sábado, janeiro 12, 2019

O norte fluminense num antigo roteiro náutico. Por Soffiati

O eco-historiador, professor e pesquisador, Aristides Soffiati, apresenta aos leitores do blog - o primeiro esse ano - mais um texto ilustrado sobre a eco-história do Norte-Noroeste Fluminense.

Nesse artigo Soffiati visita textos de quem conheceu ou descobriu a região no século XVI como parte de um movimento maior de expansão do capitalismo europeu pelo mundo em busca de mercados quando as informações começaram a ser reunidas em mapas e cartas náuticas que orientavam os exploradores e colonizadores em suas buscas de riquezas e mercados.

A partir de suas pesquisas históricas, Soffiati intui que já ali, naquele período, o norte fluminense passaria a ter menor interesse, por parte de nossos colonizadores, em relação a outras áreas do litoral brasileiro. Os registros comentados pelo autor sobre a história da geografia da região é muito interessante.

Vale conferir e conhecer um pouco mais dessas investigações no campo da história ambiental regional. Outros artigos e texto do Soffiati sobre a eco-história da região que envolve o sul capixaba e o norte e noroeste fluminense podem ser acessados em duas seções no lado direito do blog.



O norte fluminense num antigo roteiro náutico
Arthur Soffiati
            Foi intensa a atividade cartográfica europeia nos séculos XV e XVI. Navegantes dos países ibéricos, principalmente, mas também italianos, holandeses, franceses e ingleses lançavam-se no oceano Atlântico rumo às Índias para alcançar as caras mercadorias orientais que chegavam à Europa pelas mãos de muçulmanos e venezianos. Cumpria romper esse monopólio alcançando os centros produtores diretamente. E era necessário orientar-se por mapas e roteiros.

            A tese sustentada por Cristóvão Colombo era alcançar o oriente navegando em direção ao ocidente, pois a terra sendo redonda permitiria alcançar o ponto oposto ao de saída. Assim, ele chegou à América, que acabou sendo batizada de Índias Ocidentais. Logo a seguir, Vasco da Gama atingiu a Índia contornando a África e alcançando o oriente, denominado pelos europeus de Índias Orientais.

            Vasco da Gama coroa um trabalho paciente de vários navegantes portugueses no século XV, como mostra Jaime Cortesão em “Os descobrimentos pré-colombianos dos portugueses” (Lisboa: Portugália, 1966). Pouco a pouco, os lusos avançaram pela costa atlântica e índica da África até a viagem de Pedro Álvares Cabral, em 1500, que não deve ser vista isoladamente como se estuda ou estudava nas escolas, mas parte de um movimento maior de expansão do capitalismo europeu pelo mundo em busca de mercados.

            A produção de cartas náuticas e de mapas conheceu um esplendor no século XVI. Aos mapas-múndi da civilização greco-romana, foram elaborados novos mapas em que aparecia o continente americano. Cantino foi o primeiro a elaborar um mapa-múndi com a América, em 1502. Muitos outros foram desenhados depois. Acontecia de cartógrafos serem navegadores e desenharem mapas com conhecimento de primeira mão. Havia aqueles que partiam de mapas já desenhados para enriquecê-los. Havia ainda os cartógrafos que traçavam mapas falados, como se fazem retratos falados pela polícia.

            Houve poucos casos interessantes de navegadores que redigiam roteiros sem mapas ou acompanhados por mapas. Não devemos confundi-los com os diários de bordo, a exemplo de Antonio Pigafetta, que acompanhou Fernão de Magalhães na primeira viagem de circunavegação do mundo (“A primeira viagem ao redor do mundo”. Porto Alegre: L&PM, 1997) nem com o diário de Pero Lopes de Sousa, que fazia parte da tripulação do navio de Martim Afonso de Sousa, seu irmão, entre 1530-32 (“Diário de Navegação”. Cadernos de História, volume I. São Paulo: Parma, 1979).

Luís Teixeira é autor de um trabalho entre a cartografia e o diário de bordo. Ele redigiu um roteiro dos sinais que encontrou nas costas do Brasil entre o cabo de Santo Agostinho e o estreito de Magalhães. Seu título original é “Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, alturas e derrotas que há na costa do Brasil desde o cabo de Santo Agostinho até o estreito de Fernão de Magalhães”. Como foi encontrado na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, é também conhecido como “Roteiro da Ajuda”. 

A obra integra um roteiro manuscrito de parte da América do Sul e treze cartas e plantas coloridas de núcleos urbanos. Consta também de uma carta naval da América do Sul com uma grande legenda em seu canto superior esquerdo. Nela se lê: “A terra do Brasil é a que parte a linha vermelha desta do Peru a qual linha é a demarcação que os reis de Castela, os católicos dom Fernando e dona Isabel e El-Rei Dom João II de Portugal fizeram no descobrimento geral. As capitanias que vão repartidas por linhas vermelhas são mercês que os reis de Portugal D. Manuel e D. João seu filho o terceiro deste nome fizeram a homens que muito bem os serviram no descobrimento e conquista das Índias Orientais: a que diz de Sua Majestade foi de Francisco Pereira Reimão que, morrendo e ficando sem herdeiros, ficou à Coroa, nesta está a baía de Todos os Santos e cidade do Salvador, onde assiste o governador e o bispo. Todas as mais são vilas exceto a cidade de São Sebastião no Rio de Janeiro, capitania de Pero de Gois a qual cidade foi tomada aos franceses pelo governador Mem de Sá. 

As melhores e mais ricas destas capitanias são a de Sua Majestade e a de Jorge de Albuquerque. Estas são as que mais engenhos têm de açúcar; e assim tem mais trato de mercadores. Tem cada uma destas capitanias pela costa do mar 50 léguas e, para o sertão tanto, até chegar à linha de demarcação como repartição delas se vê é povoada de gentio da terra do Brasil toda de portugueses quanto dizem as capitanias e somente há costa do mar, e quando muito 15, 20 léguas pelo sertão é muito povoada de gentio da terra. Tem muitos mantimentos. Em parte dela há ouro, assim de minas como de lavagês (?)”

1 - Carta geral da América do Sul por Luís Teixeira, c. 1586

 Segundo Jaime Cortesão em outro livro (“História do Brasil nos velhos mapas”, 2 volumes. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1965) “... a carta geral de Luís Teixeira, que devemos datar de cerca de1586, representa não só um grande avanço sobre a carta de Bartolomeu Velho, mas ficou pertencendo ao número dos mais notáveis monumentos da cartografia portuguesa de Quinhentos.”

Para o almirante Max Justo Guedes, reconhecido especialista em cartografia, parece não haver dúvida de que o roteiro foi escrito pelo cartógrafo entre 1573 e 1578, acompanhado de desenhos de 1586. O original está na Biblioteca da Ajuda, em Portugal, e foi publicado no Brasil com o título simplificado de “Roteiro de todos os sinais na costa do Brasil (Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968) como homenagem ao quinto centenário de nascimento de Pedro Álvares Cabral. A publicação foi fac-similada, com reprodução em letras atuais ao lado do original manuscrito, o que torna difícil a leitura por quem não conheça minimamente a grafia portuguesa do século XVI. Auxiliam muito os comentários de Max Justo Guedes.

            Para nossos fins, apenas os trechos relativos ao território que denomino, com fins de estudos, de ecorregião de São Tomé (entre as desembocaduras dos rios Itapemirim e Macaé), merecerão atenção. Atualizei as palavras e a grafia para melhor entendimento do leitor. Primeiro, transcrevo os registros de Luís Teixeira antecedidos pelas iniciais LT. Os comentários de Max Justo Guedes são precedidos das iniciais MJG. Minhas observações também vêm precedidas das iniciais AS. Assim, o texto é examinado em três camadas: LT, MJG e AS.  

2 - Escrita de Luís Teixeira

LT. “... a terra tem umas serras muito altas na orla do mar. Todas de arvoredos, a primeira serra destas é uma montanha alta e grossa e, como for ao sul dela, logo lhe verei uma silha ou coisa como esta. E no pico mais alto, ao pé dele para a banda do mar, deste tem outros dois montes e discorrendo para baixo contra o sudoeste está outro monte redondo à orla do mar todos de arvoredos.  E o primeiro monte destes é um monte alto e grosso que estará do dito monte cerca de 3 léguas (quanto à vista pouco mais ou menos). E junto deste monte ao pé há outro monte pequeno agudo. E da outra banda até uma légua há outros dois montinhos pequenos. E toda orla é muito chã e cheia de arvoredos. E estes sinais verei quando quer que estiver os ditos montes ao sudoeste. E esta montanha grande que digo que ficava mais para a banda do nordeste se chama serra de São Tomé. E dos ditos montes para a banda de sudoeste estão muitas serras e montes altos os quais estão na altura de 21º graus largos. E quando estiver tanto avante como os ditos montes olharei para o sudoeste e verei um monte redondo como de trigo, e tem um pico agudo em meio e sai mais ao mar que nenhum outro. E toda esta costa é muito limpa para poder surgir porque é toda parcelada de areia e tem de fundo 25, 30, 40 braças. E poderei chegar à terra até 5, 6, 7, 8 léguas e quando andar de longo da terra andarei uma praia muito grande de areia.”

MJG. “Ao descrever a orografia da região do paralelo 21º S o autor do ‘Roteiro da Ajuda’ enumera tal número de montes e serras que, à primeira vista, parece impossível a identificação. No entanto, a leitura atenta do texto permite, senão a cabal associação dos acidentes descritos aos existentes, ao menos o reconhecimento dos mais conspícuos. Não é difícil identificar a serra de São Tomé com a atual serra do Itapemirim e as ‘muitas serras e montes altos os quais estão em altura de 21º graus largos’ a sudoeste de São Tomé constituem a atual serra de Itabapoana. A ‘Silha ou coisa como esta’, ao sul da que identificamos como ‘do Itapemirim’ é, obviamente, a serra do Pico, entre ela e a costa. Os dois picos, Freira e Frade, devem ter dado ao roteirista, a impressão de ‘silha’. O ‘monte redondo como de trigo com um pico agudo em meio’ que ‘sai ao mar mais que todos os outros’, só pode ser o morro do Agá (332 m) que o ‘RoteiroDHN’ diz ser ‘facilmente reconhecível por sua forma cônica e por se achar isolado junto ao mar’.   

AS. No tempo de Luís Teixeira, ainda não havia precisão em definir coordenadas. Na época de Max Justo Guedes, elas já eram precisas. Talvez tenham ficado mais ainda com os meios eletrônicos, pois, no “Google Earth”, o paralelo 21º S passa pouco ao norte da foz do rio Itapemirim, que tomo como um dos limites do que denomino Ecorregião de São Tomé. Com essa informação, devemos descartar as serras do Itapemirim, do Pico, do Frade e a Freira e o monte Agá, que já ficaram para trás. Ao olhar para o interior, Luís Teixeira divisaria da costa as montanhas esculturais do sul do Espírito Santo e do norte do Rio de Janeiro.

            Confesso não conhecer alguma serra com o nome de Itabapoana. As “serras muito altas na orla do mar” parecem corresponder às falésias de tabuleiros que dominam a costa entre os rios Itapemirim (ES) e Manguinhos (RJ). No século XVI e por muito tempo ainda, toda essa costa era coberta de florestas. Correndo ao largo dessas falésias, o navegante poderia ver serras do cristalino, como a Pedra Lisa, o morro do Baú e o morro do Coco. Quanto à Serra de São Tomé, era o nome dado ao pequeno e baixo maciço do Itaoca, visto por quem passasse pelo cabo de São Tomé. Quando Luís Teixeira produziu seu roteiro, a serra de São Tomé já estava presente na cartografia europeia, correspondendo ao morro do Itaoca. Registro minha estranheza com a localização de Luís Teixeira da serra de São Tomé em ponto tão distante. Minha estranheza é a mesma com relação ao comentário de Guedes, pois Luís Teixeira já contava com uma grande tradição cartográfica. Vários acidentes por ele apenas descritos já estavam batizados.

  

3 - Falésias de tabuleiros no sul do Espírito Santo

LT. “e junto com o monte que sai ao mar mais que todos os outros, há uma ilhota que parece poço sem a ver”.
MJG: “A observação da Carta Brasileira nº 1400 mostra ser ela a ilha do Francês, na extremidade meridional da baía de Benevente, a cerca de 2 milhas da costa e a ela ligada por um baixo.”
AS: Como já assinalamos, Luís Teixeira se refere à costa do mar ao sul do paralelo 21º S, que quase toca a foz do rio Itapemirim. A baía de Benevente ficou para trás a esta altura. Tampouco ele se refere a uma ilha ligada ao continente por um cordão arenoso, fenômeno atualmente conhecido como tombolo, ou seja, uma ilha capturada por uma língua de areia, como a restinga da Marambaia. No século XVI, ela ainda podia estar isolada do continente, ligando-se a ele posteriormente. No paralelo 21º07’ S, num ponto em que um pequeno cabo pouco acima da lagoa das Pitas faz a costa infletir para sudoeste, há um conjunto de ilhas quase a flor do mar que deveriam ser mais aparentes no século XVI, pois que derivadas da erosão das falésias de tabuleiros.
LT. “Da banda do noroeste atrás há outras duas ilhotas de pedra, muito rasas como o mar”.
MJG: “Ainda na mesma Carta Brasileira pode ser feita a identificação. São as ilhas Piúma, no interior da baía de Benevente.

AS: As ilhas mencionadas pelo estudioso estão praticamente encostadas no continente, num ponto muito raso e perigoso para a navegação. No conjunto de ilhotas resultantes de erosão costeira, há algumas que deveriam ser mais visíveis no século XVI. Parece que a dimensão temporal não foi considerada por Guedes. As ilhas de tabuleiros poderiam perfeitamente ser confundidas por pedra.


4 - Ponta do Retiro em São Francisco de Itabapoana. Foto de Wellington Rangel

LT. “E como for lesueste ou esnoroeste desta ilhota maior. E olharei contra o nornoroeste e verei as outras duas pequenas, e se olhar contra oeste, verei um monte afastado um pouco do mar muito alto a pique”
MJG: “O morro Bobo, que aparece nesta posição (levando-se em conta a declinação magnética da época), é o referido pelo roteirista”.
AS: na direção apontada pelo navegante, há um morro com altitudes acima de mil metros.
LT. “... e mais à banda do sudoeste verei uma montanha muito grossa e alta que não se mete entre ela e o mar senão terra chã cheia de arvoredos”.
MJG: “O morro do Garrafão (910 m) satisfaz plenamente a esta descrição, como pode ser verificado na Carta 1400 e no ‘Roteiro – DHN’, pois eleva-se completamente isolado no meio da planície.”
AS. Luís Teixeira deve estar passando na costa da restinga de Marobá, no extremo sul do Espírito Santo. Trata-se da menor restinga da Ecorregião de São Tomé, encravada numa antiga enseada de tabuleiros. No século XVI, devia ser toda coberta de vegetação de restinga, hoje bem reduzida. Na sua ponta sul, desemboca o rio Itabapoana. Luís Teixeira ainda não deve ter alcançado a costa da planície fluviomarinha do norte fluminense. Ao fundo, as elevações no planalto cristalino não têm muita altitude, mas podem ser vistas do mar. Se essa pedra coincidir com o morro do comentarista, o salto dado na análise dele terá sido descomunal.
LT: “... e mais adiante pela costa além do dito monte que sai ao mar, verei um monte muito alto e muito agudo com cerca de 6,7 léguas adiante, e este verei se andar 4 ou 5 léguas da terra o qual monte está em altura de 21° graus e ali fenecem todas as serras grandes que vêm  da banda do nordeste.”
MJG: “Veja-se o ‘Roteiro – DHN’ (I, pág. 360): ‘O morro Baú, grossa montanha de cimo achatado, em cuja escarpa W se eleva um obelisco muito notável, denominado Pedra-Lixa (1.150 m). Este apresenta, principalmente quando a SW, o perfil de um quepe com penacho; aumentando a marcação o penacho desaparece, para só deixar visível uma grossa montanha isolada, ‘que é a última que se vê ao N’” (grifo do comentarista).
AS: Parece que os ponteiros do relógio de Max Justo Guedes estão se regulando aos do meu. Estamos ambos de acordo que se trata da Pedra Lisa, tratada por ele de Pedra-Lixa, talvez pela lisura de seu pico. Se eu estiver certo, Guedes pulou do paralelo 20°50’ para o 21º S. Vim acompanhando Luís Teixeira passo a passo e cheguei, sem nenhum salto, no mesmo ponto em Guedes chegou, ao que parece pulando um grande trecho costeiro.
LT. “... e dali começa outra terra chã que tem alguns montes agudos e altos e dali aparece outra montanha grande e muito alta e grossa que está em 22 graus que se chama a serra de Santo André”.
MJG: “Ao cabo da interrupção que vimos existir após o morro do Baú, inicia-se outra série de serras  que correndo a SW vai se unir às terras altas do Rio de Janeiro; a primeira delas é a serra da Onça, na margem esquerda do rio Paraíba, em sua junção com o Muriaé; tem cerca de 1400 metros de altitude e apresenta três elevações distintas. É isolada e bem característica” (‘Roteiro – DHN’, I, pág. 362). Julgamos ser esta a serra que o ‘Roteiro da Ajuda’ (e só ele, ao que saibamos) chama de Santo André. Segue-se-lhe a serra das Almas, que começa na margem direita do Paraíba e vai se unir à serra dos Órgãos.’
AS. Não tenho dúvida de que a serra das Almas mencionada por Guedes trata-se do primeiro segmento da serra do Mar, que se estende de Santa Catarina à margem direita do rio Paraíba do Sul, nas proximidades da cidade de Campos dos Goytacazes. Serra dos Órgãos é um nome local da Serra do Mar no sul fluminense. No norte fluminense, o nome local é serra do Imbé. Na margem esquerda do rio Paraíba do Sul, as elevações do terreno são baixas. As principais são as serras do Sapateiro, São Luís e Onça. Esta se localiza a 21°31’ S e alcança em torno de 400 m. Concordo com Guedes que ela pode corresponder à serra de Santo André.
LT. “... em que há uma restinga que entra dentro no mar 3 ou 4 léguas e é todo banco de areia e dar-lhe-ei aquele resguardo que me parecer que logo verei na serra de Santo André um pico muito alto como um castelo e este é o melhor conhecimento que se tem. Há muito bom mar para surgir, muito limpo de areias e assim mesmo fica da banda do nordeste uma montanha muito grande e muito grossa com um pico muito agudo e delgado todo. À orla do mar arvoredos de palmas e de outras maneiras de árvores. E defronte desta montanha grossa que se chama de Santo André, há duas ilhotas que aparecem porque estão. E em uma há água. E em outra não.”
MJG. “Veja-se o que diz do famoso banco de São Tomé o ‘Roteiro – DHN’: ‘Ao largo do cabo de São Tomé está situado o banco de São Tomé, alto-fundo de areia que na distância de cerca de 2 milhas da costa, na latitude do farol de São Tomé, desta para e por cerca de 9 milhas, tendo  sua maior largura cerca de 2 milhas. Constituído de areia fina, apresenta alguns cabeços, dos quais o menor, situado na parte W, tem 3,3 metros (I, pág. 362)’. Como vemos, foi notável a precisão do roteirista dos quinhentos, pois orçou em 9,6 a 12,8 milhas (3 a 4 léguas) o comprimento do banco, que tem hoje 9 milhas; deu-lhe, outrossim, a constituição (‘é todo banco de areia’).”

“Diz o ‘Roteiro – DHN’ que na serra das almas já mencionada o ‘pico do Frade... é o único que se destaca da serra de igual elevação; ele tem uma das faces a pique e 1620 metros de altitude (I, pág. 364)’. Cremos que esta descrição do Frade caracteriza perfeitamente o ‘pico muito alto como um castelo do ‘Roteiro da Ajuda’”.
AS. Quanto ao cabo de São Tomé e o banco de areia dentro do mar, que resultou de um longo processo de erosão, Teixeira, Guedes e eu estamos de acordo. Considero estranho que Luís Teixeira não tenha reconhecido o cabo pelo nome, pois ele está assinalado e nomeado na sua carta de 1586. Moacyr Soares Pereira, em “A navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio” (Brasil: ASA Artes Gráficas, 1984), escreve: “Cavério e os outros dois mapas (de Kunstmann II e de Maggiolo) somente consignam uma serra à altura do Cabo de São Tomé atual, no estado (atual) do Rio de Janeiro, a ‘Serra de Sam Tomé’, nome por que logo ficou conhecido o cabo existente no sítio onde a costa sofre brusca inflexão para oeste-sudoeste. Faz sentido que a(s) elevação (ões) vista(s) ao fundo do cabo, no continente, fosse(m) o morro do Itaoca (com cerca de 400 m de altura) e a serra do Imbé, ainda mais distante. Eu não me arriscaria a buscar precisão em Luís Teixeira quanto a essas elevações.  






























5 - Cabo de São Tomé

Quanto às ilhotas, MJG escreve: “São elas as ilhas de Santana, fronteiriças à ponta de Imbitiba, grupo formado por duas ilhas ou três ilhotas, a maior delas com 141 m de altitude a visível a 20 milhas”.
AS. Da minha parte, estranho que Luís Teixeira não tenha identificado pelo nome o arquipélago de Santana, ponto de parada obrigatória de navegadores europeus que se dirigiam a Cabo Frio ou à baía do Rio de Janeiro. Jean de Léry, antes dele, e Gabriel Soares de Sousa descreveram o conjunto de ilhas com bastante precisão. A identificação do pico do Frade parece correta.
LT. “E terei aviso que me não prolongarei da terra ao sul cerca de 3 ou 4 léguas que me pareça da terra em torno de 12 léguas ao mar”.
MJG: “Diz o ‘Roteiro – DHN’, confirmando cabalmente esta advertência do roteirista da Ajuda: ‘do cabo de São Tomé até a ponta de Imbitiba, numa extensão de cerca de 50 milhas, a costa é extremamente baixa e arenosa e tem a direção geral de WSW’. Sendo ‘extremamente baixa’, é lógico que o navegante avisado pareceria estar mais distante.”
AS. De fato, do cabo de São Tomé à ponta de Imbitiba, na foz do rio Macaé, a costa é toda de restinga, numa grande extensão por não haver nenhuma interrupção. Ainda não existia a vala do Furado. Também não se tem certeza de que a lagoa de Carapebus era um rio que mantinha sua barra permanentemente aberta.

            Começamos a análise do “Roteiro da Ajuda”, de Luís Teixeira na foz do rio Itapemirim e a concluímos na foz do rio Macaé, os limites supostamente estabelecidos da Capitania de São Tomé e da ecorregião de São Tomé. E sem dar saltos. E a conclusão é a desconhecimento ou de interesse da costa que se estende do rio Itapemirim ao rio Macaé. Ela era e continua sendo constituída por terras sem portos naturais, como enseadas e fozes protegidas (algo que deveria ser observado pelos construtores dos píeres do canal da Flecha, em Barra do Furado, do Porto do Açu e da praia artificial de Marataízes. Em comparação com as terras da Bahia para o norte e de Cabo Frio para o sul, o trecho costeiro que examinamos não parecia contar com riquezas facilmente encontráveis, como pau-brasil e metais preciosos. Além do mais, pairava sobre ela o mito de que era habitada por índios ferozes. A única experiência de colonização europeia do século XVI foi a de Pero de Gois, sabidamente fracassada.


6 - Baía do Rio de Janeiro (Guanabara) em carta de Luís Teixeira

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