domingo, janeiro 27, 2019

A tragédia produzida pela Vale varre com lama a comunidade de Brumadinho e nossas esperanças de um Brasil soberano e menos desigual, mas é fruto de uma ganância desmedida e de um "modus operandi" do capitalismo financeiro global

O ranking das maiores mineradoras do mundo pode ser medida por várias métricas. As duas mais significativas: volume de produção e volume de dinheiro obtido.

A Vale é a segunda maior mineradora do mundo. A primeira é a australiana BHB Biliton. Porém, a Vale é a maior mineradora do mundo, quando se trata da extração e produção de minério de ferro.

As duas juntas Vale e Biliton são ainda donas da Samarco, a responsável pela grave tragédia do rompimento da Barragem de Fundão que atingiu comunidades do município mineiro de Mariana no final de 2015. A terceira maior mineradora do mundo é a, também australiana Rio Tinto que hoje é uma holding também controlada por ingleses e com sede em Londres.

A Vale do Rio Doce foi criada com empresa estatal pelo governo federal através de Getúlio Vargas em 1942. Já em maio de 1997 no ensaio neoliberal de FHC, quando já era muito lucrativa, e no momento em que já se pressentia a grande expansão da demanda chinesa por minério de ferro, a Vale foi privatizada e passou a ser comandada por bancos e fundos financeiros. Nessa época principalmente pelo Bradesco.

Em outubro de 2018, a Vale tinha R$ 318 bilhões como valor de mercado. Hoje, em 2019, o controle acionário da Vale está mais diversificada: 52% dos seus acionistas estão espalhados pelos mercados de ações chamados de outros. Hoje, praticamente metade dos acionistas da Vale é de investidores estrangeiros. Aqui no próprio site da Vale, a empresa assume que 47,7% dos acionistas da Vale são investidores estrangeiros.

Além desses 52%, outros 19% das ações da Vale são da Litel Participações S.A. que tem entre seus controladores o fundo financeiro “Bb Carteira Ativa" que possui 78% dos 19 % da Vale. Ou seja, o Banco do Brasil tem na prática 15,1% da Vale. O BNDES do governo federal através da BNDES Participações possui 7,6%. O Bradesco, através da Bradespar possui 6,3%das ações. O maior fundo financeiro do mundo, o BlackRock possui outros 5,98%, enquanto a corporação japonesa Mitsui & Co., Ltd possui 5,4% das ações da Vale.

Mesmo sem ter o perfil dos donos dos 52% da Vale, não é absurdo dizer que a Vale, assim como as grandes corporações do mundo, passaram a ser administradas por CEOs, membros de conselhos, diretores e gerentes indicados pelos bancos e fundos financeiros.

Como empregados desses fundos, esses administradores passaram a ser contratados com metas e prazos para obter resultados e produtividade. O cumprimento dessas metas gera bônus milionários. 

Os fundos financeiros globais passaram a comandar várias empresas do mundo Para ter uma ideia dessa dimensão, só o fundo americano Blackrock possui ativos de US$ 5,98 trilhões, o que equivale a R$ 22 trilhões, valor equivalente a 700 empresas do tamanho da Vale. Dado que mostra o poder dos fundos financeiros sobre as empresas e seus dirigentes. 

Assim, o controle dos fundos muda a forma de gerir as empresas, especialmente, se comparado com a época em que a mesma com empresa estatal tinha o seu desenvolvimento, mesmo com problemas, atrelado à ideia de um projeto de nação. 

A mudança nessa forma de atuar leva a novos procedimentos e à uma impressionante pressão por produção sobre os dirigentes dos complexos produtivos e bases operacionais. Entre esses se tem o caso da Samarco (em que são sócias a BHP Biliton e Vale) em Mariana e também inclui o Complexo de Paraopebas, instalado no município de Brumadinho, local desse novo crime da Vale ocorrido na última sexta-feira, 25 de janeiro de 2019.

Os processos, protocolos e a lógica são os mesmos. Dessa forma, os territórios onde são (estão) instalados as bases operacionais passam a ser controlados por essas corporações, diante do seu imenso poder econômico que controla e preside também o poder político em suas várias escalas. 

Esses dirigentes e membros de conselhos costumam ficar pouco tempo nessas corporações. Depois migram para outras companhias. Por isso, esses dirigentes possuem mais compromissos com os portfólios de suas carreiras do que com as corporações. Muito menos ainda com as comunidades impactadas a atingidas nos locais onde há a exploração e geração da riqueza minerária.

Dessa forma, a produção não para de crescer. No Brasil em 2017, a produção de minério de ferro, agora com o projeto altamente automatizado S11D na Serra dos Carajás, o volume chegou a 366 milhões de toneladas. Em 2018 chegou a cerca de 390 milhões e a previsão era de chegar a 400 milhões de toneladas de minério de ferro este ano. Seguindo a rotina de metas e reduzir prazos. 

Assim, através da produção e da alta produtividade, com baixos custos de produção - de licenciamentos e barragens baratas – obtidas com a gestão de burocratas de MBAs das minas e de toda a mineradora, que serão extraídos os lucros e rendimentos obtidos com a venda do minério no mercado internacional.  

No andar superior onde minério é vendido é transformado em dinheiro, após a etapa de circulação dessa mercadoria, obtida no interior das minas - e com as lamas de seu beneficiamento, guardada em barragens mais ou menos seguras - os verdadeiros donos dessas companhias comemoram os resultados.

Os dinheiros obtidos com as vendas dessa extração mineral, vai engordar o capital - sob a forma de lucros e rendimentos - o patrimônio líquidos dos maiores fundos financeiros espalhados pelo mundo. 

Assim, o patrimônio desses fundos crescem de forma exponencial, sem sequer se lembrar e sem muito menos nenhum compromisso com as comunidades atingidas que eles gostam de chamar de “stakeholders”. Também sobem os salários e os bônus ganhos pelos CEOs e dirigentes dessas corporações.

Na disputa intercapitalista global os problemas na Vale - com ou sem mortes e danos ambientais - podem ainda interessar as suas concorrentes. Porém, de forma especial, podem servir aos donos dos dinheiros que estão aplicado nos fundos financeiros globais e que hoje controlam esse e outros tipos de produção pelo mundo.

No atual estágio da política na nação brasileira, a entrega dos bens naturais e empresas brasileiras, o caso de Vale pode ser apenas mais uma desgraça que se junta à lama que matou mais de 300 trabalhadores e moradores da comunidade de Brumadinho, mas vai varrendo todos nós brasileiros para o fundo de um buraco “sem fundo”.

PS.: Atualizado às 22:52: Para acréscimo de um parágrafo sobre volumes de produção de minério de ferro em 2017 e 2018.

PS.: Atualizado às 23:56: Em 2017, o presidente CEP da Vale recebeu entre salários e bônus a quantia de R$ 60 milhões. Repito. Apenas nesse ano. Também em 2017, a remuneração média dos diretores da Vale foi de R$ 12,4 milhões. O diretor da Vale com a maior remuneração em 2017 recebeu R$ 19 milhões. Essas informações ajudam a ilustrar parte dos argumento do texto.

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