quinta-feira, janeiro 31, 2019

A maldição da minerodependência se assemelha à petrodependência!

A atividade extrativista gera dependência econômica que é hoje bem conhecida.

Assim como os municípios petrorrentistas do país, várias cidades mineiras e paraenses (em especial) vive uma "minerodependência".

Esse tipo de atividade movimenta recursos num volume e valores em patamares superiores ao circuito da economia local que vai a ela se acomodando. Ou tentando se ajustar.

A Cefem (Compensação Financeira da Exploração Mineral) que é equivalente (porém em valores proporcionalmente menores) aos royalties do petróleo, que no litoral fluminense, capixaba e paulista (em especial) irriga com recursos a administração.

Os desastres produzidos pela Samarco e Vale são mais danosos porque atingem duplamente, de forma direta o território (incluindo os trabalhadores e a comunidade), assim como as receitas municipais.

Nos municípios petrorrentistas, os impactos das tragédias nas plataformas também são sobre a renda do mineral (petróleo) pagas como "compensação".

A redução dos preços dessas commodities minerais também impactam os municípios que passam a ser "minerodependentes" e "petrodependentes".Vivem e sofrem em função da "lama da dependência".

Fato que facilita o trabalho de convencimento que as corporações extrativistas usam para convencer as comunidades a aceitar a conviver com os impactos.

Elas usam vários tipos de estratégias territoriais com esse objetivo.

Por isso, o anúncio da paralisação das atividades econômicas gera logo enorme reação dos municípios, quase similar ao impacto das tragédias com mortes e danos ambientais. O fechamento de minas, mesmo que para evitar mais desastres com barragens antigas, são logo rechaçadas.

Não há outra alternativa para esse processo que não seja a constituição de fundos. De preferência regionais. 

Esses "fundos regionais" poderiam servir tanto para contenção de gastos desnecessários quando aumentam pelos preços e produção em volume maior, quanto de amortecimento quando da queda de preços ou de interrupção de produção, por conta dos acidentes e tragédias como essas da Vale.

Porém, quem consegue convencer os gestores do presente sobre essa alternativa, diante de um bem que intergeracional (que para se criado dependeu de várias gerações), considerando que pretendem mostrar resultados apenas em mandatos?

Ouso arriscar, que no caso presente - mesmo diante da maior tragédia e quantidade de mortos e vítimas produzidos por uma empresa no Brasil -, teremos a repetição do passado, onde o assunto vem à tona apenas durante esse período pós-tragédia. 

Logo após, volta-se à dependência.

Esse é um dos motivos pelos quais, o extrativismo mineral, acaba não deixando ser considerado como uma maldição.

terça-feira, janeiro 29, 2019

Investidores e escritórios de advocacia dos EUA: canibais sobre a tragédia no Vale da lama

Mais uma forma de apropriação dos excedentes econômicos de um país, sem nenhum respeito ao momento ainda dolorido da tragédia.

A mídia americana acaba de anunciar que quatro escritórios de advocacia americanos, ligados ao sistema financeiro e aos acionistas, estão entrando na justiça requerendo indenizações.

Em dois dias úteis quando nem 20% dos corpos das cerca de 350 vítimas foram localizados, e resgatados, assim como carniça investidores e seus advogados querem seus bilhões.

O Wolf Popper LLP é um desses quatro escritórios nos EUA que move ação coletiva contra a Vale na justiça americana, alegando "potencial fraude" por parte da companhia que teria prejudicado investidores de American Depositary Receipts da empresa entre janeiro de 2018 e 25 de janeiro deste ano, quando ocorreu a tragédia de Brumadinho.

Por tudo que escrevi nos últimos dias (duas postagens em especial, aqui e aqui) que falam sobre a forma como, direta e indiretamente, através dos seus fundos financeiros, os donos dos dinheiro atuam na produção mineral na periferia do mundo. Diante disso a conclusão ou pergunta é: o caso não é exatamente o inverso? Entre algozes e vítimas? 

O "modus operandi" desses fundos financeiros através do controle sobre o conselho e diretoria da corporação que constrói esse tipo explosivo e criminoso sobre o território e as populações atingidas?
Evidente que as relações de poder contra quem luta na Justiça de outro país (pior ainda sendo os EUA) contra seus interesses são diminutas.

Relembremos o caso da Petrobras que entregou US$ 10 bilhões em acordo "extrajudicial" do Sr. Parente, aos já muito ricos investidores e escritórios de advocacia americano.

Eles não perdem nada. Nunca. Ganham sempre.

Um paradoxo do capitalismo que alega que o risco justificaria o lucro.

Trata-se na verdade de uma tripla exploração/colonização. 

Uma exploração primária se dá sobre a renda mineral. 
A exploração secundária acontece sobre os ganhos na intermediação e valorização de capital.
E uma terceira e cumulativa exploração (terciária) - que não é muito menor que as demais - se dá pela busca da renda a ser obtida a partir do controle judicial instalado no país-sede do controle financeiro global, onde as corporações globais são obrigadas a atuar na lógica do capitalismo financeiro contemporâneo em redes.

Globalização do inferno. Capitalismo cruel. 

Civilização desumanizada onde o dinheiro é a única razão de ser.

PS.: Atualizado às 18:32: para acréscimo de um parágrafo ao texto.

segunda-feira, janeiro 28, 2019

Mesmo com toda a consternação da tragédia produzida pelo "Vale de lama" em Brumadinho, a companhia está faturando hoje R$ 17,3 milhões a mais que antes com a venda de seu minério

A análise da tragédia produzida pela Vale pode ser feita em várias dimensões.

A pior e mais sofrida é sempre de quem está mais perto do território. Os trabalhadores, vizinhos e a comunidade.

Os mais distantes, os verdadeiros donos do empreendimento, os acionistas sofrem menos. Ou nem sofrem. E ainda ganham.

Em 2018, a Vale produziu em torno de 390 milhões de toneladas por dia de minério de ferro. A maior produção do mundo. Isso dá um volume diário de 1,07 milhão de toneladas por dia.

Considerando que a produção do complexo minerário de Paraopebas altera relativamente pouco na produção total da Vale.

E ainda que o preço do minério de ferro aumentou hoje de US$ 74,64 para US$ 75,30 a tonelada numa variação de US$ 0,66 por tonelada, se pode contabilizar um ganho extra para uma produção diária de 1 milhão de toneladas, no valor de US$ 660 mil, ou de R$ 2,44 milhões. R$ 2 milhões a mais. Porque o faturamento total da Vale, só nessa segunda-feira e apenas com minério de ferro, será de mais de US$ 75 milhões ou R$ 278 milhões.*
*(Ver abaixo nas atualizações o recálculo a partir dos valores do preço do minério de ferro fechado hoje nos mercados globais com aumento e média de 6,3%, o que dá uma diferença de US$ 4,70 poer tonelada e não US$ 0,66 como calculado mais cedo com outra cotação).

A conta pode alterar um pouco a mais ou menos, com a cotação final do dia, mas é essa. Só hoje, enquanto os bombeiros ainda procuram mais de duas centenas de corpos de trabalhadores e moradores. 

Bom lembrar que isso não tem não tem relação com o valor de mercado da empresa, onde a redução do valor das ações influenciam e que tendem a ser recompostas com o tempo. Como aconteceu em 2015, após a tragédia produzida pela Samarco, em que a Vale é sócia com a mineradora australiana BHP Bilinton.

Com a distância do tempo da tragédia o valor volta a aumentar conforme a empresa atua. Para os acionistas, pagar menos indenizações e voltar a operar aumenta volta a pressionar para cima o valor das ações da empresa.  

Hoje, com essa perda do valor das ações, a Vale vale menos, em termos de “valor de mercado”, com a perda em torno de 20% do valor de suas ações. Também não é surpreendente, para quem observa o movimento dos capitais, identificar que as ações de outras importantes mineradoras do mundo aumentaram hoje, com a tragédia produzida pela Vale em Brumadinho.

Porém, como vimos acima, o seu faturamento, mesmo com a interrupções da extração no Complexo Minerário de Paraopebas, em Brumadinho, a empresa faturará a mais cerca de R$ 2 milhões com o atual preço do minério de ferro no mercado global

O tal “mercado” é cruel. Frio. E não tem relações com as pessoas, a não ser quando é extremamente necessário, como mão de obra. Os vizinhos das fábricas e bases operacionais já são vistos como problema.

Veja aqui nesse link uma postagem que fiz ontem sobre o “modus operandi” do sistema financeiro que hoje controla as corporações e a produção material em boa parte do mundo: [https://www.robertomoraes.com.br/2019/01/a-tragedia-produzida-pela-vale-varre.html]

Os acionistas ganham. Os dirigentes também. O presidente (CEO) da Vale recebeu em 2017, entre salários e bônus, a quantia de R$ 60 milhões. Repito. Apenas num ano. Também em 2017, a remuneração média dos diretores da Vale foi de R$ 12,4 milhões. O diretor da Vale com a maior remuneração em 2017 recebeu R$ 19 milhões.

Ganhos individuais deste patamar desumanizam as pessoas. Com tanto aprecia o frio mercado onde atuam os fundos financeiros que controlam as grandes corporações. Como é o caso da Vale.

Em brevíssimo tempo, os acionistas trocarão o CEO e os diretores da Vale, que provavelmente também ganhará novo nome porque a Vale não terá mais valor. E isso não tem nada a ver com a bravata do vice-presidente Mourão, porque essa decisão virá dos acionistas e do mercado, onde as instituição bancárias nacionais, onde o governo poderia intervir são minoritárias.

A grosso modo, o mercado se acomoda (se ajusta) com as perdas. Quem perde são as pessoas, suas famílias, as comunidades, os municípios ao redor. 

A lógica e a concepção mental dos ganhos financeiros giram de um forma bem distinta da vida e daquilo que a Revolução Francesa há mais de dois séculos, com o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” pensou que tinha superado o feudalismo. 

Assim, no capitalismo contemporâneo com o império do esquema financeiro nos trouxe um “neofeudalismo”, ainda muito mais cruel.

PS.: Atualizado às 15:30, 15:32, 16:22 e 16:44: para breve acréscimo num dos parágrafos.

PS.: Atualizado às 19:40: Com os dados do preço do minério negociado na China nesta segunda-feira em até US$ 84 a tonelada, com uma média de 6,3% de aumento, em relação ao preço de sexta-feira (25 jan. 2019) data da tragédia da Vale, pode-se falar num faturamento diário ainda maior da empresa.

Considerando que a produção de minério no Complexo de Paraopebas em Brumadinho é apenas de 7% do total da Vale, pode-se afirmar em termos aproximados que a produção diária da companhia teria descido de de 1,070 milhões de toneladas para cerca de 1 milhão de toneladas.

Com o aumento de preços hoje no mercado da China, o maior comprador mundial na média de 6,3%, saindo de US$ 74,64 (sexta, 25 jan. 2018) para US$ 79,34 (na média de um valor de pico que chegou a US$ 84). Assim, a diferença a mais por tonelada foi de US$ 4,70 ou R$ 17,39 e não mais de US$ 0,66 ou R$ 2,44. E o valor de faturamento total a mais recebido hoje pela Vale foi de R$ 17,3 milhões e não R$ 2,4 milhões.

Dessa forma, o faturamento total da Vale hoje foi de R$ 293 milhões e não R$ 78 milhões como estimado antes. Dessa forma vamos reajustar o valor do título da postagem para:

"Mesmo com toda a consternação da tragédia produzida pelo "Vale de lama" em Brumadinho, a companhia está faturando hoje R$ 17,3 milhões a mais que antes com a venda de seu minério".

Em resumo: A Vale produziu hoje menos 7% de minério de ferro, mas aumentou em R$ 17,3 milhões seu faturamento com a venda de 1 milhão de toneladas que se deu a um preço 6,3% em média maior do que o de sexta-feira.

domingo, janeiro 27, 2019

A tragédia produzida pela Vale varre com lama a comunidade de Brumadinho e nossas esperanças de um Brasil soberano e menos desigual, mas é fruto de uma ganância desmedida e de um "modus operandi" do capitalismo financeiro global

O ranking das maiores mineradoras do mundo pode ser medida por várias métricas. As duas mais significativas: volume de produção e volume de dinheiro obtido.

A Vale é a segunda maior mineradora do mundo. A primeira é a australiana BHB Biliton. Porém, a Vale é a maior mineradora do mundo, quando se trata da extração e produção de minério de ferro.

As duas juntas Vale e Biliton são ainda donas da Samarco, a responsável pela grave tragédia do rompimento da Barragem de Fundão que atingiu comunidades do município mineiro de Mariana no final de 2015. A terceira maior mineradora do mundo é a, também australiana Rio Tinto que hoje é uma holding também controlada por ingleses e com sede em Londres.

A Vale do Rio Doce foi criada com empresa estatal pelo governo federal através de Getúlio Vargas em 1942. Já em maio de 1997 no ensaio neoliberal de FHC, quando já era muito lucrativa, e no momento em que já se pressentia a grande expansão da demanda chinesa por minério de ferro, a Vale foi privatizada e passou a ser comandada por bancos e fundos financeiros. Nessa época principalmente pelo Bradesco.

Em outubro de 2018, a Vale tinha R$ 318 bilhões como valor de mercado. Hoje, em 2019, o controle acionário da Vale está mais diversificada: 52% dos seus acionistas estão espalhados pelos mercados de ações chamados de outros. Hoje, praticamente metade dos acionistas da Vale é de investidores estrangeiros. Aqui no próprio site da Vale, a empresa assume que 47,7% dos acionistas da Vale são investidores estrangeiros.

Além desses 52%, outros 19% das ações da Vale são da Litel Participações S.A. que tem entre seus controladores o fundo financeiro “Bb Carteira Ativa" que possui 78% dos 19 % da Vale. Ou seja, o Banco do Brasil tem na prática 15,1% da Vale. O BNDES do governo federal através da BNDES Participações possui 7,6%. O Bradesco, através da Bradespar possui 6,3%das ações. O maior fundo financeiro do mundo, o BlackRock possui outros 5,98%, enquanto a corporação japonesa Mitsui & Co., Ltd possui 5,4% das ações da Vale.

Mesmo sem ter o perfil dos donos dos 52% da Vale, não é absurdo dizer que a Vale, assim como as grandes corporações do mundo, passaram a ser administradas por CEOs, membros de conselhos, diretores e gerentes indicados pelos bancos e fundos financeiros.

Como empregados desses fundos, esses administradores passaram a ser contratados com metas e prazos para obter resultados e produtividade. O cumprimento dessas metas gera bônus milionários. 

Os fundos financeiros globais passaram a comandar várias empresas do mundo Para ter uma ideia dessa dimensão, só o fundo americano Blackrock possui ativos de US$ 5,98 trilhões, o que equivale a R$ 22 trilhões, valor equivalente a 700 empresas do tamanho da Vale. Dado que mostra o poder dos fundos financeiros sobre as empresas e seus dirigentes. 

Assim, o controle dos fundos muda a forma de gerir as empresas, especialmente, se comparado com a época em que a mesma com empresa estatal tinha o seu desenvolvimento, mesmo com problemas, atrelado à ideia de um projeto de nação. 

A mudança nessa forma de atuar leva a novos procedimentos e à uma impressionante pressão por produção sobre os dirigentes dos complexos produtivos e bases operacionais. Entre esses se tem o caso da Samarco (em que são sócias a BHP Biliton e Vale) em Mariana e também inclui o Complexo de Paraopebas, instalado no município de Brumadinho, local desse novo crime da Vale ocorrido na última sexta-feira, 25 de janeiro de 2019.

Os processos, protocolos e a lógica são os mesmos. Dessa forma, os territórios onde são (estão) instalados as bases operacionais passam a ser controlados por essas corporações, diante do seu imenso poder econômico que controla e preside também o poder político em suas várias escalas. 

Esses dirigentes e membros de conselhos costumam ficar pouco tempo nessas corporações. Depois migram para outras companhias. Por isso, esses dirigentes possuem mais compromissos com os portfólios de suas carreiras do que com as corporações. Muito menos ainda com as comunidades impactadas a atingidas nos locais onde há a exploração e geração da riqueza minerária.

Dessa forma, a produção não para de crescer. No Brasil em 2017, a produção de minério de ferro, agora com o projeto altamente automatizado S11D na Serra dos Carajás, o volume chegou a 366 milhões de toneladas. Em 2018 chegou a cerca de 390 milhões e a previsão era de chegar a 400 milhões de toneladas de minério de ferro este ano. Seguindo a rotina de metas e reduzir prazos. 

Assim, através da produção e da alta produtividade, com baixos custos de produção - de licenciamentos e barragens baratas – obtidas com a gestão de burocratas de MBAs das minas e de toda a mineradora, que serão extraídos os lucros e rendimentos obtidos com a venda do minério no mercado internacional.  

No andar superior onde minério é vendido é transformado em dinheiro, após a etapa de circulação dessa mercadoria, obtida no interior das minas - e com as lamas de seu beneficiamento, guardada em barragens mais ou menos seguras - os verdadeiros donos dessas companhias comemoram os resultados.

Os dinheiros obtidos com as vendas dessa extração mineral, vai engordar o capital - sob a forma de lucros e rendimentos - o patrimônio líquidos dos maiores fundos financeiros espalhados pelo mundo. 

Assim, o patrimônio desses fundos crescem de forma exponencial, sem sequer se lembrar e sem muito menos nenhum compromisso com as comunidades atingidas que eles gostam de chamar de “stakeholders”. Também sobem os salários e os bônus ganhos pelos CEOs e dirigentes dessas corporações.

Na disputa intercapitalista global os problemas na Vale - com ou sem mortes e danos ambientais - podem ainda interessar as suas concorrentes. Porém, de forma especial, podem servir aos donos dos dinheiros que estão aplicado nos fundos financeiros globais e que hoje controlam esse e outros tipos de produção pelo mundo.

No atual estágio da política na nação brasileira, a entrega dos bens naturais e empresas brasileiras, o caso de Vale pode ser apenas mais uma desgraça que se junta à lama que matou mais de 300 trabalhadores e moradores da comunidade de Brumadinho, mas vai varrendo todos nós brasileiros para o fundo de um buraco “sem fundo”.

PS.: Atualizado às 22:52: Para acréscimo de um parágrafo sobre volumes de produção de minério de ferro em 2017 e 2018.

PS.: Atualizado às 23:56: Em 2017, o presidente CEP da Vale recebeu entre salários e bônus a quantia de R$ 60 milhões. Repito. Apenas nesse ano. Também em 2017, a remuneração média dos diretores da Vale foi de R$ 12,4 milhões. O diretor da Vale com a maior remuneração em 2017 recebeu R$ 19 milhões. Essas informações ajudam a ilustrar parte dos argumento do texto.

sexta-feira, janeiro 25, 2019

Milícia na elite financeira

O gato e os ratos. Ou o rato e os ratos.

Os banqueiros agem de forma similar.

Meirelles em 2017 deu isenção de R$ 1 trilhão para as petroleiras.

Paulo Guedes anunciou essa semana em Davos que vai reduzir o imposto sobre as empresas de 34% para 15%.

Logo, os empresários disseram que não basta isso se for mantida a taxação sobre o lucro das empresas. Ou seja, querem mais.

Alguns analistas bateram palmas e até disseram que a ideia de taxar menos a produção e mais o ganho de capital era boa.

Mas, é certo que está tudo acertado com os donos do capital e os banqueiros, desde que se garanta o corte de renda da maioria com as mudanças da previdência e com mais cortes em direitos de trabalhadores. 

Eles sabem que assim sobrarão novos espaços para o rentismo manter seus faturamentos.
A pesquisa empírica sobre esses movimentos do capital permite identificar a lógica da reação dos banqueiros e sócios de várias gestores de grandes fundos financeiros.

Textualmente, eles disseram que vão se ajustar.

E já sugeriram aos donos de empresas que atuam no rentismo do mercado financeiro aconselhando: "é só reduzir o capital na empresa e constituir fundo por meio do qual comprarão debêntures."

Outro, detalha um pouco mais como o rentismo agirá: "os investidores externos deixarão de entrar com capital em participação das empresas, já que terão que pagar imposto ao receber os dividendos. Assim, é só eles passarem a oferecer empréstimos, que são dedutíveis em termos tributários".

A pesquisa sobre o "modus operandi" do setor financeiro demonstra como rapidamente esses setores se ajustam às novas regulações. 

Para isso contam com grandes escritórios de advocacia tributária e com "juízes compreensíveis". 

Os rentistas que aplicam no fundos financeiros estão agregados às estratégias de ganhos maiores com as rendas dos juros e dividendos do que com a produção.

Tá tudo combinado, mas no fundo a correra taxação de dividendos do rentismo nacional, alterará a forma, mas não a lógica. 

Ou seja mudar sobre o que for alterado para manter tudo como está com ganhos financeiros e de capital absurdos. 

E Guedes sabe de tudo disso.

No fundo tem-se aí uma espécie de milícia da elite financeira.

quinta-feira, janeiro 24, 2019

A "orientemedização" da América Latina também tem o petróleo como causa

Com o conflito na Venezuela está em curso o início da versão latina do processo que há décadas atinge o Oriente Médio.

A "orientemedização" da América do Sul vem no exato momento em que o horizonte próximo das reservas de petróleo do xisto americano se escasseiam e novas reservas pelo mundo se tornam muito caras para serem exploradas.

Os conflitos do Iraque, Síria, Irã, Iêmen e Arábia Saudita tendem a se expandir para as nações latinas que não se submeterem à dependência.

Os pretextos oferecidos pelos desencontros da gestão na Venezuela e pela fase de colapso de preços do ciclo petro-econômico não passam disso.

Pretexto segundo o dicionário significa: "razão alegada para encobrir a verdadeira razão; desculpa, subterfúgio, alegação, argumento, mentira, escusa, evasiva, dissimulação, justificativa, explicação".

A ONU com o chamamento que faz pedindo diálogo para evitar um "desastre" na Venezuela percebe claramente o surgimento de nova área de conflito em nova área do mundo, agora na América Latina. O conflito venezuelano tem que ser resolvido pelos próprios.

A confusão política no Brasil também não pode ser vista fora desse contexto.

Assim, a geopolítica do petróleo desceu e se expandiu do Oriente Médio para o trópico.

terça-feira, janeiro 22, 2019

Em 2018, o Brasil exportou 40% de todo o petróleo cru que produziu (quase todo o pré-sal) e segue importando mais derivados

Em boa matéria do Fernando Mellis, publicada hoje no portal R7, foram apresentados alguns números gerais que o setor de petróleo fechou em 2018. Os dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) indicam que o Brasil vendeu 1,12 milhões de barris por dia (bpd) de óleo cru (13,3% a mais que em 2017) e equivalentes a 40% de toda a produção em nossas bacias. Sim quase metade de todo o petróleo que produzimos, quase todo o pré-sal, considerando apenas o petróleo e sem o gás natural.

Esse fato se deve não apenas às vendas externas da Petrobras, mas ao aumento da produção e vendas internacionais por parte das petroleiras estrangeiras que atuam cada vez mais no Brasil - como operadoras e/ou concessionárias - e que direcionam para onde querem as suas produções crescentes no país.

Segundo o Boletim da Produção de Petróleo e Gás, edição de novembro de 2018 da ANP, só as cinco petroleiras estrangeiras que estão logo abaixo da Petrobras, produziram no Brasil um total de 711 mil barris de petróleo e gás por dia (22% da produção no país). Pela ordem em termos da prodção de óleo + gás natural: a anglo-holandesa Shell (400 mil boepd); a portuguesa Petrogal (114 mil boepd); norueguesa Equinor (89 mil boepd); o consórcio espanhol-chinês Repsol-Sinopec (84 mil boepd); e a chinesa Sinochen (24 mil boepd). 

Os principais importadores que levaram em 2018, o nosso óleo cru para ser processado em suas refinarias foram: China (56,5%), EUA (11,9%) e o Chile (8,43%). Essas exportações geraram um volume de US$ 25,1 bilhões em divisas ao país. 

Em volume, em 2018, o Brasil exportou um total de quase meio bilhão de barris de petróleo. Em números absolutos 412 milhões de barris. Veja no gráfico ao lado, a evolução da exportações de óleo cru do Brasil, ano a ano, entre 2000 e 2018.

Ainda segundo a reportagem, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), ligada ao Ministério de Minas e Energia, estima que a produção de petróleo no pré-sal dobre nos próximos oito anos e que isso deverá levar a que o país se torne um dos cinco maiores exportadores do mundo — atualmente o Brasil está entre os dez principais.

Assim, a previsão é que até 2027, o Brasil triplique as exportações de óleo cru, superando 3,1 milhões de barris por dia, segundo o superintendente de petróleo da EPE, Marcos Frederico Farias de Souza.

Há algum tempo, o blog vem mostrando aqui nesse espaço as contradições para a economia nacional, na medida em que vendemos quase metade de nossa produção de petróleo e importamos derivados em refinarias estrangeiras (em valores muito mais altos, além dos custos dos transportes de ambos) para ser aqui consumido.

Em passado recente, o Brasil deixou de construir as refinarias projetadas Premium I e II no Ceará e Maranhão e não terminou ainda o Comperj, em Itaboraí. Além disso, a partir do governo Temer, o país passou a reduzir o refino em nossas refinarias que chegaram a cair abaixo de 70% da capacidade de refino total. A modelagem das plantas dessas novas refinarias, acrescidas da construída em Pernambuco (Rsnet), permitiria processar o petróleo mais pesado produzido em alguns campos produtivos do país que há algum tempo obriga um percentual de exportação de óleo cru.
 
Assim, na contramão do aumento de exportações, o Brasil segue com alta importação de derivados que incluem gasolina, diesel, GLP (usado nos botijões de gás), querosene de aviação e lubrificantes.

Por baixo, a estimativa é que a cada barril de óleo bruto exportado gasta-se pelo menos US$ 12 (cerca de R$ 45) a mais por barril de derivado importado. Dessa forma, segundo a ex-diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, essa diferença entre o que se deixa de refinar para importar foi de cerca de R$ 6,56 bilhões, fora os custos com logística e transportes.

Sobre a demanda interna, um estudo da EPE prevê que o Brasil deverá demandar importação em  de 213 mil barris por dia só de óleo diesel em 2027. Por essas informações fica evidente que o Brasil tem sim necessidade de investir em novas infraestruturas de abastecimento, incluindo a construção de refinarias. Hoje a capacidade de refino do país é de 2,4 milhões de barris por dia, sem acrescentar o Comperj que tem previsão de entrar em funcionamento no início do segundo semestre do ano que vem.

No meio de toda essa realidade, o atual governo quer vender refinarias do Norte/Nordeste e Sul do país, pertencentes à Petrobras e com mercado garantido no país, para petroleiras estrangeiras. 

Vale dizer que essa etapa da cadeia produtiva do petróleo é a que mais se apropria da renda petroleira
- constituída em toda a sua extensão - quando se tem o mercado garantido como é o caso brasileiro.

É necessário e urgente rever esse processo. São poucos que conseguem compreender essa realidade. Porém, é necessário manter o esforço para traduzir, de forma mais simples e compreensível, essa complexidade que atinge a nação e o nosso povo.

segunda-feira, janeiro 21, 2019

Royalties de janeiro têm queda de mais de 20% em relação a dezembro

As quotas mensais dos royalties do petróleo são pagas dois meses da produção. Assim, os valores que serão depositados amanhã na conta dos municípios são os referentes à produção de novembro, onde o preço do barril de petróleo no mercado internacional já havia caído bastante.

Os dados são da Agência Nacional de Petróleo (ANP), mas foram tabulados mais uma vez pelo Wellington Abreu, superintendente de Petróleo, Gás e Tecnologia da PMSJB. Pela tabela abaixo é possível ver que, em termos absolutos, as maiores perdas são das prefeituras de Macaé e Campos dos Goytacazes com valores de aproximadamente R$ 13 milhões a menos do que recebido em dezembro.

Nessa quota de janeiro de 2019, em maiores valores em termos absolutos recebidos são do município de Macaé de R$ 47,1 milhões; seguido de Maricá com R$ 46,1 milhões; Niterói com R$ 38,1 milhões e em quarto lugar, Campos dos Goytacazes com R$ 33,8 milhões. A previsão é de que as quotas de fevereiro sejam ainda menores pelas mesmas razões.

PS.: Para ver a imagem da tabela em tamanho maior clique sobre ela.




sábado, janeiro 19, 2019

Desverticalização nacional e re-verticalização global no setor de gás no Brasil: a contradição liberal

Cena 1: Dia 16 jan. 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu liminar que impedia venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da Petrobras que detém como ativo uma malha de 4,5 mil km de gasodutos no Norte e Nordeste do País. Sobre o assunto leia aqui postagem anterior do blog em 25 abr. 2018.

Cena 2: Dia 17 jan. 2019, a corporação francesa Engie que opera no setor de energia (gás e eletricidade) em várias partes do mundo, informa que pretende retomar e finalizar as negociações em consórcio com o fundo de pensão canadense Caisse de Depot et Placement du Quebec (CDPQ) para compra da TAG  por um valor estimado entre US$ 8 bilhões e US$ 9 bilhões.

Cena 3: Dia 17 jane. 2019, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) em ofício ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) defende a desverticalização completa da indústria de gás no país".

Cena 4: Dia 17 jan. 2019, a mesma Engie informa que está avaliando investir no setor de distribuição de gás natural no Brasil e diz que esse interesse faz parte da "estratégia da corporação  de aumentar os investimentos no Brasil e de entrar em negócios que aproxime a empresa de consumidores finais com aquisição de distribuidoras estaduais de gás". Através do CEO (presidente) da Engie Global, Maurício Bähr, disse ainda que através da subsidiária Engie Brasil Energia (EBE) pretende mais: "o Brasil é um país que oferece oportunidades que têm escala. Você consegue fazer uma alocação de capital de porte, robusta".

Ato Final e Conclusões: Em dois dias apenas se observa com clareza a lógica dos movimentos. Enquanto os governos mercadistas do Brasil desmontam e desverticalizam o setor de óleo & gás e eletricidade no país, as grandes corporações globais aproveitam a oportunidade e compram em bloco as empresas, na prática re-verticalizando o setor, não mais sobre o controle estatal dessa área estratégica, mas sob os domínios de uma corporação privada estrangeira. É importante relembrar que o setor gás natural é ainda mais estratégico, porque se trata da matriz de transição de energia, menos poluente.

Desde 2016, consultores, lobistas e escritórios de advocacia contratos pela Engie escrevem para os burocratas do governo e parlamentares, o marco regulatório que desejam para o setor de gás. Lá deixam as brechas (chamadas de flexibilidade) para ditar regras do mercado onde as tarifas definirão as enormes margens de lucro e as possibilidades de saída e venda do setor na hora que quiserem.

Esse processo eu já analisei mais profundamente em artigos aqui no blog e também em publicações acadêmicas. Para resumir e melhor explicar esse processo elaborei um infográfico (abaixo) que expõe esses movimentos que podem ser observados em detalhes em cada um desses setores, mas que mantém sempre a mesma lógica.

É importante destacar, inclusive, para aqueles com mentes colonizadas (ou os conhecidos cabeças de planilha) do mercado financeiro, que não há justificativas para o crime de lesa-pátria que produz o esquartejamento e venda, a preço vil dos negócios das subsidiárias da holding Petrobras.

Na verdade esta é uma enorme contradição não respondida pelos liberais. Eles dizem que é preciso privatizar para aumentar a competitividade dos setores, mas na prática, o que se vê em curso é a oligopolização, ou mesmo monopolização de setores estratégicos. Não mais nas mãos do governo e sim de corporações privadas. Esses movimentos reproduzem decisões políticas daqueles que chegaram ao poder pelo apoio do poder econômico dessas corporações.

Sim, é preciso cuidar da corrupção, especialmente essas de maior volume e danos para a nação. Esse tipo de corrupção - pouco percebida - sempre é travestida de abstratos aspectos de legalidade, por parte daqueles que operam no Estado, os interesses privados.

  Fonte: Tese de doutorado do blogueiro (p.205) cujo título é "A relação transecalar e muldimensional "Petróleo-Porto" como produtora de novas territorialidades". PPFH-UERJ, defendida em março 2017. P. 222.


sexta-feira, janeiro 18, 2019

A máquina das dívidas amplia a financeirização, produz novo padrão de acumulação e ameaça esgarçar o sistema no capitalismo contemporâneo

A "máquina das dívidas" tem sido a fórmula básica para se criar valor no mundo das finanças.

O setor financeiro cresce basicamente com a ampliação das dívidas, tanto públicas quanto privadas. Aliás, agora mais intensa por parte das corporações do que dos governos. Na década pós crise de 2008, vive-se uma enorme expansão da liquidez "floating capital" ou capital fictício.

Assim se assiste à crescente financeirização que é puxada pelas dívidas que dessa forma mantém em movimento a economia mundial. A produção material prossegue, mas em ritmo menor. A renda deixou de ser a impulsionadora e foi substituída pelo crédito como motor da economia global.

Neste processo, o volume atual da dívida global já chega, segundo o FMI, a US$ 182 trilhões (60% acima de 2007, um ano antes da crise do subprime). [Agência EFE/Exame Online, 1 out. 2018]

Segundo o FMI, hoje, essa dívida global acumulada chega a 225% do PIB. Lembrando novamente que esse percentual é maior do que antes da crise financeira de 2008. [Valor, 18 jan. 2019, P.A7]

Essa "máquina das dívidas" vem puxando o sistema e a alimentado a "espiral de acumulação infindável” (HARVEY, 2018)

No meio desse processo cresce o rentismo e o papel dos fundos financeiros que não param de ver seus ativos aumentarem.

A americana BlackRock, maior gestora de fundos de investimentos do mundo, acumula ativos no valor de R$ 5,98 trilhões (R$ 22 trilhões). Outro grande fundo americano, o Vanguard tem ativos de R$ 5 trilhões.

Apenas esses dois fundos de investimentos possuem ativos equivalentes a mais de 6 vezes o valor do PIB brasileiro.

Observa-se assim, a intensificação do uso do dinheiro (e seus papeis (títulos do tesouro, bônus, debêntures, etc) como mercadoria e não mais apenas, como equivalente geral das trocas.

Assim, esse processo que vem sendo genericamente chamado de financeirização da economia, com ampliação do "capital improdutivo” (DOWBOR, 2017), ao mesmo tempo que amplia a mobilidade entre suas frações e aumenta os riscos do esgarçamento do sistema.

O próprio FMI, desde o segundo semestre de 2018, vem chamando a atenção para esses riscos. Aliás, o problema se tornou também o tema central do debate de Davos, onde se reúnem os donos desses dinheiros.

Governos mercadistas - que são apenas décimos das riquezas - diante desses fundos se tornam periféricos no debate de Davos, onde há preocupações com as reduções de crescimento nas maiores economias do mundo.

Enquanto isso, o ministro da Fazenda do Brasil diz que nada disso importa.

Aliás, em entrevista à revista Época (14.01.19, p.24), o ministro Guedes, garbosamente, disse que para o Brasil "esse tipo de situação dramática seria uma dádiva e uma oportunidade para construir consenso político em torno de medidas duras".

Em que ponto chegamos. Quando um agente público torce para uma grave crise mundial, para ter meios políticos para arrochar ainda mais "os de baixo", em favor dos donos dos dinheiros, o que se pode esperar?

Vai torrar as nossas reservas de US$ 380 bilhões, vender e privatizar tudo e entregar o nosso futuro ao deus mercado.

E ainda há quem tenha dúvidas sobre para quê e para quem servem as crises.

O caso é mais grave porque, aparentemente, o capitalismo contemporâneo parece estar saindo de uma fase cíclica, para um novo e mais radical padrão de acumulação, onde o esgarçamento e a "destruição criativa" pode se impor.

PS.: Atualizado às 15:02 e 16:46 e 16:54: Para fazer ajustes, correções e breves acréscimos no texto original.

quarta-feira, janeiro 16, 2019

Relatório da Geo Costeira (UFF-Campos) sobre as causas, consequências e ideias de solução para o problema da erosão costeira em Atafona é bem recebido em reunião no MPF em Campos

Há cerca de três meses, o professor e pesquisador Eduardo Bulhões, da Unidade de Estudos Costeiros (Geo Costeira) do Departamento de Geografia da UFF-Campos, encaminhou a esse blog, um relatório de sua autoria, que atendeu a uma requisição da Dra. Ana Carolina P. de Araújo, da Defensoria Pública do ERJ sobre a erosão costeira no Balneário de Atafona, litoral do município de são João da Barra. Trata-se de um estudo com análise detalhada que contém abordagem ampla, além de vários mapas, imagens e gráficos que estudam o problema e investiga ideias e soluções.

Por razões diversas, eu só agora fui ler o documento. Porém, o professor Bulhões informou hoje que no último dia 7 de dezembro aconteceu uma reunião no Ministério Público Federal (MPF) em Campos para discutir a temática da erosão costeira no litoral de Atafona, SJB.

Segundo o professor Eduardo Bulhões da UFF, além dele, participaram da reunião os professores especialistas em erosão e obras costeiras, Dieter Muehe (UFES) Paulo Rosman (COPPE UFRJ), a defensora pública Ana Carolina Palma de Araújo da DPE RJ, o procurador Bruno Ferraz (MPF-RJ Campos dos Goytacazes), o anfitrião da reunião e mais um perito oceanógrafo do MPF, baseado em Brasília, secretários da PMSJB Meio Ambiente, Obras, Defesa Civil, Procuradoria dentre outros técnicos.

Seguindo o relato do professor Bulhões, nessa reunião foram debatidas algumas opções para estabilização da erosão costeira em Atafona e para a captação de recursos. Quanto as alternativas discutidas foram consideradas as sugeridas anteriormente (no relatório/projeto do INPH) e as do relatório da Geo Costeira da UFF. Em especial foi apresentada de forma inédita e debatida a opção proposta pelo relatório do professor Bulhões que sugeriu "a recuperação artificial do sistema praia-duna que consiste basicamente na reposição mecânica de areias compatíveis com as que foram perdidas no pontal (essa opção as vezes aparece como engordamento de praia ou alimentação artificial de praia) de forma a criar um fluxo de materiais para a praia, fluxo esse que o rio não consegue mais prover".

Ainda conforme relato do professor Bulhões a proposta foi muito bem aceita pelo corpo técnico presente, sobretudo após a apresentação dos benefícios dessa intervenção, no que tange as boas práticas internacionais, os baixos impactos ambientais negativos no ecossistema de praia, duna e restinga e uma estimativa inicial de custo na ordem de R$ 15 milhões o que seria mais acessível para o município. Nesse contexto foi encaminhado a criação de um grupo de trabalho para organizar e viabilizar as etapas necessárias para esse tipo de intervenção.

Bulhões diz que ainda não possui a Ata da reunião, mas assegura que resumidamente foram esses os pontos-chaves das três horas de reunião. A seu ver, "agora o município tem em mãos uma proposta economicamente viável, com exemplos de resultados comprovadamente sólidos e uma perspectiva sustentável de intervenção junto aos ecossistemas costeiros aliado a manutenção da estabilidade da linha de costa".


O relatório do Geo Costeira da UFF-Campos sobre a erosão em Atafona
Com autorização do professor Eduardo Bulhões o blog disponibiliza aqui neste link a íntegra de 37 páginas do relatório "Erosão costeira e avanço do mar na localidade Atafona. Causas, consequências e propostas de intervenção".

Ao iniciar no relatório a abordagem da questão da erosão costeira, o professor Bulhões faz referência a uma publicação da revista Nature Luijendijk et al (2018), que reporta uma pesquisa com base em quase dois milhões de imagens de satélite entre 1984-2016 que indica que a erosão no caso do balneário de Atafona é extrema.

Nessa publicação citada no relatório, seus autores afirmam que 31% do litoral mundial é formado por praias arenosas. Considerando todas as praias do planeta, 48% se apresentam como estáveis, 28% crescem em direção ao mar (acresção) e 24% recuam persistentemente sob efeito da erosão costeira, em taxas que excedem 0,5 metro por ano (m/ano). Nas áreas onde ocorre recuo da linha de praia em taxas superiores a 5 m/ano a erosão costeira é considerada extrema e representa cerca de 4% do conjunto global de praias arenosas. Essa última, erosão costeira extrema, é a realidade do litoral junto à foz do rio Paraíba do Sul, em São João da Barra-RJ, na localidade denominada Atafona.

P.32 do Relatório
Enfim, vale conferir o relatório na íntegra, em especial o item sobre "Possibilidades de Mitigação da Erosão Costeira" onde comenta que "o sistema praia-duna recua à taxas elevadas desde a década de 1970 e que até 2003 já havia destruído um total de 183 unidades residenciais cadastradas, distribuídas em 14 quadras, mais localizadamente na área do pontal. Considerando que muitas casas, sobretudo as mais simples, não haviam sido devidamente cadastradas, o número de edificações destruídas é superior". 

O professor Bulhões em seu relatório além de utilizar dados do monitoramentos que tem feito em suas pesquisas na linha da costa em Atafona, também faz referência aos trabalhos anteriores do professor Gilberto Pessanha Ribeiro e do INPH (Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias) sobre o mesmo tema, assim como comenta várias soluções adotadas para problemas similares em outros pontos do litoral brasileiro e de outros países.

terça-feira, janeiro 15, 2019

Os militares no Brasil atual deixam o Estado e voltam-se apenas para o governo

Os militares no Brasil atual parecem estar gostando do rumo da política no país.

Não se trata de projeto de nação, mas estão gostando.

Abandonaram o nacionalismo e voltaram aos cargos demonizando as mesmas coisas de meio século atrás.

Porém, não percebem que enquanto instituição, estão sendo envolvidos até o pescoço com o governo, abandonando as posições de Estado.

Movimentos desse tipo não costumam levar a bons caminhos.

Com todos os estudos de estratégia que os de alta patente dizem ter, não há um sequer, a gritar para, pelo menos, ir devagar, porque o andor pode ser de barro.

Os salários que duplicam os soldos parecem falar mais alto que a antiga preocupação com os destinos da nação.

sábado, janeiro 12, 2019

O norte fluminense num antigo roteiro náutico. Por Soffiati

O eco-historiador, professor e pesquisador, Aristides Soffiati, apresenta aos leitores do blog - o primeiro esse ano - mais um texto ilustrado sobre a eco-história do Norte-Noroeste Fluminense.

Nesse artigo Soffiati visita textos de quem conheceu ou descobriu a região no século XVI como parte de um movimento maior de expansão do capitalismo europeu pelo mundo em busca de mercados quando as informações começaram a ser reunidas em mapas e cartas náuticas que orientavam os exploradores e colonizadores em suas buscas de riquezas e mercados.

A partir de suas pesquisas históricas, Soffiati intui que já ali, naquele período, o norte fluminense passaria a ter menor interesse, por parte de nossos colonizadores, em relação a outras áreas do litoral brasileiro. Os registros comentados pelo autor sobre a história da geografia da região é muito interessante.

Vale conferir e conhecer um pouco mais dessas investigações no campo da história ambiental regional. Outros artigos e texto do Soffiati sobre a eco-história da região que envolve o sul capixaba e o norte e noroeste fluminense podem ser acessados em duas seções no lado direito do blog.



O norte fluminense num antigo roteiro náutico
Arthur Soffiati
            Foi intensa a atividade cartográfica europeia nos séculos XV e XVI. Navegantes dos países ibéricos, principalmente, mas também italianos, holandeses, franceses e ingleses lançavam-se no oceano Atlântico rumo às Índias para alcançar as caras mercadorias orientais que chegavam à Europa pelas mãos de muçulmanos e venezianos. Cumpria romper esse monopólio alcançando os centros produtores diretamente. E era necessário orientar-se por mapas e roteiros.

            A tese sustentada por Cristóvão Colombo era alcançar o oriente navegando em direção ao ocidente, pois a terra sendo redonda permitiria alcançar o ponto oposto ao de saída. Assim, ele chegou à América, que acabou sendo batizada de Índias Ocidentais. Logo a seguir, Vasco da Gama atingiu a Índia contornando a África e alcançando o oriente, denominado pelos europeus de Índias Orientais.

            Vasco da Gama coroa um trabalho paciente de vários navegantes portugueses no século XV, como mostra Jaime Cortesão em “Os descobrimentos pré-colombianos dos portugueses” (Lisboa: Portugália, 1966). Pouco a pouco, os lusos avançaram pela costa atlântica e índica da África até a viagem de Pedro Álvares Cabral, em 1500, que não deve ser vista isoladamente como se estuda ou estudava nas escolas, mas parte de um movimento maior de expansão do capitalismo europeu pelo mundo em busca de mercados.

            A produção de cartas náuticas e de mapas conheceu um esplendor no século XVI. Aos mapas-múndi da civilização greco-romana, foram elaborados novos mapas em que aparecia o continente americano. Cantino foi o primeiro a elaborar um mapa-múndi com a América, em 1502. Muitos outros foram desenhados depois. Acontecia de cartógrafos serem navegadores e desenharem mapas com conhecimento de primeira mão. Havia aqueles que partiam de mapas já desenhados para enriquecê-los. Havia ainda os cartógrafos que traçavam mapas falados, como se fazem retratos falados pela polícia.

            Houve poucos casos interessantes de navegadores que redigiam roteiros sem mapas ou acompanhados por mapas. Não devemos confundi-los com os diários de bordo, a exemplo de Antonio Pigafetta, que acompanhou Fernão de Magalhães na primeira viagem de circunavegação do mundo (“A primeira viagem ao redor do mundo”. Porto Alegre: L&PM, 1997) nem com o diário de Pero Lopes de Sousa, que fazia parte da tripulação do navio de Martim Afonso de Sousa, seu irmão, entre 1530-32 (“Diário de Navegação”. Cadernos de História, volume I. São Paulo: Parma, 1979).

Luís Teixeira é autor de um trabalho entre a cartografia e o diário de bordo. Ele redigiu um roteiro dos sinais que encontrou nas costas do Brasil entre o cabo de Santo Agostinho e o estreito de Magalhães. Seu título original é “Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, alturas e derrotas que há na costa do Brasil desde o cabo de Santo Agostinho até o estreito de Fernão de Magalhães”. Como foi encontrado na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, é também conhecido como “Roteiro da Ajuda”. 

A obra integra um roteiro manuscrito de parte da América do Sul e treze cartas e plantas coloridas de núcleos urbanos. Consta também de uma carta naval da América do Sul com uma grande legenda em seu canto superior esquerdo. Nela se lê: “A terra do Brasil é a que parte a linha vermelha desta do Peru a qual linha é a demarcação que os reis de Castela, os católicos dom Fernando e dona Isabel e El-Rei Dom João II de Portugal fizeram no descobrimento geral. As capitanias que vão repartidas por linhas vermelhas são mercês que os reis de Portugal D. Manuel e D. João seu filho o terceiro deste nome fizeram a homens que muito bem os serviram no descobrimento e conquista das Índias Orientais: a que diz de Sua Majestade foi de Francisco Pereira Reimão que, morrendo e ficando sem herdeiros, ficou à Coroa, nesta está a baía de Todos os Santos e cidade do Salvador, onde assiste o governador e o bispo. Todas as mais são vilas exceto a cidade de São Sebastião no Rio de Janeiro, capitania de Pero de Gois a qual cidade foi tomada aos franceses pelo governador Mem de Sá. 

As melhores e mais ricas destas capitanias são a de Sua Majestade e a de Jorge de Albuquerque. Estas são as que mais engenhos têm de açúcar; e assim tem mais trato de mercadores. Tem cada uma destas capitanias pela costa do mar 50 léguas e, para o sertão tanto, até chegar à linha de demarcação como repartição delas se vê é povoada de gentio da terra do Brasil toda de portugueses quanto dizem as capitanias e somente há costa do mar, e quando muito 15, 20 léguas pelo sertão é muito povoada de gentio da terra. Tem muitos mantimentos. Em parte dela há ouro, assim de minas como de lavagês (?)”

1 - Carta geral da América do Sul por Luís Teixeira, c. 1586

 Segundo Jaime Cortesão em outro livro (“História do Brasil nos velhos mapas”, 2 volumes. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1965) “... a carta geral de Luís Teixeira, que devemos datar de cerca de1586, representa não só um grande avanço sobre a carta de Bartolomeu Velho, mas ficou pertencendo ao número dos mais notáveis monumentos da cartografia portuguesa de Quinhentos.”

Para o almirante Max Justo Guedes, reconhecido especialista em cartografia, parece não haver dúvida de que o roteiro foi escrito pelo cartógrafo entre 1573 e 1578, acompanhado de desenhos de 1586. O original está na Biblioteca da Ajuda, em Portugal, e foi publicado no Brasil com o título simplificado de “Roteiro de todos os sinais na costa do Brasil (Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968) como homenagem ao quinto centenário de nascimento de Pedro Álvares Cabral. A publicação foi fac-similada, com reprodução em letras atuais ao lado do original manuscrito, o que torna difícil a leitura por quem não conheça minimamente a grafia portuguesa do século XVI. Auxiliam muito os comentários de Max Justo Guedes.

            Para nossos fins, apenas os trechos relativos ao território que denomino, com fins de estudos, de ecorregião de São Tomé (entre as desembocaduras dos rios Itapemirim e Macaé), merecerão atenção. Atualizei as palavras e a grafia para melhor entendimento do leitor. Primeiro, transcrevo os registros de Luís Teixeira antecedidos pelas iniciais LT. Os comentários de Max Justo Guedes são precedidos das iniciais MJG. Minhas observações também vêm precedidas das iniciais AS. Assim, o texto é examinado em três camadas: LT, MJG e AS.  

2 - Escrita de Luís Teixeira

LT. “... a terra tem umas serras muito altas na orla do mar. Todas de arvoredos, a primeira serra destas é uma montanha alta e grossa e, como for ao sul dela, logo lhe verei uma silha ou coisa como esta. E no pico mais alto, ao pé dele para a banda do mar, deste tem outros dois montes e discorrendo para baixo contra o sudoeste está outro monte redondo à orla do mar todos de arvoredos.  E o primeiro monte destes é um monte alto e grosso que estará do dito monte cerca de 3 léguas (quanto à vista pouco mais ou menos). E junto deste monte ao pé há outro monte pequeno agudo. E da outra banda até uma légua há outros dois montinhos pequenos. E toda orla é muito chã e cheia de arvoredos. E estes sinais verei quando quer que estiver os ditos montes ao sudoeste. E esta montanha grande que digo que ficava mais para a banda do nordeste se chama serra de São Tomé. E dos ditos montes para a banda de sudoeste estão muitas serras e montes altos os quais estão na altura de 21º graus largos. E quando estiver tanto avante como os ditos montes olharei para o sudoeste e verei um monte redondo como de trigo, e tem um pico agudo em meio e sai mais ao mar que nenhum outro. E toda esta costa é muito limpa para poder surgir porque é toda parcelada de areia e tem de fundo 25, 30, 40 braças. E poderei chegar à terra até 5, 6, 7, 8 léguas e quando andar de longo da terra andarei uma praia muito grande de areia.”

MJG. “Ao descrever a orografia da região do paralelo 21º S o autor do ‘Roteiro da Ajuda’ enumera tal número de montes e serras que, à primeira vista, parece impossível a identificação. No entanto, a leitura atenta do texto permite, senão a cabal associação dos acidentes descritos aos existentes, ao menos o reconhecimento dos mais conspícuos. Não é difícil identificar a serra de São Tomé com a atual serra do Itapemirim e as ‘muitas serras e montes altos os quais estão em altura de 21º graus largos’ a sudoeste de São Tomé constituem a atual serra de Itabapoana. A ‘Silha ou coisa como esta’, ao sul da que identificamos como ‘do Itapemirim’ é, obviamente, a serra do Pico, entre ela e a costa. Os dois picos, Freira e Frade, devem ter dado ao roteirista, a impressão de ‘silha’. O ‘monte redondo como de trigo com um pico agudo em meio’ que ‘sai ao mar mais que todos os outros’, só pode ser o morro do Agá (332 m) que o ‘RoteiroDHN’ diz ser ‘facilmente reconhecível por sua forma cônica e por se achar isolado junto ao mar’.   

AS. No tempo de Luís Teixeira, ainda não havia precisão em definir coordenadas. Na época de Max Justo Guedes, elas já eram precisas. Talvez tenham ficado mais ainda com os meios eletrônicos, pois, no “Google Earth”, o paralelo 21º S passa pouco ao norte da foz do rio Itapemirim, que tomo como um dos limites do que denomino Ecorregião de São Tomé. Com essa informação, devemos descartar as serras do Itapemirim, do Pico, do Frade e a Freira e o monte Agá, que já ficaram para trás. Ao olhar para o interior, Luís Teixeira divisaria da costa as montanhas esculturais do sul do Espírito Santo e do norte do Rio de Janeiro.

            Confesso não conhecer alguma serra com o nome de Itabapoana. As “serras muito altas na orla do mar” parecem corresponder às falésias de tabuleiros que dominam a costa entre os rios Itapemirim (ES) e Manguinhos (RJ). No século XVI e por muito tempo ainda, toda essa costa era coberta de florestas. Correndo ao largo dessas falésias, o navegante poderia ver serras do cristalino, como a Pedra Lisa, o morro do Baú e o morro do Coco. Quanto à Serra de São Tomé, era o nome dado ao pequeno e baixo maciço do Itaoca, visto por quem passasse pelo cabo de São Tomé. Quando Luís Teixeira produziu seu roteiro, a serra de São Tomé já estava presente na cartografia europeia, correspondendo ao morro do Itaoca. Registro minha estranheza com a localização de Luís Teixeira da serra de São Tomé em ponto tão distante. Minha estranheza é a mesma com relação ao comentário de Guedes, pois Luís Teixeira já contava com uma grande tradição cartográfica. Vários acidentes por ele apenas descritos já estavam batizados.

  

3 - Falésias de tabuleiros no sul do Espírito Santo

LT. “e junto com o monte que sai ao mar mais que todos os outros, há uma ilhota que parece poço sem a ver”.
MJG: “A observação da Carta Brasileira nº 1400 mostra ser ela a ilha do Francês, na extremidade meridional da baía de Benevente, a cerca de 2 milhas da costa e a ela ligada por um baixo.”
AS: Como já assinalamos, Luís Teixeira se refere à costa do mar ao sul do paralelo 21º S, que quase toca a foz do rio Itapemirim. A baía de Benevente ficou para trás a esta altura. Tampouco ele se refere a uma ilha ligada ao continente por um cordão arenoso, fenômeno atualmente conhecido como tombolo, ou seja, uma ilha capturada por uma língua de areia, como a restinga da Marambaia. No século XVI, ela ainda podia estar isolada do continente, ligando-se a ele posteriormente. No paralelo 21º07’ S, num ponto em que um pequeno cabo pouco acima da lagoa das Pitas faz a costa infletir para sudoeste, há um conjunto de ilhas quase a flor do mar que deveriam ser mais aparentes no século XVI, pois que derivadas da erosão das falésias de tabuleiros.
LT. “Da banda do noroeste atrás há outras duas ilhotas de pedra, muito rasas como o mar”.
MJG: “Ainda na mesma Carta Brasileira pode ser feita a identificação. São as ilhas Piúma, no interior da baía de Benevente.

AS: As ilhas mencionadas pelo estudioso estão praticamente encostadas no continente, num ponto muito raso e perigoso para a navegação. No conjunto de ilhotas resultantes de erosão costeira, há algumas que deveriam ser mais visíveis no século XVI. Parece que a dimensão temporal não foi considerada por Guedes. As ilhas de tabuleiros poderiam perfeitamente ser confundidas por pedra.


4 - Ponta do Retiro em São Francisco de Itabapoana. Foto de Wellington Rangel

LT. “E como for lesueste ou esnoroeste desta ilhota maior. E olharei contra o nornoroeste e verei as outras duas pequenas, e se olhar contra oeste, verei um monte afastado um pouco do mar muito alto a pique”
MJG: “O morro Bobo, que aparece nesta posição (levando-se em conta a declinação magnética da época), é o referido pelo roteirista”.
AS: na direção apontada pelo navegante, há um morro com altitudes acima de mil metros.
LT. “... e mais à banda do sudoeste verei uma montanha muito grossa e alta que não se mete entre ela e o mar senão terra chã cheia de arvoredos”.
MJG: “O morro do Garrafão (910 m) satisfaz plenamente a esta descrição, como pode ser verificado na Carta 1400 e no ‘Roteiro – DHN’, pois eleva-se completamente isolado no meio da planície.”
AS. Luís Teixeira deve estar passando na costa da restinga de Marobá, no extremo sul do Espírito Santo. Trata-se da menor restinga da Ecorregião de São Tomé, encravada numa antiga enseada de tabuleiros. No século XVI, devia ser toda coberta de vegetação de restinga, hoje bem reduzida. Na sua ponta sul, desemboca o rio Itabapoana. Luís Teixeira ainda não deve ter alcançado a costa da planície fluviomarinha do norte fluminense. Ao fundo, as elevações no planalto cristalino não têm muita altitude, mas podem ser vistas do mar. Se essa pedra coincidir com o morro do comentarista, o salto dado na análise dele terá sido descomunal.
LT: “... e mais adiante pela costa além do dito monte que sai ao mar, verei um monte muito alto e muito agudo com cerca de 6,7 léguas adiante, e este verei se andar 4 ou 5 léguas da terra o qual monte está em altura de 21° graus e ali fenecem todas as serras grandes que vêm  da banda do nordeste.”
MJG: “Veja-se o ‘Roteiro – DHN’ (I, pág. 360): ‘O morro Baú, grossa montanha de cimo achatado, em cuja escarpa W se eleva um obelisco muito notável, denominado Pedra-Lixa (1.150 m). Este apresenta, principalmente quando a SW, o perfil de um quepe com penacho; aumentando a marcação o penacho desaparece, para só deixar visível uma grossa montanha isolada, ‘que é a última que se vê ao N’” (grifo do comentarista).
AS: Parece que os ponteiros do relógio de Max Justo Guedes estão se regulando aos do meu. Estamos ambos de acordo que se trata da Pedra Lisa, tratada por ele de Pedra-Lixa, talvez pela lisura de seu pico. Se eu estiver certo, Guedes pulou do paralelo 20°50’ para o 21º S. Vim acompanhando Luís Teixeira passo a passo e cheguei, sem nenhum salto, no mesmo ponto em Guedes chegou, ao que parece pulando um grande trecho costeiro.
LT. “... e dali começa outra terra chã que tem alguns montes agudos e altos e dali aparece outra montanha grande e muito alta e grossa que está em 22 graus que se chama a serra de Santo André”.
MJG: “Ao cabo da interrupção que vimos existir após o morro do Baú, inicia-se outra série de serras  que correndo a SW vai se unir às terras altas do Rio de Janeiro; a primeira delas é a serra da Onça, na margem esquerda do rio Paraíba, em sua junção com o Muriaé; tem cerca de 1400 metros de altitude e apresenta três elevações distintas. É isolada e bem característica” (‘Roteiro – DHN’, I, pág. 362). Julgamos ser esta a serra que o ‘Roteiro da Ajuda’ (e só ele, ao que saibamos) chama de Santo André. Segue-se-lhe a serra das Almas, que começa na margem direita do Paraíba e vai se unir à serra dos Órgãos.’
AS. Não tenho dúvida de que a serra das Almas mencionada por Guedes trata-se do primeiro segmento da serra do Mar, que se estende de Santa Catarina à margem direita do rio Paraíba do Sul, nas proximidades da cidade de Campos dos Goytacazes. Serra dos Órgãos é um nome local da Serra do Mar no sul fluminense. No norte fluminense, o nome local é serra do Imbé. Na margem esquerda do rio Paraíba do Sul, as elevações do terreno são baixas. As principais são as serras do Sapateiro, São Luís e Onça. Esta se localiza a 21°31’ S e alcança em torno de 400 m. Concordo com Guedes que ela pode corresponder à serra de Santo André.
LT. “... em que há uma restinga que entra dentro no mar 3 ou 4 léguas e é todo banco de areia e dar-lhe-ei aquele resguardo que me parecer que logo verei na serra de Santo André um pico muito alto como um castelo e este é o melhor conhecimento que se tem. Há muito bom mar para surgir, muito limpo de areias e assim mesmo fica da banda do nordeste uma montanha muito grande e muito grossa com um pico muito agudo e delgado todo. À orla do mar arvoredos de palmas e de outras maneiras de árvores. E defronte desta montanha grossa que se chama de Santo André, há duas ilhotas que aparecem porque estão. E em uma há água. E em outra não.”
MJG. “Veja-se o que diz do famoso banco de São Tomé o ‘Roteiro – DHN’: ‘Ao largo do cabo de São Tomé está situado o banco de São Tomé, alto-fundo de areia que na distância de cerca de 2 milhas da costa, na latitude do farol de São Tomé, desta para e por cerca de 9 milhas, tendo  sua maior largura cerca de 2 milhas. Constituído de areia fina, apresenta alguns cabeços, dos quais o menor, situado na parte W, tem 3,3 metros (I, pág. 362)’. Como vemos, foi notável a precisão do roteirista dos quinhentos, pois orçou em 9,6 a 12,8 milhas (3 a 4 léguas) o comprimento do banco, que tem hoje 9 milhas; deu-lhe, outrossim, a constituição (‘é todo banco de areia’).”

“Diz o ‘Roteiro – DHN’ que na serra das almas já mencionada o ‘pico do Frade... é o único que se destaca da serra de igual elevação; ele tem uma das faces a pique e 1620 metros de altitude (I, pág. 364)’. Cremos que esta descrição do Frade caracteriza perfeitamente o ‘pico muito alto como um castelo do ‘Roteiro da Ajuda’”.
AS. Quanto ao cabo de São Tomé e o banco de areia dentro do mar, que resultou de um longo processo de erosão, Teixeira, Guedes e eu estamos de acordo. Considero estranho que Luís Teixeira não tenha reconhecido o cabo pelo nome, pois ele está assinalado e nomeado na sua carta de 1586. Moacyr Soares Pereira, em “A navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio” (Brasil: ASA Artes Gráficas, 1984), escreve: “Cavério e os outros dois mapas (de Kunstmann II e de Maggiolo) somente consignam uma serra à altura do Cabo de São Tomé atual, no estado (atual) do Rio de Janeiro, a ‘Serra de Sam Tomé’, nome por que logo ficou conhecido o cabo existente no sítio onde a costa sofre brusca inflexão para oeste-sudoeste. Faz sentido que a(s) elevação (ões) vista(s) ao fundo do cabo, no continente, fosse(m) o morro do Itaoca (com cerca de 400 m de altura) e a serra do Imbé, ainda mais distante. Eu não me arriscaria a buscar precisão em Luís Teixeira quanto a essas elevações.  






























5 - Cabo de São Tomé

Quanto às ilhotas, MJG escreve: “São elas as ilhas de Santana, fronteiriças à ponta de Imbitiba, grupo formado por duas ilhas ou três ilhotas, a maior delas com 141 m de altitude a visível a 20 milhas”.
AS. Da minha parte, estranho que Luís Teixeira não tenha identificado pelo nome o arquipélago de Santana, ponto de parada obrigatória de navegadores europeus que se dirigiam a Cabo Frio ou à baía do Rio de Janeiro. Jean de Léry, antes dele, e Gabriel Soares de Sousa descreveram o conjunto de ilhas com bastante precisão. A identificação do pico do Frade parece correta.
LT. “E terei aviso que me não prolongarei da terra ao sul cerca de 3 ou 4 léguas que me pareça da terra em torno de 12 léguas ao mar”.
MJG: “Diz o ‘Roteiro – DHN’, confirmando cabalmente esta advertência do roteirista da Ajuda: ‘do cabo de São Tomé até a ponta de Imbitiba, numa extensão de cerca de 50 milhas, a costa é extremamente baixa e arenosa e tem a direção geral de WSW’. Sendo ‘extremamente baixa’, é lógico que o navegante avisado pareceria estar mais distante.”
AS. De fato, do cabo de São Tomé à ponta de Imbitiba, na foz do rio Macaé, a costa é toda de restinga, numa grande extensão por não haver nenhuma interrupção. Ainda não existia a vala do Furado. Também não se tem certeza de que a lagoa de Carapebus era um rio que mantinha sua barra permanentemente aberta.

            Começamos a análise do “Roteiro da Ajuda”, de Luís Teixeira na foz do rio Itapemirim e a concluímos na foz do rio Macaé, os limites supostamente estabelecidos da Capitania de São Tomé e da ecorregião de São Tomé. E sem dar saltos. E a conclusão é a desconhecimento ou de interesse da costa que se estende do rio Itapemirim ao rio Macaé. Ela era e continua sendo constituída por terras sem portos naturais, como enseadas e fozes protegidas (algo que deveria ser observado pelos construtores dos píeres do canal da Flecha, em Barra do Furado, do Porto do Açu e da praia artificial de Marataízes. Em comparação com as terras da Bahia para o norte e de Cabo Frio para o sul, o trecho costeiro que examinamos não parecia contar com riquezas facilmente encontráveis, como pau-brasil e metais preciosos. Além do mais, pairava sobre ela o mito de que era habitada por índios ferozes. A única experiência de colonização europeia do século XVI foi a de Pero de Gois, sabidamente fracassada.


6 - Baía do Rio de Janeiro (Guanabara) em carta de Luís Teixeira