segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Fartura x “faltura”: o debate sobre a redução das receitas dos royalties

Eu sempre sustentei a posição que nunca tivemos na história de nossa República, nenhuma outra experiência de crescimento de receita municipal, em tão curto período de tempo, como é o caso das prefeituras chamadas de petrorentistas (vivem fundamentalmente, ou majoritariamente, da renda dos royalties do petróleo) de nossa região.

O caso dos municípios petrorentistas é único na experiência brasileira, possivelmente mundial. Nem os municípios que viveram a implantação de grandes projetos industriais tiveram crescimento de receita em tão curto espaço de tempo. Sobre o assunto, vale lembrar ainda que atividades do setor secundário da economia geram mais receitas de tributos federais e estaduais que municipais, mais ligadas ao território (IPTU), ao patrimônio (ITBI) e aos serviços (ISS).

Ainda, de início é também oportuno diferenciar a economia dos royalties, da economia do petróleo. Em nossa região, só Macaé, sendo sede da Bacia de Campos, tem sua economia ligada diretamente à cadeia produtiva do petróleo. Todos os demais municípios considerados como produtores vivem da economia dos royalties do petróleo. Elas são interligadas, mas, distintas. Não identificar a diferença entre os fenômenos prejudica e deturpa os diagnósticos e as análises que se possa querer fazer da atual realidade.

Sempre se disse que a fartura das extraordinárias receitas dos royalties do petróleo era inimiga do diálogo e da busca de uma governança responsável. Os casos das cidades da região nos colocavam em posição similar à dos sheiks árabes com as histórias dos seus nababescos gastos.
Nesse período sempre se escutou muito pouco. O diálogo que já era pontual se tornou raro, ou inexistente. Como decorrência de tudo isso, o processo foi levando a uma ampliação da auto-suficiência, mãe, ou melhor, madrasta, de um modelo político perverso, que ajudou a alimentar sonhos maiores, algumas vezes, megalomaníacos de poder.

Não era difícil imaginar o desespero que adviria quando da redução dessas receitas. Sabia-se que a tendência é que ela viesse antes mesmo do escasseamento das reservas no mar, que apesar de ser da União, gerou por um arcabouço legal – pós-constituição – como contraponto da decisão das receitas do ICMS a ser pago pela origem ou destino no caso da extração mineral.

 Alternativas como de criação de um “colchão de segurança” com as receitas dos royalties que poderia ser local (ou regional, preferencialmente) foi sempre solenemente ignorado, como forma até de evitar situações temporárias de acidentes e redução de receitas por eventuais paradas de produção por plataforma.

Pois bem, nessa sequência de fatos, chegamos a esse tempo que ainda não é dos mais graves, porque ele é apenas decorrente da variação do preço do barril do petróleo e não da mudança do critério de repartição dos royalties, ainda debilmente sustentado por uma liminar, no Supremo Tribunal Federal (STF).

Era ainda sabido que o diálogo quase inexistente na fartura se pretenda agora retomar nessa ocasião chamada na “faltura”. De uma forma ou outra, bom que se retorne às conversas sobre as possíveis saídas. Melhor ainda que se reconheça que ele necessita ser regional e não apenas exclusivo e isolado por cidade. Verdade que isso não é simples, diante da realidade política em que os grupos e partidos se articulam, de forma cruzada e por interesses partidários ou de grupos políticos.

Diante desta realidade, cortar gastos e se esforçar pela busca da eficiência, penalizando da menor forma possível a população, é obrigação cívica, porém, insuficiente.

Como estamos numa situação intermediária de “faltura”, porque a queda de receita é ainda parcial, tem-se uma grande oportunidade de pensar e planejar o futuro para além do ano em curso, ou mesmo, de forma mais ousada, no médio prazo com visão estratégica.

Nessa linha devem-se rechaçar as visões e soluções tecnocráticas das elites que não pensam o povo como parte da vida dos municípios. A população é solução e parte importante na busca das soluções. Investir na população e buscar a diversificação de nossa dinâmica econômica, pendurada quase exclusivamente nas receitas públicas é outra obrigação.

Juntar os municípios e a região para elaborar pauta de reivindicações para apresentar ao poder estadual e federal seria a volta eterna do modelo do pires nas mãos, tão conhecida de setores de nossa economia, desde quando o Norte e o Noroeste Fluminense eram uma só região agregada à primeira.

Pior. Esse encaminhamento como primeira solução, além de não ser eficiente, parece absurda e desconectada da realidade, se considerarmos o período, ainda recente, de fartura sem igual, na história dos municípios brasileiros. 

Isto é diverso da ideia de repensar as práticas recentes, formular um projeto (e programas) regionais articulado com outros de cunho estadual e nacional, atitude necessária, mas, que decorre de uma análise anterior da conjuntura econômica e social em curso na região.

É indispensável que se formule uma crítica (e autocrítica) do que foi feito até aqui. Não se trata de exigir imolação de ninguém e nenhum grupo político, mas, de entender todo esse processo, reconhecer os equívocos, os erros, para seguir em frente.

Pular essa etapa é um risco, semelhante ao que os psicanalistas consideram como forma dos sujeitos se reestruturarem a partir de seus problemas psicológicas pessoais. Tem-se no caso um drama coletivo a ser superado.

Difícil imaginar ou trabalhar com pactos gerais da sociedade diante de interesses tão segmentados e ampliados, por conta da escassez dos recursos. Há que se olhar e atender quem mais precisa do poder e dos recursos públicos, sem que seja preciso isolar os demais, mas que precisam ser devidamente alocados, abaixo na hierarquia das prioridades.

É velho e conhecido o ditado chinês que fala das oportunidades geradas pelas crises. Porém, ele continua sendo verdadeiro. Debater os problemas e as soluções, sem que parte nenhuma se considere detentora do melhor diagnóstico ou proposta é dever cívico.

Essas são algumas das reflexões que faço na atual conjuntura. É desta forma que me posiciono com este texto que reflete a minha visão da realidade. Agradeço pelas críticas e sugestões à reflexão. Sigamos em frente!

2 comentários:

Anônimo disse...

A posição do blog de não imolar ou perseguir culpados é provavelmente a mais correta do ponto de vista político, que, já disseram, é a arte do possível.

Contudo, na fartura, os recursos existiram e foram desperdiçados, ou, quando muito, mal empregados. É impossível não enxergar para onde foi o dinheiro quando olhamos em volta: empreiteiros, prestadores de serviços, políticos, e outros atravessadores. Há uma parte significativa dos recursos que foram para fora de Campos, mesmo que um percentual em forma de comissão tenha retornado. Mas uma outra ficou aqui mesmo, e é vista a olho nu, principalmente os investimentos na construção civil e imóveis. Sem falar em roubalheiras como desfiles de escola de samba e shows.

Se a proposta do blog for efetivada, e reitero que é a mais sensata, este pessoal que lambuzou-se no melado vai ficar muito feliz. Discute-se a cidade daqui pra frente e o que ficou para trás, passa-se a borracha.

Também sou contra perseguições, que afinal a nada levam. Mas sou totalmente a favor da recuperação do dinheiro desviado. E o Estado tem instrumentos para isso. Essa é a punição maior.

Roberto Moraes disse...

Imolar significa matar para oferecer em sacrifício.

Penso que o debate sobre as perdas e recuperações na medida que haja instrumentos deva ser debatida.

Não me oponho a ela, mas, tenho dúvidas sobre a possibilidade de fazê-lo diante da ausência de provas materiais e legais suficientes.

Porém, esclareço que essa minha opinião foi assim exposta no texto, em contraposição a uma outra posição que percebo (e posso estar equivocado) de regimentar todos num pacto de futuro, sem sequer analisar e avaliar porque chegamos onde chegamos, o que foi feito, onde foram os erros, por que chegamos aqui, etc.

Deixo claro no texto que sem fazer uma análise crítica desta conjuntura recente (últimos 15 anos) se quisermos ser mais produtivos, nós corremos o risco de apenas apagar resistências à repetição dos erros, sem nenhuma disposição real e verdadeira de enfrentar a questão central.

Nessa linha deixei claro as práticas psicanalíticas de revisitar o passado de forma a encontrar os "demônios e os dramas coletivos" a serem superados. Nesse caso politicamente, de forma transparente.