terça-feira, dezembro 10, 2024

Divulgação científica: textos para dois livros, após período de afastamento

Levei cerca de 4/5 meses afastado das redes sociais. Tempo usado para cuidar da saúde. Nesse período, tive que recusar convites para mesas-redondas de congressos e seminários e algumas bancas de mestrado e doutorado. Nesse período o blog também completou (em 10 de agosto) 20 anos de funcionamento.

Agora, já bem, venho retornando às mídias sociais aos poucos, porque só no afastamento, se observa como elas nos tomam tempo útil, embora sirvam também de comunicação. A "digitalização de quase tudo" como costumo falar, é sempre, simultaneamente, atrativa e perigosa. Assim, como os remédios, os riscos estão na dose.

Nesse período, dois livros que contribuí com textos (capítulos), ambos surgidos após debates e seminários, foram lançados e também não pude participar diretamente. As duas publicações tratam de assuntos que estão relacionados diretamente às minhas atuais pesquisas, ligadas à digitalização como etapa atual da reestruturação produtiva imbricada à hegemonia do capital financeiro, sob a racionalidade neoliberal.

O 1º dos livros-coletânea tem o apoio do CNPQ, foi lançado em julho na UnB e foi organizado pelos companheiros professores Ricardo Toledo Neves (UnB) e Flávio Chedid Henriques (UFRJ) e seu título é "Um horizonte de lutas para a Autogestão: O trabalho organizado por plataforma digital". Meu texto é o capítulo 1: Plataformismo: uma nova etapa do modo de produção capitalista? [O sumário de toda a publicação seguirá abaixo]
 

O 2º livro-coletânea é "Geografia da Economia Política na América Latina" lançado na última semana na UFF, foi organizado pelos companheiros pesquisadores da ReLAEE (Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço e Economia): Edilson Pereira Jr. (UEC); Denis Castilhos (UFG); Luciana Buffalo (UN Córdoba); Cláudio Zanotelli (UFES) e Naomi Fratini (UN Córdoba). Editora Consequência. O meu texto está na 2ª Parte "Economia de Plataforma, Produção, Circulação e Geografia de investimentos". Capítulo 6: "Infraestrutura digital, extrativismo Hi-Tech e capitalismo de plataformas. Artérias digitais escancaradas da América Latina - uma homenagem a Galeano". [O sumário de toda a publicação seguirá abaixo].

Sigamos em frente!





 





sexta-feira, dezembro 06, 2024

"Açu 2017-2024" Fotolivro do Mateus Gomes

O fotógrafo, artista e pesquisador Mateus Gomes Almeida lançou agora em 2024, o seu fotolivro: Açu. O livro contém imagens que expõe um olhar que se pode chamar de arte-resistência sobre as consequências pessoais, sociais e ambientais da população do território hoje ocupado pelo complexo portuário do Açu, instalado no Norte Fluminense, município de São João da Barra.



Mateus Gomes nasceu em 1993 em Campos dos Goytacazes, RJ é graduado em Direito pela UCAM Campos, foi pesquisador colaborador no Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem (LEAA) da UENF. Atualmente é graduando em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e atua como pesquisador, fotógrafo e artista independente. Suas pesquisas investigam em especial "temas relacionados a geografia humana, geopolítica, globalização e ao território como matriz da vida social, econômica e política, produzindo trabalhos em fotografia, vídeo e desenho".

Esse é o segundo fotolivro sobre o tema do Açu. Outro lançado em 2023 se chama Escombros e foi lançado pela Editora Photothings e também retrata o desmonte do habitar dos pequenos agricultores expulsos de suas terras no Açu.

O livro “Açu” participou da Convocatória de Fotolivros Festival Zum, do Instituto Moreira Sales, São Paulo (2024), foi escolhido para exposição coletiva (em curso até fevereiro de 2025 no IMS) e também passou a integrar o acervo da biblioteca do IMS paulista.

O fotolivro "Açu" tem 208 páginas, 110 imagens, é dividido em três capítulos e oferece uma análise crítica do extrativismo em sua fase contemporânea e articulada às cadeias de valor global (CVG), articuladas aos sistemas portuários que tratei na postagem anterior.

Nas palavras do autor (Mateus Gomes) "o fotolivro foi desenvolvido entre os anos de 2017 e 2024, a partir da perspectiva territorial e pessoal do autor, o livro apresenta imagens que contrastam dois mundos distintos – o industrial e o rural –, cujas coexistências são forçadas por interesses econômicos e políticos. O foco recai sobre os agricultores familiares, principais vítimas da atividade extrativista, que testemunham a supressão de suas comunidades em nome do capitalismo predatório".

Por conta de minhas pesquisas sobre a implantação do projeto do Porto do Açu, (holding EBX e depois Prumo), expostas em centenas de postagens no meu blog, tese de doutoramento e capítulos de livro, Mateus Gomes me solicitou e tive a honra de publicar o texto “Porto para quê e para quem” que encerra o referido livro.

Vale conferir um pouco sobre a arte-resistência do Mateus Gomes em seu site que também reproduz algumas das imagens publicadas em seu livro:

Sistema portuário da região Sudeste: instalações, potencial e impactos

Chama-se de porto um complexo de logística que abarca diferentes e variados terminais. Raramente um porto é especializado em um tipo único de carga e uso de apenas um terminal. O(s) tipo(s) do terminal(is) e suas características físicas determinam os tipos de navios que movimentam cargas importadas ou exportadas, ou em navegação de cabotagem, dentro do país. São navios graneleiros (entre eles o petroleiro, gaseiro, etc.), conteineiros, etc. 

O Brasil dispõe atualmente de 36 portos públicos organizados com 170 terminais concedidos e 210 Terminais de Uso Privado (TUPs). Em todo o país, a maior parte das cargas movimentadas (em especial para exportações) são pela ordem: minério de ferro, petróleo - derivados e combustíveis - e agronegócio, puxado especialmente pela soja. Essa ordem é alterada conforme o critério por volume, peso ou valor em US$ FOB.

Os estados litorâneos aproveitam a geografia física para ampliar a obtenção de projetos de infraestrutura logística (integração modal) e assim avançar na conquista de movimentação de cargas. No Brasil, o período dos últimos 25 anos foram importantes para o desenrolar deste processo.

Agentes do setor pressionaram o Estado para a adoção de novos marcos legais (Lei dos Portos de 1993 e Lei 12.815/2013 (ex-MP dos Portos) e institucionais para reestruturar o sistema portuário nacional. Ambas estabeleceram regras e condições jurídicas que levaram à ampliação da participação do setor privado nos portos.

Os portos e seus terminais podem ainda serem analisados e classificados sobre a evolução da geração de usos, muito vinculados às instalações e às tecnologias. No mundo, conforme a classificação, se fala em 4 ou 5 gerações. A conteinerização é um desses marcos, porque o seu uso multimodal deu enorme celeridade às cargas, num momento em que o contêiner passou a ser chamado de espinha dorsal (back-bone) do transporte. Outra mais recente geração é o porto-indústria (ZIP - Zona Industrial Portuária) ou MIDAs (Maritime Industrial Development Areas - ou Área de Desenvolvimento Industrial Marítimo), normalmente instalados fora dos núcleos urbanos, com objetivo de ampliar a fluidez das cargas, e tendem a gerar espaço tipo enclaves econômicos.

Essa última geração de portos (ZIP ou MIDAs) também é responsável pelo que chamo de "gigantismo naval" que puxou o "gigantismo portuário". Navios cada vez maiores, que transportam volumes colossais a granel (óleo, soja, minérios, etc.) ou em contêineres que passam a demandar imensos terminais portuários com enorme profundidade para receber a atracação desses navios gigantes de enorme calado e que armazenam e transportam, hoje, até 25 mil contêineres. [1]

A Região Sudeste do Brasil tem três dos seus quatro estados litorâneos com uma extensão de 1.668 km dos 7491 km de litoral de todo o país. Outro fato que contribui para a instalação de tantos portos e terminais nessa região é a concentração econômica nessa região, que detém cerca de 53% de todo o PIB do Brasil. 

O estado de Minas Gerais é o único estado da região Sudeste sem litoral e que se serve dos portos dos outros três estados litorâneos, em especial RJ e ES, que hoje disputam a oferta de logística portuária para a movimentação de cargas oriundas ou recebidas pelos mineiros. 

Vale ainda registrar que a região Sudeste tem o porto com a maior movimentação de cargas da América Latina: Porto de Santos que hoje possui 53 diferentes terminais (nem todos listados no mapa abaixo da Antaq). Já o Estado do Rio de Janeiro, chamados por alguns pela alcunha de "Estado-porto" é de toda a região Sudeste, aquele que possui mais instalações portuárias ao longo do seu litoral. 

São 7 municípios com instalações portuários no ERJ: Rio de Janeiro (capital); Niterói; Itaguaí; Angra dos Reis; Arraial do Cabo; Macaé (não aparece no mapa da Antaq) e São João da Barra. Esse fato em si é ainda pouco lembrado quando se estuda a economia fluminense, suas potencialidades e desafios. A infraestrutura logística movimenta grande volume de recursos, embora, muitas vezes, se sirva dos municípios e de suas regiões apenas como "territórios de passagem" das cadeias de valor global (CVG).

Os sistemas portuários são cada vez mais importantes no capitalismo globalizado contemporâneo que se utiliza de imenso fluxo materiais entre as nações e intranacionais. As instalações portuárias são utilizadas, na maioria das vezes, para o fluxo de maior distância, superior a 2 mil km, mas quase sempre integrado a outros modais de transporte como o rodoviário, ferroviário e mesmo o aeroviário. 

Suas instalações têm provocado, ao longo do tempo, desapropriações e expulsões violentas de populações originárias (caiçaras, pescadores e pequenos agricultores) e a produção de enorme impacto ambiental, quase sempre não compensadas ou mitigadas pelos controladores e proprietários desses sistemas que alimentam cadeias de valor global por todo o mundo.


Nota: 
[1] Artigo publicado em 26 de dezembro de 2012 na revista GeocritiQ [Plataforma digital ibero-americana para la difusión del trabajo científico] da Faculdade de Geografia da Universidade de Barcelona: "Portos demandam regulação". Disponível em: https://primeraepoca.geocritiq.org/portos-demandam-regulacao/

PS.: Atualização em 07 de dezembro de 2024 às 22:24 para acrescentar um parágrafo e uma nota com a referência.

segunda-feira, novembro 11, 2024

Em 2023, Campos,RJ se mantém com 17 mil matrículas no ensino superior presencial, mas somado à Educação à Distância (EaD), chega a quase 30 mil graduandos

Este blog, há quase duas décadas, publica a evolução das matrículas nas instituições de ensino superior no município de Campos dos Goytacazes, RJ e demais municípios fluminenses.

Os números têm sido extraídos e tabulados da complexa "base de microdados" do Censo do Inep/MEC, em trabalho dedicado, feito exclusivamente para o blog pelo professor José Carlos Salomão Ferreira (IFF). Esses indicadores são do Censo do Ensino Superior 2023.

Esse trabalho de extração, tabulação e primeiras análises dos dados é uma contribuição do blog para demais pesquisadores, estudiosos sobre o assunto e autoridades públicas.

Desde 2013, o total de matrículas presenciais no município de Campos dos Goytacazes se estabilizou na faixa dos 17 mil universitários. Esse total já chegou a ser de 21 mil no ano de 2008 com 13 instituições, quando o número de bolsas universitárias das prefeituras era grande (com a fartura dos royalties) e o percentual de matrículas nas instituições privadas era de 78% do total.

A partir de 2020, passaram a ser apenas 11 instituições ofertantes de matrículas no ensino superior presencial em Campos dos Goytacazes, sendo 4 públicas e 8 privadas.

Abaixo a tabela com os números extraídos do Censo do Ensino Superior 2023 do Finep-MEC.


Nos anos de 2021 e 2022 (crise econômica nacional, redução dos royalties e Pandemia), as instituições públicas somaram um pouco mais matrículas que as instituições privadas: cerca de 51% x 49%. Mas, em 2023, as instituições privadas voltaram a ter mais matrículas no ensino superior presencial: 50,2% x 49,8%, quase empatadas.

A instituição pública com maior número de graduandos é o Instituto Federal Fluminense (IFF) com 3.824 matrículas, seguido da UFF com 2.145 matrículas, depois Uenf com 2.136 matrículas e Isepam com 436 matrículas.

Entre as instituições privadas no município, a que possui o maior nº de graduandos é a Estácio com 1.971 matrículas, mas praticamente empatada com o Isecensa com 1.934 matrículas e a Universo com 1.940 matrículas. Seguidas da FMC com 1033 matrículas (com nº de matrículas crescentes), Uniflu com 850 matrículas e UCam com 834 matrículas e com números decrescentes nos últimos 5 anos, desde 2018.

A maior perda de matrículas aconteceu no último ano na Estácio com menos 321 graduandos. Entre as instituições públicas, a maior perda de matrículas ocorreu no polo da UFF, com redução de 188 estudantes.

Assim como no plano nacional, em 2023, o crescimento de matrículas na Educação à Distância (EaD) no município de Campos dos Goytacazes não para de crescer e chegou a um total de 12.047 matrículas quando eram 9.864 matrículas em 2022. Um percentual, 22% maior de alunos na EaD em Campos, RJ.

Vale ainda ressaltar que em Campos, RJ, ao contrário do plano nacional, as matrículas presenciais no ensino superior são superiores às de Ead (17.173 presenciais x 12.047 em Ead).

Há ainda que se registrar, como já tenho comentado nos levantamentos nos anos anteriores, que o ensino universitário deve ser sustentado no tripé: ensino, pesquisa e extensão, que deveriam funcionar de forma integrada, em que cada uma alimenta a outra. E neste caso, a pesquisa e extensão nas instituições privadas são irrisórias ou não existem. Em especial, a pesquisa, já que a extensão, existe com alguns esforços nesse sentido, em algumas das sete instituições privadas que funcionam em Campos, RJ. No caso de EaD a ausência da extensão e pesquisa é ainda pior.

Estima-se que as matrículas na pós graduação em Campos (especialização, mestrado e doutorado), anualmente, se situr na faixa de 4 mil estudantes pós-graduandos (maioria em especialização, mas com nº crescente de matrículas em mestrado e doutorado). Assim, é ainda possível afirmar que o município de Campos dos Goytacazes poderia ter um número total, entre matrículas presenciais, EaD e Pós graduação em torno de entre 34 mil universitários. Um número bastante expressivo e que se reflete de alguma forma na economia local e regional.

Em termos regionais, identifica-se que há quase duas décadas, o município de Campos dos Goytacazes se consolidou como o maior polo de educação superior no interior do ERJ, fora da região metropolitana, embora na última década, se observe que municípios próximos tenham também se estabelecidos como polos universitários, mesmo que num patamar menor: Macaé com cerca de 9 mil matrículas; Itaperuna com aproximadamente 8 mil matrículas e Cabo Frio na faixa das 7 mil matrículas.

Essa realidade da expansão regional dos polos de educação superior amplia a expressividade dos números de universitários em Campos dos Goytacazes e também a importância do potencial de qualificação dessa parte do território fluminense que inclui as regiões Norte, Noroeste e Baixadas Litorâneas.


Referências:

[1] Postagem do blog em 23 de outubro de 2023. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em cerca de 17 mil, em 2022 em Campos, RJ. Somado à EaD chega a 27 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2023/10/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[2] Postagem do blog em 1 de novembro de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 4% em Campos, RJ, mas com ligeiro aumento nas instituições públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/11/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[3] Postagem do blog em 18 de abril de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 5% em 2020, em Campos, RJ. Porém, somado à EaD chegam a 25 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2022/04/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[4] Postagem do blog em 22 de setembro de 2019. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em Campos nos últimos 4 anos: percentual aumenta nas públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2019/09/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[5] Postagem do blog em 23 de setembro de 2018. Apesar da crise, as matrículas no ensino superior em Campos se estabilizam em 20 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/09/apesar-da-crise-as-matriculas-no-ensino.html

[6] Postagem do blog em 11 de novembro de 2017. Censo do Ensino Superior 2016: Campos com 19,8 mil universitários. E a qualidade? Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/11/censo-do-ensino-superior-2016-campos.html

[7] Postagem do blog em 8 de dezembro de 2017. Entre 2003 e 2016, as matrículas no ensino superior no ERJ cresceram 36%. Nas instituições públicas cresceram (82%). Mais de três vezes que (25%) o crescimento nas instituições privadas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/12/entre-2003-e-2016-as-matriculas-no.html

[8] Postagem do blog sobre o Censo nos anos anteriores. Em 23 nov. 2016.
Campos aumenta nº estudantes no Ensino Superior para 19,3 mil matrículas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/11/campos-aumenta-n-estudantes-no-ensino.html

[9] Postagem do blog em 1 de mar. 2016. Campos possui 18 mil alunos no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/03/campos-possui-18-mil-alunos-no-ensino.html

[10] Postagem do blog em 18 de ago. de 2015. Ensino superior em Campos perde 4 mil matrículas em 5 anos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/08/ensino-superior-em-campos-perde-4-mil.html?m=1

[11] Postagem do blog em 31 jul 2015. Campos tem 17,1 mil alunos matriculados no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/campos-tem-171-mil-alunos-matriculados.html

terça-feira, julho 16, 2024

Bet na palma da mão e no fundo do bolso, é plataformização na veia!

Pesquisa comentada em reportagem da Folha de São Paulo e outras mídias expõem algo que já vinha sendo percebido em supermercados e até pelos bancos sobre as apostas online não apenas as esportivas.

[Apostadores deixam de comer pizza e ir ao cinema e até adiam compra de cama para gastar com bets - Consumidor diminui gasto com produtos mais básicos para incluir aposta esportiva online no orçamento, diz pesquisa

Os brasileiros estão presos nos aplicativos de apostas online usados celulares e deixando de comer, se divertir, entre outras muitas atividades. A própria associação das empresas de jogos e loteria (ANJL) admite que o setor já movimenta R$ 110 bilhões. Não é difícil imaginar que o valor seja muito maior e extrapole os sites e aplicativos nacionais. Só nos cinco maiores clubes de futebol as bets investiram mais de R$ 100 milhões, fora os campeonatos, eventos (Rock in Rio e Lollapalloza) e propaganda na mídia tradicional.

O setor de jogos se alimenta e retroalimenta o setor esportivo, em especial o futebol. Por isso, campeonato e a maioria dos clubes da série A e B são patrocinados pelas bets. Personalidades e ídolos do esporte são os maiores divulgadores desses aplicativos (Apps) de apostas.

A publicidade nas TVs, rádios e impressos também cresce, para além do que essas empresas-aplicativos já gastam com as plataformas-raiz, as Big Techs que são veículos, na medida em que esses aplicativos são disponibilizados nas lojas Play Store (Google) e Apple Store, além de alimentarem dos dados capturados e comercializados por essas gigantes empresas-plataformas.

Porém, o espanto sobre até onde estão chegando as Bets (apostas) a ponto de reduzir gastos das famílias com o consumo de produtos básicos, de outro lado, não revisita o fato que sem a “plataformização da sociedade”, essa expansão da oferta de apostas seria impossível. Todos sabem que as loterias e mesmo o jogo do bicho no Brasil, sempre tiveram um nicho, porém nem de longe no patamar que os aplicativos bets estão colocando.

O que se consegue enxergar na parte externa desse iceberg é muito menor do que aquilo que está enclausurado na questão. As Bets se multiplicam mundo afora e só inocentes creem que adolescentes estão proibidos. Conversem com professores do ensino médio e descobrirão um pouco do que está em curso.

Os governos presos à ordem do capital e aos ideários neoliberais da austeridade, enxergam nesse movimento bilionário das bets, chances de ampliar suas receitas, para assim liberar a tributação sobre os serviços financeiros, dividendos e lucros dos grandes financistas.

O vício na palma da mão também se reflete na percepção sobre as políticas públicas (incluindo renda mínima) que passam a ser menos percebidas e usufruídas pelos que estão caindo na tentação da aposta online 24x7 (tempo todo, 24 horas nos 7 dias da semana).

Não se trata apenas da facilitação do meio para acesso às casas de apostas, agora na palma da mão dos celulares, via as plataformas digitais no lugar das antigas e poucas loterias de rua.

Vale registrar que os aplicativos de apostas esportivas trabalham com a hiperpersonalização dos usuários obtida com a coleta, armazenamento e processamento de dados. Assim, reúnem as informações dos usuários como renda, consumo, etc., mas também o perfil psicológico em que os algoritmos identificam facilmente os potencialmente viciados, ou mais suscetível, às sugestões online.

Esses são bombardeados o tempo todo com ofertas e sugestões de todo o tipo de apostas esportivas que vão consumir tempo e dinheiro de pessoas das diferentes classes sociais, mas em especial, daquelas mais vulneráveis às expectativas para saírem das dificuldades financeiras ou a promessa do paraíso da riqueza vendida tal qual o antigo grande prêmio da loteria. Agora, esses prêmios em muitos casos, já nem são tão extraordinários assim.

Porém, a pesquisa citada na matéria da FSP identifica um perfil de usuários das bets surpreendentes: 42% de mulheres x 58% homens [um universo que se imaginava quase que apenas masculino]; 77% classes B e C; 54% classe C, 33% classe B; 8% D/E e 5% classe A. O que pode refletir o perfil médio de origem de acesso online das classes sociais no Brasil. 64% dos pesquisados informam que usam suas rendas principais nas apostas.

Para se aprofundar no assunto, sugiro ainda que olhem os outros dados da pesquisa como idade dos apostadores, o que deixou de comprar para fazer apostas, a frequência das apostas, as plataformas mais utilizadas, etc.

O que está em curso espanta [ou deveria espantar]. Na correria e aceleração em que se vive nos tempos presentes, essas transformações vão sendo banalizadas e incorporadas, sem que a sociedade e seus representantes no Estado se deem conta do que está em andamento. Não é difícil imaginar que incongruências que muitos de nós percebemos em muitas das pesquisas de opinião pública sobre governos e instituições, estejam sendo transformadas para além daquela relação automática.

Se a “compra de blusinhas” nas varejistas online Shein, Shoppe e Temu causaram tanto debate, por que as bets e seus efeitos seriam menores e só percebidos como extraordinária fonte de receitas tributárias? A cada semana novas empresas bets de apostas passam a operar no Brasil e a sensação é que a plataforma montada pelo governo federal (Sistema de gestão de apostas (Sigap) controlado pelo Ministério da Fazenda parece apenas um sistema de autorização, outorga de funcionamento e recolhimento de tributos 

quinta-feira, julho 11, 2024

Datacenters no Brasil e no mundo e seu papel estratégico na geoeconomia e geopolítica

Há no mundo um número que pode se estimar entre 7 mil e 10 mil datacenters, cerca de 1/3 deles nos EUA. O número exato é cada vez mais difícil de ser identificado pelas questões de segurança e soberania cibernéticas.

Saber o número total desta importante infraestrutura digital é menos importante do que conhecer a sua capacidade de armazenamento e processamento de dados, que implica em enorme consumo de energia para alimentar os racks de computadores e memórias e água para refrigerar o sistema com a troca de calor.

Esse colossal consumo de energia elétrica também se reflete na poluição, apesar da aura de atividade limpa que tem o setor de tecnologia. Segundo os próprios dados das Big Techs, a Google assume que aumentou suas emissões de gases de efeito estufa em cerca 50% desde 2019. A Microsoft em 33% desde 2020. Tudo em função dos datacenters e IA. Alguns especialistas dizem que dados seriam "o novo petróleo", mas podemos ver que isso não se daria apenas pelo valor, mas pelos efeitos para o ambiente.

O aumento da quantidade dessas instalações está ligado de forma especial à algoritmização, extração de padrões que depende de modelagens ligadas à chamada inteligência artificial. Cada vez mais as grandes corporações de tecnologia controlam essas infraestruturas, assim como as redes (cabos submarinos) que as interligam aos usuários intermediados também pelas operadoras de telefonia (comunicação).

O simples acesso a um email, uma busca no Google, acesso ou guarda de uma foto do Drive, um clique numa postagem nas mídias sociais, uma música ou filme no streaming, tudo isso, demanda o uso dessas infraestruturas em velocidades de nanosegundos consumindo energia. Se estima que uma consulta no tal ChatGPT ou similar, pode consumir até 25 vezes mais recursos que uma busca convencional no Google.

Sem controle dessas infraestruturas digitais, pessoas, instituições perdem sua autonomia e as nações, sua soberania.



O mapa acima foi produzido pela empresa de consultoria do setor, a Datacenter Map que informa que o Brasil possuía, em 2023, um total de 135 instalações tipo datacenter, número que é 628% maior do que existia dez anos antes, em 2013 no país. Boa parte deles sob controle de poucos agentes vinculados às Big Techs e a grupos financeiros

O governo federal começou a desenhar um Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), sob a coordenação de Ministério da Ciência e Tecnologia e se tem a expectativa que o resultado dele, aponte projetos de políticas públicas que viabilize infraestruturas digitais (redes, datacenters e desenvolvimento de expertises), institucionalidades e financiamento que ofereçam ao país, um mínimo de independência nesse setor estratégico no capitalismo contemporâneo, geoeconomia e geopolítica. A ver!

PS.: Atualizado às 12:02 de 12 jul. 2024
Não falei no breve texto, mas é ainda oportuno lembrar que um datacenter ou um serviço de nuvem (cloud) vai muito além de armazenar dados para diversos processos digitais. Uma coleção de serviços digitais já são oferecidos para pessoas, empresas, instituições e governos que contratam esses serviços como: capacidades computacionais, acesso a redes e banco de dados. Usualmente, os especialistas em TI chamam de plataformas como serviços (PaaS), infraestrutura como serviço (IaaS), banco de dados como serviços (DBaaS) e pacotes de serviços já com Inteligência Artificial (IA) desenvolvidas. Sem datacenter ou nuvem (cloud) não se pode falar em Inteligência Artificial que demanda capacidades computacionais.

PS.: Atualizado às 12: 14 de 12 jul. 2024:
Vale ainda comentar um caso do Brasil. Um exemplo de cloud com agente nacional no Brasil é a subsidiária do Magazine Luíza, a empresa MagaluCloud que possui dois datacenters no Brasil, um em São Paulo e outro em Fortaleza. A empresa atende a demanda de serviços digitais do grupo, dos seus "parceiros" que atuam no shopping virtual (marketplace) da empresa de varejo online (e-commerce) da Magalu, mas também outros clientes. Essa subsidiária da holding Magalu é uma das 25 empresas vinculadas aos seus negócios. A MagaluCloud tem relações com o laboratório digital de desenvolvimento chamado LuizaLab que, segundo informações da mídia empresarial, empregaria cerca de 2 mil trabalhadores em desenvolvimento. Boa parte dessas 25 subsidiárias do grupo são resultados de investimentos em startups, aquisições e fusões (F&A) com aportes de recursos próprios e do mercado financeiro e se enquadram nos processos que venho aqui comentando sobre plataformização, startupização e financeirização.

PS.: Atualizado às 12:30, 12 jul. 2024 para breve acréscimo no texto original.

PS.: Atualizado às 12:46, 12 de jul. 2024:
O grupo Magalu informa ter cerca de 38 mil trabalhadores atuando em suas várias subsidiárias e negócios no país, 40 milhões de clientes ativos na sua plataforma de varejo online e teve em 2023, receita total no e-commerce de R$ 46 bilhões, sendo R$ 18 bilhões em seu marketplace (loja virtual com venda de produtos de terceiros) criado há apenas 7 anos. A receita total do grupo em 2023 atingiu o valor de R$ 63 bilhões, o que implica interpretar que 73% de sua receita é oriunda do seu e-commerce. No mês de junho, o grupo Magazine luíza informou um grande acordo na área de marketplace com a gigante plataforma chinesa AliExpress ligada à Alibaba.

PS.: Atualizado às 15:03, 13 jul. 2024: para acréscimo de um parágrafo no texto original.

quinta-feira, junho 27, 2024

Big Techs articuladas com o complexo militar dos EUA

Essa matéria ao lado (e neste link) de um jornalista brasileiro, Pedro Teixeira da FSP, que por ironia do destino viajou aos EUA a convite da AWS (subsidiária da Amazon), traz importantes elementos para se avaliar como as Big Techs americanas já atuam junto e articuladas com o complexo militar dos EUA.

A breve reportagem (publicada no online ontem e hoje na versão impressa p.12, seção Mercado) detalha a reação de trabalhadores da Big Tech Amazon contra a direção da companhia no acordo (contrato) em curso com Israel para fornecimento de infraestrutura digital com uso dos datacenters, nuvens, Big Datas e IA que estão servindo ao genocídio de Israel em Gaza contra os palestinos.

O caso reforça a interpretação de que a AWS (subsidiária Amazon que atua na armazenagem de dados com data centers já trabalha para a Defesa, FA, CIA e segurança interna dos EUA e em articulação com os exércitos de Israel e Ucrânia e confirmam uso não apenas dos Big datas e nuvens, mas softwares de reconhecimento facial, espionagem e IA na localização de palestinos e das minas na guerra Ucrânia com a Rússia.

Portanto, se percebe que a guerra cibernética não é coisa de futuro, ela já é real e vai muito para além do uso dos drones para transportar armas e jogar bombas. Esse caso da Amazon reafirma o poder das Big Techs como braços e mente das FAs e do Deep States dos EUA. Israel x Gaza e Ucrânia x Rússia parecem laboratórios para algo maior.

O aprofundamento dessas questões nos levam à interpretação sobre como acaba sendo limitada a discussão sobre a regulação sem uma infraestrutura digital própria e um projeto de IA estatal que nos dê um mínimo de soberania. Aparenta aquilo que antes era uma conjectura: o Deep State, FA, Wall Street e Big Techs são agentes e instrumentos únicos de poder na disputa geoeconômica e geopolítica por parte dos EUA no esforço de manutenção da sua soberania.

terça-feira, junho 11, 2024

Datacenters, IA, consumo de energia e as contradições da dominação técnico-digital no Brasil e no mundo

Os datacenters, coração e pulmão da chamada Inteligência Artificial (IA), têm previsão de consumir até 21% de toda a energia elétrica gerada no planeta em 2030, portanto, daqui a menos de seis anos, segundo previsão do Lincoln Laboratory, do MIT, EUA.

Fonte: da imagem: Olhar Digital (gerado com IA: +contradição.
As previsões de aumento de demanda exclusivas para o Brasil também são muito expressivas. Informações de estudos realizados e coletados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do Ministério das Minas e Energia (MME) mostram a tendência de evolução da carga elétrica prevista para os datacenters no Brasil com crescimento que pode chegar a 2,5 GW até 2037 (cerca de 5% do consumo nacional de energia elétrica em 2023), só considerando novos projetos nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará. Atualmente, existem, em trâmite processual no ministério, 12 projetos de datacenters relacionados ao acesso desses consumidores à rede de transmissão de energia elétrica do Brasil. Sete deles já estão com portarias emitidas e cinco seguem em análise.

Ou seja, o uso da IA que inclui as guerras e soa muitas vezes como ideal de progresso e como atratividade, mas significa uma enorme expansão da demanda de energia elétrica e água usada também para refrigeração destas gigantes instalações de infraestrutura digital que acabam também ampliando a emissão de gases do efeito estufa que se pretende reduzir.

Tudo isso vai na direção contrária do que chamam de transição energética. Nesse caso não caberia falar em transição no uso de energia e sim, num uso cada vez maior de energia, seja de que tipo for, que estiver à disposição da demanda gerada pela "digitalização de quase tudo" e o que vem acompanhada em sua cadeia de negócios que não estão nas nuvens, mas fincadas nos territórios.

Maior utilização de "Inteligência artificial" (IA); "aprendizagem" de máquina (ML) e "aprendizagem" profunda (DL) e IA generativa e Super IA, significam maior demanda de datacenters que já estamos vendo, e, consequentemente, uma maior consumo de energia elétrica, num mundo que ainda não a levou à todas as pessoas e comunidades.

Aliás, o geógrafo e professor Cláudio Zanotelli da UFES, tem ampliado o conhecimento e a divulgação do livro "Une nouvelle histoire de l’énergie" (Uma nova história da energia) do historiador francês Jean-Baptiste Fressoz que vem questionando o termo "transição energética" e outros, como energia verde e limpa, à luz da própria história da sua produção e do seu consumo em todo o mundo.


O mundo com a "digitalização de quase tudo" como etapa da reestruturação produtiva contemporânea e com os cálculos e estatísticas que exigem mais capacidade computacional para definir os padrões que a tal IA utiliza, significa muito mais consumo e produção de energia do que se tem hoje, globalmente. Daí que se começa a perceber que não parece conveniente falar, necessariamente, em transição energética, como questiona Fressoz.

O que impressiona ainda mais é que tudo isso está cada vez mais centralizado nas mãos de poucas e gigantes corporações, em boa parte controladas pelo capital e fundos financeiros que vão explicando aquilo que venho sempre repetindo: dominação tecnológica alinhada à hegemonia financeira e sob a lógica da racionalidade neoliberal.

terça-feira, junho 04, 2024

Digitalização e financeirização sempre juntas e misturadas na espiral de acumulação infindável

A matéria da revista Exame: "A estratégia por trás do fundo tokenizado da Blackrock : O primeiro fundo tokenizado público da BlackRock não é apenas um marco financeiro, mas um testemunho de seu compromisso em revolucionar as finanças tradicionais", é, na verdade, mais uma propaganda do maior fundo financeiro global, o americano BlackRock que tem patrimônio líquido de mais de US$ 10 trilhões.

Vale registrar que atualmente a revista Exame está nas mãos do grupo financeiro BTG Pactual, assim como quase todos os demais portais que tratam de notícias financeiras no Brasil.

Nessa propaganda se vê que além da já conhecida plataforma tecnológica Aladdin, o BlackRock já está utilizando para a sua capitalização e para modelar seus movimentos financeiros atrás de maiores lucros em curtos prazos, outra plataforma financeira: o "BUIDL, Fundo de Liquidez Digital Institucional" que opera ETFs na rede Ethereum, com bitcoins, tochenização e outros com uso da tecnologia blockchain em negócios com ativos digitais.

Assim, imbricados e enlaçados, a digitalização vai lubrificando a acumulação entre ativos reais (tradicionais) e financeiros, garantindo aos seus investidores liquidez 24/7 (transferibilidade em 24 horas e 7 dias por semana) - fluidez total - com "conexão perfeita entre as finanças digitais e tradicionais" e "pagamentos de dividendos diários dos investimentos".

Tudo isso reafirma o que temos chamado de "tripé do capitalismo contemporâneo" sustentado pela digitalização de quase tudo como etapa atual da reestruturação produtiva; a hegemonia financeira; e a racionalidade neoliberal do mercado.
 
Capitalização e valorização juntas e misturadas, constituindo a "espiral de acumulação infindável" denominada por David Harvey, ou o que chamo de capital helicoidal no meu livro "A 'indústria' dos fundos financeiros: potência, estratégia e mobilidade no capitalismo contemporâneo" (Consequência, 2019).

Capital helicoidal como movimentos do capital em torno de um eixo que jamais passa por um mesmo ponto, não constrói círculos e nem elipses que se fecham em si, mas trajetórias helicoidais em que o plano seguinte do movimento se situa num outro patamar de extração.

quinta-feira, maio 30, 2024

Comércio online, disputa entre os players e captura das rendas locais: plataformização segue produzindo enormes transformações

Uma parte da discussão sobre a taxação das importações até U$ 50 que acontece no Brasil atual, se insere na questão mais ampla do comércio eletrônico (e-commerce) onde se trava uma enorme disputa no país.

Valor: 29 mai. 2020, P.F4. [1]
Desde o ano de 2020, o volume de vendas no e-commerce no Brasil cresceu cerca de 60% e deve superar R$ 204 bilhões, num universo que envolve quase 100 milhões de compradores online. Reflexo do que tenho chamado de Plataformização.

Nesse âmbito, apenas para citar um exemplo, uma das players do e-commerce, a Mercado Livre é a maior vendedora de peças de automóveis do Brasil.

Em 2020, no período que envolveu a Pandemia, eu realizei uma pesquisa que reduziu na publicação de um artigo na revista ComCiência da área de jornalismo da Unicamp, depois republicado com algumas alterações no Livro "Marcas da Inovação no Território" com o título: "Disputa no e-commerce de varejo no Brasil: entre o intangível digital e a materialidade da infraestrutura de logística". [2]

Muitas coisas se alteraram de lá para cá.
Na ocasião, a empresa-plataforma americana Amazon, estava acabando de entrar no país, o artigo falava da vinda da Shopee, que naquele momento, já era o aplicativo mais baixado no Brasil e a Shein se organizava para atender esse mesmo mercado. Assim, os players de e-commerce disputando espaço no Brasil cresceu para além da argentina-americana Mercado Livre, Amazon e das brasileiras Magalu, Via (Casas Bahia e Ponto Frio) e Americanas (B2W), para as chinesas AliBaba e Shein e Shopee da Singapura.

A base de logística envolve softwares para ampliar, facilitar e dar agilidade na "relação fidigital" e foram ampliados a instalação de enormes Centros de Distribuição (CD), cross-dockings (sistema de distribuição e despacho das mercadorias) com alguns hubs logísticos e a contratação de mais entregadores na última ponta do sistema.

Abaixo estão um quadro (retirado do artigo) dessas players, na disputa no Brasil em 2000 e também um mapa localizando os CDs instalados no país.
 

Fontes: 
Quadro: Empresas-plataformas digitais de e-commerce de varejo no Brasil em 2020. Elaboração: PESSANHA, 2020.
Mapa: Distribuição espacial da infraestrutura de logística das empresas de varejo e-commerce e Correio no Brasil em 2020. Elaboração: PESSANHA, 2020.

A aceleração desse processo é vertiginosa e nesses últimos 4 anos (de 2020 para 2024) muitos CDs foram instalados e/ou contratados, inclusive dos Correios. Para ficar num exemplo, a Shopee conta hoje (2024) com 11 CDs e 11 Hubs logísticos em MG, mais de 1.800 pontos de coletas de entrega, 20 mil motoristas e 250 pontos regionais de logística. Em 2020, as cinco varejistas do quadro acima somavam 69 Centros de Distribuição espalhados em 12 diferentes estados.

Nesse processo, que precisa ser mais e melhor investigado, alguns municípios se especializaram nessas bases logísticas, por conta das facilidades geradas pela localização estratégica de distribuição para onde há maior consumo. Dois destes municípios valem ser citados: Cajamar em SP e Extrema em MG. 

Além dessas duas cidades, outras próximas estão, também, recebendo enormes galpões de armazenagem e logística que são em boa parte financiados e/construídos por Fundos Imobiliários (FIIs) que faturam alto com aluguéis por capacidade de volume (cubagem) de armazenamento. No município de São Paulo (capital) ou sua região metropolitana, galpões que eram fábricas da Avon (Jardim Marajoara), Ford (São Bernardo) e outras agora são galpões de logística que reflete a potência da plataformização em curso. [3]

Ou seja, estamos falando de uma enorme cadeia de logística, atuando na etapa da circulação da mercadoria, reduzindo o tempo e os custos entre a produção e o consumo, de onde se apropriam do valor, que antes era em parte perdido com a desvalorização que se dava com o maior tempo gasto entre produção e o consumo, além de reduzir o tamanho dos comércios locais e a economia que circulava nas regiões. 

Além disso, se observam processos de reterritorialização com alteração de uso dos espaços que deixam de ser industriais e passam para o serviço de logística com mudanças também nos fluxos de pessoas e de materiais que transformam a urbanização nas metrópoles e nas cidades de médio porte, em especial.


Referências:
[1] Infográfico e algumas informações estão em matéria do Valor em 29-05-2024, p.F4: "Gigantes digitais disputam ampliam atuação e disputam rapidez".

[2] PESSANHA, Roberto Moraes. Disputa no e-commerce de varejo no Brasil: entre o intangível digital e a materialidade da infraestrutura de logística, in: EGLER, T. KRAUS, L. e COSTA, A. V. Marcas da Inovação no Território. Letra Capital. Riso de Janeiro, 2020.

[3] Matéria do Valor, em 29 mai. 2024, P.F4. CEZAR, Genilson: "Retrofit cria centros logísticos em bairros industriais". 

segunda-feira, maio 27, 2024

A enorme captura de dados e a epopeia na compra online de uma simples geladeira

Ao mesmo tempo que em minhas atuais pesquisas eu tento entender como a internet, comércio online (e-commerce), as plataformas digitais e a inteligência artificial transformam a relação entre produção e consumo na nossa sociedade, no campo pessoal, eu estou procurando na internet uma geladeira para comprar.

Assim, eu vou aqui relatar algumas passagens sobre essas mudanças em curso que imagino possam interessar a alguns amigos aqui do blog.

Já foi o tempo em que você escolhia a marca da geladeira, o tamanho dela em volume de litros para então ir para a fase de comparar preços naqueles sites de antes como o BondFaro, Zoom e outros. Nem vou falar do tempo ainda mais antigo em que a busca e a compra eram feitas nas lojas da nossa cidade.
 
Antes das comparações, o comum era você dar uma busca geral no Google para ver as ofertas colocando a palavra “promoção”, a marca e o modelo para ver o que aparecia. Depois buscava o menor preço por loja e custo do frete para então fechar a compra.
 
Hoje já não é mais assim. A captura colossal de dados feita pelo próprio Google e adquirida para sistemas de marketing e anúncios, pelas empresas-plataformas de vendas online, já hiperpersonalizou seu perfil de usuário de internet.
 
Através de suas pegadas nas buscas onlines, movimentos nas redes sociais, acessos, cliques, tempo de permanência nos sites e pelos conteúdos, filmes assistidos, músicas ouvidas, etc. eles sabem e processam os detalhes.

Eu tenho lido e ouvido que o uso intensivo da imensidão de dados que produzimos fazem alguns destes sistemas (big datas ou datacenters que alimentam os algoritmos e a Inteligência Artificial) que permitem que eles hoje conheçam cada um de nós, mais do que nós mesmos.

Assim, num primeiro momento, você imagina que poderá ser agraciado com ofertas de produtos e preços melhores diante de tanto conhecimento que possuem sobre nós, como eles dizem. Mas, a sensação que venho tendo não é essa.

Primeiro que a escolha da marca se tornou muito mais difícil diante das ofertas e da variedade de tipos, recursos ou características técnicas e também de volumes e outros.
 
Antes eram geladeiras pequenas, médias ou grandes, brancas. Agora existem geladeiras de quase todos os volumes: 410 litros, 411 l; 420 l; 430 l. 450; 451 l; 480 l; 488 l. 490 l, etc. Umas são da tecnologia "frost free" (degelo automático) outras não; "inverter" que consomem bem menos energia (kwh/mês); variadas cores: branca, prata, alumínio, inox; inox look; inox black, etc.

Muitos dirão que as coisas melhoraram e que essa variedade enorme tenha relação com desejos e demandas bem específicas que o produtor quer atender. Isso pode ser verdade, mas em parte.
Como a venda de alguns itens de eletrodomésticos hoje já são feitos majoritariamente online e pela internet, os fabricantes, passaram a ofertar volumes específicos (342 l; 347 l; 411 l; 488 l) para que a procura no buscador da internet caia exatamente num dos seus produtos. Ou seja, o online interferindo na produção ou mesmo na propaganda. Quem vai verificar se o volume é de 342 l ou 347 l?
 
A partir dessa busca de informações você passa a ser atacado pelos anúncios dirigidos, o que antes já acontecia. Ficávamos semanas, vendo ofertas ao navegar no FB, Youtube, Instagram, etc. Só que agora isso piorou, se intensificou e sofisticou. Aparece também nos e-mails que você recebe, além das buscas e navegações nas redes socais.

Com os sistemas automáticos e uso de boots mais a IA generativa que leem seu comportamento online e instantaneamente vai gerando novos anúncios mais de forma ainda mais personalizada e específica, você não encontra o mesmo tipo de oferta no site da empresa-plataforma.
 
Dessa forma, quando você não decide pela oferta ao receber esse anúncio, você não tem mais como localizar e isso se torna necessário quando você precisa checar, se aquele modelo tem as mesmas características técnicas, além de volume, cor e marca que seria item básico para sua escolha. Segundo apurei, esses resumos do tipo de oferta e características do produto já passou a ser feito por IA que escolhe a informação e a ser inserida e a ser descartada.
 
Nesse emaranhado, você se perde em termos de capacidade de comparação entre modelo, volume, marca, cor, características e tecnologia, etc. e as ofertas feitas por variadas empresas. Além disso, você precisa ver se tem a voltagem 127/220 v, o custo do frete, tempo de entrega e forma de pagamento.

Tudo isso vai tornando a decisão da escolha e da compra como algo meio paranoico e quase alucinante. Se não fosse o interesse em pesquisar, é muito provável que eu já tivesse batido o martelo para ficar livre do problema.
 
No final, você, como cliente, usuário ou sei lá, a forma como “eles” nos chamam, necessariamente não está mais interessado em fazer uma boa compra no quesito custo-benefício, mas em se livrar do problema.
 
Não duvido que nessa confusão você já esteja levando gato por lebre, tal qual acontecia com aquelas vendas de camelô que vendiam produtos que só funcionavam nas mãos hábeis dos vendedores de rua.
Nem todos os produtos comprados pela internet geram essa confusão na escolha. Geladeiras e TVs talvez sejam os piores casos pela variedade de ofertas e volume de compra.
 
Porém, a sensação que fico é que os algoritmos que já controlam nosso perfil e moldam nossa atenção e dirigem nosso consumo. Uma espécie de “algoritmização da vida” misturando nossas relações sociais com as nossas necessidades de consumo, em meio às notícias, as fotos das festas, etc.

O ato da compra, que antes era uma relação social, se transformou em mais uma decisão individual, fragmentada e de algum sofrimento. A digitalização nos remete ao niilismo (redução ao nada, nadismo, ou a não existência), ao plano da individualização e dos sujeitos, também de quase tudo, tema tratado pelo professor Nolan Gertz no livro "Niilismo e tecnologia". 

Nesses momentos não tem como não lembrar do ludismo e da vontade de quebrar as máquinas ou os computadores, mesmo sabendo que essa não é a solução. O fato é que a sociabilidade contemporânea passou a ter em grande volume e quase a todo o tempo, a mediação da tecnologia. Como nesse diálogo aqui.

Sentimos que aqueles cookies em que os sites “pedem autorização” para copiar nossos dados, alimentam uma poderosa rede de identificação e de venda de publicidade em tempo real.
 
O Google tem como sua maior receita a de publicidade orientada a partir dos nossos dados e assim é a corporação com maior receita de publicidade total do mundo. E disparada que a faz ser uma das gigantes de tecnologia (Big Techs) e está entre as maiores corporações do mundo em valor de mercado (4ª maior do mundo com US$ 2,17 trilhões).
 
Ao cabo, ganham essas grandes empresas de tecnologia (que nada produzem), perdem a loja e a economia das nossas cidades. A compra online que no início até ofertava preços e condições vantajosas, hoje, necessariamente, não mais, apesar do sentimento majoritário dos consumidores que veem a compra online como mais vantajosa na imensa maioria dos casos.

Vou ficar por aqui porque já misturei demais o caso particular com o geral e com a pesquisa, sic. Quanto à geladeira que preciso e estava comprando, informo que comprei, mas após finalizar, escolha e fechar a compra (ufa), verifiquei, logo no dia seguinte, que tinha realizado a compra errada nas características, cor, etc. Assim, eu tive que ligar para o SAC da loja do e-commerce e pedir para suspender, dentro do direito do consumidor.
 
Se tratava de uma venda em marketplace (shopping virtual) da empresa-plataforma que nesse caso fazia a venda para a própria fábrica. Enfim, quase 15 dias depois, mesmo com a garantia da empresa-plataforma que a venda estava suspensa, a fabricante tentou entregar a mercadoria em que eu, já estava orientado a recusar.
 
Até hoje não recebi o reembolso que segue sendo prometido. Sigo recebendo todo tipo de propaganda online em qualquer navegação que realizo na internet anúncio (inclusive duas notificações enquanto escrevia esse texto que era para ser breve) e ainda não realizei a nova compra.

Sabem tudo de mim, será?; há inteligência?; ela é natural ou artificial? Serve a quem e quem a controla? No meio de tudo isso muita exploração e precarização e as gigantes de tecnologia (Big Techs) seguem faturando e se tornaram, hoje, os maiores oligopólios da história da humanidade.
 
Ao final, eu sigo intuindo que a extração de renda e a captura de valor realizadas na venda de publicidade (anúncios orientados ao perfil) e na intermediação realizada pela plataforma digital online (e-commerce) devem ser maiores do que a margem de lucro da companhia que fabricou a mercadoria vendida.


PS.: A mim interessa menos o perrengue com a minha compra, mas entender esse processo que altera nossa forma de viver e se relacionar com aqueles que nos fornecem bens e serviços.

terça-feira, abril 30, 2024

Big Techs e fundos financeiros avançam na construção e controle de datacenters no Brasil e no mundo

A infraestrutura digital é estratégica para a expansão da "digitalização de quase tudo" nessa etapa da reestruturação produtiva e para a ampliação do uso e monetização da Inteligência Artificial em todo o mundo. Capturar dados, transferir e armazenar é a base do que vem sendo chamado da Economia de Dados no capitalismo contemporâneo.

Atualmente, passou-se também a considerar e chamar esse processo como Cadeia de Valor dos Dados (CVD ou DVC, em inglês). A CVD se inicia na criação e coleta de dados, passa pelo armazenamento, depois processamento (mineração, fusão), a seguir “uso ou consumo” (visualização e compartilhamento, direção, algoritmização, IA) e monetização (business plan). [1] Nem sempre a sequência desse processo se dá nessa ordem, mas quase sempre segue todas essas etapas, com algumas se repetindo, alternadamente, a outras.

É nesse sentido que se deve compreender, também, o papel altamente estratégico dos cabos de rede óptica (terrestres e submarinos), as torres das operadoras de telefonia e os datacenters (Big datas), também chamados de nuvens. [2] 

São gigantes investimentos em infraestruturas físicas com milhares de equipamentos digitais e enormes capacidades de memória com colossal consumo de energia elétrica que produz extraordinários e preocupantes impactos socioambientais. [3]

O esquema gráfico abaixo mostra as articulações entre equipamentos e redes técnico-digitais e tentou resumir e expor essa enorme e potente teia desde a produção e captura dos dados, circulação, armazenamento, processamento, distribuição, uso, consumo, monetização, reprogramação, algoritmização, etc. 

Essa colossal teia realça a importância das infraestruturas no sistema digital integrado, interligado dentro dos países e articulado em redes intercontinentais e globais que para muitos passam como se fossem abstratas ou simplesmente virtuais. Não. Elas são digitais, mas reais e estão implantadas como capital fixo no território e são bancadas geralmente por investidores ligados a fundos financeiros e oligopólios.

[3]

Cada email lido, acesso e👍🏼 em qualquer rede social, interliga seu celular (tablet ou computador) ao datacenter (nuvem), através do uso de torres e cabos. Tudo em milissegundos. O uso da internet móvel e o barateamento dos smartphones tornou a produção de dados e acessos num regime 24x7, durante todos os sete dias da semana, na residência, no trajeto, trabalho, casa, lazer, etc.

Esses dados de todos nós, armazenados aos zetabytes nestes datacenters, são o insumo básico para o aprendizado de máquinas que permite à IA se manifestar próximo ao desejo humano.
O volume de dados produzidos no mundo deve passar dos 33 zetabytes que estava em 2018, para 175 zetabytes em 2025. [Um zettabyte é uma unidade de medida de dado digital. Um zettabyte é igual a um sextilhão de bytes ou 1021 (1.000.000.000.000.000.000.000) bytes, ou, um zettabyte é igual a um trilhão de gigabytes]. [4]

Apenas, nos últimos seis meses, foram vários anúncios, todos na casa das dezenas de US$ bi em investimentos das Big Techs e de grandes corporações de infraestruturas digitais, controladas por gestoras de fundos financeiros ou bancos de investimentos. [5] [6] [7] [8]

A interligação entre os datacenters e os usuários da internet (cada vez mais móvel e via celulares) se dá hoje em boa parte via cabos submarinos (95%). Apenas 5% ficam com os satélites. Em 1995 a transmissão de dados era de 50% por cabos e 50% por satélites. 

Na 2ª década deste século, os cabos representam 95% e os satélites têm apenas 5% na transmissão de dados. Os satélites continuam como boa alternativa para conectar comunidades mais isoladas, ou onde os cabos de financiamento óptica não chegam, ou para distribuição de conteúdos de um para vários pontos.

Os cabos são capazes de transmitir mais dados a um custo menor. Por isso, a utilização dos cabos ópticos em terra ou submarino entre os continentes ganharam a dimensão e proporção que chegaram atualmente. É nesse contexto de aumento de demanda de datacenters para a infraestrutura digital e para a ampliação do uso em IA que se deve observar a expansão desses também Brasil.

Além do forte movimento das Big Techs (Amazon, Microsoft, Google, OpenAI, etc.) na construção e/ou aquisição de datacenters em todo o mundo, com investimentos totais que superam a centena de bilhões de dólares, bancados em boa parte por fundos financeiros e capital de risco que eles estão chegando ao Brasil. Repito, essa demanda de mais e potentes Big Datas, tem a ver com o avanço da captura e armazenamento de dados para uso intenso em IA Generativa.
 
A informação do dia é sobre a da compra do controle de datacenters que já opera no Brasil. A americana Park Place Tecchologies, controlada por fundos financeiros (fundo GTCR), e tem ainda como sócio o banco Charlesbank, está adquirindo a empresa brasileira Unitech que nasceu no Rio de Janeiro em 1989 e hoje possui vários datacenters no Brasil. [9]

A Unitech presta serviços de infraestrutura de datacenter (armazenamento) e proteção de dados para a Petrobrás, Forças Armadas, BB, Anac, ANP, Anvisa, Bradesco, Embraer, Esso, Fiocruz, Furnas, IBGE, INSS, Siemens, STF, etc. tendo ainda como parceiros com grandes companhias globais como Dell Technologies, VMware, Quantum, Commvault, Juniper, etc. 

Hoje, em 2024, o Brasil possui cerca de meia centena de instalações de datacenters distribuídos entre cerca de 17 empresas provedoras. Entre elas, A Unitech, Ascenty (ao lado foto do Datacenter da Ascenty em Vinhedo, SP), Equinix, Scala e Odata.

Assim, observando e analisando numa perspectiva de totalidade e de sistema, deve-se realçar nesses movimentos, os processos não apenas de expansão da infraestrutura digital - de controle privado -, mas também quem são os agentes que se desenvolvem juntos aos processos de financeirização, centralização e concentração desse setor estratégico das infraestruturas digitais (cabos, torres, redes, ramais de cabos ópticos, operadoras de telefonia, datacenters, etc.). [3]

Vale registrar que tudo isso é muito incrementado pelas demandas geradas pelo avanço não apenas da "digitalização de quase tudo", mas pelo uso ampliado da Inteligência Artificial (IA/AI) em todo o mundo. 

O avanço em velocidade muito acelerada da digitalização torna o controle centralizado dos dados e dessas gigantes instalações, um enorme risco, em especial, no que diz respeito à soberania nacional, aos direitos dos cidadãos e à democracia.
 
É tudo muito pior e mais grave do que tudo que foi denunciado por Edward Snowden sobre o uso do poder americano da NSA para espionar os demais países considerados aliados. Exatamente, o que os EUA acusam que o TikTok chinês poderia fazer. 

Os agentes, os processos e as estratégias estão evidentes demais para não serem compreendidos em sua integralidade. É preciso dar musculatura à estatalidade das infraestruturas digitais, assim como repensar as bases da internet no Brasil e no mundo.


Notas e referências: 
[1] GÖRGEN, James. A imprescindível refundação da Internet. Portal Outras Palavras, em 25 de abril de 2024. Disponível em: https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/a-imprescindivel-refundacao-da-internet/

[2] Para uma compreensão mais detalhada do porquê se chama esse armazenamento de dados de "nuvens", faço uma sugestão da série-documentário na Netflix (não sem contradição, por conta de ser outra plataforma, de streaming). É uma sérei daquele jeitão americano meio caricato, mas que serve para explicar porque de onde vem o nome de "nuvem", para algo que está efetivamente no território como capital fixo e instalação. Série: "A era dos dados: a ciência por trás de tudo, Netflix. 6 episódios, 2020".

[3] PESSANHA, Roberto Moraes. Infraestrutura digital, extrativismo Hi-Tech (ExHT) e capitalismo de plataformas: artérias digitais escancaradas da AL – Uma homenagem a Galeano. No prelo, In: Geografias da economia política na América Latina. Editora Consequência. Rio de Janeiro, 2024.

[4] GÖRGEN, James. Um Nobel contra as Big Techs. Jota em 27 fevereiro 2024. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/um-nobel-contra-as-big-techs-27032024#:~:text=Nada%20como%20um%20Nobel%20falando,um%20artigo%20recente%5B1%5D

[5] Valor/Dow Jones em 01/04/2024. Microsoft e OpenAI planejam data center de US$ 100 bilhões, com supercomputador de IA. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/04/01/microsoft-e-openai-planejam-data-center-de-us-100-bilhoes-com-supercomputador-de-ia.ghtml

[6] Valor em 29/03/2024. IA deve acelerar a expansão de data centers no Brasil. Disponível em: 
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/03/29/ia-deve-acelerar-a-expansao-de-data-centers-no-brasil.ghtml 

[7] Valor em 10/04/2024. Microsoft investirá US$ 2,9 bi em data centers no Japão para atender inteligência artificial. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/04/10/microsoft-investir-us-29-bi-em-data-centers-no-japo-para-atender-inteligncia-artificial.ghtml

[8] Olhar Digital em 27/04/2024. Google quer investir R$ 10,23 bilhões em construção de data center nos EUA. Ideia é impulsionar IA da companhia. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2024/04/27/pro/google-quer-investir-r-10-23-bilhoes-em-construcao-de-data-center-nos-eua/?

[9] O Globo, 30/04/2024. Com data centers ‘bombando’, gigante americana Park Place faz aquisição no Brasil. Disponível em: https://oglobo.globo.com/google/amp/blogs/capital/post/2024/04/com-data-centers-bombando-gigante-americana-park-place-faz-aquisicao-no-brasil.ghtml?

PS.: Atualização às 17:58 para breve acréscimo de texto.

sexta-feira, abril 26, 2024

Compra de mineradora Anglo American que exporta pelo Porto do Açu reforça lógica global e de enclave no complexo porturário

[1]

A gigante mineradora australiana BHP Billiton está na mira para comprar a Anglo American, mineradora sul-africana que exporta minério de ferro, em seu terminal no Porto Açu, através da joint-venture Ferroport, formada com a Prumo Logística Global, holding americana controladora pelo fundo também americano, EIG Partners. 

O negócio está se iniciando com proposta de compra da Anglo American, feita BHP por US$ 39 bilhões. As exportações de minério-de-ferro pelo Açu foram as primeiras exportações realizadas no 2⁰ semestre de 2014 quando do início das operações do complexo portuário do litoral de SJB. 

O minério de ferro que chega ao Açu é extraído da mina da região do Quadrilátero Ferrífero de MG e vem para o litoral fluminense, por meio de um mineroduto de 522 km do chamado Sistema Minas-Rio, vendido, ainda no papel, por Eike Batista por cerca de US$ 5 bilhões.

Esses negócios de fusão dos grandes grupos que atuam no Porto do Açu, reforçam a visão sobre como os negócios extrativistas formam enclaves e são comandados por grandes corporações ligadas ao que se chama de Cadeias de Valor Global e que se utilizam do extrativismo dos recursos minerais e usam os demais áreas e comunidades como "territórios de passagem". 

Vale ainda observar como a transação comercial é feita baseada em todas a cadeia de negócios da mineradora Anglo American e não sobre o negócio específico da mesma no Sistema Minas-Rio que exporta minério pelo Porto do Açu. A reportagem deixa claro que o maior interesse é pela extração de cobre, material que ganha importância com a intensificação dos processos de eletrificação ampliado com o avanço da transição energética, portanto, sem nenhuma relação direta com o Minas-Rio que entra como complemento na venda.

São negócios que movimentam bilhões de dólares com exportações de (cerca de 26 milhões de toneladas), mas com pouquíssima conexão e benefícios para a região. Muitos dos controladores destes negócios sequer conhecem a região. Extrativismo, enclave, centralização, concentração e oligopólios que precisam do território e das infraestruturas portuárias, apenas para realizar seus lucros com as exportações.

[1] Matéria em O Globo, 26/04/2024, p.17, NEDER, Vinícius.

PS.: Atualização às 09:28: É ainda importante relembrar que a mineradora BHP Billiton era sócia da mineradora brasileira Vale (50% +50%) na minha da Samarco em MG cuja bacia de rejeitos desmoronou e provocou um dos maiores tragédias social e ambiental do país, matando 19 pessoas, devastou o Rio Doce e atingiu cidades mineiras e capixabas em 5 de novembro de 2015. O processo criminal que tornou rés 22 pessoas e as mineradoras Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR Recursos Hídricos pelo desastre.

PS.:Atualização às 12:58: com outros dois comentários que envolvem esses processos de fusão, aquisições e incorporações (F&A) entre corporações globais e GPIs controladas por grandes fundos financeiros globais.

1) Ainda observando mais esse movimento de aquisição, fusão e incorporação (F&A) entre corporações, também vale registrar alguns processos que venho analisando em pesquisas no território. O mundo corporativo é uma realidade muito distante. Andar superior é uma boa definição. No território, junto às instalações e bases operacionais (capital fixo) ficam seus operadores. São encarregados que recebem por contrato e extras por metas cumpridas e bajulações(sic) desde que lucrativas para investidores, na maioria fundos financeiros. Os CEOs, diretores e alguns gerentes trabalham por mandato, como os treinadores e jogadores de futebol. Quando se desgastam com a comunidade (stakeholders), são trocados para reduzir conflitos e criar novas expectativas.

2) Esse caso reforça a "Lógica das Cadeiras de Valor Global" (CVG). Muito correlata à lógica dos fundos globais. Trato disso em algumas análises que já realizei em textos anteriores sobre o tema e também como já comentei acima, esses controladores de Grandes Projetos de Investimentos (GPIs) não tratam a importância de um negócio específico da corporação nessas decisões, mas sim os ganhos na cadeia todo. Podem perder em alguns, às vezes muito, mas ganham em negócios complementares. Por isso, fica difícil concorrer com as corporações globais que vão se transformando em oligopólios. E costumam ser recebidos com tapetes vermelhos de gestores que muitas vezes trabalham como despachantes de luxo destes negócios, usufruindo dos resultados políticos do discurso genérico e difuso do progresso e do emprego que chegam, mas em quantidades muito menores, em especial para cargos mais qualificados e de confiança da corporação, que vem gerir como encarregado dos investidores (acionistas) os negócios e as operações nas bases locais. O objetivo é produtividade, lucros e amortização de conflitos. A maioria dos gestores públicos abre mão em acompanhar compensações, exigir contrapartidas proporcionais aos volumosos lucros e admitem que seus territórios, sirvam mais para fluxos de passagem do que para alguma perspectiva de desenvolvimento, mesmo que mais predominantemente voltada aos interesses da corporação. O grau em que isso se dá é que define ou não a condição de enclave que gera poucas externalidades para a economia e as comunidades locais.

PS.: Atualização às 08:16 de 27/04/2024
A Bloomberg informa que acionistas da Anglo American querem mais pela venda da mineradora para a BHP Billiton. No jargão do comércio significa que o negócio depende apenas do acerto nos valores. 
Fonte: O Globo 27-04-2024 a partir da informação da Bloomberg.




domingo, abril 07, 2024

Musk quer com seu estado-plataforma X (Twitter) a mesma liberdade que buscou Hitler

As pressões e articulações de Ellon Musk CEO do X (Twiiter) trabalha numa lógica de um Estado-plataforma (Pierre Lévy) acima do Estado brasileiro. Suas falas e ações não são contra o judiciário apenas e sim contra todo o Estado. São articulações globais da extrema-direita com viés da geopolítica. Esse é o interesse de Musk ao defender uma liberdade total para seguir articulando a volta do fascismo.

A Meta (Facebook e Instagram) já tem uma corte suprema que decide as punições por cima dos Estados-nações. Não se trata apenas de regular. A extrema-direta e o oligopólio das corporações digitais e das Big Techs são efetivamente uma ameaça. Esses oligopólios não são exatamente iguais, mas no todo reforçam os riscos. A regulação não dá conta do que se tem pela frente, mas é o mínimo em defesa desse setor estratégico para a soberania nacional.

Com essas ações e manifestações, quem pode acreditar que os algoritmos do X (twitter) e do FB não ampliam ou limitam o alcance dos perfis conforme sua programação algorítmica baseado na ideologia? Isso se chama controle e dominação tecnológica.

Trata-se de uma articulação escancarada da extrema-direita global entre donos de corporações de mídia e lideranças políticas. O TSE teve papel importante no freio de arrumação nas eleições de 2022. É disto que reclamam. É sobre isso que articulam.

Tenho repetido à exaustão. O fenômeno da digitalização como etapa da reestruturação produtiva é global, mas as articulações e também as resistências são e serão sempre dos estados- nacionais. Assim, o TSE garantiu a lisura das eleições de 2022 e as instituições impediram a seguir o golpe militar-bolsonarista de 8 de janeiro.

Vivemos sob o que tenho chamado de um "tripé do capitalismo contemporâneo": digitalização e dominação tecnológica; hegemonia financeira e a racionalidade neoliberal. Não é possível analisar a "digitalização de quase tudo" dissociada da hegemonia financeira e da lógica neoliberal. Eles seguem juntos e imbricados num presente distópico que exigem intervenção civilizatória.

O enfrentamento a esse fenômeno se dá no campo da Economia Política e deve ser contra todo o tripé, mesmo que alternados nas três diferentes bases dessa tríade que refletem os movimentos transfronteiras na geoeconomia e na geopolítica.