sábado, janeiro 19, 2019

Desverticalização nacional e re-verticalização global no setor de gás no Brasil: a contradição liberal

Cena 1: Dia 16 jan. 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu liminar que impedia venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da Petrobras que detém como ativo uma malha de 4,5 mil km de gasodutos no Norte e Nordeste do País. Sobre o assunto leia aqui postagem anterior do blog em 25 abr. 2018.

Cena 2: Dia 17 jan. 2019, a corporação francesa Engie que opera no setor de energia (gás e eletricidade) em várias partes do mundo, informa que pretende retomar e finalizar as negociações em consórcio com o fundo de pensão canadense Caisse de Depot et Placement du Quebec (CDPQ) para compra da TAG  por um valor estimado entre US$ 8 bilhões e US$ 9 bilhões.

Cena 3: Dia 17 jane. 2019, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) em ofício ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) defende a desverticalização completa da indústria de gás no país".

Cena 4: Dia 17 jan. 2019, a mesma Engie informa que está avaliando investir no setor de distribuição de gás natural no Brasil e diz que esse interesse faz parte da "estratégia da corporação  de aumentar os investimentos no Brasil e de entrar em negócios que aproxime a empresa de consumidores finais com aquisição de distribuidoras estaduais de gás". Através do CEO (presidente) da Engie Global, Maurício Bähr, disse ainda que através da subsidiária Engie Brasil Energia (EBE) pretende mais: "o Brasil é um país que oferece oportunidades que têm escala. Você consegue fazer uma alocação de capital de porte, robusta".

Ato Final e Conclusões: Em dois dias apenas se observa com clareza a lógica dos movimentos. Enquanto os governos mercadistas do Brasil desmontam e desverticalizam o setor de óleo & gás e eletricidade no país, as grandes corporações globais aproveitam a oportunidade e compram em bloco as empresas, na prática re-verticalizando o setor, não mais sobre o controle estatal dessa área estratégica, mas sob os domínios de uma corporação privada estrangeira. É importante relembrar que o setor gás natural é ainda mais estratégico, porque se trata da matriz de transição de energia, menos poluente.

Desde 2016, consultores, lobistas e escritórios de advocacia contratos pela Engie escrevem para os burocratas do governo e parlamentares, o marco regulatório que desejam para o setor de gás. Lá deixam as brechas (chamadas de flexibilidade) para ditar regras do mercado onde as tarifas definirão as enormes margens de lucro e as possibilidades de saída e venda do setor na hora que quiserem.

Esse processo eu já analisei mais profundamente em artigos aqui no blog e também em publicações acadêmicas. Para resumir e melhor explicar esse processo elaborei um infográfico (abaixo) que expõe esses movimentos que podem ser observados em detalhes em cada um desses setores, mas que mantém sempre a mesma lógica.

É importante destacar, inclusive, para aqueles com mentes colonizadas (ou os conhecidos cabeças de planilha) do mercado financeiro, que não há justificativas para o crime de lesa-pátria que produz o esquartejamento e venda, a preço vil dos negócios das subsidiárias da holding Petrobras.

Na verdade esta é uma enorme contradição não respondida pelos liberais. Eles dizem que é preciso privatizar para aumentar a competitividade dos setores, mas na prática, o que se vê em curso é a oligopolização, ou mesmo monopolização de setores estratégicos. Não mais nas mãos do governo e sim de corporações privadas. Esses movimentos reproduzem decisões políticas daqueles que chegaram ao poder pelo apoio do poder econômico dessas corporações.

Sim, é preciso cuidar da corrupção, especialmente essas de maior volume e danos para a nação. Esse tipo de corrupção - pouco percebida - sempre é travestida de abstratos aspectos de legalidade, por parte daqueles que operam no Estado, os interesses privados.

  Fonte: Tese de doutorado do blogueiro (p.205) cujo título é "A relação transecalar e muldimensional "Petróleo-Porto" como produtora de novas territorialidades". PPFH-UERJ, defendida em março 2017. P. 222.


Um comentário:

Flavio Lara disse...

Parabéns Prof. Moraes.
Acrescento que o atual governo federal que se diz patriota, abre mão de setores estratégicos fundamentais para a soberania de nosso pais, porque estruturantes para sua economia e sua indústria. E entrega sua soberania ao capital internacional e sua máquina especulativa no mercado internacional desses bens essenciais, potencializada pela especulação do capital financeiro no seu segmento mais destrutivo - o do capital improdutivo - voltado para o enfraquecimento de nações emergentes (imagine o caso Brasil onde o atual discurso politico se diz "nacionalista" (????) e o empobrecimento dos povos, através de uma voraz e desumana concentração de renda.
Parabéns novamente, siga sua jornada da melhor contribuição para alertar a opinião pública tão massacrada por desinformação em seu próprio detrimento.