quinta-feira, abril 24, 2014

Anglo American é autuada por trabalho escravo

Enquanto a empresa que instala o Sistema Minas-Rio informa sobre sua conclusão (reportagem do Valor republicada baixo pelo blog), hoje, o jornal mineiro "O Tempo" publica matéria mostrando a ação da manhã desta quinta feira, do Ministério do Trabalho e do Emprego com apoio da Polícia Federal, onde foi encontrado trabalhador que há 88 dias trabalhava sem descanso. Algumas das 185 vítimas, que eram submetidas a jornadas de até 200 horas extras por mês durante até cinco meses.

Sobre a ação do MTE a professora e pesquisadora da UFF, Ana Costa disse: "Infelizmente esse modus operandi das empresas que vem realizando as obras nos megaempreendimentos, em sua maioria financiado com recursos dos fundos públicos, sem levar em conta ainda, os impactos causados às populações atingidas em Conceição de Mato Dentro/MG e no Açu/RJ com as desapropriações, imissões de posse, remoções forçadas dentre outras violências".


Abaixo a matéria do jornal O Tempo:
"Anglo American é autuada por trabalho análogo à escravidão"
Funcionário chegou a trabalhar 88 dias seguidos, sem um dia sequer de descanso
ANA PAULA PEDROSA E QUEILA ARIADNE
CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO E BELO HORIZONTE - PUBLICADO EM 24/04/14 - 09h27
ECONOMIA - Do dia - Conceicao do Mato Dentro MGMinisterio do trabalho autua a empresa Anglo American  ( responsavel pelo projeto do mineroduto Minas Rio ) e tercerizadas ( Tetra Tech ) por trabalho analogo a escravidao FOTOS: MARIELA GUIMARAES / O TEMPO 23.04.2014Entre julho e outubro do ano passado, um mecânico montador, contratado para as obras de implantação do projeto Minas-Rio, que inclui o maior mineroduto do mundo, ligando Conceição do Mato Dentro, região Central de Minas Gerais, ao Rio de Janeiro, trabalhou durante 88 dias seguidos, sem um dia sequer de descanso. Em 1º de agosto de 2013, um motorista que trabalhava na mesma obra começou sua jornada às 6h e só encerrou o expediente 20 horas depois, às 2h do dia seguinte. Quatro horas depois, novamente às 6h, já estava no batente de novo. 
Jornadas exaustivas como essas, que colocam em risco a saúde e a segurança do trabalhador, levaram o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a autuar a Anglo American, responsável pelo projeto Minas-Rio, e mais três empresas que prestavam serviços para ela de forma terceirizada – Milplan, Enesa e Construtora Modelo – por trabalho análogo à escravidão. As histórias relatadas acima foram contadas por algumas das 185 vítimas, que eram submetidas a jornadas de até 200 horas extras por mês durante até cinco meses.
As investigações do MTE começaram em novembro do ano passado, a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Foram enquadrados em condições análogas às da escravidão os empregados que fizeram, no mínimo, 60 horas extras por mês durante pelo menos três meses.
 Terceirização ilícita
Além de trabalho análogo à escravidão, o MTE classificou como ilícita a terceirização da Tetra Tech. No entendimento do órgão, os 435 operários que trabalhavam para a Tetra Tech desempenhavam atividade-fim e deveriam ser contratados diretamente pela Anglo American. Desses, 67 eram submetidos a condições análogas às da escravidão. Ontem, 50 funcionários da Tetra Tech foram ouvidos em Conceição do Mato Dentro, em uma operação conjunta do MTE e do Ministério Público do Trabalho, com suporte da Polícia Federal. 
O coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE-MG), Marcelo Campos, explica que, embora os funcionários sejam da Tetra Tech, a empresa foi apenas notificada. Como a terceirização foi considerada ilícita, só a Anglo foi autuada. “A Anglo recebeu duas autuações, uma por trabalho análogo à escravidão e outra por terceirização ilícita”, diz. 
Ele explica que, em muitos casos, o trabalhador não se sente enquadrado em trabalho escravo porque, ao contrário do que acontecia até o século XIX, eles recebem pelo trabalho. “Todas as horas extras são pagas. O problema é submeter o funcionário a uma jornada exaustiva”, afirma. Hoje, a operação vai ouvir funcionários da Enesa e da Milplan. Os funcionários da Modelo já foram demitidos porque o serviço chegou ao fim.
 Empresa vai contestar autuação

A Anglo American não concorda com a avaliação do MTE de que os trabalhadores eram submetidos a condições análogas às da escravidão e vai contestar a autuação. A empresa também vai questionar a classificação de terceirização ilícita no caso da Tetra Tech. “A empresa informa que repudia veementemente qualquer associação da situação desses empregados a trabalho escravo. A notificação ocorreu em função de horas extras praticadas além do que permite a legislação. A empresa também irá contestar esse auto”, afirma, em nota. 
A Anglo ainda acrescenta que “atua rigorosamente de acordo com a legislação trabalhista, exigindo de suas contratadas o mesmo”. A Milplan também informou, por meio da assessoria de imprensa, que não concorda com a autuação e vai buscar os meios legais para se defender. Para a empresa, a classificação como trabalho análogo à escravidão é uma “interpretação errada” da situação. 

A Tetra Tech foi procurada, mas preferiu não se pronunciar. A reportagem tentou insistentemente contato telefônico com a Construtora Modelo, mas ninguém atendeu as chamadas. Ontem, em Conceição do Mato Dentro, representantes da Anglo e da Tetra Tech orientaram os funcionários a não falarem com a reportagem.

PS.: Atualizado às 11:22:

"Brindes sorteados e dinheiro extra motivam longa jornada"
"Por necessidades financeiras, trabalhadores querem continuar trabalhando para empresa terceirizada"
ANA PAULA PEDROSA E QUEILA ARIADNE - CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO E BELO HORIZONTE - PUBLICADO EM 24/04/14 - 09h43
Das 50 pessoas ouvidas ontem em Conceição do Mato Dentro, apenas seis manifestaram o interesse de se desligar da Tetra Tech. As outras, queriam continuar trabalhando para a empresa, apesar das jornadas chegarem ao dobro das 44 horas semanais previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A maioria dos empregados da Tetra Tech e das outras terceirizadas da Anglo prefere ficar por necessidades financeiras. 
O salário médio é de R$ 1.150, mas os funcionários chegam a receber mais do que o dobro deste valor com as horas extras. Um motorista que trabalhou 160 horas extras por mês, sendo 15 dias direto sem intervalo, disse, durante os depoimentos, que se submete à jornada porque “é casado, tem dois filhos pequenos, a esposa está desempregada e precisa aumentar o salário”. 
ECONOMIA - Do dia - Conceicao do Mato Dentro MGMinisterio do trabalho autua a empresa Anglo American  ( responsavel pelo projeto do mineroduto Minas Rio ) e tercerizadas ( Tetra Tech ) por trabalho analogo a escravidao FOTOS: MARIELA GUIMARAES / O TEMPO 23.04.2014
Alírio Ferreira Campos Junior, motorista terceirizado da
Anglo American pela Tetra Tech
Um outro motorista relatou que chegou a trabalhar 30 horas seguidas e, em outras ocasiões, teve apenas três horas de repouso entre o fim de um expediente e o início do outro. Ele afirmou que como forma de “motivação” as empresas sorteiam brindes para quem trabalha em feriados e recessos e para quem cumpre as metas. No fim do ano foram sorteados celulares, TVs e até um carro. 
Alírio Ferreira Campos Junior, 44, é um dos que quiseram a rescisão de contrato com a Tetra Tech. Ele conta que trabalhava, em média, cem horas extras por mês. “Já teve mês em que eu fiz 120 horas extras. Saía de casa às 6h e voltava às 19h. Já aconteceu também de eu chegar em casa às 3h e sair de novo para o trabalho às 6h”, lembra. 
Trabalhando na empresa como motorista desde setembro de 2011, ele desenvolveu um problema no joelho e, em setembro do ano passado, obteve um laudo de um ortopedista do Serro, onde mora, para afastamento. “Mas a médica do trabalho da Tetra Tech disse que eu estava apto, depois mudou de ideia e eu fiquei parado de setembro a dezembro”, conta. Mesmo afastado, ele só recebeu a guia do INSS em dezembro, por um erro da empresa. “Nesse intervalo, fiquei sem salário”, reclama. 
“Entrei na Justiça pedindo meu pagamento e, agora, o que eu quero é ser desligado da empresa com os meus direitos”, afirma.
Ontem, após reunião com os Ministérios Público do Trabalho (MPT) e do Trabalho e Emprego (MTE), representantes da Tetra Tech e da Anglo concordaram em demitir os seis funcionários interessados em sair. “O acordo garante a eles o direito de saírem de uma empresa onde foram submetidos a condições de trabalho análogo à escravidão, recebendo tudo o que têm direito”, explica o coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais, Marcelo Campos.
 
Inclusão em 'lista suja' pode fazer empresa perder financiamentos
 
Essa é a primeira vez que a Anglo American tem o nome ligado diretamente ao trabalho escravo. Em novembro de 2013, uma força-tarefa do Ministério do Trabalho (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) resgatou 160 pessoas nessas condições nas obras do Minas-Rio, sendo cem haitianos vítimas de tráfico de pessoas, e 60 nordestinos. Na época, quem foi autuada foi a Diedro, que prestava serviços à mineradora. 

As empresas que submetem os trabalhadores a condições análogas à escravidão podem ser multadas e incluídas na “‘lista suja” do Ministério do Trabalho, o que significa a perda de direito a financiamentos públicos e privados durante dois anos. Há ainda um pacto empresarial com a participação de mais de 200 empresas que não negociam com quem integra a listagem. 
O MTE vai fazer um relatório fiscal reunindo todos os autos lavrados na operação relativa ao projeto Minas-Rio. Cada auto vai virar um processo administrativo e, se for julgado procedente, as empresas serão punidas. O relatório deve ficar pronto até 15 de maio, quando será enviado MPT e à Procuradoria da República. 

“Vamos avaliar os autos e tomar as providências. O que vimos com os depoimentos de hoje foram pessoas que ficaram doentes por jornada excessiva de trabalho. Quem é submetido a isso sofre dano existencial, porque a pessoa é impossibilitada de organizar a vida”, afirma a procuradora do MPT, Elaine Nassif

Um comentário:

Anônimo disse...

Ainda bem que eu nao trabalho mais la. Dei o sangue por muitos anos em varios projetos e no fim das contas a gente fica velho e eles mandam embora sem do nem pena, mesmo cumprindo com todas as metas!