sexta-feira, fevereiro 06, 2015

Portos demandam regulação

O texto abaixo de minha autoria foi publicado aqui na plataforma ibero americana "GeocritiQ". Este espaço tem a função de contribuir com a divulgação do trabalho científico, através de um texto menos hermético e mais amigável, visando atingir um público mais amplo, para além da academia.

Os artigos são na prática, uma espécie de resumo expandido de investigações em andamento. Para atender à ideia de ser conhecida de um público mais amplo entre os seus critérios está a limitação do máximo de 5 mil caracteres incluindo título e espaços. 

Ainda como regra subliminar são extraídas as referências teóricas utilizadas para a construção do conhecimento exposto na publicação. A ideia é que os mais interessados no assunto, possam buscar cm o autor e outros seus textos acadêmicos às linhas e os marcos utilizados em sua contribuição. 

Uma proposta bastante interessante. Penso com as facilidades oferecidas pela internet, ela poderiam, com plataformas similares, serem utilizadas para aproximação da universidade com o grande público também no Brasil. 

É oportuno lembrar que o objetivo não deve ser apenas o de mão única, para quem valoriza, exclusivamente, o saber acadêmico, mas, criando formas de trocas com os diversos outros setores da sociedade tanto as comunidades, quanto o setor produtivo e outras instituições.

O artigo abaixo foi apresentado para publicação no início de dezembro passado, ao final da etapa do doutorado sanduíche que teve como base a Universidade de Barcelona e como espaços de investigação os portos de: Roterdã, na Holanda, Antuérpia, na Bélgica, Tânger em Marrocos, além de cinco portos espanhóis.

O texto oferece pistas sobre meus atuais estudos e investigações a respeito do sistema portuário brasileiro, sua relação com os portos de outros continentes e a articulação de tudo isto, com a economia global. 

No caso específico de minha investigação atual, eu continuo tentando compreender como esta realidade se vincula ao projeto político econômico nacional e às transformações produzidas por sua influência no território fluminense.

A exposição do mesmo também nesse espaço tem a função de compartilhar (como venho fazendo há anos) com colaboradores e leitores os dados, as minhas análises e interpretações, como forma de democratizar informações e partilhar discussões que de alguma forma possam ser úteis às pessoas e instituições. Assim, eu aguardo as críticas e sugestões.

Portos demandam regulação

Ogigan­tismo naval levou ao gigan­tismo por­tuá­rio com a mas­si­fi­cação do trans­porte e a ampliação da flui­dez das car­gas. Assim, se tor­na­ram fenô­me­nos das colos­sais tro­cas comer­ciais e pós-reestruturação pro­du­tiva, que transformaram os por­tos em nós dor­sais desta cadeia.
Novas infra­es­tru­tu­ras e tec­no­lo­gias garan­tem maior flui­dez de mer­ca­do­rias e do capi­tal finan­ceiro. As lin­has comer­ciais mun­diais são con­tro­la­das por gran­des ope­ra­do­res (os arma­do­res). As car­gas pare­cem camin­har para uma vola­ti­li­dade equi­va­lente a dos flu­xos de capi­tais, que só se fixam nos terri­tó­rios atra­vés ins­ta­lações por­tuá­rias, quando atraí­dos por mais pro­du­ti­vi­dade e lucros.
Os novos super-navios carre­gam até 19 mil con­têi­ne­res exi­gindo ter­mi­nais mais pro­fun­dos, só atra­cando em pou­cos por­tos de rotas inter­con­ti­nen­tais. Trans­por­tes de gra­néis sóli­dos (açú­car e soja) já estão sendo expe­ri­men­ta­dos em gran­des sacos (tipo “big-bag”), uti­li­zando con­têi­ne­res, gan­hando tam­bém, maior flui­dez nesse tipo de carga. Dos neo-panamax se camin­hou para o chi­na­max, super-navios que leva­ram à ampliação do Canal do Panamá e a novos pro­je­tos chi­ne­ses, nas rotas Atlântico-Pacífico: o canal na Nica­rá­gua e uma ferro­via entre por­tos do Bra­sil e Peru.
Não é sim­ples com­preen­der que as expor­tações e o comér­cio mun­dial cre­sçam mais que o PIB das nações. Na eco­no­mia cada vez mais mun­dia­li­zada, os con­têi­ne­res e os por­tos sim­bo­li­zam a espinha dor­sal da globalização.
Porto de Roterdã, o maior da Europa (Fotografia da autor, 31-10-2014).
Porto de Roterdã, o maior da Europa (Foto­gra­fia da autor, 31-10-2014).
Para­do­xal­mente, cres­cem os volu­mes e os valo­res das mer­ca­do­rias trans­por­ta­das, ao mesmo tempo em que des­cem os valo­res dos fre­tes e aumenta a con­cen­tração dos ope­ra­do­res e das gran­des corporações.
Na busca por pro­du­ti­vi­dade, o setor por­tuá­rio tende à espe­cia­li­zação, superando a mul­ti­fun­cio­na­li­dade de inter­esse regio­nal. Há mais demanda de solo por­tuá­rio dispu­tado na hin­ter­lân­dia com o capi­tal imo­bi­liá­rio, onde novos pro­je­tos de por­tos camin­ham para áreas lito­râ­neas desur­ba­ni­za­das e de menor valor.
A explo­ração offs­hore de petró­leo se amplia para mais mares do mundo. Além disso, cerca de 2/3 do petró­leo pro­du­zido e comer­cia­li­zado mun­dial­mente cir­cu­lam por cerca de 4.000 mil petro­lei­ros. Tudo isso, exige mais por­tos de apoio, que são tam­bém pon­tos de con­fli­tos e disputa estra­té­gica nesta nova geo­po­lí­tica mundial.
Por­tos com mais movi­men­tação de car­gas, neces­sa­ria­mente, não indi­cam ampliação da dinâ­mica eco­nô­mica da região ou nação. A maior flui­dez de car­gas e pro­du­ti­vi­dade nos por­tos leva desin­dus­tria­li­zação a outros luga­res, deno­tando ao inverso, preo­cu­pações e não come­mo­rações. O caso euro­peu parece ser exem­plo, não exclu­sivo. Assim, a pro­dução indus­trial na China, Coréia e Cin­ga­pura cresce, enquanto cai na Fra­nça, Ingla­te­rra, Itá­lia e Espanha, tendo os por­tos como ins­tru­men­tos e símbolo.
Assim, nas­ceu uma nova geração de por­tos: o porto-indústria (que se deno­mina Mari­time Indus­trial Deve­lop­ment Areas, ou MIDAs). Parece tam­bém estar migrando espa­cial­mente. Os bai­xos cus­tos de pro­dução e dis­tri­buição aumen­ta­ram a cen­tra­li­dade da Ásia, onde hoje estão nove dos dez por­tos com maior movi­men­tação de con­têi­ne­res do mundo.
O novo gigan­tismo por­tuá­rio e sua maior flui­dez de car­gas, tam­bém redu­zi­ram o diá­logo porto-região levando à interio­ri­zação, atra­vés da ins­ta­lação dos por­tos secos.
Os por­tos da con­tem­po­ra­nei­dade, assim como as fábri­cas, pos­suem pou­cas pes­soas. A ope­ração por­tuá­ria de car­gas é robo­ti­zada e quase desuma­ni­zada. Só em ter­mi­nais de cru­zei­ros há hoje um fluxo maior de pessoas.
A deci­são sobre a loca­li­zação de empreen­di­men­tos opera em novas racio­na­li­da­des na escolha de espaços. O jogo das cor­po­rações não se sub­mete às lin­has das fron­tei­ras. Os ope­ra­do­res por­tuá­rios são glo­bais e se conec­tam aos mer­ca­dos inter­na­cio­nais, arti­cu­lando rotas que ligam pro­du­to­res a con­su­mi­do­res nos cinco continentes.
Vive-se tempo de ace­le­ração da cir­cu­lação do capi­tal e de inte­gração fun­cio­nal dos espaços
Assim, vive-se tempo de ace­le­ração da cir­cu­lação do capi­tal e de inte­gração fun­cio­nal dos espaços . O capi­tal opera sobre os espaços em lógi­cas de meno­res con­fli­tos, onde há redu­zida pre­se­nça de gente, resis­tên­cias, ques­tio­na­men­tos de impac­tos e pres­sões políticas.
Os din­hei­ros para toda esta ope­ração vêm de fun­dos sem caras, volá­teis e com enorme mobi­li­dade entre por­tos e car­gas. Os fun­dos se jun­ta­ram às gran­des e glo­ba­li­za­dastra­ders, forçando redução de tari­fas modais, con­tro­lando flu­xos, preços e lucros.
As tra­ders arti­cu­lam por­tos e capi­tal finan­ceiro, e tam­bém, con­tro­lam o fluxo de mer­ca­do­rias, pro­du­tos (ou com­mo­di­ties) mine­rais e agrí­co­las, da pro­dução à logís­tica de dis­tri­buição e con­sumo. Assim, atuam como faze­do­ras de preço ou “made-price”, oli­go­po­li­zando alguns comér­cios e tam­bém faci­li­tando a sone­gação e a corrupção.
Diante de tudo isto, é ilu­são pen­sar que gover­nos regio­nais pos­suem forças para atuar nesta imensa cadeia. Os por­tos, a cir­cu­lação e a flui­dez das mer­ca­do­rias, a pro­dução do valor, a inovação e o tra­balho humano são par­tes imbri­ca­das desse com­plexo sistema-mundo contemporâneo.
Tornou-se impe­ra­tiva a neces­si­dade de maior par­ti­ci­pação polí­tica e regu­lação sobre os por­tos, comér­cio e capi­tal financeiro.
Não igno­re­mos o que está em curso ao pla­ne­jar polí­ti­cas públi­cas nas várias esca­las. Tornou-se impe­ra­tiva a neces­si­dade de maior par­ti­ci­pação polí­tica e regu­lação sobre os por­tos, comér­cio e capi­tal financeiro.
Para maio­res informações:
PESSANHA, Roberto Moraes e outros: O MIDAs numa con­jun­tura de cres­ci­mento eco­nô­mico do Bra­sil e crise eco­nô­mica mun­dial: os por­tos trans­for­ma­dos em com­ple­xos indus­triais, em Anais do II Con­gresso Inter­na­cio­nal em Sociais e Huma­ni­da­des, 2013, Belo Hori­zonte, Brasil.
PESSANHA, Roberto Moraes e outros: A Gênese do Com­plexo Logís­tico Indus­trial Porto do Açu: opor­tu­ni­da­des e desa­fios para o desen­vol­vi­mento da Região Norte Flu­mi­nense, em Revista Bra­si­leira de Ges­tão e Desen­vol­vi­mento Regio­nal, v. 10, p. 153–181, 2014.
Roberto Moraes Pes­sanha é engen­heiro, pro­fes­sor do Ins­ti­tuto Fede­ral Flu­mi­nense, dou­to­randoPPFH-UERJ e bol­sista da Capes (PDSE).
Ficha biblio­grá­fica:
PESSANHA, Roberto Moraes. Por­tos deman­dam regu­lação. Geo­cri­tiQ. 1 de febrero de 2015, nº 116. [ISSN: 2385–5096]. <http://www.geocritiq.com/2015/02/portos-demandam-regulacao/>

Nenhum comentário: