segunda-feira, abril 13, 2015

Soffiati propõe uma tipologia histórica para as lagoas de nossa região

Confiram abaixo mais uma colaboração do Aristides Soffiati que amplia para todos nós o conhecimento da história do ambiente de nossa região. Nesse novo artigo Soffiati faz uma interessante classificação das lagoas de nossa região, a partir do estado atual de conservação das mesmas.

Mais uma vez o artigo vem recheado de imagens que enriquece ainda mais o texto e possibilita uma maior compreensão do que está exposto sob a forma de palavras, como tanto aprecia os geógrafos e também ambientalistas e o público em geral.

Uma tipologia histórica para as lagoas da Ecorregião de São Tomé

Arthur Soffiati

Já existem algumas tipologias para as lagoas do norte fluminense. O falecido geógrafo Elmo da Silva Amador elaborou a mais antiga tipologia para as lagoas do Estado do Rio de Janeiro que conheço. Pouco antes de morrer, ele me disse que precisava aprimorar a classificação, sobretudo quanto ao norte fluminense.

Posteriormente, duas técnicas da extinta Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA) apenas enumeraram as lagoas do Estado do Rio de Janeiro, sem a preocupação de inseri-las em seu contexto geológico. A enumeração é bastante incompleta, principalmente diante do livro que Paulo Bidegain Primo e eu escrevemos sobre as lagoas do norte fluminense.

O geógrafo José Maria Ribeiro Miro e sua equipe, atuando pela Sala Verde, do Instituto Federal Fluminense, já coordenou duas tipologias. A primeira tentando definir as lagoas de acordo com sua origem. A segunda considerando a morfologia das lagoas. Eu mesmo, embora não sendo geólogo, limnólogo e geógrafo, tentei uma classificação com base na situação geológica e na formação das lagoas. Como eco-historiador, tento agora uma tipologia baseada no estado das lagoas em sua relação com as sociedades humanas.

Lagoas em ótimo estado de conservação. Infelizmente, não há mais lagoas inseridas nesta categoria na Ecorregião de São Tomé, expressão que utilizo para denominar a área delimitada pelos Rios Itapemirim (ES) e Macaé (RJ), apresentando unidade geológica, hídrica, florística, faunística, econômica e cultural. Talvez, o incauto classifique a Lagoa Limpa como em ótimo estado de conservação pela beleza que ela ainda apresenta. Mas, examinando-a um pouco mais, conclui-se que toda sua orla foi desmatada e ocupada pela cana. Sua água está saturada de produtos químicos oriundos da agropecuária e eutrofizada. Sua ligação com o Rio Muriaé foi interrompida por uma comporta nunca manejada pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Lagoas em ótimo estado de conservação ainda poderiam ser encontradas no século XIX. Hoje, talvez, algumas poucas no interior do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.

Figura 1- Lagoa protegida pelo Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Foto de Rômulo Campos

Lagoas em bom estado de conservação. Apesar de toda a ação de drenagem do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, entre 1935 e 1990, das interferências de órgãos estaduais, dos municípios e de particulares, algumas poucas lagoas conseguiram manter a condição de bom estado de conservação. A Limpa é uma delas. A Feia, conquanto cercada de diques, reduzida em sua área, poluída, assoreada e eutrofizada, ainda pode se enquadrar nesta categoria.

Figura 2- Lagoa Limpa. Foto do autor
Figura 3- Lagoa Feia vista da foz do Canal da Flecha, em 1982. Foto DNOS


Lagoas em regular estado de conservação. Há um número considerável de lagoas cujo estado de conservação é regular. Precisamos considerar a vegetação nativa do seu entorno, o avanço da urbanização, a qualidade da água, a exploração de sua fauna e o conjunto desses fatores. Assim, ainda se salvam a Lagoa de Cima, apesar da urbanização acelerada e desordenada em sua orla, e a Lagoa do Campelo, apesar da crise hídrica que enfrenta. Cabe avaliar melhor o conjunto de lagoas da Ecorregião de São Tomé para a inclusão ou não de outras lagoas nesta categoria.

Figura 4- Lagoa de Cima. Foto do autor









Lagoas em péssimo estado da conservação. Podemos incluir neste tipo todas as lagoas do sul do Espírito Santo, todas as lagoas de São Francisco de Itabapoana, todas as lagoas de São João da Barra e quase todas as de Campos dos Goytacazes. Quando consideramos o conjunto formado por desmatamento das margens, ocupação do solo, qualidade e quantidade das águas e fauna aquática, podemos verificar que quase todas as lagoas do norte fluminense (o noroeste não tem lagoas, apenas brejos) e do sul capixaba estão em franco processo de extinção provocado pelo chamado progresso. As lagoas são consideradas estorvo ao crescimento econômico. Normalmente, são palco de conflitos sociais, elas mesmas constituindo contradição com as sociedades humanas em seu conjunto. Desta situação, não escapa ninguém. Ricos, remediados e pobres exploram e destroem as lagoas. Os que delas dependem também retiram das mesmas mais do que sua capacidade de autorregeneração.

Figura 5- Lagoa do Siri, Município de Marataízes. Foto do autor
Figura 6- Lagoa Doce, São Francisco de Itabapoana. Foto Vera Mansur
Figura 7- Lagoa de Gruçaí, São João da Barra, em 1992. Foto Dina Lerner
 
Lagoas em extinção e extintas. Em artigo anterior a este, analisamos as lagoas engolidas pela cidade de Campos. Situada numa planície aluvial, à margem direita do Rio Paraíba do Sul, em terreno com ligeiro declive em direção da Lagoa Feia, Campos se ergueu num ambiente povoado por lagoas. Apontamos sete que os mapas antigos assinalaram: Lagoas do Saco, Dourada, do Osório, do Curtume, de Santa Ifigênia, sem nome e do Goiabal. Saturnino de Brito projetou três canais cortando a cidade, todos ligados ao Canal Campos-Macaé, para drenar pelo menos quatro dessas lagoas. Depois de drenadas, poucas dessas lagoas foram niveladas. A maioria teve o leito pavimentado com paralelepípedo ou com asfalto. Quando de chuvas intensas, os antigos leitos acumulam água e a impermeabilização dificulta sua penetração no solo. Se elas existissem atualmente, deveriam estar em estado lastimável. Pelo menos uma delas poderia ser mantida em boas condições: a Lagoa do Osório, drenada pelo Canal Campos-Macaé, mas que ainda tenta reaparecer quando chove forte, na descida do ponte Leonel Brizola, construída pela ex-governadora Rosinha Garotinho. Se não essa, a Lagoa do Saco, onde, atualmente, localiza-se o shopping Boulevard.

Figura 8- Antigo leito da Lagoa do Osório em dia de chuva. Foto: divulgação




























Figura 9- Antigo leito da lagoa sem nome, nas adjacências do Edifício Salete, em dia de chuva. Foto do autor





Em Guarus, que passa por rápido e desordenado processo de urbanização, as lagoas estão agonizando e se extinguindo. Elas seguem o passo de Campos. O exemplo mais conhecido é o da Lagoa do Vigário. Mas existe um número maior drenada e semiurbanizada, como as Lagoas Maria do Pilar, Taquaruçu, da Olaria e do Fogo. Na margem de três delas, a prefeita Rosinha ergueu conjuntos residenciais do Programa Morar Feliz, contrariando o Plano Diretor do Município, mas avalizada pelo INEA e pelo Ministério Público Estadual. As Lagoas das Pedras e Brejo Grande já estão sendo alcançadas por Guarus. A previsão é que, em breve, também sejam envolvidas pelos tentáculos urbanos.

Figura 10- Lagoa do Vigário cercada pelo meio urbano de Guarus. Foto do autor









Este artigo pretende ser, tão somente, um ensaio inicial para uma análise de maior fôlego sobre o estado das lagoas da Ecorregião de São Tomé.

2 comentários:

Unknown disse...

Somente hoje li o resumo desse novo trabalho do professor e amigo Aristides Soffiati Neto. Sempre é motivo de alegria e orgulho ler uma pequena parcela de sua memória invejável e seu vasto conhecimento sobre nossas lagoas, desde sempre ameaçadas. Resido em Campos desde o início da década de 70 e soube que por aqui existiram mais de 250 lagoas, algumas delas "rebaixadas" à condição de brejais. Em verdade, a Baixada dos Goytacazes já fora há 300 anos, e respeitadas as devidas proporções - um mini pantanal matogrossense. O DNOS, em nome do progresso, ao construir a enorme malha de canais de drenagem maciçamente a partir da margem direita do Rio Paraíba do Sul, eliminou quase todas elas, restando menos de uma dúzia dessas lagoas. Mas era outra época e outra maneira de tratar o ambiente natural. O que realmente causa rancor e constrangimento é o tratamento hostil que atualmente ainda impomos às poucas e insistentes lagoas sobreviventes. Entram e saem governantes. Alguns prometeram delimitar os limites do entorno dessas lagoas, cercá-las e protegê-las. Mas após eleitos, esqueceram dessa promessa... Carlos Alberto de Conti, engº agrônomo aposentado e ambientalista não aposentado.

Unknown disse...

Mais uma contribuição do mestre e amigo Aristides Soffiati Neto. Sempre atento às questões ambientais,ultimamente mais ligado às lagoas de nossa região, vem uma vez mais demonstrar uma pequena parcela de seu vasto conhecimento no assunto. Cheguei a Campos em 1970 e então fiquei sabendo que por aqui havia mais de 260 lagoas, algumas das quais rebaixadas popularmente à condição de "brejos". Quardadas as devidas proporções, no início da década de 40 o norte fluminense era um mini pantanal matogrossense, já que por aqui existiam mais de 260 lagoas, algumas das quais eram popularmente (e indevidamente) chamadas de "brejos". E como tal, constituiam impecilho à agropecuária. Logo, tinham que ser eliminadas para dar vazão ao incremento de pastagens e lavouras de cana. O órgão oficial designado para tal tarefa foi o DNOS, então do Ministério do Interior. Assim, foi construída, entre as décadas de 40 e 80, a maior rede de canais de drenagem do hemisfério sul do planeta: 1.258 km.
Nesse megaprojeto foram eliminadas 95% das lagoas outrora existentes. Mas, em fim, à época
não se cogitava a respeito das questões ambientais e o processo de submeter a natureza aos caprichos do homem era quase unanimidade entre os governantes e populares. O que me causa espanto, me apavora é que nos dias de hoje, quando todos nós dispomos de trabalhos claros da comunidade científica apontando que deveríamos preservar a qualquer custo o pouco que sobrou dessa coleção de lagoas, os diversos governantes prometem e nada fazem para salvá-las. Houve até um desses governos que prometeu identificar as lagoas restantes, definir seus limites, cercá-las, plantar árvores ao redor e, de todas as formas, protegê-las. Mas efetivamente nada foi feito...Digo e repito que não fosse a atuação de cidadãos conscientes e cientes de sua responsabilidade social como o nobre professor Aristides Soffiati Neto, as poucas lagoas citadas por ele certamente não mais existiriam por aqui. A luta continua...