terça-feira, novembro 30, 2021

Fundos e ampliação da financeirização do agronegócio no Brasil

Assim como em outros setores econômicos, a financeirização e o instrumentos dos fundos financeiros estão se ampliando de forma expressiva no Brasil. O caso do agronegócio no Brasil merece uma observação mais atenta.

O controle da produção, circulação e distribuição deste setor é cada vez mais realizada por grandes corporações que são controladas, em boa proporção, por grandes fundos financeiros com enlaces entre o nacional e o global. Vários fundos globais possuem participações em quase todas as grandes empresas de agronegócio no Brasil.

Trata-se de um processo que se desenrola na agricultura, agropecuária e ainda no controle e aquisição de terras (Land Grabing) que servem de base para aquilo que se passou a chamar de agronegócios. São movimentos que levam ao controle financeiro feito por movimentos duplos e simultâneos de valorização e capitalização, onde muito se especula com promessas futuras de valor.

É um setor que nasceu e ainda tem muito forte o financiamento estatal subsidiado, mas que paulatinamente, vai saindo do controle de pequenos e médios produtores, em direção a grandes corporações (players) que agem de forma articulada e com conexões em plataformas digitais e financeiras globais.

Quanto mais financeirizada é uma empresa do setor, maior é a exploração da produção real e das economias regionais, o que de certa forma expõe a compensação do nível de especulação realizada pelos esquemas de ações (IPO, quota de fundos), mercado futuro e outros.

A capitalização do setor cada vez conta com mais inovações financeiras que em última instância busca capturar mais valor da atividade produtiva. Essa capitalização vem de instrumentos já conhecidos, entre os quais estão os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Letra de Crédito do Agronegócio (LCA). Esta última, muito oferecida a correntistas/investidores médios pelos gerentes de bancos tradicionais.

Neste processo de “inovações financeiras” – que se traduzem em formas de capitalizar o setor e remunerar ainda mais os donos dos dinheiros -, o Congresso Nacional, atendendo a expectativas e pressões do mercado, aprovou a lei nº 14.130/2021, em 29.03.2021, que instituiu o Fiagro (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais).

O Fiagro promete a junção de recursos de vários tipos investidores para a aplicação em ativos de investimentos do agronegócio, desde os de natureza imobiliária rural (propriedade) ou de atividades relacionadas a produção do setor.

Após regulamentação feita pela CVM, neste segundo semestre 2021, cotistas e investidores se aliaram a gestoras de fundos e os primeiros Fiagros foram surgindo. O mercado guardava uma expectativa de reunir algo próximo a R$ 1 bilhão até o final do ano, porém foi muito superado.

Assim, segundo dados da CVM, desde agosto passado, já foram protocolados para análise de oferta, um total de 28 Fiagros que reúnem mais de 9 mil cotistas que podem atingir, até o final do ano, um volume superior a 5 vezes, as expectativas chegando a mais de R$ 5 bilhões de investimentos.

O fato é um indicador empírico que mostra as transformações na forma de intermediação financeira e na ampliação da hegemonia do setor financeiro sobre a economia nacional. Os excedentes da poupança das famílias e das empresa não são mais majoritariamente colocados nos bancos tradicionais e na poupança. O Bolsa (B3, ex Bovespa) já possui mais de 4 milhões de investidores pessoas físicas.

Os fundos não são um mal per si, mas o modus operandi desta lógica do capitalismo da gestão de ativos, sim. Essas inovações financeiras amplificadas pelo potencial da tecnologia e plataformas digitais, oferece fluidez e uma hipermobilidade ao capital. Esse movimento em curso leva à expansão de crédito privado, sob controle do mercado de capitais, que paulatina e crescentemente vai substituindo o Estado.

Assim, a Anbima e as gestoras de fundos financeiros vão assumindo o controle das políticas econômicas (deste e de outros setores econômicos) e se tornando, o centro dinâmico da economia. Uma lógica acionária que extrai valor da produção real oriunda das economias locais, exigindo sempre altas rentabilidades e taxas de lucro de curto prazo, que nos relevam como resultado a precarização do trabalho e perda de direitos progressiva neste capitalismo contemporâneo.

Enfim, processo que segue a lógica neoliberal que deseja um estado máximo para o mercado e mínimo para a maioria, na pretensão de substituir o Estado no controle das políticas em diferentes setores, através do controle do seu financiamento.

É evidente que estes movimentos não podem ser vistos dissociados da política. São causas e consequências da manipulação política e do controle do mercado sobre as relações de poder. Processo que retroalimentam estas relações ao intensificar essas inovações que levam à hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo.

No Brasil, em especial, pelo volume e expressão do agronegócio no PIB, esta articulação-relação entre o capital financeiro e este setor precisa ser melhor acompanhada e entendida. No atual estágio, ela vai muito para além daquilo que é exposto pelas representações classistas deste setor junto ao poder político e colorido pela mídia corporativa-financeira.

O agronegócio brasileiro é cada vez mais parte da engrenagem do circuito financeiro em várias escalas (do nacional ao global, do campo à Faria Lima – Wall Street) e conquistou peso político que hoje contribui para transformar as relações Estado-Mercado-Sociedade, alternado o protagonismo em favor do mercado.

Tratam-se de mudanças que vão se aprofundando na sociedade brasileira e que à medida que avançam e reorganiza a sociedade, vão se tornando mais difíceis de serem superadas, em favor de um projeto nacional, autônomo, soberano de inclusão e menos desigual.

quinta-feira, novembro 25, 2021

Livro "Economia e desenvolvimento no NF: da cana-de-açúcar aos royalties do petróleo" disponibilizado versão PDF

O livro "Economia e desenvolvimento no NF: da cana-de-açúcar aos royalties do petróleo" foi editado em 2004 pela editora WTC (prof. Wainer Teixeira) e ainda hoje é procurado por pesquisadores e estudiosos que se interessam pela temática sobre desenvolvimento regional e/ou o Norte Fluminense.

A publicação foi fruto das pesquisas e de cerca de duas dezenas de boletins editados pelo Observatório Socioeconômico do Norte Fluminense, criado em 2001 no então Cefet Campos (atual IFF), a partir do Núcleo de Estudos em Estratégias e Desenvolvimento (NEED) e que depois se expandiu para um Consórcio Universitário de Pesquisa da Região Norte Fluminense numa parceria que reunia além do Cefet Campos, a UENF, UFF e UFRRJ. A edição teve o patrocínio da Caixa Econômica Federal e do Cefet Campos.

O livro organizado por mim e pelo parceiro em pesquisas Romeu e Silva Neto teve a participação de mais seis autores: Ailton Mota de Carvalho (UENF); Hamilton Jorge de Azevedo (UFRRJ), José Luiz Vianna da Cruz, Maria Eugênia Ferreira Totti (UENF), Roberto Cezar Rosendo e Rodrigo Valente Serra.

São nove capítulos distribuídos em 364 p. que trataram de diversos tema da Região Norte Fluminense. Algumas mais analíticas e históricas (e portanto perenes) como os dois primeiros capítulos: a) História da formação econômica (ROSENDO, R.C. e CARVALHO, A.M.); b) Modernização produtiva, crescimento econômico e pobreza-1970-2000 (CRUZ, J.L).

Os demais capítulos são estudos empíricos e temáticos, mas com períodos temporais de análises: c) Uma análise da cadeia produtiva da cana-de-açúcar (AZEVEDO, H.J.); d) Advento dos municípios “novos ricos” nas regiões petrolíferas nacionais (SERRA, R.V.); e) Radiografando o orçamento de Campos dos Goytacazes: 2000-2004 (PESSANHA, R.M.); f) A evolução do emprego formal na Região Norte Fluminense: 1997-2004 (NETO, R.S.); g) Hierarquia urbana e qualidade de vida do Norte-Noroeste Fluminense (CARVALHO, A.M. e TOTI, M. E.F.); h) Favelas e comunidades de baixa renda no município de Campos dos Goytacazes: 1991-2000 (PESSANHA, R M.); i) O papel das administrações municipais no processo de desenvolvimento local: um proposta para a Região Norte Fluminense (NETO, R.S.).

Já se passaram dezessete anos da publicação e ainda hoje somos procurados por pessoas interessados no livro que teve a impressão de 1000 exemplares em 2004, mas os livros impressos se esgotaram, embora existam nas bibliotecas de várias universidades locais. Como não conseguimos localizar os arquivos digitais de todos os capítulos que serviram para impressão, depois de vários pedidos, resolvemos providenciar (mesmo que de forma precária) o escaneamento de todo o livro para preservar a originalidade das páginas da publicação que segue para download no link abaixo. O link para download também ficará disponível na seção do lado direito do blog livro organizado pelo autor.

sexta-feira, novembro 19, 2021

Mídias digitais (sociais), estruturas, distopia & resistência

As mídias sociais são paradoxais em diversas dimensões, mas em especial nas relações de poder (política). As redes sociais (APPs) ligam e desligam. Articulam e fragmentam. Implodem e explodem. Atraem, arrastam e expulsam. As redes sociais socializam, mas também individualizam.

O uso da ciberesfera que ganhou potência com a internet móvel dos celulares (e aplicativos, APPs), embrulhando a relação com a nossa conhecida socioesfera. 

Relações físicas e digitais se misturam no âmbito social, econômico e político. As relações entre estes mundos dos símbolos e do imaginário circulam pelas subjetividades que leem o real por trás (background) das atraentes, transparentes e transcendentes telas florescentes. 

Em termos de estruturas, as mídias digitais são hoje em boa parte os aplicativos das redes que se autodenominam sociais, misturando aquilo que é meio do que são os objetivos. Essas redes (digitais e sociais) são frutos da APPficação, onde se situam os APPs mais baixados e usados do mundo. Em especial aqueles controlados pelas Big Techs, as gigantes do mundo digital. Entre eles estão: WhatsApp; Facebook; Youtube; Twitter; TikTok; Wechat; Instagram;  Messenger, etc.

Em termos de atuação no campo político, as redes sociais parecem atomizar a organização de movimentos e partidos. Assim, com menos identidades eles tendem a se tornar instrumentos e passagens provisórias (fluidas), fato que favorece a dispersão. Assim, de forma simultânea e também contraditória, as redes sociais levam aos oligopólios e à concentração das relações de poder. Um poder mais concentrado e quase imperial.

As disputas são também paradoxais. De um lado os agentes se multiplicam e fragmentam, mas na outra ponta se tornam cada vez mais concentrados e sob um forte controle dos algoritmos da dominação técnico-digital que amplia a capacidade de manipular a política, as relações de poder.

Todo esse movimento se dá em meio às diversidades que nascem utópicas, mas parecem cada vez mais distópicas, apesar dos esforços de integração.

Penso que o uso das redes sociais representa um aprendizado, mas os resultados desta utilização parecem atender, majoritariamente, a processos de manipulação que estão servindo bem mais aos objetivos da tecnocracia e das autocracias pós-democráticas e de extrema direita. São milhões de robôs dirigindo os algoritmos pela vida da inteligência artificial (IA). Uma disputa assimétrica como a racionalidade de um ideal de democracia fugidio.

As redes sociais na essência se encaixam na lógica (hoje mais clara) da guerra híbrida, quando servem como meios e instrumentos de disputas não militares, mas com apoio, sigilo, disciplina, coordenação e controle de estilo militar, com a finalidade de alcançar os objetivos estratégicos, políticos e geopolíticos de hegemonia. 

As redes servem a esse propósito de guerra híbrida, financeira, de informações, de energia e de sanções de maneira espetacular e já muito comprovada. Processo que parece um exercício militar da guerra cibernética ampla (ou total) para a qual nos encaminhamos, aceleradamente.

Mas, enfim, é preciso também considerar que poder sempre leva a contra-poder. Marchas a contra-marchas. É por aí que hoje enxergamos o variado uso desse espaço digital. Esforços, lutas e movimentos tentam encontrar meios para enfrentamentos aos donos dos algoritmo. Aqueles que exercem na prática o domínio técnico-digital a favor da minoria endinheirada no andar de cima. 

A luta deve ser para estancar a sangria obtida pelas Big Techs com a captura dos nossos dados e até do nosso imaginário. Tudo isso se tornou mais um campo de disputa assimétrica, como sempre foi a luta de classes em que a maioria é controlada e dirigida. 

Vivemos época de oligopólios, massificação e manipulação destas novas tecnologias digitais. Eles precisam ser enfrentados assim como as desigualdades. Sem ilusões, mas com determinação. A tecnologia não é neutra e precisa estar a serviço da maioria. Esta continua a ser a principal luta!

quinta-feira, novembro 18, 2021

Alguns outros significados da viagem de Lula à Europa

Na Europa, mais do que massagear o ego (nosso e dele), penso que Lula acabou tomando a principal vacina que precisava contra novas tentativas de golpe.

Explico. É que diante do porte do que Lula conquistou nestes dias, ampliando o capital político e geopolítico que já possuía, a extrema direita sua adversária aqui no Brasil, fica praticamente impedida de tentar algo contra ele, seja a vida ou por instrumentos judiciais.

A Europa em seus movimentos entre a OTAN e a Eurásia, precisa de aliados transfronteira, penso que assim enxerga em Lula um pouco desse potencial. Não foi por outro motivo que Macron pediu para conversar com Lula, diante do enfrentamento da eleição daqui a cinco meses, quando disputará também com a extrema direita francesa, além da prefeita de Paris, como candidata de esquerda e que também esteve com Lula.
 
A enorme capacidade de articulação, respeito e carisma de Lula, parece se encaixar como uma luva para a Europa que ressente de lideranças globais como esse perfil de articulação, no espaço para além da Comunidade Europeia.

Se no plano internacional Lula obtém com esta vacina uma certa imunidade contra “maluquices direitistas”, no plano interno, aqui no Brasil, Lula ganha mais espaços, apesar do bloqueio comunicacional feito pela mídia corporativa, que age como correia de transmissão e como partido político do sistema financeiro.

Estas conversas de Lula com os líderes de Estados-nação e instituições internacionais europeias podem abrir possibilidades, diante de uma expectativa de vitória eleitoral daqui a dez meses, para um enfrentamento dos nossos problemas, agravados pelo desmonte radical nas políticas públicas que continua sendo feita por Bolsonaro-Guedes.
 
Reconstruir a nação não será tarefa fácil e nem rápida e trará muitos desgastes. É nesse ponto que este tipo de relações pode contribuir, embora mais importante sejam as nossas capacidades em realizar o que precisa ser feito, tanto para superar eleitoralmente esta fase trágica de nossa história, seja para reconstruir a nação e governar para a maioria. A ver!

PS.: Publicado originalmente no dia 16/11/2021 (aqui) no meu perfil no Facebook e republicado no mesmo dia (aqui) no Portal 247.

terça-feira, novembro 16, 2021

Dubai-Davos, o consciente-inconsciente coletivo do "andar de cima"

Dubai parece um ímã que atrai, consciente ou inconscientemente, os que desejam um mundo para poucos, distante da maioria, embora construído com o suor destes. Dubai é o mundo real da distopia produzida nas ideias e nos interesses de Davos que esgarça a civilização e se reenamora com a barbárie.

Há ainda contradições entre Davos e Dubai, mas elas se complementam. A primeira está na Suíça, é sede do Fórum Econômico Mundial e espaço de circulação dos negócios financeiros offshore que se escondem a tributação, enquanto aumentam seus rendimentos e derivativos. 

Enquanto Dubai é parte dos Emirados Árabes Unidos, que vivem acumulando riqueza em seus fundos soberanos oriundos da riqueza do petróleo e assim, entraram no jogo da multiplicação de rendimentos no andar superior das altas finanças.

Porém, simbolicamente, Davos e Dubai se reafirmam como importantes e contemporâneos marcos do "andar de cima das altas finanças" que explicitam a hegemonia do capital financeiro dentro da lógica da gestão de ativos e da extração de valor da renda do trabalho.

Davos e Dubai expõe ainda os processos de controle dos fundos financeiros sobre a economia e a produção real. Exigem e recebem as ofertas de entrega das estatais (planos de privatizações) de Estados-nacionais que consentem e assumem a dependência.

Há alternativas a essa lógica do capitalismo da gestão de ativos e destas inovações financeiras ampliadas pelo potencial da tecnologia e das plataformas digitais que fagocitam a economia real, em processos altamente concentrados e com tentáculos espalhados forma espacial, transescalar e global.

Para isso é necessário impedir que as finanças continuem se tornando o efetivo centro dinâmico da economia capitalista contemporânea hegemonicamente financeiro em que Davos e Dubai são símbolos. O caminho é o de limitar a atuação deste circuito financeiro global, em que seus agentes atuam capturando a autonomia e a soberania dos Estados-nações. 

Tenho dúvidas se ainda há chances de superar este esgarçamento hipercapitalista contemporâneo. Mas, há que se dedicar a esta tarefa hercúlea que passa por fortes lideranças regionais e por amplas articulações interestatais, organizadas em novas e necessárias instituições. O Brasil pode ser parte desta construção alternativa. Ou não.

segunda-feira, novembro 08, 2021

Big Techs: teia de aranha digital-financeira entra em novo patamar de acumulação e controle sobre o mundo real e o poder

Não é necessário nem ser um observador assim tão atento, para perceber que as Big Techs estão entrando num novo patamar de atuação, muito para além do que supõe o uso de um notebook ou celular conectados à internet.

Não é só o “clube dos trilhões de dólares” em termos de valor de mercado que demonstra o porte destes maiores oligopólios da história da humanidade, em termos de escala e capacidade de acumulação. Vale registrar que juntas, as Big Techs americanas já passaram e bem dos US$ 10 trilhões.

Porém, faço questão de me referir aos avanços do prática anticoncorrencial monopolista dentro dos setores específicos de tecnologia em que atuam. Há até alguma concorrência entre elas em algumas áreas de atuação comum, mas são quase um despiste para negar a prática monopolista, mas no geral os ganhos em escala, são em setores muito específicos de cada uma das Big Techs.

O fato é que existe uma incapacidade regulatória nacional para um setor que usa atua globalmente. Isto é o maior dos entraves. As Big Techs sabem disso e operam nesse veio. O mesmo acontece na questão tributária, em que as gigantes de tecnologia possuem sedes regionais localizadas em “esconderijos fiscais”, também chamados de paraísos fiscais. Estes permitem sonegações bilionárias que juntas já passam da casa do trilhão de dólares e alimentam a farra das chamadas “empresas offshores”.

A economia de plataformas realiza um mixo de dataficação, financeirização e neoliberalismo. Não há como analisar as Big Techs e a dominação tecnológica-digital que elas exercem na condição de “empresa-plataformas-raiz” fora do contexto da hegemonia financeira do capitalismo contemporâneo. Tanto na atração de capitais (fundo hedge e venture capital) nos processos de capitalização, quanto na extração de valor da economia real e da produção.

Fluxos de capitais, derivativos, inovações financeiras APPficadas de todo o tipo, gestoras de fundos, criptomoedas + outras moedas digitais, são partes desta utopia tecnocrática do dinheiro apolítico e do descolamento da gestão dos Estados-nacionais.

As Big Techs já divulgam abertamente que são bases fundamentais para todo esse movimento. Backbones (espinhas dorsais) que criam as condições para essas inovações financeiras e para estes fluxos colossais - e quase incontroláveis - de capitais mundo afora.

Diariamente, a Microsoft, que está próximo de passar a Apple na liderança de valor de mercado entre as Big Techs, rumo aos US$ 3 trilhões, divulga que a maioria das grandes empresas do ocidente, de vários setores da economia, dependem do seu “Workspace”, para continuar operando, existindo e capturando valor da economia real.

É aí que as Big Techs encontram ponto de tangência para se imbricar à economia real no e-commerce, indústria 4.0, indústria das informações e mídia e também nos bancos digitais-fintechs, moedas digitais, tokenização (divisão de propriedades com uso de metadados e registros no blockchain), etc.

É nesse sentido que o meta(verso) anunciado pelo Facebook, mas já presente no planejamento também da Microsoft, Google, Amazon e Tesla, como paradoxo do mundo real capturado para um universo abstrato - a partir de nossos dados -, vão fazer ressurgir, sob a forma de avatares, entre o mundo real e o fictício. Um movimento que é similar ao que faz o capital e também as informações, quando misturam o que é fato real daquilo que é falso (fake), como instrumento de manipulação e controle sobre o poder político e o Estado.

O uso das técnicas digitais faz parte do desenvolvimento da ciência e tecnologia, mas a sua direção e seu controle não são naturais. Os algoritmos têm dono. Os donos dos dinheiros. É dessa relação que se tem o imbricamento entre o digital e o real, o valor fictício e o valor da produção e o enlace entre o global o nacional.

Porém, este novo patamar de atuação das Big Techs e de controle sobre a economia, a política e o cotidiano ganham maior potência quando e onde ocorre o enlace do mundo da tecnologia com o mundo das finanças. São vários os cruzamentos e interfaces entre um e outro e esse é um dos pontos que merece um olhar, ou uma mirada em especial.

Um espaço em rede e crescente, assim como uma teia de aranha tecida dia a dia, a partir de pontos (origem e destinos) transfronteiriços, por onde circulam as finanças digitalizadas que deram origem, retroalimentam e expandem os modelos de negócios das Big Techs não pensados em sua gênese.

Ainda é pouco percebido a forma como a dominação tecnológica subtraiu do Estado - e a favor do mercado -, o poder de monopólio não apenas de emissão de moedas e meios de circulação, mas de registro de fluxos de negócios e de garantia, que antes só o Estado exercia.

A transferência de quatrilhões de dados diariamente também contribui para desmaterializar o dinheiro que se transforma apenas em informação e assim ampliam a extração de mais valor da economia real. Essa de crises em crises, tenta conviver com os conflitos da desigualdade crescente que vai multiplicando os milhões de trabalhadores precarizados e sem direitos. Eles atuam na produção, serviços (inclusive das plataformas digitais) e na circulação material via explosão do e-commerce. Tudo isso cria novos oligopólios e suga as economias regionais.

As empresas-plataformas-raiz atuam na intermediação (circulação). São meios de comunicação e de produção e também - e cada vez mais - meios de troca (e pagamentos) articulados em rede. Trata-se de um sistema integrado e terrivelmente disruptivo (até aqui) em termos civilizacionais.

Produzem desejos e controlam os nossos imaginários a partir da ideia-gênese do neoliberalismo controlado pelo mercado. Um processo que avança sob total controle do mercado, fortalecendo a plutocracia que emerge, em meio ao autoritarismo de um Estado pós-democrático.

Estado máximo para o mercado e mínimo para a maioria mantida sob controle, num contexto histórico de intensificação do neoliberalismo. Uma espécie de neoliberalismo digital.

Será que seguiremos assistindo o desenrolar destes fatos-movimentos ou será possível alterar o curso essa teia de aranha tecnocrática-financeira que nos aprisionam?

 

PS.: Esse texto se refere mais às Big Techs americanas e sua relação com o mundo ocidental. A análise das Big Techs asiáticas e chinesas merecem uma análise à parte e/ou complementar sobre o fenômeno da dominação tecnológica-digital e sua relação com a ampliação da hegemonia financeira.