sexta-feira, maio 27, 2022

Soberania x dependência: história mais recente da Petrobras vista a partir do petróleo como fração do capital

O assunto já foi abordado inúmeras vezes, mas nunca é demais repetir, em síntese que aqui se objetiva mais curta e clara.

Assim, eu penso que podemos começar destacando alguns dados da produção óleo e gás natural no Brasil, presentes no último boletim mensal da ANP (março de 2022):

1) Produção total (óleo e gás) chegou a 3.827 boe/d (óleo + gás).

2) Petrobras como consorciada é dona de 72%. A Shell já é 2ª com 465 mil boe/d (12%).

3) Pré-sal produz em 131 poços, 2.876 mibpd, equivalente a 75% de todo óleo e gás do país.

4) Só Tupi tem 61 poços e produz 1,176 miboe/d, equivalente 31% da produção nacional.

5) O campo de Tupi junto com o campo de Búzios (702 miboe/d) chegam a 49%, quase metade produção nacional.

6) Um só poço campo de Búzios produz 48,9 mil boe/d. Repito, um só poço e num dia.

7) Os 10 poços com mais produção chegam a quase meio milhão de boe/d. Um colosso.

8) A plataforma com maior produção é a Petrobras 77, no campo de Búzios que já atingiu 196 mil boe/d.

9) Produção por estado: ERJ 83% óleo e 69% GN; SP 9% óleo e 13% GN.

10) Produção por bacia: Santos: 74% óleo e 73% GN. Bacia de Campos 23% óleo e 10% GN, perdendo para a Bacia do Solimões (AM) com 12% GN.

Conclusão: A cada boletim mensal da ANP, se revê o colosso, competência técnica, coragem administrativa e política, que resultaram na descoberta do pré-sal. O pré-sal como área geológica contínua, franjeada pelo sal e integrada ao pós-sal, gerou as maiores descobertas (entre campos e poços de petróleo) da última década e meia no mundo.

Em síntese, a soberania definiu a descoberta do pré-sal abriu possibilidades para a nação que acabou golpeada e trouxe de volta a dependência geopolítica acompanhada da entrega a preço vil de toda essa riqueza.

Em 2012, o Brasil era o 13º maior produtor de petróleo do mundo. Hoje estamos na 9ª posição, passando para 8ª e com previsão de chegar até a 4ª posição, no final da década, se considerada a produção de óleo mais gás natural.

Tudo isso no exato momento em que o mundo apresenta a primeira grande crise global energia, enquanto os choques de petróleo nas décadas de 70 e 80, não atingiram o setor de gás e o carvão. E também nessa conjuntura de guerra que deve se alongar com nova fase de "boom" de preços em novo "ciclo petro-econômico".

Porém, o golpe trouxe e impôs as privatizações, o desmonte, a desintegração da estatal e de todo esse setor petróleo e gás com a entrega contínua das empresas subsidiárias, a preço vil, para as petroleiras privadas, articulada e junto dos grandes fundos financeiros globais.

Os novos donos, além de ganharem de presente por preços baixos, esses valiosos ativos - que não descobriram e não construíram - exigiram dos sabujos golpistas de plantão, a implantação do PPI (Preço de Paridade Internacional) para os combustíveis, derivados do petróleo e também do gás (novo marco legal).

Aí se situa, o tal PPI que hoje tanto nos aflige retirando (vampirizando) o dinheiro coletado (renda petroleira extraída) dos que pagam pela gasolina, diesel e gás, para encher os bolsos dos donos dos dinheiros, os grandes acionistas nacionais e estrangeiros com rendimentos isentos de tributação.

Assim, fica explícito como o golpe se evidenciou cruelmente nocivo à maioria da população brasileira, ao mesmo tempo, em que se mostrou altamente rentável e lucrativo para acumulação capitalista dos ricos aqui e alhures.

A Petrobras e o Brasil enquanto nação precisam ser reconstruídos!

quarta-feira, maio 25, 2022

Case em matéria jornalística expõe fenômeno da startupização, financeirização e plataformismo

Numa única matéria (abaixo) é possível interpretar um conjunto de fenômenos e relações, sobre o que tratei numa palestra (última semana) na UFC (https://www.youtube.com/watch?v=H0seAHzSKRQ), a respeito da reestruturação produtiva/digitalização, capitalismo de plataformas e financeirização no mundo contemporâneo.

A reportagem (O Globo, 25 mai. 2022, p.17) destaca o desempenho de uma startup mexicana, ligada à área de logística que realiza o que tendo chamado "simbiose entre a virtualidade do digital e a infraestrutura material da logística".

A startup Nowports atua nessa franja, sem criar valor (extrai renda de outras atividades) realizando a intermediação entre produtores e consumidores, reduzindo a etapa de circulação da mercadoria (chamo de uma quase revolução) no Modo de Produção Capitalista (que denomino como Plataformismo).

A mexicana Nowports (nome que exprime bem seu papel de intermediação) é, na verdade, um sistema operacional (empresa-plataforma). Instalada em Monterrey e funcionado há apenas 5 anos, recebeu aportes de fundos financeiros e bancos (o japonês Softbank) seguindo a linha do fenômeno da startupização (capitalismo sem riscos) fortemente vinculado à financeirização.

Em pouco tempo, já se transformou num "unicórcio" (startup com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão) e atende um mercado de outras empresa-plataformas de e-commerce, ao mesmo tempo, em que articula a logística de transporte material junto à infraestrutura de modais de portos e ferrovias para entregas +rápidas.

Em síntese, insisto que se observe essa espécie de "quase revolução da etapa de circulação da mercadoria" (encurta a etapa de circulação que retiraria valor da mercadoria produzida), numa atividade iminentemente rentista, que amplia a captura de valor (mais-valia) entre a produção e distribuição para o consumo, a favor destes novos agentes extratores de renda (empresas-plataformas) dos demais setores produtivos e, que estão imbricados à financeirização que se hegemoniza no capitalismo contemporâneo.

Enfim, um caso concreto e empírico que ajuda na compreensão do complexo fenômeno vinculado à interação entre a virtualidade do digital (Big Techs e corporações de tecnologia) e a materialidade da logística de transportes.

segunda-feira, maio 09, 2022

Governo militar usa infraestrutura cibernética para manutenção do projeto de poder

Em 2018 a sociedade quase não identificou a presença dos militares nas redes sociais e na eleição de Bolsonaro. As redes eram coisa do filho Carlos. A pressão pelo impedimento de Lula concorrer e ser preso foi atribuído só ao twitt do general Vilas Boas. Não se percebia até então, o papel do CDC Exército.

O Centro de Defesa Cibernética (CDC) do Exército teve seu orçamento multiplicado 5X ainda em 2019, por Bolsonaro. Assim, se passou a desconfiar que o segredo/agradecimento do PR a Villas Boas na posse de que iria levar para o túmulo, ia bem além do twitt.

Desde 2019, mais de 7 mil militares foram para o governo. E paulatinamente, passamos a saber que: a) 1- O CDC opera uma rede paralela de internet que se cruza à que nós mortais (paisanos) usamos; b) O CDC passou a operar em conjunto c/ GSI e em busca de softs espiões e desconfia-se que também em impulsionamentos de perfis políticos de direita e de autoridades e políticos do governo militar.

O GSI e o CDC operam de forma sigilosa protegidos por lei. Em termos eleitorais, não é preciso atingir 100% dos eleitores. Pacotes de publicidade direcionada das Big Techs, podem facilmente separar, entre os que usam as redes sociais, os 43% de Lula e os 30% de Bolsonaro. Sobra no foco restante, cerca de 1/4, se tanto.

Filtrando ainda mais, é só "buscar" quem no 2º turno de 2018 votou Bolsonaro e que agora está voltando para Lula ou ainda está em dúvida. Aí se chega a essa franja de uns 15% no limite entre uma e outra opção. Com espionagem contra coordenação de campanha do adversário se pode chegar ainda mais perto do perfil desejado. Ao juntar e recuperar essas pontas do novelo se chega a parte da estratégia para a batalha cibernética de 2022.

Além de atuar em duas direções: espionagens e impulsionamentos, essa articulação das autoridades militares de instituições governamentais protegida por sigilo, os generais buscam alcançar votos para seu candidato dos generais. Se estes continuarem insuficientes, continuarão a desacreditar as urnas, o TSE e o STF para tentar anular vitória oposicionista representada por Lula.

Esse processo está em curso. Por um lado, não é interessante divulgar esse tipo de análise, porque vai na linha de uma das 3 estratégias eleitorais dos generais de ameaçar e amedrontar parte da sociedade deixando no ar uma sensação de risco de caos e necessidade de ordem.

Porém, de outro lado, a sociedade brasileira precisa de vacina em defesa e garantia da "Democracia" e "Soberania" popular.

quinta-feira, maio 05, 2022

A propriedade das Big Techs e a dominação tecnológica-digital ampliam as desigualdades e a assimetria no capitalismo contemporâneo

Muitos dizem que a digitalização cria valor e não basicamente extrai renda da sociedade. Interessante essa afirmação, porém, se fosse verdade como explicar que as Big Techs não param de crescer, enquanto, simultaneamente, a economia global patina?

Nove das 10 maiores corporações em valor de mercado na economia mundial são da área de tecnologia. As cinco primeiras têm valor de mercado acima de U$ 1 trilhão cada. Mesmo com a queda média de não esperada de 14%, neste último mês de abril, anunciada ontem (04/05/22), juntas, as Big Techs superam US$ 8 trilhões e até aqui puxaram a valorização das bolsas de valores, enquanto a economia em geral, antes mesmo da pandemia e da guerra, segue bem pior.

Agora, ainda no final da pandemia e com a escalada do conflite EUA-OTAN x Rússia na Ucrânia, esse quadro piorou com a redução das atividades econômicas e inflação, mas as ações destas gigantes empresas de tecnologia (Big Techs) seguem disparando, enquanto a economia segue tropeçando. Assim, se observa que as desigualdades se ampliaram.

Para começar a entender a “dominação tecnológica-digital” e sua “aliança com a financeirização” é necessário ir um pouco mais fundo na análise dos modelos de negócios que essas Big Techs desenvolveram.

 

É preciso observar que mais que apropriar dados, as Big Techs apropriam renda

Para observar esse processo deve-se olhar a propriedade e os fluxos de capital. Onde e como, efetivamente, essas gigantes de tecnologia (como agentes) atuam e capturam renda e valor. Os processos que utilizam e as estratégias que dirigem seus negócios.

Neste exercício, não é difícil observar que e concentração de atividades que explicam a monopolização (oligopolização) do setor. As gigantes da tecnologia controlam publicidade, direitos de uso/acesso e captura de dados, através de suas enormes e tentaculares infraestruturas. Assim, expandem suas atuações e ampliam o controle da propriedade com a"propriação" de renda — mais que a apropriação de dados — sobre todos os demais setores da economia e da sociedade.

A apropriação é feita pelo setor de tecnologia, mas acontece de forma externa à digitalização, através dos proprietários destas gigantes de tecnologia que capturam renda e valor dos demais setores da economia e em todos os lugares, desde o centro sede de seus negócios, à periferia do sistema-mundo.

Em síntese e refletindo melhor (e com Srnicek, 2021) sobre esse processo, é possível observar que os dados acabam sendo "meio" que servem para alcançar as rendas dos demais setores em que a digitalização vai chegando.

Esse processo se expande com o lançamento de mais ramais de cabos de fibras óticas pelo mundo em terra e pelo oceanos. Hoje, essa infraestrutura já passa de 1,3 milhão de quilômetros. Atualmente, o lançamento de mais ramais de cabos de fibra ótica cresce na ordem de 100 mil km de novos cabos por ano. Abaixo o mapa para melhor visualizar a extensão e densidade pelo mundo.

Mapa do 1,3 milhão km de cabos submarinos instalados no mundo. Fonte: https://www.submarinecablemap.com/ 


Parte de propriedade das operadoras de telefonia e cada vez mais são instalados cabos de propriedade das Big Techs. É no âmbito dessas infraestruturas que o processo de intermediação realizada pelas Big Techs se vale de técnicas, arranjos de propriedade, algoritmos e infraestruturas que envolve as plataformas digitais dirigidas por grandes empresas-plataformas ou empresas-aplicativos. 

São investimentos em infraestruturas (IE) de tecnologia que possibilitarão amplia ainda mais a extração de renda, a condição de monopólio rentista das Big Techs, sobre um mercado de demanda quase infinita, que ao final leva à instituição dessa espécie de império rentista-digital que se observa.

 

Vampirização e rentismo das plataformas digitais sobre demais setores leva à plutocracia

É no interior dos seus modelos de negócio que o setor de tecnologia vai sugando a riqueza produzida pelos demais setores da vida humana desde a produção material à imaterial. Um processo de vampirização digital sobre os demais setores.

Todas as empresas de todos os setores passaram a depender cada vez mais das empresas-plataformas que como intermediários se transformaram em rentistas sugando lucro de todos os setores e empresas de todos os portes. Processo que tende a uma disputa intercapitalista, entre empresas-plataformas que se apropria de valor das empresas não plataformas e se transformam em monopólios (oligopólios).

Tudo isso amplia a desigualdade e a disputa intercapitalista no interior do sistema, ao reduzir margens de lucros em outros negócios da economia real, ao mesmo tempo, em que torna hegemônica a participação e relação entre a tecnologia e a financeirização no sistema-mundo. Esses dois setores atuam transversalmente — e de forma intensa — sobre todas as demais frações do capital na contemporaneidade. Fenômeno que alguns autores passaram a denominar essa etapa de capitalismo informacional, que vai para além das plataformas digitais vistas como partes deste processo.

Vampirismo digital, talvez seja, uma expressão simbólica para explicar a extração de renda e valor dos demais setores da economia, assim como dos excedentes da sociedade. Um processo que amplia a concentração de renda em propriedades de corporações oligopólicas que atuam de forma imbricada às inovações financeiras, impondo uma espécie de dominação (império financeiro-digital), em nova (superior) etapa de acumulação de capital. 

Para finalizar não se pode esquecer que a dominação digital é desenvolvida com profunda repercussão nas relações de poder. A digitalização se desenvolve não apenas como meio de produção, comércio e finanças, mas também como meio de comunicação com imenso poder de manipulação política e de controles sobre o poder no interior e entre nações. Na hierarquia (e assimetria) entre as nações, na direção da plutocracia (regime político dos ricos), que em última instância, significa a geopolítica na chamada ordem global.