sexta-feira, janeiro 29, 2021

Arrocharam os cintos, seu patrão é um aplicativo, a empresa e o Estado uma plataforma e o império anuncia que não sumiu!

O mundo se transforma e isso não devia ser chamado de progresso, sem que se pergunte para quem? A partir do trabalho digital o seu chefe agora é um aplicativo (App). A empresa-plataforma é a propriedade que controla, em boa parte, o modo de produção no capitalismo contemporâneo.

Plataforma pelo dicionário é “uma superfície plana e horizontal, mais alta que a área circundante”. A definição explica bem essa nova fase do capitalismo. A plataforma se torna a propriedade a partir da posse de nossas informações “dataficadas” (nova commodity). 

Essa captura dos dados gerados pelos cliques, curtidas, likes, comentários, navegações e engajamentos mobiliza as plataformas de mídia que usam "marketing one to one" que permitirá o mercado de produtos e serviços, atenda, através do algoritmos, interesses e desejos de consumidores. Desta forma, se efetivou a "indústria" do engajamento.

Assim, as plataformas digitais passaram a realizar a intermediação entre a produção e a comunicação, ligando produtores e consumidores e articulando grupos em diferentes partes do mundo. As plataformas-digitais não produzem riquezas, mas se apropriam de porções maiores dos lucros de todos os setores da economia, a partir do controle da comunicação e apropriação dos nosso dados.

As plataformas como meios de produção (e-commerce) e meios de comunicação (mídias digitais) constroem seus “modelos de negócios” entre o intangível digital e a materialidade da infraestrutura de logística, aplicativos, veículos de streamings e jogos para entretenimento.

Assim, as empresas-plataformas e os aplicativos (Apps) se espalham por todos os setores da economia (frações do capital) em velocidade espantosa envolvendo diferentes  atividades no capitalismo contemporâneo: finanças (fintechs, home-banking); educação (eTech); agronegócios (agTech); alimentação e comida (foodTech); saúde e bem-estar (healtTech: terapia e consultas on-line, exames etc.); marketing (marTech ou adTech: mídia, publicidade direcionada e de engajamento etc.); jurídico (lawTech ou legalTech: legislação, petições automáticas, resolução de conflitos e negociações); negociação de imóveis (propTech: vendas e aluguéis); logística de entrega (delivery de produtos, embalagem, mediação com pagamento, etc.); comércio eletrônico (e-commerce); gestão de documentos etc.


A tecnologia vem de longe e sempre dependerá do trabalho humano 

Vale registrar que a tecnologia sempre foi fator importante em nossas vidas. Não existe tecnologia sem o fator trabalho. Sendo assim, é preciso afastar esse falso mito da tecnologia sem o ser humano. A tecnologia sempre prescindiu do sujeito e isso vem lá de trás, antes até da Revolução Industrial quando a tecnologia se transforma em fator de produção. A tecnologia vem de longe e sempre dependerá do trabalho humano, mas o inaceitável é o atual e crescente nível de apropriação de renda e riquezas que nos trouxeram à neoescravidão do presente.

Anteriormente, a inovação estava quase que exclusivamente vinculado à produção, às máquinas, automação e também à organização do trabalho, desde o taylorismo/fordismo ao Toyotismo. Agora no trabalho digital, no plataformismo, o trabalhador é controlado e supervisionado por gestão algorítmica.

Além de ver o trabalho precarizado e parte de sua renda vampirizada, através de enorme extração de valor com perda de direitos, o trabalhador contemporâneo quase que implora para ser explorado e sobreviver, como o servo em relação ao senhor do capital-plataforma, no feudalismo digital dos dias atuais.

O pesquisador inglês Guy Standing já previa no seu livro “The corruption of capitalism” há alguns anos – e poucos conseguiam sequer avaliar do que se tratava – que até 2025, um terço das transações relativas ao trabalho já estaria se dando através das plataformas digitais. A pandemia acelerou isso a um grau alarmante.

Um App como chefe e supervisor da produção, despersonaliza e desumaniza as relações de trabalho, antes já bem deterioradas. Essa relações passam parecer parte de um jogo, em que o trabalhador espoliado, sonha passar de fase, enquanto envelhece e vê suas forças serem sugadas, sem direitos e sem maiores perspectivas e sonhos.

A cobrança por produtividade é feita pelo App de um celular, um algoritmo que esconde o rosto do chefe da cobrança, expõe uma falsa igualdade, a ilusão da meritocracia e escancara a racionalidade neoliberal.


A aliança entre a dominação tecnológica, startupização e a financeirização

Tudo isso reforça a interpretação de que o “plataformismo” se estabelece como nova etapa do “Modo de Produção Capitalista” e um novo ciclo de acumulação, leitura que compartilho com o pesquisador francês François Chesner, grande estudioso do processo de financeirização já há décadas.

Aliás, não há como observar essas transformações das empresas em plataformas e o trabalhador controlado por aplicativos, sem observar que a lógica da plataformização na extração de valor é parte da estratégia da hegemonia financeira, refletida no movimento dos fundos financeiros e na engenharia dos derivativos do mercado de capital. 

Assim, é fácil observar o avanço, não menos espantoso, dos aportes de capitais de fundos, bancos e corporações. Elas explicam a atual dominação tecnológica, onde pontifica o gigantismo das Big Techs. Do ocidente ao oriente essas corporações alcançam individualmente valores de mercado superior a US$ 2 trilhões, juntas as seis maiores só dos EUA, valiam no início deste 2021, um total de US$ 8,1 trilhões.

Assim, se verifica a explosão de plataformas e ao que chamo de “startupização”, vinculada à financeirização e o plataformismo. Fundos financeiros aportam bilhões de dólares nas startups que em sua maioria são empresas-plataformas e empresas-aplicativos.

Mesmo no Brasil, na periferia do capitalismo tardio, entre 2011 e 2019, se vê um aumento de 20 vezes, no número de startups, que hoje já superam 13 mil, segundo a associação do setor, a Abstartup. No final de 2020, onze já eram de unicórnios, como os investidores gostam se se referir às startups que já alcançaram valor de mercado superior a U$ 1 bilhão ou mais de R$ 5 bilhões todas empresas-plataformas. Todas.

Em meio à “crise econômica” no Brasil, o volume de investimentos em startups alcançou US$ 7,5 bilhões nos últimos três anos. US$ 3,14 bilhões, só em 2020, ano da pandemia, metade desse valor foi alocado nas fintechs que receberam aportes de US$ 1,5 bilhão, confirmando a aliança entre a hegemonia financeira e a dominação tecnológica, que para o trabalhador se reflete na precarização e na gestão algorítmica escravizada do seu trabalho.


A hegemonia financeira sustentada no controle tecnológico passou a dominar a política e o Estado 

Em meio a todo esse processo é evidente que o poder econômico avançou ainda mais sobre o poder político. A dominação tecnológica hoje oligopolizada, foi paulatinamente, abandonando a estratégia de apenas influenciar a política.

A dominação tecnológica foi adiante e passou a dirigir e controlar o poder político e o Estado, sem que tenham adquirido representação para tal. Quem efetivamente tem poder exerce e não vai ficar aguardando regulações. Ao contrário age sobre quem tem papel institucional de regular. Esse controle foi escancarado, a partir das punições a autoridades de diversos países, independe das razões, que evidenciam as limitações da chamada democracia liberal ocidental.

Em síntese, no capitalismo contemporâneo, a hegemonia financeira foi passando a ser exercida em novo patamar de forma total e imperial, através da dominação tecnológica, que na prática se tornou fator de controle tanto sobre o trabalho, quanto sobre a política e a geopolítica.

Algumas lideranças mundiais já identificam os riscos sobre o esgarçamento civilizatório e a imposição da guerra de todos contra todos, que, talvez até possam considerar a barbárie como uma condição histórica nem tão ruim assim.      

Arroxaram os cintos, seus patrões se escondem nos aplicativos e plataformas e as autoridades estão nas mídias sociais controladas pelo império das finanças globalizadas. O piloto não sumiu e o império manda avisar que está mais presente e vivo que nunca!


PS.: Abaixo um infográfico que expõe a multidimensionalidade do fenômeno do "Plataformismo" que se traduz num esforço de síntese para a compreensão do "capitalismo de plataformas" e as transformações no "Modo de Produção Capitalista".  


PS.: Atualizado às 19:44: Com acréscimo de um parágrafo.

Municípios da Região da Bacia de Campos perdem 10 mil empregos em 2020

Os dados são do último Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e foram tabulados pelo professor, geógrafo, pesquisador e doutorando do IPPUR/UFRJ, William Passos. O texto e os dados foram publicados originalmente em seu perfil no Facebook e reproduzimos abaixo: 


𝗠𝗘𝗥𝗖𝗔𝗗𝗢 𝗗𝗘 𝗧𝗥𝗔𝗕𝗔𝗟𝗛𝗢 𝗡𝗢 𝗟𝗜𝗧𝗢𝗥𝗔𝗟 𝗡𝗢𝗥𝗧𝗘 𝗗𝗔 𝗕𝗔𝗖𝗜𝗔 𝗗𝗘 𝗖𝗔𝗠𝗣𝗢𝗦 𝗘𝗡𝗖𝗘𝗥𝗥𝗢𝗨 𝗗𝗘𝗭𝗘𝗠𝗕𝗥𝗢 𝗚𝗘𝗥𝗔𝗡𝗗𝗢 𝗩𝗔𝗚𝗔𝗦, 𝗠𝗔𝗦 𝗘𝗟𝗜𝗠𝗜𝗡𝗢𝗨 𝗤𝗨𝗔𝗦𝗘 𝟭𝟬 𝗠𝗜𝗟 𝗘𝗠𝗣𝗥𝗘𝗚𝗢𝗦

Dados divulgados nesta quinta-feira (28/01) pelo NOVO CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, apontam que, apesar da pandemia, Macaé gerou 843 vagas de trabalho no mês de dezembro de 2020 impulsionadas pelo setor de Serviços. Também sob o impulso da venda de Serviços, Carapebus e Quissamã foram os outros dois únicos municípios que terminaram o mês (saldo positivo de 5, nos dois casos) gerando emprego no Litoral Norte da Bacia de Campos. Por outro lado, os Serviços foram a causa da eliminação de postos de trabalho em Campos dos Goytacazes (nesse caso, junto com a Agropecuária), que fechou dezembro com 431 contratos com carteira assinada a menos. Já em São João da Barra foi a Construção Civil a grande responsável pelo fechamento de 114 vagas de emprego. Apesar do desempenho nestes dois últimos municípios, porém, o Litoral Norte da Bacia de Campos finalizou dezembro gerando 308 oportunidades de trabalho.

Num ano atípico, de quase total paralisação das atividades pelos impactos da Covid-19, a Região eliminou quase 10 mil empregos (9.871). Somente Macaé destruiu 7.366 vagas de trabalho em todos os seus setores – Serviços (-2.964), Indústria (-2.521), Construção Civil (-1.518), Comércio (-352) e Agropecuária (-11). São João da Barra, por sua vez, eliminou quase 3 mil contratos celetistas (-2.823), registrando saldo negativo em todos os seus setores – Construção Civil (-2.796), Serviços (-95), Comércio (-15) e Agropecuária (-1) –, menos a Indústria (saldo positivo de 84).

Por outro lado, Campos dos Goytacazes (saldo de 281), Quissamã (saldo de 31) e Carapebus (saldo de 6) encerraram o difícil ano de 2020 abrindo vagas. No caso de Campos e Carapebus, as vagas foram impulsionadas pela geração de empregos no setor de Serviços (saldo positivo, respectivamente, de 617 e 13 empregos), enquanto em Quissamã foi a Indústria, com a abertura de 29 contratos, que favoreceu o desempenho. 

Os dados foram tabulados e analisados pelo Observatório das Metropolizações, projeto de extensão ligado à pesquisa de Doutorado desenvolvida no IPPUR/UFRJ pelo geógrafo William Passos, também pesquisador do OBPETRO.

quarta-feira, janeiro 13, 2021

Os governadores precisam agir contra a 2ª onda da Covid no Brasil e ir além da inconsequente disputa pela vacina

A insana e inconsequente guerra política pela vacina no Brasil está impedindo enxergar que mesmo com o início da vacinação (para fotos de Bolsonaro e/ou Dória), ela não impedirá que os estados decidam por novos lockdowns (parciais e/ou totais) no país.

Já se sabe que a segunda onda está sendo muito mais veloz e violenta que a primeira nos EUA e Europa. O Reino Unido já faz vacinação há mais de um mês, e, ainda assim, há mais de uma semana decretou seu 3º lockdown, que vai durar pelo menos até meados de fevereiro. Ainda assim, ontem o Reino Unido bateu o recorde desde o início da pandemia com 1.564 mortos. Também ontem os EUA teve o triste recorde de 4.327 mortos por Covid num único dia.

Na primeira onda da pandemia no Brasil, foram os governadores que puxaram a prevenção que salvaram milhares de vidas. De lá para cá, pressionados por cima pelo desgoverno Bolsonaro e por baixo pelos prefeitos, preocupados com suas reeleições, os cuidados dos governadores foram sendo, paulatinamente, suspensos.

Tenho dúvidas se hoje conseguiriam convencer sobre a necessidade de ampliar o isolamento social, mesmo com a tendência quase certa do agravamento da situação em quase todo o Brasil, de forma diversa do que ocorreu na primeira onda lá em abril e maio.

Num país sem governo, tudo vai se transformando num salve-se quem puder, em meio à briga política pela vacina, que é super bem-vinda e necessária, mas não produz os efeitos, em termos coletivos, em prazo curto.

Por isso, as discussões atraídas pela politicagem são indevidas, se o o objetivo for cuidar das pessoas. Os genocidas nunca farão isso. Tem-se aí mais uma responsabilidade histórica.

segunda-feira, janeiro 11, 2021

Fundos financeiros batem todos os recordes no Brasil e atingem R$ 6 trilhões de patrimônio no ano da pandemia

Enquanto se tem notícia do fechamento da Ford, demissão de milhares de bancários e fechamento de quase mil pontos de atendimentos no Banco do Brasil, em um país que já tinha mais de 15 milhões de desempregos, o setor financeiro não para de crescer e acumular rendimentos e lucros.

Com os números fechados do ano de 2020 da Anbima, os fundos financeiros conseguiram fechar o trágico ano de 2020, com um patrimônio líquido de R$ 6 trilhões, superior em mais de 10% o já muito alto patrimônio dos fundos financeiros no ano passado.


Nos últimos doze anos, o patrimônio dos fundos mais que triplicaram de R$ 1,9 trilhão para R$ 6 trilhões e cada vez controlam mais empresas (e ativos) em diferentes setores da economia. Em especial, estão nos últimos quatro anos adquirindo a preço de xepa o controle acionário das empresas estatais que estão sendo privatizadas.

Com R$ 6 trilhões de patrimônio líquido, os fundos financeiros já passaram de 80% de todo o PIB do Brasil, embora seja uma comparação meio indevida, porque o PIB é renda e anual, enquanto o valor do patrimônio dos fundos é valor de mercado, portanto em capital fictício.

Assim, os investidores dos fundos financeiros vão conduzindo a enorme extração de valor da produção real nesta escalada da hegemonia financeira do capitalismo contemporâneo. Tudo isso num nível que caminha para esgarçar o sistema e se torna um dos elementos que ajudam a explicar o porquê das bolsas de valores, o mercado de capitais e os fundos financeiros fazem sucesso e batem recordes, se desgarrando cada vez mais da economia real, onde a população trabalhadora que produz a riqueza sofre.

quarta-feira, janeiro 06, 2021

Negócios no setor de gás do fundo americano EIG que controla a Prumo e o Porto do Açu

O fundo financeiro americano EIG, que controla a holding Prumo e o Porto do Açu, decidiu vender sua participação de 27,5% no gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) para investir em projetos de gasodutos que ligam o terminal portuário do Açu a outras conexões ligadas à bacia de Campos. Um ramal do gasoduto Gascav que liga Macaé a Vitória do projeto Gasog (46Km) e outro do projeto Gasinf (105 km) que ligaria o Açu a Macaé (Cabiúnas com 105 km).

Historicamente, vale lembrar que o fundo americano EIG assumiu em 2013, os ativos da antiga LLX que depois passou a ser chamada de Prumo, quando da derrocada de Eike e se transformou numa holding (grupo) que controla e é sócia de diversos negócios e empresas sediados no Porto do Açu, para além dos dois terminais portuários. 

Hoje o fundo americano EIG detém 76% da Prumo e outros 24% é controlado pelo fundo árabe Mubadala que avançou na participação acionária inicial, a partir das das dívidas das empresas de Eike (grupo EBX) com o fundo.
 
Assim, o fundo americano EIG entra e aproveita as facilidades geradas pela privatização dos gasodutos e o tal "novo marco legal do gás" Outro projeto anunciado pelo fundo americano é para um ramal de gasoduto offshore que traria o gás abundante do pré-sal para alimentar sua UTE (Termelétrica GNA) e outros projetos que demandariam esse insumo no Distrito Industrial.

Neste processo não é difícil identificar que o EIG está de olho nos gasodutos já instalados chamados de Rota (1,2 e 3), em especial o Rota 2 que liga a Bacia de Santos a Cabiúnas em Macaé.
 
Tudo isso confirma, o que comentei lá atrás quando previ que os fundos financeiros avançariam para todos os ativos que eram da Petrobras, em especial os de infraestrutura como terminais portuários, termelétricas e gasodutos.
 
Esse processo começou quando em 2016, o fundo financeiro canadense comprou a rede de gasodutos de cerca de 2,5 mil km, Nova Transportadora Sudeste, por US$ 5,2 bilhões. E logo depois o fundo também canadense CDPQ e a belgo-francesa Engie ficou com a rede de gasodutos da TAG (Transportadora Associada de Gás), a maior do Brasil com cerca de 9 mil km por US$ 8,6 bilhões.

Essas malhas de gasodutos são aquelas que esses fundos que adquiriam faturam em 18 meses meses de tarifas, o valor pago por todo o ativo que segue sendo operado pela Petrobras.

terça-feira, janeiro 05, 2021

China tenta impedir que a dominação tecnológica amplie a hegemonia financeira global a partir de suas Big Techs: Alibaba e Tencent

Há várias razões para se compreender a decisão regulatória tardia do governo chinês sobre a megacorporação chinesa do grupo Alibaba desde outubro, quando foi suspenso a autorização para o lançamento de ações (IPO) que seria o maior da história do mundo, estimado em quase US$ 40 bilhões. [1]

A partir desta decisão, o Ocidente de forma geral, passou a acusar Xi-Jiping de arbitrariedade econômica do partido único chinês, que inclusive já ganhou o apelido de Xi-nomics. Porém, o fato é que a Comissão de Regulação de bancos e Seguros da China e mesmo o Banco Central perceberam os imensos riscos de deixar que a dominação tecnológica avançasse para a hegemonia financeira controlada até aqui pelos bancos estatais chineses.

Controles e regulações similares sobre as corporações tecnológicas têm sido acenadas pela UE e pelos EUA, mas ainda se encontram circunscritos aos debates legislativos e judiciários, sem decisões finais que acabam envoltas em pressões e lobbies poderosos.

No meu livro sobre “A ´indústria´ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo” eu abordo de passagem (p.166), um relatório do FSB (Financial Stability Board, órgão de finanças do G-20), em 2018, cujo título é "FinTech and market structure in financial services: Market developments and potencial financial stability implications" que trata dos riscos inerentes à capacidade de atuação das Big Techs sobre o setor financeiro a nível global. [2] [3]

Outros relatórios posteriores foram divulgados pelo FSB, ampliando as preocupações, num contexto, que já considerava a ampliação do uso de tecnologias digitais e plataformas informacionais (Inteligência Artificial, Big Datas, algoritmos, robôs de mineração, etc.) no sistema financeiro, que cresciam com as fintechs, à margem do chamado sistema financeiro existente (privado e/ou estatal). A FSB insistia para o G-20 que esses riscos seriam razões urgentes de intervenções contra a explosão do sistema. Assim, se percebe que é nessa linha que a China resolveu agir para proteger seu sistema econômico, contra esse monopólio com poder de ação sobre todos os demais setores econômicos (frações do capital).

O capitalismo de estado chinês permitiu a liberdade de ação e de competição de mercado entre corporações dentro de seu planejamento (ou planificação, como queiram chamar). No caso das corporações de tecnologia (suas Big Techs) esse avanço nos últimos anos (em especial última década) foi colossal e, de certa forma, até superior ao que se vê na dominação das cinco Big Techs americanas com ação sobre todo o Ocidente e parte do Oriente.

Neste percurso, no final de 2019, as holdings chinesas Alibaba e a Tencent alcançaram um valor de mercado superior a US$ 700 bilhões cada uma delas que atuam em áreas distintas e complementares, desde o comércio de varejo e às redes sociais, jogos, etc. porém, ambas com atuação crescentes e ampliadas nos serviços financeiros e meios de pagamento.

As empresas AliPay da Alibaba e o We Chat Pay da Tencent oferecem empréstimos, corretagens, vendem seguros de todos os tipos e articulam fluxos financeiros os mais variados possíveis, a partir do uso dos meios de pagamentos que desenvolveram e que hoje atende a mais de 700 milhões de chineses. Estes mecanismos de pagamentos geram fluxos financeiros que superam ao usos de cartões de crédito no ocidente. Cartões que na China não chegaram a ser usados de forma maciça, sendo logo superados por estes meios de pagamento digitais móveis usados até para gorjetas e esmolas nas ruas.

Assim, com a enorme capilaridade que as plataformas destas corporações de tecnologia chinesas conquistaram junto aos seus usuários, a partir da captura dos dados e da tecnologia dos algoritmos (IA), que se alimentam das informações sobre os interesses e as rendas dos clientes, foi se efetuando essa potente aliança entre a dominação tecnológica e as centenas de mecanismos financeiros espalhados globalmente.

Tudo isso, foi potencializando os riscos, que tanto o FSB (G-20) quanto as autoridades chinesas foram percebendo, na medida em que o setor da finanças perpassa todos os demais setores da economia, ao exercer uma hegemonia que cada vez é mais evidente no capitalismo contemporâneo.

É preciso compreender claramente que não há como analisar a dominação tecnológica das plataformas digitais (plataformismo), sem observar as relações e o processo que reforça a hegemonia financeira na dinâmica contemporânea. Essa articulação une a reestruturação produtiva a um modo de produção capitalista de base monopolista, que amplia a utilização do sistema informacional e financeiro transfronteiriço e desregulado.

É disto que trata a disputa que se vê na geopolítica cibernética atual. A disputa pelo poder tecnológico que se desenvolve em várias dimensões. O uso exponencial e quase total das plataformas digitais traz repercussões para além da dimensão econômica e passa pela política e geopolítica. A dimensão economia é onde se tem a extração de valor do trabalho que sofre enorme precarização e à captura da riqueza pelo setor dominante da tecnologia e seus controladores. Assim, digitalização e financeirização andam juntas.

Neste processo se vive hoje também o que chamo de “startupização” com inúmeras empresas-plataformas criadas em incubadoras e universidades. Essas startups são depois adquiridas e/ou controladas por fundos financeiros criados exclusivamente para ficar com as ideias-negócios que já passaram pelo teste e crivo do mercado. Assim, os donos dos dinheiros (investidores) reduzem os riscos de empreender e ainda capturam a mais valia do trabalho dos jovens mais qualificados e recém formados.

Só no Brasil em uma década (2011-2020) o número de startups cresceu vinte vezes. No Brasil da depressão (entre 2018 a 2020), os fundos financeiros captaram e investiram cerca de US$ 7,5 bilhões nas startups em diferentes classes de aplicação e controle acionário. Só no desastroso 2020, ano da pandemia, foram fechados 450 contratos de investimentos em startups com aporte de US$ 3,1 bilhões (R$ 16 bilhões), cerca de metade destes recursos alocados, exatamente, para criação e desenvolvimento das fintechs (startups financeiras). [4]

Porém, a digitalização dos negócios e a plataformização vai muito além da dimensão econômica. Hoje já é conhecida a enorme manipulação que as plataformas digitais exercem na política, através do uso expansivo das redes socais, que hoje já é acessível a quase metade da população do planeta, mas por quase todas as pessoas dos países considerados desenvolvidos, embora com ainda enorme desigualdades.

Neste cenário é natural que os Estados-nações busquem se proteger, com todas as limitações e interesses que estão embutidos nos Estados, sejam os controlados diretamente pelos mercados, seja pelas experiências de modelos híbridos do capitalismo de Estado ou socialismo de mercado.


Referências:

[1] CAMPOS, José Roberto. Negócios da China. Artigo Valor, 04 jan. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/negocios-da-china.ghtml

[2] PESSANHA, Roberto M. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.

[3] Relatório publicado em 14 fev. 2018 pela FSB. FinTech and market structure in financial services: Market developments and potential financial stability implications [FinTech e es- trutura de mercado em serviços financeiros: evolução do mercado e possíveis implicações para a estabilidade financeira]. Disponível em: http://www.fsb.org/wp-content/uploads/ P140219.pdf

[4] MATSUURA, Sérgio. Apetite para o risco: após captação recorde de US$ 3,1 bi em 2020, start-ups segue a mira dos investidores. Matéria em O Globo 4 jan. 2021, p. 21.

sexta-feira, janeiro 01, 2021

A palavra e o ser: a literatura como parte essencial da vida

Em especial dois livros de literatura me marcaram, em diferentes períodos. O primeiro foi do poeta chileno Pablo Neruda, que li aos vinte anos “Para nascer, nasci”. Outro da escritora espanhola, Rosa Montero, “A louca da casa” que li há quase duas décadas depois, em torno dos meus quarenta anos, logo após o livro ter sido lançado.

A relação de proximidade com ambos autores da língua espanhola, deve ter relação com as narrativas literárias da vida dos dois. Uma relação de ficção com laços de autobiografia, em que Montero lembra Barthes, quando este afirmou que “toda autobiografia é ficcional e toda ficção é autobiográfica”.

Os relatos das histórias de ambos é uma das coisas mais saborosas que a escrita e as narrativas podem oferecer ao sujeito, às suas subjetividades e aos nossos demônios.

Porém, em especial, aproveitando a marcação do tempo do calendário anual findo e simultaneamente iniciante, eu acabei reencontrando Montero na estante. Assim reli essa passagem magistral sobre as palavras e sobre a linguagem que divido com vocês nesse espaço.

“As palavras são como peixes abissais que só nos mostram um brilho de escamas em meio às águas pretas. Se elas se soltarem do anzol, o mais provável é que você não consiga pescá-las de novo. São manhosas as palavras, rebeldes e fugidias. Não gostam de ser domesticadas. Domar uma palavra (transformá-la em clichê) é acabar com ela”.

A literatura é um bálsamo e uma amostra que o ser humano ainda pode ter salvação, embora tenha cada vez menos crédito e graça. A narração é psicanalítica por essência. Aliás, como diz, a própria Montero: “a narrativa é arte primordial dos seres humanos. Para ser, temos que nos narrar”.

Literatura é vida, assim a sua busca, mais do que uma fuga da realidade, deve ser uma forma radical de re-energizá-la, em meio ao desencanto com o presente que urge ser transformado.