quinta-feira, setembro 03, 2015

Desapropriações de terra no Açu se transformaram num "case" de dissertação de Mestrado em Direito na Uerj

Observando o movimento de protesto dos pequenos produtores rurais da localidade do Açu entre ontem e hoje, eu acabei por relembrar fatos de dois anos atrás que tem grande relação com o assunto e que se torna oportuno trazer ao conhecimento das pessoas, aprofundando o tema.

Em 2013, eu fui procurado pela advogada e mestranda Jéssica Acocella que concluía uma dissertação de mestrado em Direito, na Uerj. Ela estava interessada em conhecer e ter mais informações sobre o processo de desapropriação que se dava no Açu, município de São João da Barra, por conta da instalação do Porto do Açu e do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB).

Jéssica me disse que estava realizando um estudo sobre a questão jurídica que envolvia o tema das desapropriações no Brasil, decorrentes de uma lei da década de 40, diante das novas legislações e da realidade do mundo atual. Ela levantava questões sobre o tema, após a CF 88, assim como as aplicações práticas e reais deste instituto legal.

Assim, ao se deparar com as informações no blog, a Jéssica fez contato e me solicitou a entrevista. A conversa foi marcada e na ocasião atendendo às indagações, eu passei um resumo sobre o processo de constituição da holding EBX, suas relações com o Estado e, em especial, sobre o conturbado processo de desapropriação de terras na região do Açu, que geraram grandes conflitos socioambientais que até hoje permanecem na região.

No fim deste mesmo ano, o trabalho foi concluído e o caso das desapropriações de terra no Açu, para a implantação do DISJB passou a ser um o "case" (caso) utilizado para questionar a legislação.

Assim, a dissertação da Jéssica Acocella, foi defendida e aprovada com nota máxima, na Faculdade de Direito da Uerj e deverá se transformar em livro sobre a temática, já sendo muito comentada em toda a área Direito Público no Rio de Janeiro.

A dissertação que teve a orientação da professora Drª. Patrícia Ferreira Baptista, que também é procuradora na PGE, teve o seguinte título: "Uma releitura da desapropriação à luz da Constituição de 1988 e suas principais repercussões sobre o regime jurídico vigente".

O blog separou breves partes da dissertação de quando ela trata do caso das desapropriações no Açu. Os grifos são do blog:

“Como reconhecido em parecer da Procuradoria do próprio Estado do Rio de Janeiro, o distrito industrial em tela não poderia “ser desenvolvido para atender a um único grupo de sociedades, porque isto poderia configurar ofensa ao princípio da impessoalidade e desvio de finalidade do ato administrativo expropriatório. (...). Daí a importância de o distrito industrial ser desenvolvido com vistas à instalação de uma pluralidade de sociedades empresárias, de grupos econômicos distintos, devendo o projeto contemplar lotes industriais que possam ser alienados a outras sociedades empresárias que venham a ter interesse em se instalar na área do distrito”.    

... “Enquanto o projeto não sai do papel, parecem estar sendo configurados, até o momento, tão somente um processo distorcido de arrendamento de terra e uma espécie de incorporação imobiliária privada, em benefício exclusivo da empresa privada parceira do Estado do Rio de Janeiro, sem qualquer repercussão positiva sobre a sociedade...”

... “Esse caso nos leva, portanto, à seguinte reflexão: como equilibrar as iniciativas de crescimento econômico e a articulação entre Administração Pública e capital privado com os direitos das comunidades que vivem e trabalham em territórios orientados para o desenvolvimento?

Se adotarmos como referência a experiência norte-americana, realidade em que, como já dito, são amplamente debatidos os limites dentro dos quais é legítima a adoção do instrumento expropriatório em benefício de terceiro particular, importará verificar em que medida a finalidade a ser atingida beneficia também a coletividade. Em consonância com a linha de raciocínio adotada ao longo de todo o presente trabalho, podemos concluir que, em primeiro lugar, a utilização de uma medida tão extrema e gravosa como a desapropriação justifica-se tão somente quando pressuponha, ainda que não de forma imediata, algum interesse do grupo social, e não meros interesses egoísticos e econômicos de um particular, o que há de ser verificado diante das circunstâncias de cada caso.

Mas nesse ponto tampouco se pode deixar de levar em conta os paradigmas aqui estudados, em especial o pertinente à natureza dos direitos contrapostos à causa expropriatória em jogo. E, como demonstrado no caso do Açu, na ponderação em concreto dos diversos interesses envolvidos não se pode fazer pouco caso, por exemplo, das particularidades sociais do grupo envolvido, das suas fragilidades e o significado do vínculo sócio-histórico que estabelece com o uso do solo. E isso implica atentar em cada caso, por exemplo, para a eventual relação de dependência histórica que estabeleça a comunidade afetada com os recursos naturais disponíveis no meio ambiente, sem os quais pode não haver condições de sobrevivência e preservação cultural do grupo, desestruturando-se seu modo de viver e produzir pela implementação de empreendimentos privados”.

Desta forma, eu penso que a exposição das informações e conhecimentos, extraídos e/ou produzidos numa sequência e por diferentes e complementares áreas, traz luz, não apenas sob o ponto de vista das questões socioambientais que tanto temos comentado neste espaço, mas também sob o ponto de vista jurídico pelos quais tanto lutam os pequenos proprietários da região do Açu, no entorno do porto.

PS.: Atualizado às 12:46 de 04/09: Veja aqui no link matéria do site de notícias Ururau sobre o movimentos dos proprietários no Açu.

Um comentário:

douglas da mata disse...

Uai, Roberto, mas a gente já falava isso desde o começo, apesar da gritaria dos eiketes e outros boçais do "desenvolvimento".