quinta-feira, março 12, 2015

Soffiati: "Vila da Rainha em SFI é mais antiga que o Rio que comemorou 450 anos"

Abaixo temos o prazer de ler o resgate histórico que o professor, pesquisador e ambientalista Arthur Soffiati faz da história da ocupação territorial de nossa região. Mais um artigo inédito com a colaboração do Soffiati. Vale conferir!

Vila da Rainha

Arthur Soffiati

Várias homenagens merecidas foram prestadas pelos 460 anos de fundação do Rio de Janeiro, em 1 de março de 1565. Ele já foi fundado na condição de cidade. Apenas Salvador, de 1549, tinha este estatuto porque foi fundada para ser a capital do Brasil, uma vez que o sistema de capitanias hereditárias não funcionou. Por mais que a Coroa portuguesa tentasse escapulir da aplicação de recursos para garantir a posse do Brasil, transferindo a particulares a responsabilidade da colonização, não houve escapatória: ou criava um sistema governamental centralizado com recursos públicos para colonizar o Brasil ou perdia a colônia para outros países, notadamente a França. Assim, foi imperiosa a instituição de um governo geral, com Tomé de Souza, ou a perda da colônia.

Quando o Rio de Janeiro foi fundado, não existia ainda a Capitania do Rio de Janeiro. Sua fundação se deu pouco a pouco, quase espontaneamente, em terras da Capitania de São Vicente, de Martim Afonso de Souza, e em terras da Capitania de São Tomé, doada a Pero de Gois. Ao sul, a linha delimitadora da Capitania de São Vicente foi estabelecida em Caraguatatuba. Ao norte, em torno do Rio Macaé. Neste, começava a Capitania de São Tomé, que, por acordo entre seu donatário Pero de Gois e o donatário da Capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho, foi definida no Rio Itapemirim.

Depois da chegada dos portugueses, Brasil passou por três fases no que se refere aos assentamentos humanos: 1- feitorias, simples entrepostos comerciais para negociar "artigos da terra" com os indígenas; vilas, já núcleos com o fim de colonização, criadas no sistema de Capitanias Hereditárias, a partir de 1534; e cidades. Só dois núcleos nasceram cidades desde o início: Salvador e Rio de Janeiro. Mesmo São Paulo, que começa a contar seu tempo desde 1554, nasceu como vila. Só em 1711, ela foi elevada à condição de cidade.

Com a decisão de colonizar o Brasil com Capitanias Hereditárias, os donatários tinham o direito de fundar vilas. Cidades só o governo português. A vila mais antiga é São Vicente, fundada em 22 de janeiro de 1532 por Martim Afonso de Souza, antes mesmo da divisão do Brasil em capitanias. Santos, fundada por Brás Cubas, data de 1543 ou 1546. Vila Velha, no Espírito Santo, foi fundada em 23 de maio de 1535. No nordeste, Olinda foi elevada à vila em 12 de março de 1547, e Igaraçu em 1564, fundadas pelo donatário Duarte Coelho em Pernambuco, também são dessa época.

O que não costuma aparecer nos livros e pouca gente sabe é que Pero de Góis fundou, na foz do Rio Itabapoana, na Enseada do Retiro, a Vila da Rainha, em homenagem à rainha de Portugal. Ela durou de 1539 a 1546. É, portanto, mais antiga que o Rio de Janeiro, qualquer que seja a data reivindicada para a sua fundação: 1555, com a fundação da França Antártica por Nicolas Durand de Villegagnon; 1565, com a fundação da cidade nas imediações do Morro Cara de Cão; ou 1567, quando ela foi transferida para o Morro do Castelo. Quando os franceses resolveram se instalar na Baía da Guanabara, a Vila da Rainha não mais existia.

Figura 1 - Idealização da Vila da Rainha. Atribuída a Wasth Rodrigues

O problema da Vila da Rainha foi a falta de continuidade. As outras aqui mencionadas continuaram. Outras foram fundadas de maneira autônoma ou ligadas a algum município, depois emancipadas e alcançando a condição de cidade, como Quissamã, Carapebus, Conceição de Macabu, São Francisco de Itabapoana, Cardoso Moreira, Italva, São José de Ubá, Varre-Sai e muitas outras pelo Brasil afora. Vila Rica nasceu como vila e elevada a cidade com o nome de Ouro Preto.

Outra experiência que não deu certo ou não ocorreu foi a fundação da Vila de Santa Catarina das Mós por Gil de Gois, filho de Pero de Gois, na foz do Rio Itapemirim. Mas, no caso, a data seria 1619, já no século XVII.

Se a Vila da Rainha tivesse continuado, ela e sua extensão em Limeira (última cachoeira do Itabapoana), sua idade seria de 474 anos. Como o negócio é dar um jeitinho, como fez São Paulo ao contar a data de sua fundação em 1554, e não em 1711, podíamos muito bem distorcer a história, como gostam de fazer os historiadores provincianos (e por aqui, há muitos), e considerar Barra do Itabapoana continuação da Vila da Rainha. Neste caso, esta vila seria mais antiga que o Rio de Janeiro.

Figura 2- Vestígios de engenho construído por Pero de Gois
na última cachoeira do Rio Itabapoana, na atual Limeira. Foto do autor

4 comentários:

Diego disse...

Muito legal este artigo! Seria interessante a criação de um museu em Barra do Itabapoana, a fim de resgatar a riquíssima história desta bela região.

Unknown disse...

Maravilhoso ter a oportunidade de conhecer um pouco a história da região, com um professor de história, competente como o Aristides Arthur Soffiati. Parabéns pelo excelente artigo e parabéns ao Roberto Moraes que soube dar valor a um assunto tão relevante como esse. Obrigada pela oportunidade!

Unknown disse...

Meus parabéns pela iniciativa.
As escavações dos vestígios de engenho construído por Pero de Gois
na última cachoeira do Rio Itabapoana são acessíveis ? Poderia informar como chegar ?

André Eiras disse...

Como faço para saber a localização deste lugar? Gostaria muito de fazer uma visita.