segunda-feira, fevereiro 02, 2015

As contradições seguem no Açu. A relação porto-cidade tem obrigação de ser diferente

Na última sexta feira eu estive na região do Açu. Depois de um bom período sem estar fisicamente na região, apenas mantendo contado com as pessoas por uma rede montada (network) a partir deste blog, fui ver de perto as mudanças e especialmente, ouvir algumas pessoas sobre esse processo.

A mudança da paisagem é significativa, porém, a maior alteração parece ser na realidade da interação social, no entorno do empreendimento do Porto do Açu. Na praia de Barra do Açu, o ambiente se mostrava ainda mais agitado pelo período de veraneio.

Foi possível ver uma movimentação de pessoas da localidade e outros de fora. Gente se organizando e preparando seus currículos, de olho nas vagas abertas das empresas que chegam, que num passado não muito distante eram em muito maior quantidade. Há reclamações sobre as exigências cada vez maiores.

Em meio a um processo complexo, se vê alojamento grande fechado, enquanto um outro menor, está sendo construído na avenida beira-mar. Muitos já comentam sobre as ilusões trazidas pelo empreendimento. Outros seguem buscando oportunidades e acreditando que as coisas possam melhorar.
Orla da praia de Barra do Açu em 30-01-2015

O temor cresce pelo seguido avanço do mar e do que poderá ocorrer no período de inverno, em que as ressacas são maiores, junto de fortes ventos e das altas marés de lua cheia. Os moradores temem até onde a água e as ondas possam vir a bater e quebrar, para cima das construções invadindo para além da avenida beira-mar.

Os casos de violência, uso e venda de drogas, assaltos estão se firmando quase como rotina, numa sequência que já chamamos aqui de "macaenização" da região.

As condições e contradições na desapropriação das terras dos pequenos produtores

Ouvi também produtores rurais desesperados com a seca e a falta de apoio do poder público e da empresa controladora do Porto, neste grave momento. Até hoje, cerca de 400 pequenas glebas foram desapropriadas. Aproximadamente, 60% delas foram liquidadas com pagamento do valor ao proprietário. Outros 150 pequenos produtores resistem aos preços apresentados, em papeis, segundo eles, “não oficiais”.

A maioria destes recorre dos valores em ações judiciais, exigindo um novo laudo pericial de preços. Suas propriedades foram cercadas e “apropriadas” pela LLX, agora denominada Prumo Logística Global S.A., empresa que pagou os valores na desapropriação feita pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, através da Codin.

Passados cerca de quatro anos da abertura desses processos eles continuam parado, num andamento lento, muito acima do que seria aceitável. Assim, alguns proprietários passaram a usar novamente as suas terras para colocar seus animais para pastar. Estima-se que ao todo, seriam cerca de 1,5 mil cabeças de gado hoje alocadas nas terras em conflito.

A Prumo observa a situação em que os produtores clamam por uma decisão judicial já que nenhuma utilização foi até hoje dada para essas áreas que continuam como áreas rurais. Os produtores aspiram a superação dessa situação.

Foto do agricultor Reginaldo Toledo. Blog do Pedlowski.
Em meio a esses problemas, eles agora enfrentam, como outros produtores rurais, a forte seca que se abate sobre o sudeste brasileiro. Em meio a tudo isso, eu presenciei um destes produtores buscando ajuda com máquinas para cavar um poço e dar água para que seus animais não morressem. (foto ao lado)

O mais interessante é que desta vez (na sexta-feira 30/01), o acesso ao gado foi negado e o produtor detido pela Polícia Militar e levado para a delegacia policial na sede do município em São João da Barra. Detalhes sobre essa questão é possível saber aqui (aqui e aqui) no blog do professor Marcos Pedlowski.

Há questões sobre as desapropriações no Açu que merecem ser recordadas para se compreender diversas contradições relacionadas a esta decisão governamental feita por decreto.

A desapropriação foi feita pelo estado, porém, quem paga pela desapropriação é a empresa que também registra em seu nome o novo patrimônio. No mínimo estranho essa situação.

Aliás, os investidores do empreendimento reclamam que até hoje, o controlador do investimento, não teria incorporado aos seus ativos este “patrimônio imobiliário” construído com a força de uma legislação caduca sobre desapropriações.

Mais estranho ainda que os empreendimentos que justificariam tamanha quantidade de desapropriações já tenham sido completamente descartados, pelos seus proponentes. Assim, quais seriam as atuais justificativas para essas desapropriações que na época foi paga à razão de R$ 90 mil o alqueire, e hoje, tenha valor entre R$ 150 mil e R$ 170 mil?

Uma das áreas desapropriadas no Açu hoje sem uso
Também chama a atenção a indagação do por que a Codin, empresa de capital aberto, controlada pelo governo estadual, que possui outras áreas na condição de distritos industriais, não seja então, o proprietário das áreas a faturar com alguns dos milionários alugueis na retroárea do Porto do Açu, já que foi o estado o desapropriador?

Até hoje, nem 10% das benfeitorias que ficaram por conta da LLX (hoje Prumo) no acordo para a instalação do Distrito Industrial foram implantadas e a Codin e o governo do estado seguem calados.

Vale ainda lembrar que hoje só uma empresa (a Prumo) é a única instituidora e proprietária das áreas que aluga na área do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB) que hoje se mistura às terras da Prumo (sem que ninguém tenha controle e fiscalização).

Nesse sentido, evidencia-se outra desobediência sobre as desapropriações. Na análise jurídica do convênio entre a Codin e a LLX, no item que fala sobre as responsabilidades das partes, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) emitiu um claro parecer que deixa bem claro que as desapropriações deveriam ter propósitos de implantação de diversos instituidores e empreendimentos.

A PGE diz que não seria aceitável que uma única empresa fosse instituidora e beneficiária. Fato completamente abandonado, na medida que a Prumo se tornou dona de terra e arrendatária em terras que o estado desapropriou. Há quem enxergue nos fatos os argumentos para a retrocessão (veja aqui o seu significado e base jurídica) de algumas pequenas propriedades no Açu.

O mineroduto, o descarte e a simultânea falta de água

Diante de toda essa realidade também chama a atenção uma outra enorme contradição. Todos sabem que o mineroduto vem de Minas Gerais trazendo o minério de ferro para ser exportado pelo Porto do Açu. Lá se faz a mistura da água, transformando o minério em pasta, na condição que é transportado por mais de 500 km até o Açu. Aqui no Açu, a pasta depois de ser filtrada e passada por um processo de desidratação, o minério é retirado, junto com a água que depois de tratada é descartada, junto à salgada água do mar, apesar desta água reciclada ser doce.

Assim, enquanto essa água doce é descartada, ela falta à Cedae para ser usada pela população e também negada, na própria área do Açu, aos pequenos produtores que tentam salvar suas pequenas criações, uma das poucas hipóteses de geração de renda para famílias simples e trabalhadora dessa região, na qual tenho aprendido cada vez mais a admirar.

Desta forma, se observa que as contradições seguem crescentes entre o chamado “progresso” e a real possibilidade em compatibilizar empreendimentos de infraestrutura e de logística, com a vida da comunidade local.

Posso garantir que as relações porto-cidade, ou porto-comunidade pode e deve ser diferente disso que se vê em nossa região. Há inúmeros casos mundo afora em que essa relação mesmo com problemas, o que seria natural pela diversidade de interesses, é diversa dessa truculência que se vê aqui.

Espera-se que haja possibilidade de se inverter essa lógica perversa, com algum diálogo em busca da solução de alguns dos muitos conflitos e contradições como a que descrevemos acima. A conferir!

PS.: Atualizado às 14: 15: Sobre o assunto, não por coincidência, vale conferir aqui a matéria da correspondente do jornal Estado de São Paulo, no Rio de Janeiro, a jornalista Maria Durão, cujo título é: "Após 7 anos, Porto do Açu fica pronto em abril, mas só 10% da área está ocupada".

Um comentário:

Anônimo disse...

A questão da água podia ser realmente pensada para utilização pelo menos neste momento de seca, ao invés de devolvê-la ao mar.

Mas...

Pensemos mais adiante. Supondo que a tal água tratada do mineroduto seja de algum modo canalizada para os produtores da região que devem estar vendo seu gado morrer de fome e sede.
Suponhamos que seja efetivada esta atitude muito lógica, justa e pertinente. De execução simples até, em certa medida.

Uma atitude que exemplificaria a tal boa relação porto-comunidade.

Mas, e se, por qualquer motivo, um boizinho desses morre depois de estar bebendo da água do mineroduto? O que acontece? Pela legislação brasileira a empresa estaria em maus lençóis. Os produtores processariam a empresa e ganhariam.

Olha a empresa pagando bois para os produtores. Justiça, dirão alguns. Pode até ser, mas duvido a empresa encarar uma furada destas...