sexta-feira, agosto 25, 2023

Empresas do Porto do Açu querem reduzir ainda mais a alíquota de ISS paga à PMSJB

Há cerca de dez dias, eu escrevi um texto (aqui no meu blog e no FB), que é uma síntese de uma análise mais ampla e aprofundada, sustentando com alguns dados e argumentos, que o Porto do Açu, quinze anos depois do início de sua construção e quase dez do início de sua operação, se estabelece muito mais como um negócio de base - em especial - extrativista, de enclave e como um território de passagem do que como um projeto de desenvolvimento.

Não vou repetir o texto e nem os argumentos. Quem desejar volte ao mesmo. Porém, o mesmo suscitou algumas conversas, debates e informações, mas a maioria fora do ambiente da internet.

Algumas pessoas (nem muito e nem poucas) me procuraram para concordar no todo, ou em parte, ou com o desejo de aprofundar o diálogo sobre o tema e tudo que o mesmo acabava por provocar, na medida em que o assunto tende quase sempre a suscitar mais discursos vagos e difusos sobre progresso, do que análises, pelo menos, um pouco mais profundas.

Terminal Onshore T2 do Porto do Açu. Fonte: Petróleo Hoje.
Para mim, o desejo de conversas mostra e justifica, porque ainda mantenho o blog e algumas postagens nas redes sociais.

Uma das informações que me chegaram é que representantes de empresas instaladas no Porto do Açu, estão "sugerindo" à Prefeitura de São João da Barra, reduzir ainda mais a alíquota do Imposto sobre Serviços (ISSQN) de 2,5% para 2% que pagam ao município.

A informação/intenção não pública, mas confirmada por outra fonte, corrobora boa parte dos argumentos apresentados no texto anterior, e merece alguns outros comentários.

A infraestrutura de circulação do projeto portuário, visa atender o fluxo de minerais extraídos do que a projetos de desenvolvimento locais e/ou regionais. Como já disse antes, o Porto quer fluidez de suas cargas, custos reduzidos na movimentação de cargas, maior produtividade e pouco, ou nenhum enlace, ou integração com a região.

O ISS é - e tem sido - uma das poucas rendas que fica no município, entre todos os fluxos que pelo Porto do Açu passam e que, no ano passado, superou o valor de R$ 12 bilhões e deve chegar esse a próximo de R$ 20 bilhões.

Vale lembrar que a PMSJB, no final do ano de 2004, já sabendo dos negócios que apontavam para a implantação de um porto no Açu, apresentou à Câmara de Vereadores, o projeto de lei do ISS com mudança da alíquota do tipo de serviços portuários reduzindo-o de 5% para 2,5%. Sim, metade como "incentivo fiscal municipal".

Desde 2004 até hoje, a lei revista anualmente, vem mantendo essa alíquota de 2,5%, mesmo que em outros municípios também com bases portuárias, essa alíquota esteja sendo corrigida para valores até 5%. 

Evidente que com as construções do Porto do Açu a receita municipal de ISS em SJB foi se ampliando: R$37 milhões em 2012; R$ 63 milhões em 2014, ano do início das operações do porto com exportações de minério de ferro; R$ 81 milhões em 2019 e R$ 119 milhões em 2022.

É uma boa receita para o município, ainda mais que é própria, embora ainda inferior às receitas petrorrentistas municipais com os royalties do petróleo que, em 2022, chegou a R$ 174 milhões.

Porém, é absurda a sugestão dos vários negócios instalados junto do Porto do Açu, desejarem outro incentivo fiscal dessa ordem de 0,5%.

Em termos percentuais é uma redução que parece mínima, mas em valores absolutos e referentes ao ano de 2022 equivaleriam a uma perda de receita de R$ 24 milhões, em apenas um ano.

Imagina se a alíquota tivesse sido mantida em 5%. Em 2022, o município de SJB teria tido uma receita de ISS de cerca de R$ 240 milhões.

O porto não é uma dádiva para o município ou região. É um negócio que se utiliza e produz o território segundo seus interesses, e nesse caso com quase nenhum enlace e com desejo de fluidez na movimentação das cargas e pouca interação ou enlaces com a comunidade que oferece a base territorial, onde foi instalada uma enorme infraestrutura logística-portuária para corredores de exportação e num grau menor de importação.

Para fechar, a reflexão que complementa o artigo anterior, é interessante ainda perceber que desde 2013, quando os donos dos Porto do Açu mudou de mãos, saindo da LLX, subsidiária do grupo EBX do Eike Batista, para controle do fundo americano EIG Global Energy Partners (76%) e fundo soberano Mubadala de Abu Dhabi nos Emirados Árabe Unido (EAU) com 24%, os questionamentos sobre os negócios e interesses avantajados do novo controlador se reduziram.

Creio que não exista outro argumento que não seja, o quase total desconhecimento sobre as práticas (processos, modus operandi e estratégias) utilizadas pelas gestoras dos fundos financeiros em seus negócios na gestão do que chamam de ativos, para diferentes setores e lugares no mundo. 

É fácil e possível saber em que tipos de atividades, negócios e lugares as gestoras dos fundos financeiros investem, mas a grande maioria das pessoas não sabem quem investe nesses fundos, seus interesses e muito menos, a forma e o modo como eles tomam posições, no comando sobre os diretores e gerentes que atuam no território e no qual se inserem interesses como esse de reduzir o ISS pago ao município que serve de base às suas operações e negócios globais.

Penso que a região Norte Fluminense precisa compreender um pouco melhor sobre tudo isso e não e apenas aprovar ou rejeitar o destino que não é nem nunca foi inexorável.

segunda-feira, agosto 14, 2023

Porto do Açu mais enclave e território de passagem do que desenvolvimento teve R$ 12 bi de movimentação em 2022

Muitos dizem que um porto é uma porta ou janela para o mundo. É verdade e estão certos. Porém, é importante lembrar que as bases e os portos de última geração, afastados das áreas urbanas, são também e quase que apenas, territórios de passagem de corredores de exportação. 

Os grandes complexos portuários da geração mais recente dessa tipologia de portos, instalados afastados nos núcleos urbanos, são na essência bases e enclaves entre fluxos de mercadorias. Esse é o caso do complexo portuário do Porto do Açu controlado pela Prumo Logística (ex-LLX) que é de propriedade do fundo americano EIG e possui 10 diferentes terminais licenciados junto à Antaq que se utilizam dos berços offshore (T1) e onshore (T2).  

Vista de parte das instalações do Porto do Açu, a partir da
estrada de acesso à portaria principal em 12/08/2023.
 
Buscando me atualizar sobre as instalações, os movimentos dos negócios e a relação com o território, para além do acompanhamento de indicadores, informações corporativas e da gestão pública, eu fiz uma nova visita de campo no último sábado, 12/08/2023, em quase todo o entorno do Porto do Açu. A apartação entre as instalações, quase fortificadas, na área do porto, a região e a comunidade continua muito grande.

A riqueza extraída passa por esses dez terminais portuários com pouca ou nenhuma conexão (rugosidade) com a região. Passa minério de ferro pelo mineroduto, petróleo em transbordo entre navios, cobre vindo de grandes caminhões de Goiás, bauxita de Minas Gerais para serem exportados. Fertilizantes são importados e direcionados ao agronegócio, assim como subprodutos siderúrgicos atendem fornos no vizinho território mineiro. 

Nestes lucrativos movimentos, o operador portuário e os donos das cargas querem fluidez que é o que garante produtividade e alta rentabilidade que já vem sendo obtida. Porém, sem indústria e sem beneficiamento, o que se tem é basicamente, e só, enclave, sem integração com economia local, sem adensamento e encadeamento. Geração de energia com uso do gás importado (GNL) através da termelétrica da GNA, se produz a eletricidade que se torna novo um insumo.

As usinas termelétricas representam uma atividade que gera emprego, mas de forma mais efetiva, apenas na construção. Já na operação, a empregabilidade é pequena com a UTE só funcionando quando há redução do nível de água nos reservatórios das hidrelétricas do sistema nacional. O número de empregos na operação das UTEs fica entre 80 e 100 funcionários apenas.

O restante das atividades são exportações extraídas no litoral com apoio à exploração offshore ou no interior no Quadrilátero Ferrífero mineiro, e que, chega ao Açu através do mineroduto, circulando pelos territórios de passagem ou cobre vindo de Goiás.

Sim, a condição de território de circulação gera um imposto local de serviço de movimentação de cargas (ISS) que até hoje é pouco fiscalizado e pago de forma autodeclaratória pelo operador portuário.

A arrecadação de ISS em SJB, nos três últimos anos, incluídos todos os tipos de serviços - e não apenas aqueles desenvolvidos no Porto do Açu e ligado às exportações -, chegou 308 milhões, com uma média na faixa de R$ 100 milhões anuais. Desde que o porto começou a operar, no segundo semestre de 2014, o valor total arrecadado de ISS em SJB, é de cerca R$ 650 milhões, quase que a única receita paga ao "território de passagem". 


Exportações e importações em 2022 no Porto do Açu somam R$ 12 bilhões
Até julho de 2023 chega a R$ 10,8 bilhões - destaques para China, EUA e Índia

Para se ter uma ideia do volume de riquezas que tem passado pelos dez terminais portuários do Açu e que se destinam às exportações, vamos olhar os números de exportações e importações do ano passado, 2022, e nos primeiros sete meses (até 31/07) do ano de 2023.

Em 2022 o Porto do Açu movimentou US$ 2,480 bilhões (R$ 12,1 bilhões), sendo US$ 1,965 bilhão (R$ 9,6 bilhões) em exportações e US$ 515 milhões (R$ 2,5 bilhões) em importações de cargas. 

Já nos primeiros meses de 2023, entre janeiro e julho, esse valor total entre exportações e importações já foi quase superado e chega a US$ 2,215 bilhões (R$ 10,8 bilhões), sendo US$ 1,791 bilhão (US$ 8,8 bilhões) em exportações e US$ 424 milhões (R$ 2 bilhões) em importações de cargas.

As exportações são especialmente fruto do extrativismo do petróleo e minério de ferro. Em 2022, o destino das exportações, em valores FOB e em dólares, foram em especial para: 1) Índia US$ 669 milhões; 2) EUA US$ 567 milhões; 3) Espanha US$ 283 milhões; 4) China US$ 281 milhões e 5) Uruguai R$ 65 milhões.

Nos sete meses de 2023, entre janeiro a julho, os destaques nas exportações foram: 1) China 784 milhões; 2) EUA US$ 461 milhões; 3) Índia US$ 168 milhões; 4) Espanha US$ 113 milhões e 5) Holanda US$ 113 milhões. 

Nas importações em 2022 e 2023* que equivalem em valores a cerca de 1/4 das exportações, os destaques são as compras vindas do Reino Unido, Alemanha, EUA; França; China, Suécia e Noruega.

Diante de tanta riqueza que circula por esse território de passagem, o que fica no município de SJB e na região é muito pouco. Pela região circulam os fluxos em diferentes modais: nas rodovias mais de duas centenas diárias de enormes carretas, fluxo de minério pelo mineroduto, E.E. pelas linhas de transmissão, gás pelos gasodutos e adiante em oleodutos e ferrovia que ligará portos do ES aos terminais do ERJ. Tudo exigindo fluidez e pouquíssimo (ou nenhum) enlace com as economias locais. ´

Esses fatos mostram que não é possível compreender os grandes projetos de investimentos (GPI) nos quais se incluem os complexos portuários, o desenvolvimento regional, sem analisar as relações transescalares e as articulações das cadeias globais de valor e financiamento. 

Esse breve comentário da postagem, é parte um texto com uma análise mais aprofundada sobre as questões macro e estruturais e em várias dimensões sobre o assunto. O texto com essa análise se destina a um capítulo de um livro-coletânea resultado de um fórum de que participei na Uenf em setembro de 2022, organizado pelo INCT, Observvatório das Metrópoles, Núcleo NF, que teve como título: "Governo e desenvolvimento urbano: características da economia extrativista e desafios para o Norte Fluminense".

Na apresentação e debates da mesa-redonda, realizada em setembro de 2002 e no texto para o livro, eu comento sobre o longo percurso do NF, entre continuidades e descontinuidades, desde agroindústria canavieira, o extrativismo, enclaves, a logística portuária visto como Grande Projeto de Investimento (GPI), as gestoras de fundos de investimentos e a hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo no qual a região se insere de forma subordinada como uma espécie de rota da internacionalização.

Nesse processo e diante das estratégias de um capitalismo sob a hegemonia financeira e com a lógica da gestão de ativos, o Estado (em seus diferentes níveis) tem atuado mais como despachante de luxo do capital. Ao contrário do que se diz, não se trata de um Estado mínimo e sim um Estado potente, só que para fortalecer o mercado, e não um Estado-social que pudesse levar ao desenvolvimento da economia real em suas condições materiais, mas para atender à maioria da população do NF e do ERJ. 

Em síntese, a economia do Norte Fluminense oscila entre o petrorrentismo da economia dos royalties, o enclave da base de apoio operacional do extrativismo do petróleo e do gás - que está se deslocando para a Bacia de Santos - e um território de passagem de um circuito global exportador e importador. O tema merece um debate mais amplo e esforços para "desenclavar" esse circuito econômico.

quinta-feira, agosto 10, 2023

19 anos de blog!

É muito tempo. Das várias e até dezenas postagens num dia, desde o 10 de agosto de 2004, hoje restam duas, três, no máximo quatro, mensais (com raro mês sem nenhum texto), alternadas com outras notas mais curtas, em um dos meus perfis nas redes sociais, onde a interação é maior. Ainda assim, o blog seguiu seu caminho.

Confesso algum cansaço e muito incômodo quando lembro que as postagens podem - e devem estar servindo mais à captura de dados, treinamento e aprendizado de máquinas para algoritmos - do que para a troca crítica de informação e opiniões. 

Porém, há algum tempo já dava para perceber que as plataformas digitais são efetivamente isso, simultaneamente: atratividade e sociabilidade como vantagens e repulsa, isolamento, individualismo e ódio, entre muitas outras desvantagens.

Quando iniciei em 2004 nem de longe imaginava que as plataformas digitais caminhassem para onde hoje estão e o que representam em termos de extrativismo e colonialismo de dados e máquina do ódio. O que demonstra como erramos em muitas de nossas estimativas de cenário. Assim, já observando o que estava vindo e o tempo retirado de outros afazeres, eu fugi das sugestões de montar canal no YouTube e mantive apenas no texto estendido aos perfis das redes sociais.

Porém, até para uma avaliação crítica desse ambiente, a manutenção do blog vai servindo, porque sempre é útil e importante se manter ligado ao objeto que se investiga.

A contagem do número de postagens e visitas que são feitas ao blog, foram se alterando com o tempo e com os robôs de acesso. Assim, eu não sei se são confiáveis, porém me espanta que mesmo com muito menos atualizações, as visitas diárias ainda oscilem na média entre 2 mil e 2,5 mil. Nos 19 anos, o Google me informa que foram 9,5 milhões de visitantes em 19.304 postagens, incluindo essa.

Interessante ainda observar, vez por outra, que várias postagens antigas ainda geram interesse e acessos, certamente, após serem localizadas em buscas, mesmo que estes mecanismos e sua programação algorítmica, tenham se alterado tanto ao longo desse tempo e tornando algumas postagens mais difíceis de serem localizadas no Google que é a Big Tech (sic) que guarda (e extrai, sic) esse arquivo de 19 mil postagens e 46,3 mil comentários.

Lembro que um dos motivos de ainda manter o blog, é que o mesmo me serviria de arquivo de informações levantadas e de leituras conjunturais, aos quais recorro com alguma frequência. Pelos números de visitas a postagens antigas, vejo que esse arquivo deve estar também servindo ainda a um amplo público expressivo e que só o Google pode saber quem são (sic, e seguem as contradições, sic).

Por tudo isso é evidente que o blog já passou e muito do que seria um tempo de vida útil razoável, estando assim muito perto do fim, mas enquanto ainda pensamos criticamente e tendo alguma disposição para escrever, seguimos no caminho, lembrando do grande poeta espanhol que afirmou que o caminho se faz ao caminhar...

Agradeço por esse trabalho aos amigos colaboradores, incentivadores e críticos do blog, que se estenderam também aos nossos perfis do FB, Instagram e Twitter. Eles também fazem o caminho. Os seus e o nosso. Valeu e sigamos em frente!