quarta-feira, março 11, 2015

Soffiati em novo artigo fala sobre os "embates entre o mar e o continente" em nosso litoral

O professor, pesquisador e ambientalista Aristides Soffiati oferece ao blog a publicação de novo e inédito artigo, sobre os pontos de erosão em nosso litoral. É uma excelente reflexão contribuição para a compreensão da disputa entre o mar e o continente que tem sido abordado com frequência nesse espaço.

O texto faz uma análise histórica do litoral do sul do Espírito Santo, de Marataízes, indo até o município de Macaé. É recheado de imagens, em sua maioria fruto da pesquisa do próprio autor ao longo de um vasto período de observação. Assim mostra como as intervenções foram contribuindo para esses efeitos nessa frágil área costeira. Confiram:

Embates entre o mar e continente

Arthur Soffiati

Se fosse possível um ser humano fazer um mapa da costa entre os Rios Itapemirim (ES) e Macaé (RJ) há dez mil anos, o contorno seria distinto mas não tão diferente que o de hoje. O continente, então, avançava mais dentro do mar. Na altura da planície fluviomarinha de Campos, a costa mostrava uma espécie de reentrância, hoje não mais existente. Entre o que seria Barra do Furado e Macaé. já havia a restinga onde hoje está estabelecido o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. O Rio Paraíba do Sul deveria desembocar num ponto perto do que é hoje o Cabo de São Tomé.

Figura 1- Formação da planície fluviomarinha do Rio Paraíba do Sul,
segundo Martin, Suguio, Flexor e Dominguez (1997)

Como se rebelado, o mar sobe e avança sobre essa costa. Nos pontos mais altos, os terrenos de tabuleiro entre Manguinhos (RJ) e a foz do Rio Itapemirim (ES) recuaram. O mar esculpiu neles paredões a que chamamos de falésias. No vale do Paraíba do Sul, mais baixo que em outras partes, o mar invadiu e chegou até a Lagoa de Cima, erodindo o tabuleiro. Formou-se uma espécie de semilaguna, com ilhas formando uma orla e reduzindo a força do mar. Essas ilhas eram resíduos da costa. Em 5.100 anos antes do presente, ocorreu a invasão máxima. Depois, o mar começou a recuar e o Rio Paraíba do Sul avançou nessa semilaguna e a aterrou com sedimentos trazidos da região serrana. Com eles, o rio formou uma vasta planície aluvial. Rio e mar completaram a obra, construindo a maior restinga do atual Estado do Rio de Janeiro.

O grande tabuleiro que se estendia das proximidades atuais de Macaé ao Rio Itapemirim, já havia sido cortado pelos Rios Itabapoana e Paraíba do Sul antes do avanço do mar. Ele agora tem uma unidade em Quissamã, outra que se estende da margem esquerda do Paraíba do Sul ao Itabapoana e outra deste Rio ao Itapemirim.

Depois de 5.000, desde o último avanço do mar, eis que ele ataca novamente a costa entre Macaé e Itapemirim em vários pontos, além de outros no Brasil, como Rio das Ostras, onde a costa é bem diferente da que analisamos. Segundo os cientistas, os fatores desse novo embate são todos eles de origem humana e de âmbito planetário, regional e local. Os de natureza planetária são o aquecimento global e a elevação do nível do mar por expansão de suas moléculas devido ao aquecimento e o derretimento de geleiras marinhas e continentais. Na conta dos regionais, os estudiosos depositam o desmatamento das bacias hídricas da Região Sudeste e o grande desmatamento delas. No que toca aos locais, a responsabilidade é atribuída às obras de engenharia costeira, como em Barra do Furado, no Açu e em Marataízes, por enquanto. No entendimento de um leigo como eu, talvez os três fatores estejam atuando de forma conjugada e com pesos distintos. Examinemos, de norte para sul, os pontos que enfrentam erosão costeira.

1- Marataízes. Os motivos de uma erosão costeira que ameaçou o centro de Marataízes, salvo estudos mais consistentes, parecem ter sido o desmatamento da Bacia do Itapemirim, que provocou assoreamento do rio, diminuindo sua descarga no mar, e a construção de um espigão de pedra ligando a margem direita na foz a uma ilhota de pedra no mar. O objetivo deste espigão foi garantir um passe navegável para barcos pesqueiros no rio. Tudo indica que o tiro saiu pela culatra. O espigão passou a reter sedimentos arenosos transportados para o sul pelas correntes oceânicas e desviá-los para a foz do rio, que ficou mais rasa. Por outro lado, esses sedimentos eram depositados na praia central de Marataízes. Sem eles, o mar começou a avançar nesse ponto e corroer a praia. O governo do Estado contratou uma empresa que encontrou uma solução cara e, não se pode garantir, temporária: construir uma praia de pedras amarradas com uma malha de aço e com areia lançada por cima.


Figura 2 - Espigão na margem direita do Rio Itapemirim. Foto do autor.





























Figura 3 - Erosão em Marataízes.
Figura 4 - Obras para contenção de erosão na praia central de Marataízes.



















































2- Rio Itabapoana. Tem-se observado um desvio para o sul da foz do Rio Itabapoana, certamente provocado pela corrente marinha predominante de norte para sul. Segundo o geólogo canadense Charles Frederick Hartt, escrevendo em 1870, além de a foz incidir perpendicularmente no mar, o Itabapoana contava com dois braços auxiliares, caracterizando um delta. Os vestígios desses braços ainda continuam lá. O desvio para o sul permitiu ao Espírito Santo apropriar-se de terras antes pertencentes ao Estado do Rio de Janeiro e usá-las para fins de recebimento de royalties do petróleo. Quando das cheias extraordinárias, o rio rompe o esporão de areia e volta a incidir de forma perpendicular na foz, mas o mar também avança sobre a abertura e provoca destruição de casas.

Figura 5 - Desvio da foz do Rio Itabapoana para o sul por força do mar. Foto do autor. 



















Figura 6 - Casa atingida por erosão na foz do Rio Itabapoana.

O grande perigo é o porto central, a ser construído em Presidente Kennedy, acentuar a erosão, pois o espigão de pedra mais avançado no mar será construído de forma a reter a areia transportada para o sul.

Figura 7- Concepção do porto central em Presidente Kennedy (ES). 
















3- Manguinhos. Não há nenhuma causa perceptível da erosão na Praia de Manguinhos. O córrego que desemboca na extremidade norte da praia de tabuleiro não tem vazão suficiente para interferir no mar. Trata-se de um caso a ser melhor estudado. Já houve fenômeno de erosão nessa praia por ressacas. Mas a situação voltou ao normal.

Figura 8 - Erosão na Praia de Manguinhos.



Mas uma conclusão pode ser correta: se o projetado porto de Canaã for de fato construído, são esperados processos erosivos na praia, pois o pier, em forma de colher, maior pode reter a areia transportada de norte para sul.

Figura 9 - Concepção do Porto Canaã, ao norte de Manguinhos.


























4- Guaxindiba. Contígua de Manguinhos, a Praia de Guaxindiba também sofreu o avanço do mar recentemente. Há moradores que se reportam a fenômenos de ressacas que provocaram o mesmo efeito, depois reparado. Os prejudicados sempre reclamam e, em todo lugar, culpam o governo pela erosão. Trata-se de fenômeno também a ser estudado, cabendo para a praia a mesma observação quanto a construção do Porto de Canaã, que pode trazer processos erosivos para Guaxindiba.

Figura 10 - Erosão em Guaxindiba


























5- Rio Paraíba do Sul. Trata-se do caso de erosão mais conhecido da região e talvez do Estado. Segundo estudiosos, ele talvez tenha começado em 1950. A explicação mais aceita, e defendida por Dieter Müehe, Enise Valentini e Claudio Neves, sustenta que o desmatamento da bacia, as diversa barragens construídas nela, as transposições e um guia corrente implantado na foz reduziram a vazão líquida e sólida do rio, permitindo a invasão do mar, que erode a praia e transfere cada vez mais o estuário do rio, ou seja, a zona de água salobra.

Figura 11 - Esquema dos processos erosivos na foz do Paraíba do Sul.

Há quem defenda a solução cara e pouco confiável de engordar a praia artificialmente com pedras, como em Marataízes, sempre por empresas especializadas e a altos custos. Um perito do Ministério Público entendeu como inócuas obras desse gênero, defendendo um programa de transferência das famílias cujas casas se mostram ameaçadas ou já destruídas.

Figura 12 - Erosão na Praia de Atafona.





















6- Açu.

No Açu, o grande responsabilizado por um processo erosivo que se estende até o Cabo de São Tomé é o estaleiro do Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu. A estabilização do canal de ingresso nas dependências do estaleiro, escavado na restinga, foi feita com dois espigões em ambas as margens do canal. Sem muita precisão, o processo foi previsto nos Estudos de Impacto Ambiental do empreendimento, muito embora a Prumo Logística Global, empresa agora responsável por grande parte do complexo, tenha contratado Paulo Rosman, especialista em engenharia costeira da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que, no seu parecer, opinou não haver nenhuma relação de causa e efeito entre as obras do estaleiro e a erosão da praia. Em seu entender, a erosão se deve mais à elevação do nível do mar e à ocupação ilegal por casas na orla marítima.

Figura 13 - Retenção de areia pelos espigões do estaleiro do Açu











Por sua vez, os geógrafos Marcos Antonio Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e Eduardo Bulhões, da Universidade Federal Fluminense/Núcleo Campos, demonstram que os espigões do estaleiro estão impedindo o transporte de sedimentos arenosos extraídos pelo mar da Praia do Açu em direção ao norte e ao sul. Assim, a praia só perde sedimentos, sem que eles sejam repostos. Daí a erosão.

Figura 14 - Erosão na Praia do Açu. Foto de Wellington Rangel.

































7- Barra do Furado. O caso de Barra do Furado, na foz do Canal da Flecha no mar, é relativamente simples de explicar. Naquele ponto da costa, as correntes marinhas são muito fortes, principalmente a corrente dominante, que se desloca de oeste para leste, transportando grande quantidade de sedimentos arenosos. Qualquer travessão sólido inserido no mar retém areia do lado direito e provoca erosão do lado esquerdo. A finalidade da construção dos dois espigões de pedra pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento na foz do Canal da Flecha, em 1981, foi manter a barra sempre franca, ao contrário do que acontecia antes dos espigões: as correntes tapavam a foz com areia.

O resultado foi o rápido acúmulo de areia do lado de Quissamã e a erosão do lado de Campos, continuando a foz a ser vedada. Agora, as prefeituras destes dois municípios pretendem, enfrentando dificuldades financeiras, montar uma infraestrutura para atrair empreendimentos particulares que possam se beneficiar da atuação da Petrobras, cujo porto em Macaé já se mostra saturado. Entre os projetos infraestruturais, está um transpasse que combaterá a erosão da Praia da Boa Vista, em Campos.

Figura 15 - Espigões de Barra do Furado mostrando a retenção de areia do lado de Quissamã e a erosão da costa do lado de Campos. Ao fundo, a Lagoa Feia. Foto do DNOS.





















8- Mais ao sul. Apesar da crise que a Petrobras enfrenta, há interesses privados com relação à exploração do petróleo na faixa do pré-sal. Assim, existe a intenção de construir um porto para se beneficiar do transporte de petróleo em Macaé, ainda na costa caracterizada neste artigo. Processos erosivos podem acontecer também em Macaé com a construção do Tepor.

Figura 16 - Concepção do TEPOR em Macaé.































Um comentário:

Ingrid Stigger disse...

Muito bom ler artigos do Professor Sofiatti