terça-feira, fevereiro 04, 2025

Fundo soberano de Trump: instrumento da plutocracia e do hipercapitalismo

Tenho investigado o assunto dos fundos financeiros desde 2016. O instrumento dos fundos financeiros (inclusive os soberanos controlados pelo Estado) serve a vários fins. Não são um problema per si, mas...


Nesse caso dos EUA de T4ump [1], aparenta ser uma forma de dar suporte aos interesses dos ricaços dentro do governo federal sob seu comando forte. Esse fundo soberano seria capitalizado com o dinheiro do tarifaço e outros negócios do seu governo e sua gestão ficaria nas mãos do Elon Musk, Stephen Feinberg (outro bilionário cofundador da Cerberus Capital Management que é auxiliar do Musk no governo) entre outros gestores de fundos privados americanos.

A reportagem da Bloomberg, traduzida e republicada pelo Valor, fala nas referências de fundos soberanos no mundo, em especial, os derivados das riquezas da extração petrolífera. Cita, o fundo norueguês Norges Bank Investment Management (NBIM) da Noruega, com ativos no valor de US$ 1,8 trilhão; o China Investment Corp. (CIC), com ativos de US$ 1,3 trilhão, e a Autoridade de Investimento de Abu Dhabi, no valor de US$ 1,1 trilhão. A matéria se refere ainda aos fundos soberanos intranacionais derivados dos royalties do petróleo no Alaska (o mais antigo, década de 70) e o de Dakota do Norte, o Legacy Fund.

É importante observar o processo e os movimentos de Trump e de sua turma. Todos os movimento dele são de força, truculência e poder para os ricos e bilionários. Um esquema pesado de plutocracia (governo dos ricos e para os ricos) e controle do totalizante de poder, acima das instituições, estas que ele e seu grupo vai desorganizando e destruindo de forma acelerada para não dar espaço a resistências.

Nos EUA já se fala abertamente em ditadura Trump/Musk [2]. Imagine além da deportação dos imigrantes, o tarifaço como medida de força contra outras nações (adversárias ou aliadas) servindo para irrigar esse fundo gerido pelos bilionários e administradores de fundos financeiros privados.
 
Pode ser ainda, perfeitamente, interpretado como uma forma de devolver o apoio dos bilionários americanos à sua campanha eleitoral, através da participação deste fundo soberano, que logo será bilionário, em negócios destes ricaços, às margens do congresso americano.
 
Tem-se aí elementos que ajudam a compreender a estruturação de uma plutocracia e o caminho para ditadura, como relação de poder e de controle absoluto do Estado pelos ricos e para os ricos. O capitalismo entrando numa fase que tenho chamado de "hipercapitalismo" com uso do Estado a serviço das maiores corporações: Estado-corporação. 

Processo que tende ainda, em prazo distinto, a trazer estragos de diversos tipos e dimensões (dentro e fora dos EUA), mas que também pode propiciar e fazer prevalecer a natureza antropofágica de consumir a si mesmo. A ver!


Referências:
[1] Matéria da Bloomberg, traduzida e republicada pelo Valor Online em 03/02/2025. Trump assina ação executiva para criar fundo soberano: ´potencial tremendo´. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/02/03/trump-assina-acao-executiva-para-criar-fundo-soberano-potencial-tremendo.ghtml

[2] Coluna no UOL, Jamil Chade em 04/02/2025. Musk abre crise política e Trump é acusado de 'ditador' por oposição. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/02/04/musk-abre-crise-politica-e-trump-e-acusado-de-ditador-por-oposicao.htm

segunda-feira, janeiro 13, 2025

Fundos financeiros batem novo recorde no Brasil em 2024 e atingem R$ 9,3 trilhões de patrimônio: capitalismo sob a hegemonia financeira

Com R$ 9,3 trilhões de patrimônio líquido em 2024, os fundos financeiros já se aproximam de 90% de todo o PIB do Brasil, embora saibamos que se tratam de naturezas distintas. Um é estoque e outro fluxo, mas aqui está sendo usado para comparação apenas para efeito de compreensão sobre o volume de patrimônio líquido sob gestão, que os fundos estão atingindo ano após ano no Brasil e no mundo.

Abaixo disponibilizo duas tabelas, uma com dados do patrimônio líquido total dos fundos financeiros que operam no Brasil no período de 2008 a 2024 em valores absolutos e reais; a outra com os valores dos patrimônios líquidos atualizados (correção pelo IGP-M da FGV) até dezembro de 2024.


Esses são números fechados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) no último dia de 2024. [1] O patrimônio líquido total de R$ 9,29 trilhões sob controle das gestoras dos fundos financeiros em 2024, foi 25% maior que o do ano anterior de 2023 (corrigido) que era de R$ 7,46 trilhões.

Em relação ao ano de 2008, o patrimônio líquido de 2024 de todos os fundos é quase três vezes superior em valores corrigidos e expressam uma lógica do capitalismo da gestão de ativos, frutos de uma ampla pesquisa que desenvolvi e que está detalhada no livro editado e publicado em 2019, pela editora Consequência, com o título: “A ´indústria´ dos fundos financeiros: Potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”. [2]

Figura 1: Livro do autor, PESSANHA, R.M., 2019

Os fundos financeiros não são um mal por si, depende da forma com que se planeja a utilização desses excedentes na economia e seus reflexos na política. Hoje, no Brasil e no mundo, os fundos financeiros de diversos tipos (renda fixa, multimercado - hedge – private equity, Fip, Fdic, fundos imobiliários, cambial, fundo de índices – ETF, etc.) se articulam e se movimentam de forma cruzada com os investimentos dentro de mercado de capitais, ações, câmbio, fundos de pensão, etc.

Os movimentos das gestoras dos fundos financeiros têm refletido uma lógica de controle quase de quase setores inteiros da economia real em países e/ou regiões, através do controle acionário majoritário de várias corporações, cujas estratégias e lógicas, passam a ser da alta rentabilidade em curtos prazos e numa busca desenfreada pelo monopólio (caminho da oligopolização) e por garantias (marcos) legais para garantir uma hipermobilidade do capital empregado pelos investidores (cotistas) dos fundos.

Em junho e julho de 2021, eu fui convidado a participar de três lives (palestras online) sobre o tema “Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual”. Após, diálogos e debates, os organizadores e participantes, me solicitaram que organizasse um texto com as principais questões e indicadores apresentados. Assim, prepararei um texto publicado em meu blog [3] e depois, no portal 247 [4] e na Revista Brasileira de Geografia Econômica: Espaço e Economia [5].

Entre várias outras questões, a apresentação e o texto buscaram sustentar com dados da pesquisa empírica, elementos sobre como o rentismo foi se entranhando na economia real no Brasil, de onde passou a recolher excedentes cada vez mais expressivos. Adiante, o capital acumulado aparece sob a forma de capitalização nesses saldos dos patrimônios dos fundos financeiros (tabela 1 e 2), no aumento das propriedades e controle de milhares de companhias da economia real, nos papeis de diferentes e crescentes inovações financeiras e ainda no aumento do nº de investidores no mercado de capitais e na Bolsa de Valores, B3 dos quais realizam a captação dos excedentes. Se tratam de processos quase simultâneos de capitalização e valorização.

Nesta análise vale citar (com dados atualizados) um destes tipos de fundo financeiro hoje muito conhecido: o Imobiliário (FII). Em 2009, eram 2 mil investidores em FII no Brasil. Em agosto de 2020, os FII tinham ultrapassado a 1 milhão de investidores (quotistas); e, em março de 2024, já tinham chegado a 2,645 milhões de investidores no Brasil, sendo quase 80%, investidores pessoas físicas (CPFs). Em 2024, o mercado de FIIs esteve aquecido com uma média de negociações diárias de R$ 285 milhões, o maior patamar da história no país.

Outro exemplo, vinculado a esse movimento de nova forma de recolhimento de excedentes e dinâmica da capitalização no Brasil é o número de investidores na Bolsa de Valores, a B3. Em abril de 2019, esse número era de 1 milhão de investidores, já grande. Em março de 2020, tinha, rapidamente chegado a 2 milhões de investidores. Já em maio de 2024, superou 19,4 milhões de investidores na Bolsa de Valores, B3. Investidores pessoa física (CPF), enquanto o saldo em investimentos na poupança no país segue caindo, ano a ano, com mais retiradas do que depósitos.

Na ocasião, eu já aformava que se tratava de um processo de ampliação da dominação financeira com estratégias em que os donos dinheiros – andar de cima - passaram a definir e a controlar a atuação da produção - na economia real - em diferentes setores no território. Fui além, ao dizer que estávamos diante de transformações importantes nesta fase de deslocamento do capitalismo [6], fator que aumenta ainda hoje, as dificuldades para se observar o fenômeno, mesmo que a realidade de 2024, tenha nos trazidos, inúmeras evidências sobre como o capital financeiro disputa o poder político no país.

No texto em junho de 2021, eu também sustentei que era necessário entender porque o poder político no Brasil de 2022 seria bastante diferente do país de 2002, no que dizia respeito à economia política e às relações de poder, sob a hegemonia financeira que avançava na busca de maior controle sobre o Estado no Brasil, de uma forma bem distinta daquela que existia no país há duas décadas: “as relações Estado-Mercado-Sociedade estão rapidamente se alterando com o Estado sendo deslocado e perdendo o protagonismo para o Mercado”.

Saímos de um capitalismo da fase hegemônica industrial, de um circuito financeiro bancário que fazia a intermediação entre a produção e o consumo, dentro da tríade marxiana: “produção – circulação – consumo” e constituía o Modo do Produção Capitalista (MPC), para paulatinamente, entrar num circuito financeiro dos fundos e do mercado de capitais, onde o esquema tradicional ainda convive com estas várias e novas formas de inovação financeira. Assim, as finanças, também no Brasil, de forma paulatina, mas crescente, estão se tornando o “centro dinâmico da economia”, característico dessa fase do “capitalismo hegemonicamente financeiro”.

Figura 2: Esquema gráfico da passagem do esquema financeiro creditício para a capitalização dos fundos [7]


Não se pode falar das finanças intermediando a “criação de valor”, como costumam defender os economistas neoclássicos. Não se trata disso e sim de uma lógica que é, fundamentalmente, de extração de valor. Uma espécie de parasitismo junto à economia real. Assim, não cabe mais falar de intermediação financeira bancária e sim, uma lógica de “riscos - retorno - em curto prazos” e com altíssima rentabilidade dos ativos controlados pelos donos dos dinheiros, os rentistas.

Se trata de uma nova forma de repartição da riqueza produzida pelo trabalho. Uma etapa ainda mais radical do regime de acumulação e de extração de valor. Um “capitalismo de cassino” na leitura do Minsky (década de 90), ou “capitalismo da gestão de ativos”, na leitura mais recente da Mariana Mazzucato. [8] Talvez, possa ser falado em “rodadas de neoliberalismo”, como costuma se referir o professor Carlos Brandão da UFRJ.

Observa-se o número colossal de “inovações financeiras” ampliadas pelo potencial da tecnologia e das plataformas digitais. Assim, o mercado de capitais nacional enlaçado aos fundos globais vão se tornando instrumentos de vampirização da renda e da riqueza da economia real.

Esse movimento tem levado a Anbima a se vangloriar do mercado de capitais brasileiro, dizendo que esta evolução se deve ao fato dele ser autorregulamentado. Assim, seu CEO disse em 2018: “a autorregulação da Anbima, é um dos principais motivos para a atração de investimentos nos fundos financeiros no Brasil. Se trata de um modelo privado criado pelo próprio mercado de forma voluntária e independente”.

Ainda, segundo afirmava a Anbima em 2028, “o Brasil tem um mercado de capitais dos mais sofisticados entre as economias capitalistas do mundo. É o 13º maior mercado de capitais; o 3º maior mercado de derivativos e a 11ª maior indústria de fundos do mundo”. De lá para cá, a despeito dos nossos problemas, o país deve ter subido nesses rankings do mercado financeiro, cujo alvo era a substituição do Estado e do BNDES como banco de investimentos, tornando a sua atuação apenas complementar, deixando espaço para outros operadores, entre eles, o BTG.

Tudo isso expõe o processo que assistimos entre 2016 e 2022 de perda da capacidade de intervenção nas políticas econômicas nacionais nos diferentes setores ou frações do capital e de redução da autonomia e da soberania nacional, que, após 2023, se tenta duramente retomar, a despeito de um Congresso, em sua maioria ultraliberal e entreguista.

Assim, ainda se assiste, ao vivo e a cores, diariamente, a pressão do setor financeiro e do mercado de capitais na captura do orçamento e do fundo público, a favor do setor bancário, controlador das gestoras dos fundos. Na prática seguimos vendo como as finanças foram se tornando efetivamente, o centro dinâmico da economia capitalista contemporânea no Brasil, a despeito da perda das eleições de 2022; assim segue disputando dia a dia o poder político, mesmo sem disputar as eleições do país.

Neste sentido é necessário virar essa chave e ir mais fundo no enfrentamento dessa realidade que continua em vigência. Paradoxalmente, travam as despesas com as políticas públicas através de esquemas de controle e austeridade fiscal e especulação em conluio com o Banco Central “independente”. Não se importam com a aliança entre os setores do capital que rejeitam qualquer tributação (querem mais e mais desonerações), enquanto do outro lado concordam e apoiam a execução orçamentária, majoritariamente nas mãos do Congresso/Centrão, de forma fragmentada, ineficiente e corrupta, no velho esquema das emendas, derivado do conhecido orçamento secreto criado por Bolsonaro/Guedes e general Ramos.

O Brasil precisa recuperar a autonomia do Executivo eleito pela população para cumprir o programa para o qual foi eleito, sua capacidade de planejar e financiar um projeto nacional desenvolvimentista de retomada da inclusão social e da soberania nacional. É necessário superar essa fase do “capitalismo de gestão de ativos” com a qual os fundos financeiros têm servido apenas à plutocracia da elite econômica nacional articulada ao grande circuito financeiro global. Os fundos financeiros podem e devem ter um outro papel na economia política do Brasil.

 

Referências:

[1] Anbima. Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. A Anbima se coloca com a principal instituição que representa o mercado de capitais no país. Além da Anbima, minha pesquisa sobre os fundos financeiros levantou a existência de mais de duas dezenas de associações, fóruns e agências que organizam e articulam os interesses desta fração do capital.

[2] PESSANHA, R. M. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.

[3] PESSANHA, R.M. Blog do Roberto Moraes. Postagem em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/capitalismo-sob-hegemonia-financeira-e.html

[4] PESSANHA, R.M. Portal 247. Coluna em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-sob-a-hegemonia-financeira-e-o-poder-no-brasil-atual

[5] PESSANHA, R.M. Revista Brasileira de Geografia Econômica. Espaço e Economia. Ano X, Nº 21 - 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil. Disponível em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/19705

[6] DOWBOR, Ladislaw. O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais. Edições Sesc São Paulo: São Paulo, 2020.

[7] Sobre as mudanças na forma de intermediação financeira, uso interpretações entrelaçadas com as investigações do professor-pesquisador Daniel Sanfelici, Departamento de Geografia da UFF, em sua apresentação no “Workshop Espaço e Poder: Infraestrutura, Financeirização e Território” no IPPUR-UFRJ, no dia 25 jun. 2019.

[8] MAZZUCATO, M. O valor de tudo: produção e apropriação na economia global. Recife: Portfólio-Penguin, 2020.

PS.: Sugiro outros dois importantes autores e livros que auxiliam na compreensão do movimento mais recentes das gestoras dos fundos financeiros e das transformações do capitalismo contemporâneo sob a hegemonia financeira.

CHESNAIS, F. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: CHESNAIS, F. (org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 35-67.

HARVEY, D. A loucura da razão econômica. São Paulo: BoiTempo, 2018.

domingo, janeiro 12, 2025

Porto do Açu como território de passagem exportou em 2024 R$ 34,8 bilhões, só em petróleo e minério de ferro

Petróleo bruto (valor equivalente a US$ 3,558 bilhões ou R$ 21,5 bilhões) e minério de ferro (valor equivalente a US$ 2,154 bilhões ou R$ 13,1 bilhões) foram as duas mercadorias mais movimentadas e exportadas pelo Porto do Açu, São João da Barra, RJ. As exportações de petróleo (62%) e minério de ferro (38%) somadas em valores US$ FOB, chegaram em 2024 no Porto do Açu a US$ 5,712 bilhões ou R$ 34,8 bilhões. 

Terminal T-Oil da Vast Infraestrutura no Açu.
Fonte: Brasil Energia (BE)

A exportação de outras mercadorias pelo Açu são irrisórias diante do volume de saída dessas duas commodities. O volume de importações que passou pelo Porto do Açu, também em 2024, foi US$ 731 milhões, ou R$ 4,45 bilhões. Somando os movimentos de exportação (88,6%) importação (11,4%) do Porto do Açu, eles chegam a US$ 6,443 bilhões ou R$ 39,3 bilhões.

Os dados são oficiais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Os valores sobre as exportações de minério de ferro são de Conceição do Mato Dentro, MG, onde se situam as minas e de onde tem origem o mineroduto de 529 quilômetros que corta 33 municípios mineiros e fluminenses até chegar ao Porto do Açu, onde a pasta é filtrada, desidratada e o minério secado até seguir pelas esteiras até o terminal T1, processo de beneficiamento realizado pela empresa Ferroport (joint-venture entre as companhias, Porto do Açu e mineradora anglo-sul-africana Anglo American. 

Já as exportações de petróleo se originam na produção offshore nas bacias de Campos e de Santos e passam por transbordo (transferência de pequenos navios para grandes navios petroleiros para seguir viagem intercontinental), também através do terminal T1 do Porto do Açu. 

A responsabilidade do terminal de transbordo de petróleo do Porto do Açu é da companhia Vast Infraestrutura (ex- Açu Petróleo) que em seus três berços de atracação atende aos negócios de nove diferentes petroleiras: Petrobras, Shell, Equinor, Total, Galp, Petrochina, CNOCC, Petronas e PRIO. Outro dado expressivo é que em 2024, o Brasil exportou quase metade de toda a sua expressiva produção nacional de petróleo, sendo que o Porto do Açu tem sido responsável, por sua vez, de quase metade de todo o petróleo exportado pelo país.

Esse blog já havia comentado em relação à movimentação de cargas e riquezas pelo Porto do Açu em 2022 e 2023 [postagem em 17 de fevereiro de 2024: "Por que os R$ 21 bilhões da movimentação de 2023 do Porto do Açu são tão pouco comentados?"] sobre a estranheza das razões pelas quais a companhia Prumo Logística, holding controladora do Porto do Açu, ou mesmo o fundo americano, EIG Global Energy Partners, controlador da holding Prumo, não terem interesse na divulgação desses valores de cargas e riquezas movimentadas pela sua companhia subsidiária no seu terminal portuário.

Esses dados são públicos e podem ser acessados por qualquer pessoa, jornalista ou a mídia corporativa, sem necessidade de ser pesquisador. Como afirmei na postagem no ano passado, muitas hipóteses podem ser levantadas sobre essa proposital omissão dos valores de movimentação portuária em dólar ou real. Porém, já destaquei uma das razões em se escamotear esse dado.

As informações corporativas e financeiras são em sua grande maioria fruto de releases produzidos pelas próprias corporações e sob a ótica dos seus interesses. E como a própria companhia, grupo ou o seu fundo controlador não divulgou, ela não saiu divulgada mais amplamente. 

Assim, a hipótese para essa omissão seria o desinteresse em divulgar o volume de riqueza que passa pelo Porto do Açu e pela região deixando tão pouco em impostos e mesmo empregos, proporcionalmente, aos negócios que acabam, usando, especialmente, a região como "território de passagem", num empreendimento que até aqui, se caracteriza como um enclave, com pouquíssimas conexões com a região, reforçando a caracterização de um porto como base logística transescalar, mais ligada ao extrativismo.

Os proprietários do porto desejam fluidez das cargas para ampliar seus lucros na produtividade do porto, pouco se interessando por enlaces com as comunidades locais, vistas, na realidade, mais como problemas do que como solução e oportunidade. 

Uma enorme riqueza que pela região (quase R$ 40 bilhões apenas em um ano) apenas circula no que tenho chamado de "território de passagem", uma das características principais de um porto de 5ª geração com conexões na escala global (interligando pontos de uma cadeia de valor global - CVG) e até aqui muito pouco de agregação de valor em indústria (porto-indústria, Zona Industrial Portuária - ZIP ou MIDAs, Maritime Industrial Development Area) na enorme retroárea de mais de 90 Km², fruto, em boa parte, de centenas de desapropriações, em boa parte, violenta, de pequenos produtores rurais. 

As exceções são a unidade de geração de energia elétrica da GNA (UTE) e a FMC-Technip com a produção de tubos flexíveis para uso nas instalações offshore das petroleiras para extração de petróleo e agora, ao projeto já licenciado de hidrogênio verde. 

Porém, também o projeto de hidrogênio verde, se for destinado basicamente à exportação de amônia e não ao uso em industrialização no distrito industrial do porto, manterá essa característica de um porto de movimentação de cargas e riquezas de cadeias de valor global (CVG) e não de agregação de valor, com produção local ampliando aquilo que os economistas chamam de externalidades dessa importante infraestrutura portuária do Açu, no Norte do Estado do Rio de Janeiro.

terça-feira, janeiro 07, 2025

Posição da Meta (Zuckeberg) segue o roteiro de Musk/Trump

Como comentei em artigo aqui abaixo no dia 12 de dezembro de 2024 "Os movimentos já em curso na profundeza das articulações Trump, Big Techs e Wall Street", as Big Techs (as chamadas sete magníficas) estão seguindo um roteiro traçado por Musk e amparado por Trump. Estão indo para cima dos países (Brasil, União Europeia (França e Espanha em especial) e Austrália que estão fazendo o trabalho correto de regulação.

Zuckeberg (vide manchete hoje nos jornais - ao lado) ao chamar diretamente as decisões do STF de "secretas" comete um profundo desrespeito como dono dessa grande corporação digital americana às instituições de uma nação que é uma das maiores usuárias das redes sociais, entre essas, o Facebook, Instagram e Whatsapp, do mundo.

Porém, na verdade, as Big Techs (Grandes Corporações Digitais - GCDs) americanas seguem um roteiro que tem pontos muitos claros que vão sendo paulatinamente divulgados ainda antes da posse do presidente Donald Trump. Esses pontos colocam o universo digital como um dos pilares desse seu segundo mandato e para o qual tem o apoio explícito dos CEOs e dirigentes dessas companhias (GCDs).

O objetivo é unificar as ações das Big Techs ocidentais no enfrentamento da guerra comercial, financeira, política e geopolítica com a China, tendo esse setor digital como estratégico em termos de relações de poder, num esforço de retomar uma espécie de nova guerra fria, embora, esse seja um termo desgastado para explicar o tripé do capitalismo contemporâneo em que se baseia as ideias ultraliberais e plutocratas de Trump/Musk.

Uma disputa que trabalha a partir do alinhamento de todas as grandes corporações digitais do Vale do Silício, em que o partido Republicano e Trump entendem ser contra o Brics para colocar os EUA na liderança - sem competição - de microprocessadores, datacenters (nuvens) e inteligência artificial com atuação ampla e transversal em várias atividades como drones militares, criptomoedas, capitais de riscos e fundos financeiros, além de outros negócios. Tudo isso já envolve batalhas ligadas às sanções, tarifas e incentivos à unificação em torno dos EUA, como de praxe.

O Zuckeberg com essa decisão de suspender as checagens e liberar todas de postagem, apenas pula para a primeira fila desse enfrentamento, se juntando ao Musk nessa empreitada. Processo que já vinha se desenhando na Meta e outras Big Techs dos EUA, que antes anunciaram apoio econômico à posse de Trump e também trocaram diversos diretores das companhias, alocando pessoal historicamente ligado à direita e ao Partido Republicano.

As ideias fundamentais passam pela total desregulação do setor digital, com pressões para derrubar as ações antitruste nas Cortes americanas e de outros países importantes na Europa, AL e Ásia com os quais mantém uma relação de ascendência.

A desregulação digital leva também à exigência de desregulação ambiental para ampliação da disponibilidade de energia e água para datacenters e outras atividades produtivas, como partes de um plano de tentativa de enfrentamento à oferta de produtos da China. A economia digital e de dados é uma dessas estratégias que se articulam desde a infraestrutura para o setor, desenvolvimento da Inteligência Artificial livre e sem amarras, vinculadas ao esforço para retomar espaços no comércio exterior.

As estratégias de Musk são truculentas como se sabe e já se conhece. O que Zuckeberg fez hoje, reproduz exatamente esse estilo que deve seguir se ampliando. Nesse processo se ampliarão as ameças mundo afora, não apenas contra empresas, políticos, mas contra as nações, suas instituições e as pessoas que as dirigem e se coloquem contra essa diretriz Musk/Trump, que, aparentemente, se vincula ao projeto da extrema-direita global resumido no repetido argumento da "defesa de liberdade de expressão".

Essas decisões surgem num momento que encontra a Europa envolta em várias crises e seus problemas, desde que a OTAN puxou os estados mais fortes do continente para o embate Rússia e Ucrânia e deixou de utilizar o gás e a energia barata da Rússia para importar o gás americano (liquefeito e trazido por navios gaseiros) que chegam bem mais caro e se torna uma das origens da crise econômica alemã e dos demais países.

Outros países europeus enfrentam crises internas, assim como o Canadá. Isso tudo, cria oportunidades para a aceleração dessa estratégia que busca produzir alinhamento também nesse campo, dos europeus aos EUA, como aconteceu na questão militar via Otan e assim, um relaxamento da ideia de soberania digital.

O jogo já começou a ser jogado por mais Big Techs, para além da Meta, Tesla/Twitter. As americanas Amazon, Microsoft, Apple, Google (Alphabet), Open IA, NVidia, etc. têm, cada uma, os seus interesses e já entendem o que chamam de oportunidades. Assim, tendem também a pressionar sua cadeia de relações comerciais em seus territórios, ligados à construção de valor com parceiros locais/nacionais, assim como pressão direta e indireta contra os próprios países e autoridades de suas principais autoridades.

Os EUA avançam para uma estratégia, tipo Estado-corporação, que ao cabo visa ampliar a hegemonia financeira, enfrentar as opções que tentam reduzir o domínio do dólar para assim retomar os desgastados tentáculos do império americano, agora, cada vez mais ancorado nas grandes corporações digitais. A ver!

quarta-feira, janeiro 01, 2025

Alucinação da IA ou do capitalismo?

Alucinações são experiências em que uma pessoa percebe algo que não existe na realidade.

Utilizarei nessa reflexão um pequeno trecho da matéria de O Globo (01/01/25) cujo título é: "Inteligência Artificial: Tecnologia terá como desafios dar lucros e manter ritmo da expansão" de Juliana Causin.
 
Com esse título a lógica expressa é do investidor e não das pessoas e da sociedade que convivem com essa tecnologia. Falarei disso ao final.

No entanto, o destaque que faço e que me chamou a atenção na reportagem é quando, especialistas na tecnologia de IA, falam que "as empresas precisam ter cuidado com o tema da alucinação, ou seja, a IA pode estar sendo convincente, articulada, mas pode estar inventando, criando algo absurdo, o que pode causar danos de imagens a empresas".
 
 Foto: Angel Garcia/Bloomberg/26-2-2024.
Ora, ora... antes de atingir as empresas (agentes), as pessoas e a sociedade estão sendo atingidas. Penso que a preocupação deveria se dirigir à sociedade. Alguém já tinha lido ou ouvido entre as várias maravilhas listadas por especialistas, que a IA poderia produzir, estavam alucinações e invenções absurdas fora da realidade?

Usarei um paradoxo (nem tanto, sic), ao ver o que o Chat GPT, uma ferramenta de inteligência artificial (IA) da empresa de tecnologia Open IA que funciona como um chatbot, permitindo a interação entre o usuário e a IA por meio de conversas, diz sobre o tema: "alucinações são erros que ocorrem quando um sistema de inteligência artificial gera informações incorretas ou inventadas, mas apresenta essas informações de maneira convincente. Esse fenômeno é uma limitação dos modelos atuais de IA, especialmente os modelos de linguagem, que ainda não possuem uma verdadeira compreensão do conteúdo que geram. Embora as alucinações de IA sejam um desafio, elas podem ser mitigadas com melhores práticas de treinamento, validação e supervisão humana, especialmente em aplicações críticas".

Ou seja, ficamos assim sabendo que essa possibilidade exposta (alucinações) pela reportagem já era bem conhecida pelos especialistas da área. Tudo isso, aumenta - e muito - a preocupação com o pensamento, as fake news em expansão e a dificuldade crescente que já se tem em separar o que é verdade ou mentira na sociedade atual. E essa realidade (alucinações) já em curso, aparece quase como detalhe, no meio de uma matéria sobre retorno de capital nos investimentos na tecnologia de IA. 

O fato também permite observar o esforço dos técnicos em TIC (Tecnologia da Informação e Computação) em tentar "humanizar a tecnologia", ao afirmar que aquilo que é um erro estatístico e/ou de programação algorítmica dos dados, pode também ser chamado de "alucinação" como se estivesse tratando de um humano e não dá tecnologia, que assim ganha ares cada vez maiores de autonomia com a IA generativa e a IAG (Inteligência Artificial Geral).

Como se sabe, alucinações são experiências em que uma pessoa percebe algo (em qualquer dos sentidos, como visão, audição, olfato, paladar ou tato) que não existe e que, portanto, está fora da realidade. Experiências e fenômenos lidados pela psicologia e pela psiquiatria.

Ou seja, os "absurdos" produzidos pela tecnologia da Inteligência Artificial Generativa seriam agora uma espécie de desvios de personalidade da técnica (sic).
 
Uma naturalização da tentativa de humanizar o que não é humano, porque nesse caso a origem não é uma doença, mas erro e incapacidade da tecnologia pensar e/ou agir como humano em suas várias dimensões.
 
Assim, os erros de programação, seriam também interpretados como da falível natureza humana.
O fato acabou me remetendo ao Pierre Lèvy e seu antigo e imprescindível livro "As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática" de 1990. 

Lèvy afirmava já há quase quatro décadas que as transformações das sociedades contemporâneas estavam muito ligadas à técnica e que havia necessidade de que sua configuração não estivesse apartada de um projeto social em meio às disputas pelo uso e destino do objeto técnico.

Não há técnica neutra e nem faz sentido a oposição entre homem e máquina ou tecnologia, mas o contexto social e a dimensão para a qual se dirigem essas potentes tecnologias dirigidas pelas grandes corporações digitais (GCDs), as Big Techs.
 
Daí volto ao título da reportagem que foca na lógica do retorno dos investimentos do capital de risco e do conteúdo das preocupações voltadas para as empresas, por conta das alucinações da IA e não dá sociedade.

Não é a Inteligência Artificial que já está produzindo alucinações e sim, a sociedade e a civilização que deixam que os homens, em suas relações de poder, permitam que essa tecnologia continue atuando de forma desregulada e a serviço basicamente dos interesses econômicos e do capital.

quinta-feira, dezembro 12, 2024

Os movimentos já em curso na profundeza das articulações Trump, Big Techs e Wall Street

A rede social X (ex-Twitter) se transformou numa arma de manipulação e propaganda da extrema-direita global através do seu dono, Elon "Moska" (a alteração do sobrenome é para disfarçar o algoritmo, mais bobo e inocente, rs).

O que estou falando não é nenhuma novidade para a maioria, porém o processo e como isso vem se ampliando e se consolidando, merece ser melhor observado.
 
Não sou e nunca fui um usuário assíduo dessa mídia social, mas acompanho com interesse de pesquisa e como forma de me informar e relacionar com alguns pares, como faço também aqui e no meu blog.

A mudança que vinha sendo sútil vem se alterando agora mais rapidamente. Os perfis a que se tem acesso mostram e indicam formas de manipulação que não são grosseiras, mas perceptíveis. 

Esses perfis são, muitas vezes, falsos, se propõem a usar algum humor, ironia e alguma relação com o seu modo de pensar, mas redirecionando-o, o que indica uma organização e uma articulação bastante mais elaborada.

Isso se dá tanto em perfis nacionais quanto de fora do país e em outras línguas.

O que se parece estar sendo planejado e já em curso não é algo pequeno e nem superficial.

Talvez, não seja coincidência que isso se amplie, nesse momento em que o personagem citado foi escolhido e já atua como um dos principais assessores do Trump na Casa Branca e com intenções de articulações globais. Sua função ganhou um "novo departamento" chamado de Eficiência Governamental e que teria como objetivo "desmantelar a burocracia governamental, impulsionar uma reforma estrutural em larga escala e cortar gastos". Mas, será mais que isso com atuação transversal sobre relações internacionais.

Logo no pós-eleição dos EUA, houve um claro realinhamento de todas as Big Techs (e seus CEOs) ao presidente eleito e seu partido. Antes, algumas dessa Big techs eram mais próximas dos Democratas.do que dos Republicanos. A partir daí, a orientação do Trump tem sido a de conceder toda liberdade e poder às Big Techs americanas. 

Assim, já estão pressionando o Departamento de Justiça e outros órgãos governamentais que, nos últimos anos, vinham tentando ampliar a regulação e ações antitruste sobre a oligopolização das Big Techs. Ou seja, Trump e "Moska" preveem a ampliação da articulação entre Wall Street e as gestoras dos fundos do mercado de capital (em especial os Venture Capital) que já investem pesado nas corporações digitais e startups.
 
A ideia é ampliar mercado dessas Big Techs em todo o Ocidente, trazendo mais capital para os EUA. Porém, o maior interesse é o de também evitar que essas gigantes corporações continuem sendo reguladas nos demais países (UE, Brasil, entre outros).

Pretendem atuar ainda impedindo cobranças de impostos sobre essas gigantes corporações americanas do universo digital e de telecomunicações. Querem assim garantir recursos para a expansão da infraestrutura digital controlada diretamente pelos EUA (e Big Techs), para a pesquisa e inserção no mundo real da Inteligência Artificial, tudo isso com total liberdade e sem nenhum controle e restrição dos demais países, usuários dos serviços das Big Techs americanas.
 
Nessa linha, os EUA vão pressionar governos e perseguir (formal e informalmente) seus governantes, fomentando reações internas nesses países. As mídias sociais, não apenas o X (Twitter) serão instrumentos dessas pressões. Ou melhor, já são. Vão ampliar enormemente esses métodos que misturam guerra híbrida, cibernética e comercial. O intuito é manter o império nas relações de poder externa e internamente, ganhando com a melhoria da economia a partir do dólar vias essas grandes corporações digitais (GCDs).

Ou seja, o que se desenha na profundeza das articulações do novo governo americano e donos das Big Techs, controladores da Economia Digital no Ocidente, é muito maior e preocupante do que aquilo que aparece na superfície das postagens em uma dessas mídias sociais como o X, ou das nossas inocentes e pueris mensagens e fotos expostas no Instagram, Facebook e outras.

Há mudanças profundas em curso em todo o mundo. Como estamos vendo, a "digitalização de quase tudo" tem enorme potência para produzir colossais mudanças nas sociedades que estão sendo profundamente impactadas. O avanço da tecnologia digital como atual etapa da reestruturação produtiva surge e se acelera junto da ampliação da globalização, impondo movimentos que abalam a forma de fazer política nos países-nação e na relação entre si na geopolítica. Não só observar, mas acima de tudo, é preciso ação política! 


PS.: Atualização às 11:06 e 12:26 de 13/12/2024 para breves correções e inclusões.

terça-feira, dezembro 10, 2024

Divulgação científica: textos para dois livros, após período de afastamento

Levei cerca de 4/5 meses afastado das redes sociais. Tempo usado para cuidar da saúde. Nesse período, tive que recusar convites para mesas-redondas de congressos e seminários e algumas bancas de mestrado e doutorado. Nesse período o blog também completou (em 10 de agosto) 20 anos de funcionamento.

Agora, já bem, venho retornando às mídias sociais aos poucos, porque só no afastamento, se observa como elas nos tomam tempo útil, embora sirvam também de comunicação. A "digitalização de quase tudo" como costumo falar, é sempre, simultaneamente, atrativa e perigosa. Assim, como os remédios, os riscos estão na dose.

Nesse período, dois livros que contribuí com textos (capítulos), ambos surgidos após debates e seminários, foram lançados e também não pude participar diretamente. As duas publicações tratam de assuntos que estão relacionados diretamente às minhas atuais pesquisas, ligadas à digitalização como etapa atual da reestruturação produtiva imbricada à hegemonia do capital financeiro, sob a racionalidade neoliberal.

O 1º dos livros-coletânea tem o apoio do CNPQ, foi lançado em julho na UnB e foi organizado pelos companheiros professores Ricardo Toledo Neves (UnB) e Flávio Chedid Henriques (UFRJ) e seu título é "Um horizonte de lutas para a Autogestão: O trabalho organizado por plataforma digital". Meu texto é o capítulo 1: Plataformismo: uma nova etapa do modo de produção capitalista? [O sumário de toda a publicação seguirá abaixo]
 

O 2º livro-coletânea é "Geografia da Economia Política na América Latina" lançado na última semana na UFF, foi organizado pelos companheiros pesquisadores da ReLAEE (Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço e Economia): Edilson Pereira Jr. (UEC); Denis Castilhos (UFG); Luciana Buffalo (UN Córdoba); Cláudio Zanotelli (UFES) e Naomi Fratini (UN Córdoba). Editora Consequência. O meu texto está na 2ª Parte "Economia de Plataforma, Produção, Circulação e Geografia de investimentos". Capítulo 6: "Infraestrutura digital, extrativismo Hi-Tech e capitalismo de plataformas. Artérias digitais escancaradas da América Latina - uma homenagem a Galeano". [O sumário de toda a publicação seguirá abaixo].

Sigamos em frente!





 





sexta-feira, dezembro 06, 2024

"Açu 2017-2024" Fotolivro do Mateus Gomes

O fotógrafo, artista e pesquisador Mateus Gomes Almeida lançou agora em 2024, o seu fotolivro: Açu. O livro contém imagens que expõe um olhar que se pode chamar de arte-resistência sobre as consequências pessoais, sociais e ambientais da população do território hoje ocupado pelo complexo portuário do Açu, instalado no Norte Fluminense, município de São João da Barra.



Mateus Gomes nasceu em 1993 em Campos dos Goytacazes, RJ é graduado em Direito pela UCAM Campos, foi pesquisador colaborador no Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem (LEAA) da UENF. Atualmente é graduando em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e atua como pesquisador, fotógrafo e artista independente. Suas pesquisas investigam em especial "temas relacionados a geografia humana, geopolítica, globalização e ao território como matriz da vida social, econômica e política, produzindo trabalhos em fotografia, vídeo e desenho".

Esse é o segundo fotolivro sobre o tema do Açu. Outro lançado em 2023 se chama Escombros e foi lançado pela Editora Photothings e também retrata o desmonte do habitar dos pequenos agricultores expulsos de suas terras no Açu.

O livro “Açu” participou da Convocatória de Fotolivros Festival Zum, do Instituto Moreira Sales, São Paulo (2024), foi escolhido para exposição coletiva (em curso até fevereiro de 2025 no IMS) e também passou a integrar o acervo da biblioteca do IMS paulista.

O fotolivro "Açu" tem 208 páginas, 110 imagens, é dividido em três capítulos e oferece uma análise crítica do extrativismo em sua fase contemporânea e articulada às cadeias de valor global (CVG), articuladas aos sistemas portuários que tratei na postagem anterior.

Nas palavras do autor (Mateus Gomes) "o fotolivro foi desenvolvido entre os anos de 2017 e 2024, a partir da perspectiva territorial e pessoal do autor, o livro apresenta imagens que contrastam dois mundos distintos – o industrial e o rural –, cujas coexistências são forçadas por interesses econômicos e políticos. O foco recai sobre os agricultores familiares, principais vítimas da atividade extrativista, que testemunham a supressão de suas comunidades em nome do capitalismo predatório".

Por conta de minhas pesquisas sobre a implantação do projeto do Porto do Açu, (holding EBX e depois Prumo), expostas em centenas de postagens no meu blog, tese de doutoramento e capítulos de livro, Mateus Gomes me solicitou e tive a honra de publicar o texto “Porto para quê e para quem” que encerra o referido livro.

Vale conferir um pouco sobre a arte-resistência do Mateus Gomes em seu site que também reproduz algumas das imagens publicadas em seu livro:

Sistema portuário da região Sudeste: instalações, potencial e impactos

Chama-se de porto um complexo de logística que abarca diferentes e variados terminais. Raramente um porto é especializado em um tipo único de carga e uso de apenas um terminal. O(s) tipo(s) do terminal(is) e suas características físicas determinam os tipos de navios que movimentam cargas importadas ou exportadas, ou em navegação de cabotagem, dentro do país. São navios graneleiros (entre eles o petroleiro, gaseiro, etc.), conteineiros, etc. 

O Brasil dispõe atualmente de 36 portos públicos organizados com 170 terminais concedidos e 210 Terminais de Uso Privado (TUPs). Em todo o país, a maior parte das cargas movimentadas (em especial para exportações) são pela ordem: minério de ferro, petróleo - derivados e combustíveis - e agronegócio, puxado especialmente pela soja. Essa ordem é alterada conforme o critério por volume, peso ou valor em US$ FOB.

Os estados litorâneos aproveitam a geografia física para ampliar a obtenção de projetos de infraestrutura logística (integração modal) e assim avançar na conquista de movimentação de cargas. No Brasil, o período dos últimos 25 anos foram importantes para o desenrolar deste processo.

Agentes do setor pressionaram o Estado para a adoção de novos marcos legais (Lei dos Portos de 1993 e Lei 12.815/2013 (ex-MP dos Portos) e institucionais para reestruturar o sistema portuário nacional. Ambas estabeleceram regras e condições jurídicas que levaram à ampliação da participação do setor privado nos portos.

Os portos e seus terminais podem ainda serem analisados e classificados sobre a evolução da geração de usos, muito vinculados às instalações e às tecnologias. No mundo, conforme a classificação, se fala em 4 ou 5 gerações. A conteinerização é um desses marcos, porque o seu uso multimodal deu enorme celeridade às cargas, num momento em que o contêiner passou a ser chamado de espinha dorsal (back-bone) do transporte. Outra mais recente geração é o porto-indústria (ZIP - Zona Industrial Portuária) ou MIDAs (Maritime Industrial Development Areas - ou Área de Desenvolvimento Industrial Marítimo), normalmente instalados fora dos núcleos urbanos, com objetivo de ampliar a fluidez das cargas, e tendem a gerar espaço tipo enclaves econômicos.

Essa última geração de portos (ZIP ou MIDAs) também é responsável pelo que chamo de "gigantismo naval" que puxou o "gigantismo portuário". Navios cada vez maiores, que transportam volumes colossais a granel (óleo, soja, minérios, etc.) ou em contêineres que passam a demandar imensos terminais portuários com enorme profundidade para receber a atracação desses navios gigantes de enorme calado e que armazenam e transportam, hoje, até 25 mil contêineres. [1]

A Região Sudeste do Brasil tem três dos seus quatro estados litorâneos com uma extensão de 1.668 km dos 7491 km de litoral de todo o país. Outro fato que contribui para a instalação de tantos portos e terminais nessa região é a concentração econômica nessa região, que detém cerca de 53% de todo o PIB do Brasil. 

O estado de Minas Gerais é o único estado da região Sudeste sem litoral e que se serve dos portos dos outros três estados litorâneos, em especial RJ e ES, que hoje disputam a oferta de logística portuária para a movimentação de cargas oriundas ou recebidas pelos mineiros. 

Vale ainda registrar que a região Sudeste tem o porto com a maior movimentação de cargas da América Latina: Porto de Santos que hoje possui 53 diferentes terminais (nem todos listados no mapa abaixo da Antaq). Já o Estado do Rio de Janeiro, chamados por alguns pela alcunha de "Estado-porto" é de toda a região Sudeste, aquele que possui mais instalações portuárias ao longo do seu litoral. 

São 7 municípios com instalações portuários no ERJ: Rio de Janeiro (capital); Niterói; Itaguaí; Angra dos Reis; Arraial do Cabo; Macaé (não aparece no mapa da Antaq) e São João da Barra. Esse fato em si é ainda pouco lembrado quando se estuda a economia fluminense, suas potencialidades e desafios. A infraestrutura logística movimenta grande volume de recursos, embora, muitas vezes, se sirva dos municípios e de suas regiões apenas como "territórios de passagem" das cadeias de valor global (CVG).

Os sistemas portuários são cada vez mais importantes no capitalismo globalizado contemporâneo que se utiliza de imenso fluxo materiais entre as nações e intranacionais. As instalações portuárias são utilizadas, na maioria das vezes, para o fluxo de maior distância, superior a 2 mil km, mas quase sempre integrado a outros modais de transporte como o rodoviário, ferroviário e mesmo o aeroviário. 

Suas instalações têm provocado, ao longo do tempo, desapropriações e expulsões violentas de populações originárias (caiçaras, pescadores e pequenos agricultores) e a produção de enorme impacto ambiental, quase sempre não compensadas ou mitigadas pelos controladores e proprietários desses sistemas que alimentam cadeias de valor global por todo o mundo.


Nota: 
[1] Artigo publicado em 26 de dezembro de 2012 na revista GeocritiQ [Plataforma digital ibero-americana para la difusión del trabajo científico] da Faculdade de Geografia da Universidade de Barcelona: "Portos demandam regulação". Disponível em: https://primeraepoca.geocritiq.org/portos-demandam-regulacao/

PS.: Atualização em 07 de dezembro de 2024 às 22:24 para acrescentar um parágrafo e uma nota com a referência.

segunda-feira, novembro 11, 2024

Em 2023, Campos,RJ se mantém com 17 mil matrículas no ensino superior presencial, mas somado à Educação à Distância (EaD), chega a quase 30 mil graduandos

Este blog, há quase duas décadas, publica a evolução das matrículas nas instituições de ensino superior no município de Campos dos Goytacazes, RJ e demais municípios fluminenses.

Os números têm sido extraídos e tabulados da complexa "base de microdados" do Censo do Inep/MEC, em trabalho dedicado, feito exclusivamente para o blog pelo professor José Carlos Salomão Ferreira (IFF). Esses indicadores são do Censo do Ensino Superior 2023.

Esse trabalho de extração, tabulação e primeiras análises dos dados é uma contribuição do blog para demais pesquisadores, estudiosos sobre o assunto e autoridades públicas.

Desde 2013, o total de matrículas presenciais no município de Campos dos Goytacazes se estabilizou na faixa dos 17 mil universitários. Esse total já chegou a ser de 21 mil no ano de 2008 com 13 instituições, quando o número de bolsas universitárias das prefeituras era grande (com a fartura dos royalties) e o percentual de matrículas nas instituições privadas era de 78% do total.

A partir de 2020, passaram a ser apenas 11 instituições ofertantes de matrículas no ensino superior presencial em Campos dos Goytacazes, sendo 4 públicas e 8 privadas.

Abaixo a tabela com os números extraídos do Censo do Ensino Superior 2023 do Finep-MEC.


Nos anos de 2021 e 2022 (crise econômica nacional, redução dos royalties e Pandemia), as instituições públicas somaram um pouco mais matrículas que as instituições privadas: cerca de 51% x 49%. Mas, em 2023, as instituições privadas voltaram a ter mais matrículas no ensino superior presencial: 50,2% x 49,8%, quase empatadas.

A instituição pública com maior número de graduandos é o Instituto Federal Fluminense (IFF) com 3.824 matrículas, seguido da UFF com 2.145 matrículas, depois Uenf com 2.136 matrículas e Isepam com 436 matrículas.

Entre as instituições privadas no município, a que possui o maior nº de graduandos é a Estácio com 1.971 matrículas, mas praticamente empatada com o Isecensa com 1.934 matrículas e a Universo com 1.940 matrículas. Seguidas da FMC com 1033 matrículas (com nº de matrículas crescentes), Uniflu com 850 matrículas e UCam com 834 matrículas e com números decrescentes nos últimos 5 anos, desde 2018.

A maior perda de matrículas aconteceu no último ano na Estácio com menos 321 graduandos. Entre as instituições públicas, a maior perda de matrículas ocorreu no polo da UFF, com redução de 188 estudantes.

Assim como no plano nacional, em 2023, o crescimento de matrículas na Educação à Distância (EaD) no município de Campos dos Goytacazes não para de crescer e chegou a um total de 12.047 matrículas quando eram 9.864 matrículas em 2022. Um percentual, 22% maior de alunos na EaD em Campos, RJ.

Vale ainda ressaltar que em Campos, RJ, ao contrário do plano nacional, as matrículas presenciais no ensino superior são superiores às de Ead (17.173 presenciais x 12.047 em Ead).

Há ainda que se registrar, como já tenho comentado nos levantamentos nos anos anteriores, que o ensino universitário deve ser sustentado no tripé: ensino, pesquisa e extensão, que deveriam funcionar de forma integrada, em que cada uma alimenta a outra. E neste caso, a pesquisa e extensão nas instituições privadas são irrisórias ou não existem. Em especial, a pesquisa, já que a extensão, existe com alguns esforços nesse sentido, em algumas das sete instituições privadas que funcionam em Campos, RJ. No caso de EaD a ausência da extensão e pesquisa é ainda pior.

Estima-se que as matrículas na pós graduação em Campos (especialização, mestrado e doutorado), anualmente, se situr na faixa de 4 mil estudantes pós-graduandos (maioria em especialização, mas com nº crescente de matrículas em mestrado e doutorado). Assim, é ainda possível afirmar que o município de Campos dos Goytacazes poderia ter um número total, entre matrículas presenciais, EaD e Pós graduação em torno de entre 34 mil universitários. Um número bastante expressivo e que se reflete de alguma forma na economia local e regional.

Em termos regionais, identifica-se que há quase duas décadas, o município de Campos dos Goytacazes se consolidou como o maior polo de educação superior no interior do ERJ, fora da região metropolitana, embora na última década, se observe que municípios próximos tenham também se estabelecidos como polos universitários, mesmo que num patamar menor: Macaé com cerca de 9 mil matrículas; Itaperuna com aproximadamente 8 mil matrículas e Cabo Frio na faixa das 7 mil matrículas.

Essa realidade da expansão regional dos polos de educação superior amplia a expressividade dos números de universitários em Campos dos Goytacazes e também a importância do potencial de qualificação dessa parte do território fluminense que inclui as regiões Norte, Noroeste e Baixadas Litorâneas.


Referências:

[1] Postagem do blog em 23 de outubro de 2023. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em cerca de 17 mil, em 2022 em Campos, RJ. Somado à EaD chega a 27 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2023/10/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[2] Postagem do blog em 1 de novembro de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 4% em Campos, RJ, mas com ligeiro aumento nas instituições públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/11/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[3] Postagem do blog em 18 de abril de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 5% em 2020, em Campos, RJ. Porém, somado à EaD chegam a 25 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2022/04/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[4] Postagem do blog em 22 de setembro de 2019. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em Campos nos últimos 4 anos: percentual aumenta nas públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2019/09/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[5] Postagem do blog em 23 de setembro de 2018. Apesar da crise, as matrículas no ensino superior em Campos se estabilizam em 20 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/09/apesar-da-crise-as-matriculas-no-ensino.html

[6] Postagem do blog em 11 de novembro de 2017. Censo do Ensino Superior 2016: Campos com 19,8 mil universitários. E a qualidade? Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/11/censo-do-ensino-superior-2016-campos.html

[7] Postagem do blog em 8 de dezembro de 2017. Entre 2003 e 2016, as matrículas no ensino superior no ERJ cresceram 36%. Nas instituições públicas cresceram (82%). Mais de três vezes que (25%) o crescimento nas instituições privadas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/12/entre-2003-e-2016-as-matriculas-no.html

[8] Postagem do blog sobre o Censo nos anos anteriores. Em 23 nov. 2016.
Campos aumenta nº estudantes no Ensino Superior para 19,3 mil matrículas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/11/campos-aumenta-n-estudantes-no-ensino.html

[9] Postagem do blog em 1 de mar. 2016. Campos possui 18 mil alunos no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/03/campos-possui-18-mil-alunos-no-ensino.html

[10] Postagem do blog em 18 de ago. de 2015. Ensino superior em Campos perde 4 mil matrículas em 5 anos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/08/ensino-superior-em-campos-perde-4-mil.html?m=1

[11] Postagem do blog em 31 jul 2015. Campos tem 17,1 mil alunos matriculados no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/campos-tem-171-mil-alunos-matriculados.html

terça-feira, julho 16, 2024

Bet na palma da mão e no fundo do bolso, é plataformização na veia!

Pesquisa comentada em reportagem da Folha de São Paulo e outras mídias expõem algo que já vinha sendo percebido em supermercados e até pelos bancos sobre as apostas online não apenas as esportivas.

[Apostadores deixam de comer pizza e ir ao cinema e até adiam compra de cama para gastar com bets - Consumidor diminui gasto com produtos mais básicos para incluir aposta esportiva online no orçamento, diz pesquisa

Os brasileiros estão presos nos aplicativos de apostas online usados celulares e deixando de comer, se divertir, entre outras muitas atividades. A própria associação das empresas de jogos e loteria (ANJL) admite que o setor já movimenta R$ 110 bilhões. Não é difícil imaginar que o valor seja muito maior e extrapole os sites e aplicativos nacionais. Só nos cinco maiores clubes de futebol as bets investiram mais de R$ 100 milhões, fora os campeonatos, eventos (Rock in Rio e Lollapalloza) e propaganda na mídia tradicional.

O setor de jogos se alimenta e retroalimenta o setor esportivo, em especial o futebol. Por isso, campeonato e a maioria dos clubes da série A e B são patrocinados pelas bets. Personalidades e ídolos do esporte são os maiores divulgadores desses aplicativos (Apps) de apostas.

A publicidade nas TVs, rádios e impressos também cresce, para além do que essas empresas-aplicativos já gastam com as plataformas-raiz, as Big Techs que são veículos, na medida em que esses aplicativos são disponibilizados nas lojas Play Store (Google) e Apple Store, além de alimentarem dos dados capturados e comercializados por essas gigantes empresas-plataformas.

Porém, o espanto sobre até onde estão chegando as Bets (apostas) a ponto de reduzir gastos das famílias com o consumo de produtos básicos, de outro lado, não revisita o fato que sem a “plataformização da sociedade”, essa expansão da oferta de apostas seria impossível. Todos sabem que as loterias e mesmo o jogo do bicho no Brasil, sempre tiveram um nicho, porém nem de longe no patamar que os aplicativos bets estão colocando.

O que se consegue enxergar na parte externa desse iceberg é muito menor do que aquilo que está enclausurado na questão. As Bets se multiplicam mundo afora e só inocentes creem que adolescentes estão proibidos. Conversem com professores do ensino médio e descobrirão um pouco do que está em curso.

Os governos presos à ordem do capital e aos ideários neoliberais da austeridade, enxergam nesse movimento bilionário das bets, chances de ampliar suas receitas, para assim liberar a tributação sobre os serviços financeiros, dividendos e lucros dos grandes financistas.

O vício na palma da mão também se reflete na percepção sobre as políticas públicas (incluindo renda mínima) que passam a ser menos percebidas e usufruídas pelos que estão caindo na tentação da aposta online 24x7 (tempo todo, 24 horas nos 7 dias da semana).

Não se trata apenas da facilitação do meio para acesso às casas de apostas, agora na palma da mão dos celulares, via as plataformas digitais no lugar das antigas e poucas loterias de rua.

Vale registrar que os aplicativos de apostas esportivas trabalham com a hiperpersonalização dos usuários obtida com a coleta, armazenamento e processamento de dados. Assim, reúnem as informações dos usuários como renda, consumo, etc., mas também o perfil psicológico em que os algoritmos identificam facilmente os potencialmente viciados, ou mais suscetível, às sugestões online.

Esses são bombardeados o tempo todo com ofertas e sugestões de todo o tipo de apostas esportivas que vão consumir tempo e dinheiro de pessoas das diferentes classes sociais, mas em especial, daquelas mais vulneráveis às expectativas para saírem das dificuldades financeiras ou a promessa do paraíso da riqueza vendida tal qual o antigo grande prêmio da loteria. Agora, esses prêmios em muitos casos, já nem são tão extraordinários assim.

Porém, a pesquisa citada na matéria da FSP identifica um perfil de usuários das bets surpreendentes: 42% de mulheres x 58% homens [um universo que se imaginava quase que apenas masculino]; 77% classes B e C; 54% classe C, 33% classe B; 8% D/E e 5% classe A. O que pode refletir o perfil médio de origem de acesso online das classes sociais no Brasil. 64% dos pesquisados informam que usam suas rendas principais nas apostas.

Para se aprofundar no assunto, sugiro ainda que olhem os outros dados da pesquisa como idade dos apostadores, o que deixou de comprar para fazer apostas, a frequência das apostas, as plataformas mais utilizadas, etc.

O que está em curso espanta [ou deveria espantar]. Na correria e aceleração em que se vive nos tempos presentes, essas transformações vão sendo banalizadas e incorporadas, sem que a sociedade e seus representantes no Estado se deem conta do que está em andamento. Não é difícil imaginar que incongruências que muitos de nós percebemos em muitas das pesquisas de opinião pública sobre governos e instituições, estejam sendo transformadas para além daquela relação automática.

Se a “compra de blusinhas” nas varejistas online Shein, Shoppe e Temu causaram tanto debate, por que as bets e seus efeitos seriam menores e só percebidos como extraordinária fonte de receitas tributárias? A cada semana novas empresas bets de apostas passam a operar no Brasil e a sensação é que a plataforma montada pelo governo federal (Sistema de gestão de apostas (Sigap) controlado pelo Ministério da Fazenda parece apenas um sistema de autorização, outorga de funcionamento e recolhimento de tributos 

quinta-feira, julho 11, 2024

Datacenters no Brasil e no mundo e seu papel estratégico na geoeconomia e geopolítica

Há no mundo um número que pode se estimar entre 7 mil e 10 mil datacenters, cerca de 1/3 deles nos EUA. O número exato é cada vez mais difícil de ser identificado pelas questões de segurança e soberania cibernéticas.

Saber o número total desta importante infraestrutura digital é menos importante do que conhecer a sua capacidade de armazenamento e processamento de dados, que implica em enorme consumo de energia para alimentar os racks de computadores e memórias e água para refrigerar o sistema com a troca de calor.

Esse colossal consumo de energia elétrica também se reflete na poluição, apesar da aura de atividade limpa que tem o setor de tecnologia. Segundo os próprios dados das Big Techs, a Google assume que aumentou suas emissões de gases de efeito estufa em cerca 50% desde 2019. A Microsoft em 33% desde 2020. Tudo em função dos datacenters e IA. Alguns especialistas dizem que dados seriam "o novo petróleo", mas podemos ver que isso não se daria apenas pelo valor, mas pelos efeitos para o ambiente.

O aumento da quantidade dessas instalações está ligado de forma especial à algoritmização, extração de padrões que depende de modelagens ligadas à chamada inteligência artificial. Cada vez mais as grandes corporações de tecnologia controlam essas infraestruturas, assim como as redes (cabos submarinos) que as interligam aos usuários intermediados também pelas operadoras de telefonia (comunicação).

O simples acesso a um email, uma busca no Google, acesso ou guarda de uma foto do Drive, um clique numa postagem nas mídias sociais, uma música ou filme no streaming, tudo isso, demanda o uso dessas infraestruturas em velocidades de nanosegundos consumindo energia. Se estima que uma consulta no tal ChatGPT ou similar, pode consumir até 25 vezes mais recursos que uma busca convencional no Google.

Sem controle dessas infraestruturas digitais, pessoas, instituições perdem sua autonomia e as nações, sua soberania.



O mapa acima foi produzido pela empresa de consultoria do setor, a Datacenter Map que informa que o Brasil possuía, em 2023, um total de 135 instalações tipo datacenter, número que é 628% maior do que existia dez anos antes, em 2013 no país. Boa parte deles sob controle de poucos agentes vinculados às Big Techs e a grupos financeiros

O governo federal começou a desenhar um Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), sob a coordenação de Ministério da Ciência e Tecnologia e se tem a expectativa que o resultado dele, aponte projetos de políticas públicas que viabilize infraestruturas digitais (redes, datacenters e desenvolvimento de expertises), institucionalidades e financiamento que ofereçam ao país, um mínimo de independência nesse setor estratégico no capitalismo contemporâneo, geoeconomia e geopolítica. A ver!

PS.: Atualizado às 12:02 de 12 jul. 2024
Não falei no breve texto, mas é ainda oportuno lembrar que um datacenter ou um serviço de nuvem (cloud) vai muito além de armazenar dados para diversos processos digitais. Uma coleção de serviços digitais já são oferecidos para pessoas, empresas, instituições e governos que contratam esses serviços como: capacidades computacionais, acesso a redes e banco de dados. Usualmente, os especialistas em TI chamam de plataformas como serviços (PaaS), infraestrutura como serviço (IaaS), banco de dados como serviços (DBaaS) e pacotes de serviços já com Inteligência Artificial (IA) desenvolvidas. Sem datacenter ou nuvem (cloud) não se pode falar em Inteligência Artificial que demanda capacidades computacionais.

PS.: Atualizado às 12: 14 de 12 jul. 2024:
Vale ainda comentar um caso do Brasil. Um exemplo de cloud com agente nacional no Brasil é a subsidiária do Magazine Luíza, a empresa MagaluCloud que possui dois datacenters no Brasil, um em São Paulo e outro em Fortaleza. A empresa atende a demanda de serviços digitais do grupo, dos seus "parceiros" que atuam no shopping virtual (marketplace) da empresa de varejo online (e-commerce) da Magalu, mas também outros clientes. Essa subsidiária da holding Magalu é uma das 25 empresas vinculadas aos seus negócios. A MagaluCloud tem relações com o laboratório digital de desenvolvimento chamado LuizaLab que, segundo informações da mídia empresarial, empregaria cerca de 2 mil trabalhadores em desenvolvimento. Boa parte dessas 25 subsidiárias do grupo são resultados de investimentos em startups, aquisições e fusões (F&A) com aportes de recursos próprios e do mercado financeiro e se enquadram nos processos que venho aqui comentando sobre plataformização, startupização e financeirização.

PS.: Atualizado às 12:30, 12 jul. 2024 para breve acréscimo no texto original.

PS.: Atualizado às 12:46, 12 de jul. 2024:
O grupo Magalu informa ter cerca de 38 mil trabalhadores atuando em suas várias subsidiárias e negócios no país, 40 milhões de clientes ativos na sua plataforma de varejo online e teve em 2023, receita total no e-commerce de R$ 46 bilhões, sendo R$ 18 bilhões em seu marketplace (loja virtual com venda de produtos de terceiros) criado há apenas 7 anos. A receita total do grupo em 2023 atingiu o valor de R$ 63 bilhões, o que implica interpretar que 73% de sua receita é oriunda do seu e-commerce. No mês de junho, o grupo Magazine luíza informou um grande acordo na área de marketplace com a gigante plataforma chinesa AliExpress ligada à Alibaba.

PS.: Atualizado às 15:03, 13 jul. 2024: para acréscimo de um parágrafo no texto original.

quinta-feira, junho 27, 2024

Big Techs articuladas com o complexo militar dos EUA

Essa matéria ao lado (e neste link) de um jornalista brasileiro, Pedro Teixeira da FSP, que por ironia do destino viajou aos EUA a convite da AWS (subsidiária da Amazon), traz importantes elementos para se avaliar como as Big Techs americanas já atuam junto e articuladas com o complexo militar dos EUA.

A breve reportagem (publicada no online ontem e hoje na versão impressa p.12, seção Mercado) detalha a reação de trabalhadores da Big Tech Amazon contra a direção da companhia no acordo (contrato) em curso com Israel para fornecimento de infraestrutura digital com uso dos datacenters, nuvens, Big Datas e IA que estão servindo ao genocídio de Israel em Gaza contra os palestinos.

O caso reforça a interpretação de que a AWS (subsidiária Amazon que atua na armazenagem de dados com data centers já trabalha para a Defesa, FA, CIA e segurança interna dos EUA e em articulação com os exércitos de Israel e Ucrânia e confirmam uso não apenas dos Big datas e nuvens, mas softwares de reconhecimento facial, espionagem e IA na localização de palestinos e das minas na guerra Ucrânia com a Rússia.

Portanto, se percebe que a guerra cibernética não é coisa de futuro, ela já é real e vai muito para além do uso dos drones para transportar armas e jogar bombas. Esse caso da Amazon reafirma o poder das Big Techs como braços e mente das FAs e do Deep States dos EUA. Israel x Gaza e Ucrânia x Rússia parecem laboratórios para algo maior.

O aprofundamento dessas questões nos levam à interpretação sobre como acaba sendo limitada a discussão sobre a regulação sem uma infraestrutura digital própria e um projeto de IA estatal que nos dê um mínimo de soberania. Aparenta aquilo que antes era uma conjectura: o Deep State, FA, Wall Street e Big Techs são agentes e instrumentos únicos de poder na disputa geoeconômica e geopolítica por parte dos EUA no esforço de manutenção da sua soberania.

terça-feira, junho 11, 2024

Datacenters, IA, consumo de energia e as contradições da dominação técnico-digital no Brasil e no mundo

Os datacenters, coração e pulmão da chamada Inteligência Artificial (IA), têm previsão de consumir até 21% de toda a energia elétrica gerada no planeta em 2030, portanto, daqui a menos de seis anos, segundo previsão do Lincoln Laboratory, do MIT, EUA.

Fonte: da imagem: Olhar Digital (gerado com IA: +contradição.
As previsões de aumento de demanda exclusivas para o Brasil também são muito expressivas. Informações de estudos realizados e coletados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério das Minas e Energia (MME) mostram a tendência de evolução da carga elétrica prevista para os datacenters no Brasil com crescimento que pode chegar a 2,5 GW até 2037 (cerca de 5% do consumo nacional de energia elétrica em 2023), só considerando novos projetos nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará. Atualmente, existem, em trâmite processual no ministério, 12 projetos de datacenters relacionados ao acesso desses consumidores à rede de transmissão de energia elétrica do Brasil. Sete deles já estão com portarias emitidas e cinco seguem em análise.

Ou seja, o uso da IA que inclui as guerras e soa muitas vezes como ideal de progresso e como atratividade, mas significa uma enorme expansão da demanda de energia elétrica e água usada também para refrigeração destas gigantes instalações de infraestrutura digital que acabam também ampliando a emissão de gases do efeito estufa que se pretende reduzir.

Tudo isso vai na direção contrária do que chamam de transição energética. Nesse caso não caberia falar em transição no uso de energia e sim, num uso cada vez maior de energia, seja de que tipo for, que estiver à disposição da demanda gerada pela "digitalização de quase tudo" e o que vem acompanhada em sua cadeia de negócios que não estão nas nuvens, mas fincadas nos territórios.

Maior utilização de "Inteligência artificial" (IA); "aprendizagem" de máquina (ML) e "aprendizagem" profunda (DL) e IA generativa e Super IA, significam maior demanda de datacenters que já estamos vendo, e, consequentemente, uma maior consumo de energia elétrica, num mundo que ainda não a levou à todas as pessoas e comunidades.

Aliás, o geógrafo e professor Cláudio Zanotelli da UFES, tem ampliado o conhecimento e a divulgação do livro "Une nouvelle histoire de l’énergie" (Uma nova história da energia) do historiador francês Jean-Baptiste Fressoz que vem questionando o termo "transição energética" e outros, como energia verde e limpa, à luz da própria história da sua produção e do seu consumo em todo o mundo.


O mundo com a "digitalização de quase tudo" como etapa da reestruturação produtiva contemporânea e com os cálculos e estatísticas que exigem mais capacidade computacional para definir os padrões que a tal IA utiliza, significa muito mais consumo e produção de energia do que se tem hoje, globalmente. Daí que se começa a perceber que não parece conveniente falar, necessariamente, em transição energética, como questiona Fressoz.

O que impressiona ainda mais é que tudo isso está cada vez mais centralizado nas mãos de poucas e gigantes corporações, em boa parte controladas pelo capital e fundos financeiros que vão explicando aquilo que venho sempre repetindo: dominação tecnológica alinhada à hegemonia financeira e sob a lógica da racionalidade neoliberal.