terça-feira, setembro 15, 2015

O bicentenário da expedição científica de Maximiliano de Wied-Neuwied - VI, por Soffiati

Abaixo publicamos o sexto artigo do professor, historiador e ecologista Aristides Soffiati sobre a expedição do alemão Maximiliano de Wied-Neuwied. O texto é o último da série de seis artigos sobre o tema. Para quem não leu, os cinco textos anteriores podem ser lidos aquiaqui, aqui, aqui e aqui.

O bicentenário da expedição científica de Maximiliano de Wied-Neuwied - VI
Do Rio Itabapoana a Itapemirim
Arthur Soffiati
            Da Fazenda Muribeca, na margem direita do Rio Itabapoana, à Vila de Itapemirim, na margem direita do rio de mesmo nome, a viagem era penosa em 1815. A floresta estacional semidecidual, que ainda não tinha esse nome, confinava com o mar, onde grandes paredões de falésia recebiam o impacto das ondas e marés. Além do mais, havia o grande temor de ataques puris. Para coibi-los, o governo instalou um quartel sobre uma colina.

            Sobre o trajeto, escreve Maximiliano: "A viagem de Itabapoana para o norte exige alguma precaução, porque o viajante tem que atravessar um trecho de seis a oito léguas, até o rio Itapemirim, em que os Puris sempre têm se mostrado hostis. Como já tivessem cometido vários assassinatos terríveis nesse distrito, achou-se conveniente estabelecer um posto militar, chamado Quartel ou Destacamento das Barreiras."

            Daí decorre o nome de uma pequena lagoa na região: a Lagoa dos Quarteis, hoje, em notório declínio. O posto militar também era conhecido como Destacamento das Barreiras, pois estava localizado no alto de uma colina da Formação Barreiras.

            O príncipe, então, refere-se às luxuriantes florestas desse trecho, hoje não mais existentes: "Seguimos através de grandes matas virgens, alternadas com extensões arenosas e descampadas onde descobrimos muitos rastos de antas e veados."



Figura 1- Maximiliano apenas viu rastros de anta entre os Rios Itabapoana e Itapemirim, espécie extinta no Estado do Rio de Janeiro, mas como se refere ao animal, incluímos este desenho original de seu punho (por isto, rudimentar), retratando a caçada da anta por índios e por ele em outra parte do Brasil.

            Prossegue ele: "Numa eminência, sobranceiras ao mar, construíram duas casas de barro e plantaram um pouco de mandioca e de milho para a subsistência dos soldados. A costa sobe, nesse ponto, em ribanceiras de argila, altas e perpendiculares barreiras, em cujo topo fica o quartel; deste se descortina, por isso, amplo panorama do oceano, para o norte e para o sul do litoral, onde as tropas dos viajantes são vistas a grande distância" A bela visão obtida deste ponto batizou uma das lagoas com o nome de Boa Vista.


Figura 2- Conquanto Maximiliano só tenha avistado rastros de veado em sua passagem pelo sul do Espírito Santo, ilustramos o artigo com um desenho feito por ele e contido em "Abbildungen zur Naturgeschichte Brasiliens", de sua autoria

            Mas ele nota roçados que começavam a ser praticados no trecho pouco habitado: "Na terra, as construções do destacamento são compactamente cercadas por sombria floresta secular, em que já se havia começado a fazer roçados." Nele, o naturalista encontra uma espécie de ave desconhecida da ciência.

            Os membros da expedição avistam também tartarugas marinhas nadando perto da praia: "Nadando próximo à costa, cujas praias procuram na primavera, viam-se as grandes tartarugas marinhas soerguendo lentamente, acima d'água, as cabeçorras redondas."



Figura 3- Maximiliano só viu tartarugas marinhas nadando no sul do Espírito Santo. Por sua descrição, parece tratar-se da espécie cabeçuda, que nesta imagem, aparece desovando.

            Atravessando um perigoso território habitado por puris, ele comenta: "Tendo ainda que viajar quatro léguas pelo distrito assolado pelos Puris, entre os rios Itabapoana e Itapemirim, tomamos a precaução de caminhar em grupo compacto, e avançamos lentamente, sob escolta, através de uma planície arenosa, firme e perfeitamente horizontal, acompanhando as íngremes encostas do litoral, formadas de argila branca, amarela ou castanho-avermelhada, e camadas de arenito ferruginoso (...) As barrancas e a parte alta da costa são em toda região coberta de florestas, em que ninguém se aventura a penetrar, por causa dos selvagens." Falésias, florestas e índios ainda indômitos.

            Sobre a violência dos índios, Maximiliano reflete sobre sua condição de humanos, que nunca negou, como espanhóis e portugueses, pois reconhece que eles têm religião, como qualquer humano em todos os lugares da Terra. Já com espírito de etnólogo, ele procura compreender tal agressividade.

            "É sem dúvida desagradável tê-los tão perto; mas deve ser lembrado que os colonos, pelo mau tratamento que dispensaram aos habitantes aborígenes, logo no começo, foram os causadores principais dessa hostilidade. Nos primeiros tempos, a avidez de lucros e a sede de ouro aboliram todos os sentimentos humanos dos colonizadores europeus; consideravam-se animais esses homens pardos e nus, criados apenas para trabalhar, como o demonstra a controvérsia, no seio do próprio clero da América espanhola, sobre se os selvagens deviam ou não ser considerados homens como os europeus..." Ele reconhece também a condição humana dos negros escravos, embora não condene a escravidão. Inclusive, comprou um negro e um índio, ambos levados para a Europa. Maximiliano parece ter uma posição de centro em relação aos povos explorados do Brasil.

            A única localidade que dá nome a uma lagoa é a de Siri. Ele escreve que "Em poucas horas chegamos, num trecho baixo da costa, à povoação de Siri, agora inteiramente abandonada." A lagoa era, então pouco habitada e sofrera recente ataque dos puris. Só pouco mais adiante, são encontradas casas habitadas. O quadro, hoje, é bem diferente. Toda a vegetação nativa que cercava a lagoa foi removida. A agricultura e o turismo invadiram a lagoa.

            A expedição se aproxima de Itapemirim. "Para lá da lagoa do Siri, nas casas acima referidas, os quatro soldados despediram-se de nós. Afastamo-nos do mar e entramos numa bela mata, topando aqui e ali plantações." A agricultura já está avançando sobre a floresta naquele longínquo ano de 1815.


Figura 4- Embora os soldados acima representados por Maximiliano estivessem em Linhares, podemos estender a figura do soldado brasileiro para outras regiões: descalços e habilitados a suprir suas necessidades alimentares com animais caçados.


            Mas a floresta era ainda majestosa, pois, nas cercanias de Itapemirim,  (...) À proporção que avançávamos, a floresta se tornava cada vez mais bela, fechada e altaneira; os troncos compridos e esguios formavam uma sombria trama, de modo que o caminho, coberto  de todos os lados, parecia um túnel estreito e escuro."

            O final de nossa companhia ao príncipe naturalista e a sua comitiva está chegando ao fim. "Cedo atingimos terrenos escampos, onde os charcos e as lagoas estavam cheios de marrecos, gaivotas e garças (...) Ao meio-dia, mais ou menos, chegamos ao rio Itapemirim, em cuja margem sul fica a vila do mesmo nome."

            Em seu diário, Maximiliano esclarece que Itapemirim havia sido recentemente edificado, contando com boas construções, embora fosse uma pequena vila. Seus "habitantes são agricultores pobres, cujas plantações ficam nas vizinhanças, ou pescadores, além de poucos artífices."

            Em 1855, a população dessa vila enviaria um abaixo-assinado à Câmara Municipal de Campos, manifestando o desejo se integrar a nova Província criada com a parte norte da Província do Rio de Janeiro e a parte sul da Província do Espírito Santo. A Capitania de São Tomé, primeira tentativa de colonização portuguesa da região, estendia-se dos Rio Macaé ao Itapemirim. No passado, o reconhecimento de que esta vasta extensão territorial apresentava unidade, levava sua população a esse tipo de pleito.

            Sobre o Itapemirim, que nasce na zona serrana, Maximiliano observa: "O rio, no qual se viam alguns pequenos brigues ancorados, é muito estreito, mas comporta certo comércio de produtos das plantações, como açúcar, algodão, arroz, milho e madeira das florestas. Um temporal, que desabou na serra, veio mostrar-nos quão rápida e perigosamente sobem na zona tórrida; porque o rio se tornou logo tão caudaloso, que quase transbordou: aliás, tem sempre correnteza maior que o Itabapoana."

            Ele ainda a avista algumas aves, alvo de sua atenção principal e das suas espingardas. Ao deixar a vila, rumo ao norte, ele ainda registra uma observação que nosso desenvolvimentismo não mais enxerga: "Nos pontos salientes da costa, encontramos nesse dia colinas pedregosas, onde se erguiam numerosos coqueiros silvestres, cujas soberbas palmas ondeavam à fresca viração." Se voltarmos a ler a série de seis artigos que escrevi sobre a excursão científica de Maximiliano de Wied-Neuwied, no trecho que se estende do Rio Macaé ao Rio Itapemirim, notaremos que o príncipe, no Rio Macaé, refere-se a uma ponta de terra, hoje conhecida como pontal. Até São Fidélis, ele não faz qualquer referência a pedra, pois estava na zona serrana da Ecorregião de São Tomé. Formações pedregosas junto à costa só voltam a aparecer após atravessado do Rio Itapemirim. Daí em diante, muitas formações pedregosas serão registradas por ele.

            Só não vou abandoná-lo nesse ponto porque tenho interesse em examinar a Ecorregião Centro-Leste do Espírito Santo até as cercanias de Vitória. Esta Ecorregião merecerá a minha atenção em breve. Por ora, despedimo-nos do nobre naturalista e de seus companheiros. Se nos valemos de muita transcrição, foi para saborear a escrita fina do nosso naturalista.

Nenhum comentário: