sexta-feira, setembro 18, 2015

Sobre a tentativa de retomar o regime de concessão na exploração de petróleo no Brasil

O texto abaixo são as conclusões do texto "Análise da proposta de retorno do regime de concessão no pré-sal em áreas estratégicas" do Paulo César Ribeiro Lima, que é Consultor Legislativo da Área XII Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos, da Consultoria Legislativa da Câmara Federal e me foi envida pelo Marcelo Viana de Moraes.

O autor Paulo Cesar Lima foi autor em março deste ano, de outro interessante texto sobre o mesmo assunto "A situação econômica, financeira e operacional da Petrobras", onde ele esmiúça dados sobre o custo de produção do petróleo no Brasil. Artigo que usei recentemente como uma das referências bibliográficas em artigo acadêmico em que a analiso a relação na tríade: Petróleo - Porto-Indústria Naval na revista Espaço e Economia (Se desejar veja aqui).

Considerando o debate sobre as intenções de Serra de mexer no marco regulatório do petróleo e do deputado Eduardo Cunha, junto do deputado do DEM, Mendonça Filho, o blog entende como oportuno republicar abaixo as conclusões do autor neste último artigo. Ali, ele faz breve resumo sobre os regimes e ao final justifica a sua posição.

Conclusões da análise da proposta de retorno do regime de concessão no pré-sal em áreas estratégicas" por Paulo César Ribeiro Lima (Consultor Legislativo)

O Projeto de Lei nº 6.726, de 2013, de autoria do ilustre Deputado Mendonça Filho, na prática, extingue o regime de partilha de produção no Pré-Sal e em áreas estratégicas. Assim, o Brasil passaria a ter apenas o regime de concessão.

Os tipos de regime de exploração e produção de petróleo variam muito em razão de como os lucros são divididos e de como os custos são tratados. Em geral, o grau de conhecimento acerca das possíveis reservas, dos seus volumes recuperáveis, dos custos de produção e a curva de preços futuros do petróleo são fundamentais na definição do regime de contratação a ser utilizado. Os regimes mais utilizados no mundo para contratação de empresas estatais ou privadas são: concessão, partilha de produção, joint venture e serviços.

O regime de concessão é normalmente adotado em casos onde ocorre inadequado conhecimento da área, uma vez que, antes das licitações, as atividades exploratórias e as investigações sísmicas tendem a ser reduzidas. Se isso ocorrer, o Estado corre o risco de não maximizar seu retorno.

Além disso, nesse regime o Estado tem muita dificuldade em controlar o ritmo de produção. Como pode haver grandes diferenças entre os objetivos do Estado e do concessionário, principalmente no caso de países exportadores, a extração pode não atender ao interesse público.

No regime de partilha de produção, a propriedade do petróleo é do Estado, mas, ao mesmo tempo, permite-se que as empresas gerenciem e operem as instalações de produção de um determinado campo. As empresas assumem todos os riscos e ficam com uma parcela do chamado excedente em óleo (profit oil), no caso de descobertas comerciais.

Normalmente, não há aporte de recurso do Estado para os investimentos. Entretanto, as empresas têm o direito de recuperar seus custos tanto de investimentos quanto de operação e manutenção. Os custos de investimento são recuperados ao longo de um determinado número de anos e os custos de operação e manutenção são recuperados, geralmente, no ano em que eles ocorrem.
É importante destacar que é muito comum no regime de partilha de produção o estabelecimento de um limite para a recuperação do chamado custo em óleo (cost oil). Desse modo, garante-se uma receita para o Estado, independentemente dos custos de produção, já no início.

Em países importadores, com baixa relação entre reservas e consumo e onde o risco exploratório é alto, predomina o regime de concessão, com pagamento de royalties e, eventualmente, outras compensações com base no lucro. Países importadores, como os Estados Unidos, utilizam o regime de concessão na plataforma continental. No entanto, a exportação é, praticamente, proibida nesse país.

Nos países exportadores, com grandes reservas e onde o risco exploratório é baixo, é comum a adoção do regime de partilha de produção, de monopólio e de serviço. Os países exportadores, tais como Arábia Saudita, Rússia e Noruega, não priorizam o regime de concessão, pois privilegiam a ação do Estado, com forte atuação das empresas estatais. Na Noruega, prevalece o regime de joint venture e na Rússia, o de partilha de produção. Na Arábia Saudita, tem-se o monopólio, exercido por uma empresa integralmente do Estado, sem ações em bolsa.

O regime de concessão no Brasil foi introduzido pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, com o fim do monopólio exercido pela Petrobras. Nos termos dessa Lei, a concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, após extraídos.

Esse regime prevê, além do bônus de assinatura, o pagamento de duas compensações financeiras: 
royalties e participação especial. Os royalties correspondem de 5% a 10% do valor da produção.  Nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade, os concessionários são obrigados a pagar a participação especial, cuja maior alíquota no País é 31,71%, aplicada no campo de Roncador.

A participação especial é aplicada sobre a receita bruta da produção, deduzidos os royalties, os investimentos na exploração, os custos operacionais e a depreciação. Seus recursos são destinados a órgão da administração direta da União, aos Estados produtores ou confrontantes com a plataforma continental onde ocorrer a produção e aos Municípios produtores ou confrontantes. No regime de concessão adotado no Brasil, o custo das empresas é totalmente recuperado por elas, antes de se dividir a receita líquida por meio da participação especial.

A Lei nº 9.478/1997, em vigor, estabelece regras que promovem uma grande concentração, em poucos Estados e Municípios, da arrecadação de royalties e participação especial relativos às áreas concedidas.

O percentual de 30% da parcela dos royalties de 5% do valor da produção atribuído aos Municípios confrontantes e respectivas áreas geoeconômicas é partilhado nos termos da Lei nº 7.525, de 22 de julho de 1986.

Cabe aos Estados e Municípios confrontantes uma grande parcela tanto dos royalties quanto da participação especial. No caso da participação especial, essa parcela chega a 50%. Ao Fundo Especial, que destina parcela apenas dos royalties a todos os Estados e Municípios, segundo critérios do FPE e FPM, cabe uma parcela de apenas 7,5% e 10%.

O regime de partilha de produção foi introduzido no Brasil pela Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Para os fins dessa Lei, partilha de produção é o regime de exploração e produção de petróleo e gás natural no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato.

Nos termos da Lei nº 12.351/2010, excedente em óleo é a parcela da produção a ser repartida entre a União e o contratado, segundo critérios definidos em contrato, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao custo em óleo e aos royalties devidos. Em Libra, única área licitada sob o regime de partilha, estima-se que a União receberá um excedente em óleo médio de 41,65%.

O regime de partilha de produção é aplicável à área do Pré-Sal e áreas estratégicas. Nos termos da Lei nº 12.351/2010, a Petrobras será, como único operador, responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção.

O bônus de assinatura é um valor fixado pela União, a ser pago no ato da celebração e nos termos do respectivo contrato de partilha de produção. A gestão dos contratos de partilha de produção caberá à empresa Pré-Sal Petróleo S.A. – PPSA, cuja criação foi autorizada pela Lei nº 12.304/2010.

A Petrobras será a operadora, sendo-lhe assegurada uma participação mínima de 30% no consórcio por ela constituído com o vencedor da licitação para a exploração e produção em regime de partilha de produção.

A PPSA integrará o consórcio como representante dos interesses da União no contrato de partilha de produção. A administração do consórcio caberá a um comitê operacional, que será composto por representantes da PPSA e dos demais consorciados. Essa empresa pública indicará a metade dos integrantes do comitê operacional, inclusive o seu presidente, que terá poder de veto e voto de qualidade.

A Lei nº 12.351/2010, além de introduzir o regime de partilha de produção, dispõe sobre a criação do Fundo Social, cuja finalidade é constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, do esporte, da saúde pública, da ciência e tecnologia, do meio ambiente e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Os recursos do Fundo Social destinados aos programas e projetos devem observar critérios de redução das desigualdades regionais.

A alíquota de royalties de 15% do valor da produção e os critérios de distribuição do regime de partilha de produção foram estabelecidos pela Lei nº 12.734/2012. Quando a produção ocorrer na plataforma continental, no mar territorial ou na zona econômica exclusiva, os royalties terão a seguinte distribuição:

         22% para os Estados confrontantes;
         5% para os Municípios confrontantes;
         2% para os Municípios afetados por operações de embarque e desembarque de petróleo, gás natural e outro hidrocarboneto fluido, na forma e critérios estabelecidos pela ANP;
         24,5% para constituição de Fundo Especial, a ser distribuído entre Estados e o Distrito Federal, cujo rateio obedecerá às mesmas regras do rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE, de que trata o art. 159 da Constituição;
         24,5% para constituição de Fundo Especial, a ser distribuído entre os Municípios, cujo rateio obedecerá às mesmas regras do rateio do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, de que trata o art. 159 da Constituição;
         22% para a União, a ser destinado ao Fundo Social, deduzidas as parcelas destinadas aos órgãos específicos da Administração Direta da União, nos termos do regulamento do Poder Executivo.

Observa-se, então, que no regime de partilha de produção a alíquota de royalties de 15% é 50% maior que a alíquota mais alta do regime de concessão que é de 10%. Além disso, 49% dos royalties são destinados a todos os Estados e Municípios do País. Importa registrar, ainda, que o excedente em óleo da União em Libra, estimado em 41,65%, é maior que a alíquota mais alta de participação especial de 31,71%, aplicável ao campo de Roncador.

Também é importante destacar que a Lei nº 12.734/2012 teve seus critérios de distribuição impugnados por liminar da Ministra Cármen Lúcia do Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, não existe lei em vigor que estabeleça como os royalties arrecadados sob o regime de partilha de produção serão distribuídos.

Importa acrescentar que o petróleo não é uma mercadoria qualquer e não existe substituto. Cerca de 90% do transporte mundial de carga e de pessoas são realizados por derivados de petróleo. Além disso, o petróleo é matéria-prima para a produção de produtos petroquímicos e fertilizantes nitrogenados.

Por ser um dos principais recursos naturais da humanidade, o petróleo vem motivando conflitos militares desde a 1ª Guerra Mundial. Para evitar que interesses privados se sobreponham ao interesse público, é essencial que as empresas estatais detenham as reservas e exerçam o controle da produção, principalmente nos países exportadores.

As empresas estatais também dominam a produção de petróleo no mundo. De acordo com o Banco Mundial, as empresas petrolíferas estatais respondiam, em 2010, por 75% da produção mundial e 90% das reservas provadas. Das 21 maiores produtoras, apenas três são privadas.

A descoberta da província do Pré-Sal mudou a geopolítica do petróleo do Brasil. Considerando o que já foi descoberto, pode-se dobrar a produção e a reserva num futuro próximo. Os reservatórios de petróleo, na Bacia de Santos, são muito mais espessos que os da Bacia de Campos. Assim, o volume de petróleo na Bacia de Santos é gigantesco.

Se a Petrobras não fosse estatal, talvez não tivesse sido perfurado o primeiro poço do Pré-Sal, em Parati, que custou cerca de US$ 250 milhões. É pouco provável que uma empresa privada corresse o risco de investir esse valor em uma perfuração sem uma sísmica adequada. Na época, a sísmica não conseguia “enxergar bem” abaixo da “camada de sal”.

Em Lula, Búzios e Libra, campos já descobertos no Pré-Sal, os volumes recuperáveis são da ordem de 10 bilhões de barris em cada um deles. Só essas três áreas são cerca de duas vezes maiores do que as reservas atuais. Estava previsto a Petrobras sair de uma produção de petróleo de 2,1 milhões de barris de petróleo por dia, em 2014, para 4,2 milhões de barris por dia, em 2020. Se forem computadas as parceiras e outras empresas que produzem petróleo no Brasil, em 2020, a produção nacional seria da ordem de 5 milhões de barris de petróleo por dia.

Com as Refinarias Premium I e Premium II, o Brasil chegaria a uma capacidade de refino de 3,2 milhões de barris por dia. Haveria, então, um excedente de 1,8 milhão de barris por dia para exportação. Sem essas duas refinarias, até 2023, a capacidade de refino seria de 2,6 milhões de barris de petróleo por dia. Se ocorrer isso, o Brasil poderá colocar no mercado 2,4 milhões de barris de petróleo por dia, com grande impacto nos preços.

No regime de concessão adotado no Brasil, o Estado não tem, de fato, controle sobre o ritmo de produção. O mercado é totalmente aberto. O produto da lavra é do concessionário. A única restrição que existe é o atendimento ao mercado interno de derivados. Isso pode ser garantido, por exemplo, com derivados importados.

O Pré-Sal já está produzindo cerca de 1 milhão de barris por dia sob o regime de concessão. Sob esse regime, os Estados e Municípios, por meio do Fundo Especial, receberam, em 2014, apenas R$ 1,481 bilhão decorrentes da produção petrolífera no Pré-Sal e no Pós-Sal.

A atual Diretora de Exploração e Produção da Petrobras, Sra. Solange Guedes afirmou que, apesar de nem todos os poços previstos para os sistemas de produção atuais na província do Pré-Sal estarem conectados, os custos estão caindo. Segundo ela, o custo de extração no Pré-Sal é de US$ 9,1 por barril.

Dessa forma, não se deve adotar o regime de concessão, pois é baixo o risco exploratório, é baixíssimo o custo de extração e o petróleo excedente ao consumo nacional deverá ser exportado. Nesse cenário, o regime de partilha de produção ou de serviço são, tecnicamente, mais adequados que o regime de concessão.

Ressalte-se, por fim, que o Brasil deverá ser formador de preços no mercado internacional. Nesse cenário, é imprescindível que o ritmo de produção seja definido pelo Estado, não pelas empresas privadas. Conclui-se, então, que o regime de concessão é inadequado ao País, principalmente após a descoberta, já comprovada, das gigantescas reservas de petróleo no horizonte geológico do Pré-Sal. 

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