, 2023

Empresas do Porto do Açu querem reduzir ainda mais a alíquota de ISS paga à PMSJB

Há cerca de dez dias, eu escrevi um texto (aqui no meu blog e no FB), que é uma síntese de uma análise mais ampla e aprofundada, sustentando com alguns dados e argumentos, que o Porto do Açu, quinze anos depois do início de sua construção e quase dez do início de sua operação, se estabelece muito mais como um negócio de base - em especial - extrativista, de enclave e como um território de passagem do que como um projeto de desenvolvimento.

Não vou repetir o texto e nem os argumentos. Quem desejar volte ao mesmo. Porém, o mesmo suscitou algumas conversas, debates e informações, mas a maioria fora do ambiente da internet.

Algumas pessoas (nem muito e nem poucas) me procuraram para concordar no todo, ou em parte, ou com o desejo de aprofundar o diálogo sobre o tema e tudo que o mesmo acabava por provocar, na medida em que o assunto tende quase sempre a suscitar mais discursos vagos e difusos sobre progresso, do que análises, pelo menos, um pouco mais profundas.

Terminal Onshore T2 do Porto do Açu. Fonte: Petróleo Hoje.
Para mim, o desejo de conversas mostra e justifica, porque ainda mantenho o blog e algumas postagens nas redes sociais.

Uma das informações que me chegaram é que representantes de empresas instaladas no Porto do Açu, estão "sugerindo" à Prefeitura de São João da Barra, reduzir ainda mais a alíquota do Imposto sobre Serviços (ISSQN) de 2,5% para 2% que pagam ao município.

A informação/intenção não pública, mas confirmada por outra fonte, corrobora boa parte dos argumentos apresentados no texto anterior, e merece alguns outros comentários.

A infraestrutura de circulação do projeto portuário, visa atender o fluxo de minerais extraídos do que a projetos de desenvolvimento locais e/ou regionais. Como já disse antes, o Porto quer fluidez de suas cargas, custos reduzidos na movimentação de cargas, maior produtividade e pouco, ou nenhum enlace, ou integração com a região.

O ISS é - e tem sido - uma das poucas rendas que fica no município, entre todos os fluxos que pelo Porto do Açu passam e que, no ano passado, superou o valor de R$ 12 bilhões e deve chegar esse a próximo de R$ 20 bilhões.

Vale lembrar que a PMSJB, no final do ano de 2004, já sabendo dos negócios que apontavam para a implantação de um porto no Açu, apresentou à Câmara de Vereadores, o projeto de lei do ISS com mudança da alíquota do tipo de serviços portuários reduzindo-o de 5% para 2,5%. Sim, metade como "incentivo fiscal municipal".

Desde 2004 até hoje, a lei revista anualmente, vem mantendo essa alíquota de 2,5%, mesmo que em outros municípios também com bases portuárias, essa alíquota esteja sendo corrigida para valores até 5%. 

Evidente que com as construções do Porto do Açu a receita municipal de ISS em SJB foi se ampliando: R$37 milhões em 2012; R$ 63 milhões em 2014, ano do início das operações do porto com exportações de minério de ferro; R$ 81 milhões em 2019 e R$ 119 milhões em 2022.

É uma boa receita para o município, ainda mais que é própria, embora ainda inferior às receitas petrorrentistas municipais com os royalties do petróleo que, em 2022, chegou a R$ 174 milhões.

Porém, é absurda a sugestão dos vários negócios instalados junto do Porto do Açu, desejarem outro incentivo fiscal dessa ordem de 0,5%.

Em termos percentuais é uma redução que parece mínima, mas em valores absolutos e referentes ao ano de 2022 equivaleriam a uma perda de receita de R$ 24 milhões, em apenas um ano.

Imagina se a alíquota tivesse sido mantida em 5%. Em 2022, o município de SJB teria tido uma receita de ISS de cerca de R$ 240 milhões.

O porto não é uma dádiva para o município ou região. É um negócio que se utiliza e produz o território segundo seus interesses, e nesse caso com quase nenhum enlace e com desejo de fluidez na movimentação das cargas e pouca interação ou enlaces com a comunidade que oferece a base territorial, onde foi instalada uma enorme infraestrutura logística-portuária para corredores de exportação e num grau menor de importação.

Para fechar, a reflexão que complementa o artigo anterior, é interessante ainda perceber que desde 2013, quando os donos dos Porto do Açu mudou de mãos, saindo da LLX, subsidiária do grupo EBX do Eike Batista, para controle do fundo americano EIG Global Energy Partners (76%) e fundo soberano Mubadala de Abu Dhabi nos Emirados Árabe Unido (EAU) com 24%, os questionamentos sobre os negócios e interesses avantajados do novo controlador se reduziram.

Creio que não exista outro argumento que não seja, o quase total desconhecimento sobre as práticas (processos, modus operandi e estratégias) utilizadas pelas gestoras dos fundos financeiros em seus negócios na gestão do que chamam de ativos, para diferentes setores e lugares no mundo. 

É fácil e possível saber em que tipos de atividades, negócios e lugares as gestoras dos fundos financeiros investem, mas a grande maioria das pessoas não sabem quem investe nesses fundos, seus interesses e muito menos, a forma e o modo como eles tomam posições, no comando sobre os diretores e gerentes que atuam no território e no qual se inserem interesses como esse de reduzir o ISS pago ao município que serve de base às suas operações e negócios globais.

Penso que a região Norte Fluminense precisa compreender um pouco melhor sobre tudo isso e não e apenas aprovar ou rejeitar o destino que não é nem nunca foi inexorável.

segunda-feira, agosto 14, 2023

Porto do Açu mais enclave e território de passagem do que desenvolvimento teve R$ 12 bi de movimentação em 2022

Muitos dizem que um porto é uma porta ou janela para o mundo. É verdade e estão certos. Porém, é importante lembrar que as bases e os portos de última geração, afastados das áreas urbanas, são também e quase que apenas, territórios de passagem de corredores de exportação. 

Os grandes complexos portuários da geração mais recente dessa tipologia de portos, instalados afastados nos núcleos urbanos, são na essência bases e enclaves entre fluxos de mercadorias. Esse é o caso do complexo portuário do Porto do Açu controlado pela Prumo Logística (ex-LLX) que é de propriedade do fundo americano EIG e possui 10 diferentes terminais licenciados junto à Antaq que se utilizam dos berços offshore (T1) e onshore (T2).  

Vista de parte das instalações do Porto do Açu, a partir da
estrada de acesso à portaria principal em 12/08/2023.
 
Buscando me atualizar sobre as instalações, os movimentos dos negócios e a relação com o território, para além do acompanhamento de indicadores, informações corporativas e da gestão pública, eu fiz uma nova visita de campo no último sábado, 12/08/2023, em quase todo o entorno do Porto do Açu. A apartação entre as instalações, quase fortificadas, na área do porto, a região e a comunidade continua muito grande.

A riqueza extraída passa por esses dez terminais portuários com pouca ou nenhuma conexão (rugosidade) com a região. Passa minério de ferro pelo mineroduto, petróleo em transbordo entre navios, cobre vindo de grandes caminhões de Goiás, bauxita de Minas Gerais para serem exportados. Fertilizantes são importados e direcionados ao agronegócio, assim como subprodutos siderúrgicos atendem fornos no vizinho território mineiro. 

Nestes lucrativos movimentos, o operador portuário e os donos das cargas querem fluidez que é o que garante produtividade e alta rentabilidade que já vem sendo obtida. Porém, sem indústria e sem beneficiamento, o que se tem é basicamente, e só, enclave, sem integração com economia local, sem adensamento e encadeamento. Geração de energia com uso do gás importado (GNL) através da termelétrica da GNA, se produz a eletricidade que se torna novo um insumo.

As usinas termelétricas representam uma atividade que gera emprego, mas de forma mais efetiva, apenas na construção. Já na operação, a empregabilidade é pequena com a UTE só funcionando quando há redução do nível de água nos reservatórios das hidrelétricas do sistema nacional. O número de empregos na operação das UTEs fica entre 80 e 100 funcionários apenas.

O restante das atividades são exportações extraídas no litoral com apoio à exploração offshore ou no interior no Quadrilátero Ferrífero mineiro, e que, chega ao Açu através do mineroduto, circulando pelos territórios de passagem ou cobre vindo de Goiás.

Sim, a condição de território de circulação gera um imposto local de serviço de movimentação de cargas (ISS) que até hoje é pouco fiscalizado e pago de forma autodeclaratória pelo operador portuário.

A arrecadação de ISS em SJB, nos três últimos anos, incluídos todos os tipos de serviços - e não apenas aqueles desenvolvidos no Porto do Açu e ligado às exportações -, chegou 308 milhões, com uma média na faixa de R$ 100 milhões anuais. Desde que o porto começou a operar, no segundo semestre de 2014, o valor total arrecadado de ISS em SJB, é de cerca R$ 650 milhões, quase que a única receita paga ao "território de passagem". 


Exportações e importações em 2022 no Porto do Açu somam R$ 12 bilhões
Até julho de 2023 chega a R$ 10,8 bilhões - destaques para China, EUA e Índia

Para se ter uma ideia do volume de riquezas que tem passado pelos dez terminais portuários do Açu e que se destinam às exportações, vamos olhar os números de exportações e importações do ano passado, 2022, e nos primeiros sete meses (até 31/07) do ano de 2023.

Em 2022 o Porto do Açu movimentou US$ 2,480 bilhões (R$ 12,1 bilhões), sendo US$ 1,965 bilhão (R$ 9,6 bilhões) em exportações e US$ 515 milhões (R$ 2,5 bilhões) em importações de cargas. 

Já nos primeiros meses de 2023, entre janeiro e julho, esse valor total entre exportações e importações já foi quase superado e chega a US$ 2,215 bilhões (R$ 10,8 bilhões), sendo US$ 1,791 bilhão (US$ 8,8 bilhões) em exportações e US$ 424 milhões (R$ 2 bilhões) em importações de cargas.

As exportações são especialmente fruto do extrativismo do petróleo e minério de ferro. Em 2022, o destino das exportações, em valores FOB e em dólares, foram em especial para: 1) Índia US$ 669 milhões; 2) EUA US$ 567 milhões; 3) Espanha US$ 283 milhões; 4) China US$ 281 milhões e 5) Uruguai R$ 65 milhões.

Nos sete meses de 2023, entre janeiro a julho, os destaques nas exportações foram: 1) China 784 milhões; 2) EUA US$ 461 milhões; 3) Índia US$ 168 milhões; 4) Espanha US$ 113 milhões e 5) Holanda US$ 113 milhões. 

Nas importações em 2022 e 2023* que equivalem em valores a cerca de 1/4 das exportações, os destaques são as compras vindas do Reino Unido, Alemanha, EUA; França; China, Suécia e Noruega.

Diante de tanta riqueza que circula por esse território de passagem, o que fica no município de SJB e na região é muito pouco. Pela região circulam os fluxos em diferentes modais: nas rodovias mais de duas centenas diárias de enormes carretas, fluxo de minério pelo mineroduto, E.E. pelas linhas de transmissão, gás pelos gasodutos e adiante em oleodutos e ferrovia que ligará portos do ES aos terminais do ERJ. Tudo exigindo fluidez e pouquíssimo (ou nenhum) enlace com as economias locais. ´

Esses fatos mostram que não é possível compreender os grandes projetos de investimentos (GPI) nos quais se incluem os complexos portuários, o desenvolvimento regional, sem analisar as relações transescalares e as articulações das cadeias globais de valor e financiamento. 

Esse breve comentário da postagem, é parte um texto com uma análise mais aprofundada sobre as questões macro e estruturais e em várias dimensões sobre o assunto. O texto com essa análise se destina a um capítulo de um livro-coletânea resultado de um fórum de que participei na Uenf em setembro de 2022, organizado pelo INCT, Observvatório das Metrópoles, Núcleo NF, que teve como título: "Governo e desenvolvimento urbano: características da economia extrativista e desafios para o Norte Fluminense".

Na apresentação e debates da mesa-redonda, realizada em setembro de 2002 e no texto para o livro, eu comento sobre o longo percurso do NF, entre continuidades e descontinuidades, desde agroindústria canavieira, o extrativismo, enclaves, a logística portuária visto como Grande Projeto de Investimento (GPI), as gestoras de fundos de investimentos e a hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo no qual a região se insere de forma subordinada como uma espécie de rota da internacionalização.

Nesse processo e diante das estratégias de um capitalismo sob a hegemonia financeira e com a lógica da gestão de ativos, o Estado (em seus diferentes níveis) tem atuado mais como despachante de luxo do capital. Ao contrário do que se diz, não se trata de um Estado mínimo e sim um Estado potente, só que para fortalecer o mercado, e não um Estado-social que pudesse levar ao desenvolvimento da economia real em suas condições materiais, mas para atender à maioria da população do NF e do ERJ. 

Em síntese, a economia do Norte Fluminense oscila entre o petrorrentismo da economia dos royalties, o enclave da base de apoio operacional do extrativismo do petróleo e do gás - que está se deslocando para a Bacia de Santos - e um território de passagem de um circuito global exportador e importador. O tema merece um debate mais amplo e esforços para "desenclavar" esse circuito econômico.

quinta-feira, agosto 10, 2023

19 anos de blog!

É muito tempo. Das várias e até dezenas postagens num dia, desde o 10 de agosto de 2004, hoje restam duas, três, no máximo quatro, mensais (com raro mês sem nenhum texto), alternadas com outras notas mais curtas, em um dos meus perfis nas redes sociais, onde a interação é maior. Ainda assim, o blog seguiu seu caminho.

Confesso algum cansaço e muito incômodo quando lembro que as postagens podem - e devem estar servindo mais à captura de dados, treinamento e aprendizado de máquinas para algoritmos - do que para a troca crítica de informação e opiniões. 

Porém, há algum tempo já dava para perceber que as plataformas digitais são efetivamente isso, simultaneamente: atratividade e sociabilidade como vantagens e repulsa, isolamento, individualismo e ódio, entre muitas outras desvantagens.

Quando iniciei em 2004 nem de longe imaginava que as plataformas digitais caminhassem para onde hoje estão e o que representam em termos de extrativismo e colonialismo de dados e máquina do ódio. O que demonstra como erramos em muitas de nossas estimativas de cenário. Assim, já observando o que estava vindo e o tempo retirado de outros afazeres, eu fugi das sugestões de montar canal no YouTube e mantive apenas no texto estendido aos perfis das redes sociais.

Porém, até para uma avaliação crítica desse ambiente, a manutenção do blog vai servindo, porque sempre é útil e importante se manter ligado ao objeto que se investiga.

A contagem do número de postagens e visitas que são feitas ao blog, foram se alterando com o tempo e com os robôs de acesso. Assim, eu não sei se são confiáveis, porém me espanta que mesmo com muito menos atualizações, as visitas diárias ainda oscilem na média entre 2 mil e 2,5 mil. Nos 19 anos, o Google me informa que foram 9,5 milhões de visitantes em 19.304 postagens, incluindo essa.

Interessante ainda observar, vez por outra, que várias postagens antigas ainda geram interesse e acessos, certamente, após serem localizadas em buscas, mesmo que estes mecanismos e sua programação algorítmica, tenham se alterado tanto ao longo desse tempo e tornando algumas postagens mais difíceis de serem localizadas no Google que é a Big Tech (sic) que guarda (e extrai, sic) esse arquivo de 19 mil postagens e 46,3 mil comentários.

Lembro que um dos motivos de ainda manter o blog, é que o mesmo me serviria de arquivo de informações levantadas e de leituras conjunturais, aos quais recorro com alguma frequência. Pelos números de visitas a postagens antigas, vejo que esse arquivo deve estar também servindo ainda a um amplo público expressivo e que só o Google pode saber quem são (sic, e seguem as contradições, sic).

Por tudo isso é evidente que o blog já passou e muito do que seria um tempo de vida útil razoável, estando assim muito perto do fim, mas enquanto ainda pensamos criticamente e tendo alguma disposição para escrever, seguimos no caminho, lembrando do grande poeta espanhol que afirmou que o caminho se faz ao caminhar...

Agradeço por esse trabalho aos amigos colaboradores, incentivadores e críticos do blog, que se estenderam também aos nossos perfis do FB, Instagram e Twitter. Eles também fazem o caminho. Os seus e o nosso. Valeu e sigamos em frente!

quarta-feira, julho 26, 2023

Relação entre tecnologia e finanças segue ampliando lucros dos bancos no Brasil

O quadro (tabela) abaixo permite fazer uma série de leituras e análises. Vamos brevemente apenas alguns pontos. A motivação para a produção da tabela abaixo com dados atuais decorreu de várias matérias na mídia corporativa e financeira informando o fato do banco digital Nubank ter ultrapassado o Banco do Brasil (BB), em número de clientes no Brasil, mesmo sem ter uma única agência física.

Sem nenhuma agência e com menos de 10% do total de funcionários do Banco do Brasil, o Nubank já tem valor de mercado que é quase 30% maior que esse, o primeiro banco surgido no Brasil.

A CEF foi colocada no final dessa lista feita por ranking de valor de mercado, mas se trata de um banco estatal que não opera na Bolsa, não tendo um valor de mercado, embora seja um dos principais bancos que operam no varejo no Brasil.

A Caixa Econômica Federal (CEF) lidera no país o número de clientes que chega a 150,4 milhões; o Itaú vem em segundo com cerca de 100 (99,9) milhões de clientes. A CEF que tem 86 mil funcionários, mesmo n.º do BB. A CEF é em boa parte o banco dos pobres do Brasil, atendendo aos diversos programas de proteção social e políticas de habitação e saneamento.

No extremo contrário da CEF está o BTG, um banco que é mais um banco de investimentos, mas que há algum tempo passou a também a atender no varejo como banco digital (via aplicativo) e muito voltado para aplicações no mercado financeiro e de capitais. Já o Itaú, é atualmente, no Brasil, o banco com o maior valor de mercado, chegando a US$ 58,7 bilhões.

Um valor bem expressivo, mesmo no mundo, sendo que no Brasil perde apenas para a gigante Petrobras que tem US$ 94,6 bilhões de valor de mercado e está na 169º lugar no ranking mundial, sendo a 9ª entre as petroleiras com ações em bolsa.  

Vale dizer que além da presença majoritária do setor financeiro entre as corporações com maior valor de mercado no Brasil, esse é o setor que, ano após ano, vem batendo recordes em lucro líquido. Em 2022 no Brasil, o lucro líquido médio dos bancos somou R$ 138 bilhões (a maioria dos quatro maiores bancos: BB, Itaú, Santander e Bradesco), mais que o dobro do lucro de R$ 59 bilhões registrados há uma década em 2021.

Somando os seis bancos do quadro acima mais a CEF eles chegam ao número de 424,8 mil funcionários. Só CEF junto com o BB chega a 172 mil funcionários, cerca de 40% do total dessa lista. O número de clientes destes seis bancos junto com a CEF chega a 580 milhões, o que permite interpretar que entre a população bancarizada no Brasil, a maioria tem pelo menos três a quatro contas em bacos diferentes.

Esses dados e indicadores permitem ainda compreender outros processos, entre eles a digitalização (plataformização) do setor bancário, com efeito sobre o emprego e também em termos de relação com os clientes. Esses dados mostram o avanço do esquema da relação entre finanças e tecnologia, de onde sai a expressão “fintech”, usada para se referir a esses bancos digitais sem agências e com relação via aplicativos e telefone.

As diferenças na relação entre n.º de clientes e n.º de funcionários que nos extremos variam de 10.000 no Nubank, a 235 no BTG (poucos e ricos correntistas), ou de um valor entre 867 no BB, 999 no Itaú e cerca de 1.200 no Bradesco e Santander parecem indicar uma tendência de ampliação da bancarização em n.º de clientes com menor número de bancários fruto da expressiva digitalização.

A relação recorde n.º de clientes por n.º de funcionários é identificada na CEF chegando a 1.748, o que evidencia não apenas a capilaridade de um banco popular e com presença forte em todo o país, mas a ótima relação entre nº de clientes por funcionário, o que também demonstra produtividade, como já foi dito, em especial nos programas de proteção social.

O valor de mercado do Nubank, 30% acima do tradicional Banco do Brasil e praticamente empatado com o Bradesco, confirma outra evidência, no processo que vem alterando a forma como as pessoas se relacionam com o setor financeiro (bancos). A abertura de contas, depósito e transferências (com e sem Pix), aplicações e investimentos, resgates, contratação de seguros, etc. foi e continua sendo completamente transformado.

Trata-se em boa parte do mesmo processo que vem atingindo outros setores da economia: a plataformização. O fato também reforça a compreensão sobre a hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo. Como tenho insistido, tanto o setor de tecnologia como o de finanças têm atuação transversal com ação sobre todos os demais setores de atividade humana na sociedade. Assim, juntos e misturados, tecnologia e finanças avançam, ampliando o controle, participação acionária e a captura de valor sobre os demais setores da economia.

Outra transformação em curso é sobre a forma de intermediação financeira na atualidade. Os bancos tradicionais atuavam de forma exclusiva nesse setor, captando investidores e ofertando créditos. Hoje, isso continua a ser feita tanto pelos bancos tradicionais da forma já conhecida, como pelas suas plataformas e aplicativos digitais como fazem as fintechs.

A intermediação financeira deixa de ser apenas via créditos (empréstimos), mas os negócios, em especial os grandes projetos de investimentos (GPIs) e aqueles que são intensivos em capital como os de infraestruturas são cada vez mais viabilizados e controlados por gestoras de fundos financeiros que passam a gerir a aplicação em capital fixo no território para implantação de negócios na economia real, como na aplicação e inovação em papéis, títulos e certificados e lançamento de ações no mercado de capitais.

Há várias outras análises possíveis de serem feitas para se analisar o movimento do setor bancário e financeiro no Brasil. Há bons pesquisadores que acompanham em detalhes esse setor, comparando ao movi mento global e também a relação deste setor com o mercado de capitais e a hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo.

quinta-feira, julho 20, 2023

Varejista chinesa Shein é um caso típico do Plataformismo

Esse caso da Shein detalhada na matéria do Valor (20/07/23, p. B1) embute uma questão que venho tentando discutir e apresentar. 
["Shein desembarca no sertão e movimenta oficinas de costura: Moda - Região do Seridó, que abriga24 municípios no Rio Grande do Norte, trabalha com capacidade ociosa, de até 50% em algumas confecções"]
Valor, 19/07/2023, p. B1. Clique sobre a imagem para ver em tamanho maior.

Chama a atenção como os chineses da Shein foram tão rápidos no gatilho e incorporaram o Fordismo da confecção feita no sertão ao seu forte esquema de plataformização de atuação global. Vale lembrar que o Brasil responde por pouco mais de 4% do total comercialização em site e app da Shein, segundo estimativas do BTG. [FSP, 09/06/2023 - Shein no Brasil já vende mais que a Marisa]

Essas empresas-plataformas possuem maior agilidade do que a rede de lojas de varejo. Veja como a Shein rapidamente se adaptou às novas tributações, negociações com governo, articulação com a Coteminas, as facções e algumas cooperativas de confecção do Nordeste.

Analisaram qualidade da produção, observaram tecido comprado no Brasil e vindo da China e iniciam um esquema de produção vinculado à sua plataforma digital de e-commerce.

Por isso, em dois anos, a Shein (sem nenhuma loja física no Brasil, contra cerca de 400 da Renner e outras tantas da Riachuelo) já é a 2ª maior receita (em 2022 chegou a um valor entre R$ 7 e R$ 8 bilhões) entre as varejistas de roupas no Brasil, só atrás da Renner, por pouco da Riachuelo e na frente da C&A. 

Para mim, isso se explica pelo que venho chamando de Plataformismo, como nova etapa do Modo de Produção Capitalista. Ela não substitui as etapas anteriores. Uma etapa que convive bem com as estas anteriores do Taylorismo/Fordismo (veja esse caso da produção no Nordeste) e o Toyotismo que foram ressignificados com o uso das plataformas digitais. As Plataformas Digitais atuam como infraestruturas de mediação e servem, ao mesmo tempo, como meio de comunicação e meio de produção para diferentes negócios da produção aos serviços.

Fonte: FSP, 09/06/23.
Os negócios e o e-commerce das empresas-aplicativos são mais ágeis e misturam a produção no território, digitalização das plataformas, startupização, financeirização em negócios de escala global a uma infraestrutura logística material de distribuição e entrega controlada administrada por softwares e algoritmos.

O caso reforça ainda a observação de que a precarização do trabalho não se dá apenas na entrega (circulação) das mercadorias, mas também na produção, na medida em que o trabalho humano é o diferencial do custo da mercadoria.