terça-feira, junho 24, 2025

Eleições 2026 com IA "íntima" e anúncios direcionados e hiperpersonalizados bem além das fake news, por James Görgen

Como já comentamos aqui algumas vezes, o cenário para as eleições de 2026 no Brasil com o intenso e crescente uso das mídias sociais, acrescido do estreitamento das articulações entre as Big Techs e a extrema-direita brasileira, prometem uma avalanche de riscos que saltam à escolha democrática de nossa população. 

Em 2018, 2020, 2022 e 2024 já foi bastante difícil esse enfrentamento. Em 2022, o TSE teve papel de destaque, porém, a avalanche que se vislumbra para 2026, é ainda mais grave, em decorrência de novos instrumentos digitais disponíveis e das incapacidades dos Estados-nacionais em lidar com essas ameaças diante das acusações de censura e falta de liberdade que a extrema-direita alega, para que possa fazer o que quiser, sem respeito aos marcos legais e ao estado democrático e de direito. 

James Görgen, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental é hoje no Brasil, um dos melhores intérpretes sobre a geopolítica e a soberania digital, com leituras totalizantes e em várias dimensões combinando a compreensão do uso da tecnologia e suas repercussões na sociedade e estados nacionais. James tem ido além de apresentar disgnósticos e quase sempre também aponta caminhos não apenas para a resistência, mas tem seguido na linha de propor saídas para a sociedade e suas instituições avançarem na construção de alternativas. O texto abaixo é uma dessas boas leituras sobre as ameaças para as próximas eleições no Brasil, quando Görgen aponta questões ainda pouco conhecidas para a maioria. Vale conferir! 


Afetos artificiais e publicidade opaca nas eleições 2026*
 Por James Görgen** - 22/6/2025

Sempre que o período eleitoral bate às portas no Brasil, tendemos a nos dar conta de várias lições de casa por fazer. No campo do digital, 2024 para cá algumas novidades tornaram a tarefa de regular a difusão de informação e propaganda política nas redes bastante desafiadora. Considerando que os prazos para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovar as resoluções que vão regular o comportamento dos eleitores, dos partidos, dos candidatos, suas campanhas e dos financiadores se encerram nos primeiros meses do próximo ano, cabe trazer alguns novos elementos para este debate no que diz respeito à Internet e seu entorno.

Na semana passada, a Meta anunciou[1] que o WhatsApp passará a veicular publicidade e promover conteúdos nos próximos meses[2][3]. E que os dados dos usuários do Facebook e Instagram poderão ser usados para formar os perfis para o direcionamento dos anúncios. A empresa garantiu que o conteúdo das conversas (aba “conversas”) não será usado para isso e que os comerciais apareceram em uma barra à parte. O que a empresa ainda não esclareceu é se o 1,5 bilhão de usuários poderão optar por não receber mensagens publicitárias e se esta opção será feita de forma transparente. Não ficou claro, também, se a opção se dará por default ou em um ato posterior. Por fim, não foi comunicado se o assistente virtual de inteligência artificial embutido no aplicativo coletará dados das consultas efetuadas para também formar o perfil do consumidor. Consumidor aqui entenda-se no sentido lato, incluindo eleitor que “consome” propaganda política. A cereja do bolo é o XChat[4], aplicativo de mensageria que o bilionário Elon Musk irá acoplar à sua rede social e que deverá enveredar pelo mesmo caminho da publicidade em busca de novas receitas para o ex-Twitter.

Em outra seara, reportagens em vários jornais e pesquisas científicas estão mostrando que os usuários de chatbots de IA passaram a priorizar conversas íntimas e afetivas com os sistemas no lugar de tarefas que tinham se tornado usuais no caso de IA generativa, ou seja, gerar ideias. Do ano passado para cá, esta opção foi desbancada por suporte emocional ou acompanhamento[5]. Reportagem do The New York Times[6] narrou casos de pessoas que se suicidaram ou se apaixonaram por conta de conversas entabuladas na privacidade de um prompt. Ninguém sabe o que se passa, alegam alguns. Mas não é bem assim. O sistema que absorve estes dados não só sabe como os usa para várias tarefas. The Washington Post[7] e outros veículos revelaram que aplicações disponíveis na loja de IA da Meta permitem que você conheça algumas destas perguntas sem que o responsável por elas saiba que está sendo exposto.

Muito além das fake news

Mais do que um alerta para que você tome cuidado sobre o que fala para seu empático amigo — ou amiga — digital, ou cuidados sobre sua saúde mental e perda de cognição[8], pense onde tudo isso pode nos levar em outras áreas. Por exemplo, no campo da democracia e da política. E coloque de um lado, por um momento, o debate sobre fake news, robots e gabinetes do ódio que dominam a cena desde, pelo menos, o escândalo da Cambridge Analytica em 2016.

Para o pleito do ano que vem, entram em cena também estas duas variáveis: os acompanhantes — ou assistentes — de IA e a publicidade nos serviços de mensageria. Isso significa que mais que a desinformação textual e a manipulação de imagens, vídeos e áudios, conteúdos gerados por algoritmos pouco transparentes, portadores de vieses sem escrutínio, poderá causar tanto estrago quanto a mentira lançada no ventilador virtual. Mais do que isso, a intimidade e os afetos que começamos a trocar com estes sistemas, além dos dados privados que geramos nas redes sociais, acabarão podendo ter influência sobre o voto de indecisos e mesmo eleitores convictos.

Simulando cenários

Imagine a cena: uma jovem de 19 anos, desempregada, estudante do ensino médio e com problemas de auto-estima que está em dúvida sobre quais critérios deve levar em consideração para exercer seu voto. Ela pergunta a seu chatbotpreferido quais são os critérios a serem observados para fazer uma boa escolha. No processo de elaboração da resposta, o software pode vir a considerar todas as conversas anteriores que essa jovem teve com sua interface, seus segredos mais íntimos, seus medos e anseios, até suas perguntas mais non-sense. Ao ler o conteúdo gerado pela máquina, a jovem então faz a pergunta derradeira: qual dos candidatos A, B e C se enquadram melhor nestes critérios? A resposta, convincente mesmo que equivocada como costuma ocorrer com estas ferramentas, será encarada como algo tão determinante e relevante quantos os demais resultados de outras indagações existenciais. E o mesmo processo de não checagem dos fatos que se passa nas redes sociais deverá prevalecer. Possivelmente, valerá o veredicto elaborado de forma empática pela caixa-preta.

Imagine uma outra cena: um usuário com contas em duas redes sociais famosas de uma mesma empresa se manifesta livremente sobre os mais variados assuntos. Curte textos, compartilha opiniões, assiste a vídeos. Sem advertência clara, ele não desconfiará que estes dados estão servindo para a mesma empresa traçar seu perfil a fim de entregar-lhe mensagens publicitárias em seu aplicativo preferido de comunicação interpessoal. Que, por coincidência, pertence ao mesmo conglomerado. Em seguida, começa a corrida eleitoral e ele passará a receber conteúdos — falsos ou não — contra ou a favor um determinado candidato. O potencial de estrago pode ser agravado se ele também usa o assistente virtual de IA do serviço de mensageria para trocar confidências ou pesquisar sobre assuntos diversos. Tudo isso vira matéria-prima para as campanhas de marketing. E o pior cenário: para propaganda gerada por “anunciantes” pouco éticos e de origem duvidosa trabalhando para um candidato de mesma estirpe.

Missão complexa

Ou seja, o que vamos viver na campanha eleitoral do ano que vem é o que assistimos em anos recentes agravado pelo fato de que a fiscalização agora será praticamente impossível porque se dará no âmbito da intimidade, com informações aparentemente confiáveis que nem sempre serão inverídicas. Como se estivéssemos conversando com um amigo na mesa de bar sobre as angústias pré-eleitorais. E isso será vivido novamente sem uma lei que regule as plataformas e os assistentes de IA porque será muito improvável o Congresso aprovar duas leis tão complexas em tempo hábil para o próximo pleito.

Isso nos leva a duas tarefas muito concretas para 2026 se quisermos continuar fortalecendo a democracia e a lisura do processo eleitoral, tão questionado, no Brasil. Uma delas compete ao TSE. Escutar a sociedade para criar normas que permitam algum tipo de regulação sobre os chats de IA e a publicidade nos serviços de mensageria. Aqui vale lembrar que no pleito de 2024 nos Estados Unidos, as próprias empresas trataram de frear seus chatbots [9]para não responderem perguntas que mencionassem candidatos ou abordassem as eleições. Classificada como censura por alguns, a medida contribuiu para haver menos ruído e desinformação no pleito. Acredito ser importante a Corte brasileira propor que estas duas novas variáveis sejam incluídas na escuta pública que colherá subsídios para as resoluções que regrarão a próxima corrida eleitoral.

Outro trabalho caberá aos eleitores e aos partidos. Criar forças-tarefa para monitorar as mensagens que estão sendo dirigidas a cada usuário do WhatsApp ou do XChat, por exemplo, poderá servir como prova para processos junto à Justiça Eleitoral e, no extremo, por impugnação de candidaturas. O mesmo será muito difícil de estabelecer para os “terapeutas” virtuais porque isso se dará na privacidade de seu telefone. Mas o que pode ser feito é testar estes novos oráculos com a simulação de perguntas que podem revelar vieses ou campanhas dirigidas por uma ou outra aplicação.

Portanto, mais do que aprender com as big techs como gravar um bom vídeo para arrasar nas redes sociais com sua propaganda de candidato, em 2026 o olhar-cidadão e os prompts cívicos serão uma arma tão importante quanto o título de eleitor. Se conseguirmos passar a usar IA para afastar de nossa democracia fantasmas não muito distantes, a tecnologia já terá demonstrado seu valor para a sociedade como um todo. Cabem aos partidos e candidaturas democráticas pensarem na melhor estratégia para ir além da denúncia de desinformação. E, aos tribunais eleitorais, criar ferramentas digitais que possam ajudar na tarefa do eleitor em fiscalizar estas novas armadilhas.


* Publicado originalmente no Medim.com - Notas da Floresta Digital
** Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

Notas e referências:


[2] Conforme o anúncio da empresa, a entrada de conteúdo promovido envolve os seguintes serviços no aplicativo:

“Assinaturas de canais: Você poderá apoiar seu canal favorito, como sua rede de notícias favorita, inscrevendo-se para receber atualizações exclusivas por uma taxa mensal.

Canais promovidos: Nós o ajudaremos a descobrir novos canais que podem ser interessantes para você quando estiver pesquisando no diretório. Pela primeira vez, os administradores de canais têm uma maneira de aumentar a visibilidade de seus canais.

Anúncios no status: Você poderá encontrar uma nova empresa e iniciar facilmente uma conversa com ela sobre um produto ou serviço que ela está promovendo no Status.”








segunda-feira, junho 23, 2025

Invasão do Irã terá que ser abordada na cúpula do Brics daqui a 2 semanas no Rio

A disputa geopolítica pelo chamado Oriente Médio (Oeste da Ásia) é antiga, antes, basicamente, por conta do recurso energético petróleo, mas hoje, como porta de entrada para um maior e disfarçado enfrentamento com o Brics (e China) que já tinha aumentado a presença dessa região na sua composição. Israel sempre foi o cão de guarda dos EUA naquela região e o Irã seu maior contraponto.

Por tudo isso, queiramos ou não, o atual conflito, obrigatoriamente, se estenderá à reunião dos Brics que acontecerá daqui a duas semanas, exatamente no Brasil, nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro.

Embora o Brics não seja um bloco político e sim um potente bloco econômico-comercial, não tem como não tratar do caso do Irã (e da guerra contra Israel com apoio dos EUA), considerando que, em 2024, essa nação já tinha passado à condição de novo membro com a expansão do grupo original de países, junto com a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia que agora constituem o Brics+, se somando ao Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul.

Num mundo em ebulição geopolítica e geoeconômica com riscos tão eminentes de conflito nuclear, fracasso da ONU e da ordem mundial, com os países-nação tendo que se virarem por si, há que se ver como um bloco de países com tal dimensão como o Brics+ (que já avaliava nova expansão) se portará nesse mundo em profunda transformação.

É inaceitável a preponderância do uso da força como forma de construir a paz sob a velha lógica imperial. O Brics surgiu da vontade de romper a unipolaridade e avançar numa perspectiva da multilateralidade. A ver!

quarta-feira, junho 18, 2025

Encontro em Brasília (8 e 9 julho) do ciberativismo progressista em defesa da soberania cibernética

Publicamos abaixo um artigo divulgado (aqui) do jornal GGN do Nassif sobre a organização de um encontro em Brasília nos próximos dias 8 e 9 de julho, em defesa da soberania digital no Brasil e contra a ofensiva da extrema-direita em conluio com as Big Techs. 

Seus autores, Reynaldo Aragon e Uirá Porã se reportam a um artigo com questionamentos do Luiz Nassif que indagou sobre a posição histórica do movimento do software livre, coletivos de ciberativismo, academia, sindicatos e mídia progressista no Brasil sobre essa aliança entre a extrema-direita global e do Brasil com as gigantes corporações de tecnologia. 


A Tribo Está de Pé: Soberania Já! 
Por Reynaldo Aragon e Uirá Porã

Em resposta ao chamado de Luís Nassif, o movimento do software livre, coletivos de ciberativismo, academia, sindicatos e mídia progressista se levantam. Nos dias 8 e 9 de julho, em Brasília, começa a construção das trincheiras da soberania digital contra a ofensiva da extrema-direita e a captura das instituições pelas Big Techs.

O Chamado Foi Ouvido.
Quando uma voz como a de Luís Nassif ecoa no deserto da informação sequestrada, não há como fingir que não ouvimos. Seu artigo recente — “A hora de convocar a tribo do software livre” — não foi apenas uma coluna: foi um gesto de reencontro com um Brasil que ainda insiste em resistir. Um Brasil que acredita que a tecnologia pode ser uma ferramenta de emancipação coletiva e não um instrumento de dominação algorítmica.

O movimento do software livre, como tantas outras redes vivas da sociedade brasileira, recebeu esse chamado com emoção e com urgência. Porque não se tratava apenas de nostalgia — tratava-se de memória ativa. E memória ativa, em tempos de guerra híbrida, é trincheira. É código. É povo.

O texto de Nassif resgata não só uma história de luta, mas nos convoca a reescrevê-la. E é por isso que viemos a público: para dizer que estamos aqui. Que a tribo ainda existe. Que ela se organizou. Que ela está de pé. E que em Brasília, nos dias 8 e 9 de julho de 2025, ela vai se encontrar. Não para celebrar o passado, mas para construir as defesas do futuro.

A Tribo Está de Pé – O Encontro em Brasília.
A chama que parecia dispersa reacendeu. Não foi por acaso. Ao longo dos últimos anos, mesmo nas sombras, mesmo nos subterrâneos do algoritmo, a tribo nunca deixou de existir. Resistimos nas margens da política institucional, nas linhas de código escritas em silêncio, nos servidores mantidos à unha, nas oficinas comunitárias, nas redes federadas, nas universidades públicas, nos becos do país real. E agora, convocados pela urgência do tempo e pela lucidez do chamado, decidimos romper o silêncio.

Nos dias 8 e 9 de julho de 2025, em Brasília, realizaremos o Encontro Nacional “Soberania Já!” — uma aliança inédita entre o movimento do software livre, coletivos de ciberativismo e hackerativismo, universidades públicas, sindicatos, movimentos sociais, desenvolvedores autônomos, comunicadores populares e frentes progressistas que ainda acreditam no papel histórico da soberania digital como fundamento da democracia.

Não será apenas um evento. Será uma convocação — uma resposta articulada à ofensiva coordenada da extrema-direita algorítmica e às tecnologias de desinformação que vêm desestabilizando as instituições, os corpos e as consciências. Brasília será nossa fogueira: ali nos reuniremos para traçar estratégias, partilhar tecnologias livres, definir princípios comuns e declarar, em alto e bom som, que não aceitaremos a tutela das Big Techs sobre o destino do país.

A Guerra Já Começou – O PL, as Big Techs e a Nova Direita Digital
Não se trata mais de prever. Está em curso. A guerra informacional já começou — e seus generais não estão em Brasília, mas em São Francisco, Palo Alto, Menlo Park e no coração de plataformas que fingem neutralidade enquanto operam uma engenharia precisa de desestabilização democrática.

O que vimos este ano, no evento do PL em Fortaleza, com a participação oficial de representantes da Google e da Meta, não é apenas uma aberração institucional: é um marco histórico. Pela primeira vez, plataformas privadas norte-americanas se sentaram à mesa com o partido que lidera a extrema-direita brasileira para oferecer treinamento, recursos e tecnologia. O que ali se selou não foi uma oficina, foi uma aliança.

Uma milícia informacional oficializada, bancada por corporações que se beneficiaram, enriqueceram e cresceram com a radicalização digital no Brasil. Empresas que lucraram com o ódio, com o negacionismo, com os ataques às urnas eletrônicas, à imprensa livre e aos direitos fundamentais. Agora, retornam, não como culpadas, mas como parceiras estratégicas de quem ameaça a democracia.

Não estamos mais diante de um risco difuso. Estamos diante de uma plataforma de guerra híbrida sendo institucionalizada, testada e refinada para 2026. E quem não enxergar isso está cometendo, mais uma vez, o erro fatal de subestimar o inimigo.

Um Alerta à Esquerda – O PT Não Pode Errar de Lado.
Dói escrever essas linhas, mas o silêncio seria cumplicidade. Nos últimos dias, a imprensa noticiou que, após recusar um convite da Meta, o Partido dos Trabalhadores agora considera organizar uma “oficina com as Big Techs” para formação de quadros. A alegação: “após a eleição interna, haverá interesse em treinamento”.

Isso é um absurdo histórico e ético. Não há neutralidade possível entre democracia e desinformação. Google, Meta, X, Amazon e tantas outras plataformas transnacionais são parte estrutural do problema. Foram elas que ofereceram os palanques, os algoritmos e os lucros para o bolsonarismo florescer. Foram elas que fecharam os olhos — ou pior, colaboraram — enquanto as instituições democráticas brasileiras eram sistematicamente atacadas.

Como pode o partido que mais sofreu com o lawfare, com a manipulação da opinião pública, com os ataques algorítmicos, agora pedir formação técnica a seus algozes?

Não se trata de ingenuidade — trata-se de desorientação estratégica. Em vez de reconhecer o acúmulo dos movimentos populares, das universidades públicas, dos coletivos técnicos, da ética hacker, o partido olha para o topo da cadeia tecnológica e estende a mão a quem conspira contra a soberania nacional.

Queremos dizer com clareza: o campo democrático não precisa das Big Techs para enfrentar a extrema-direita. Precisa é romper com elas. Precisa construir, junto aos que jamais se renderam, uma estratégia digital baseada em soberania, infraestrutura livre e tecnologias populares. Qualquer outro caminho é armadilha.

O Projeto Existe – O Brasil Participativo Ignorado
Não falta proposta. Não falta acúmulo técnico. Não falta mobilização popular. O que falta — e segue faltando — é vontade política de escutar quem constrói soberania de verdade.

A proposta “Serviço Digital Brasileiro – Inovação e Liberdade: Soluções Livres para Desafiar as Big Techs”, construída por dezenas de ativistas, desenvolvedores, pesquisadores e militantes da liberdade tecnológica, foi a mais votada na categoria Ciência e Tecnologia da plataforma Brasil Participativo. Um feito político e simbólico. Uma demonstração viva de que o país real quer outra direção: infraestrutura descentralizada, software livre, tecnologias públicas, respeito à diversidade cultural e inclusão digital de base.

E o que fez o governo federal diante disso?

Nada. Silêncio. Esquecimento.

A proposta, legitimada democraticamente por centenas de votos, foi ignorada. Nenhuma menção, nenhum aceno, nenhuma tentativa de interlocução. Como se a soberania digital fosse assunto secundário. Como se a guerra híbrida não estivesse nas portas. Como se os saberes acumulados por essa “tribo” há mais de duas décadas não tivessem importância alguma.

Esse desprezo institucional é mais do que um erro: é uma oportunidade desperdiçada. E pior — é um sinal perigoso de que setores do governo ainda não compreenderam quem são os verdadeiros aliados da democracia e quem são seus sabotadores travestidos de prestadores de serviço.

O Que Está em Jogo em 2026
O que se avizinha não é uma eleição. É uma batalha decisiva na guerra híbrida que já ceifou democracias ao redor do mundo e colocou o Brasil como seu principal laboratório. 2026 não será apenas uma disputa de votos, será uma disputa de realidades, de percepções, de narrativas moduladas por algoritmos que não respondem a nenhum código de ética, apenas à lógica do lucro e do controle.

A extrema-direita brasileira vem mais preparada, mais digitalizada, mais articulada com o submundo das plataformas, com as consultorias privadas de inteligência de dados, com a manipulação automatizada da opinião pública. Eles têm robôs, rastreadores de comportamento, campanhas gamificadas, perfis fantasmas, publicidade camuflada, deepfakes e redes coordenadas. E agora, têm também o apoio formal das Big Techs.

Se nada for feito, 2026 será não apenas a repetição de 2018 — será sua evolução. Mais técnica, mais disfarçada, mais difícil de conter. Não será só a mentira que vencerá. Será a verdade que perderá acesso aos meios de existir.

E a pergunta central é: com que infraestrutura o campo progressista pretende enfrentar esse desafio? Com oficinas do Google? Com workshops do Facebook? Ou com redes autônomas, servidores descentralizados, tecnologias livres e estratégias construídas com o povo, para o povo?

Não há vitória possível sem soberania. Não há soberania possível sem ruptura com os monopólios da manipulação.

A Convocação – De Nassif para Todos Nós
Este artigo é, antes de tudo, uma resposta. Mas é também um gesto de retribuição, um eco do chamado de Nassif. Quando ele escreveu que era hora de convocar a tribo do software livre, ele sabia que falava com mais do que desenvolvedores: falava com os inconformados. Com os que ainda acreditam que há luta possível para além das instituições capturadas. Com os que resistem ao silenciamento de uma internet cada vez mais fechada, comercial, colonizada.

Pois aqui estamos, Nassif. A tribo ouviu. E não está só.

Convidamos você — e a todas e todos que mantêm a imprensa livre de pé, a crítica viva e a esperança informada — a se juntar a nós. Precisamos da sua voz, da sua palavra, da sua história e da sua coragem. Precisamos de jornalistas como você, como Leandro Fortes, Márcia Tiburi, Florestan Fernandes Jr., Cynara Menezes, Kiko Nogueira, Dríade Aguiar, Jamil Chade, Hildegard Angel, Chico Pinheiro, Sara Goes, Altamiro Borges, Natália Viana, Breno Altman, Amanda Audi, Rodrigo Vianna, e tantos outros que enfrentaram o tempo da mentira organizada com dignidade e compromisso com o país. Pedimos ajuda — porque construir trincheiras não se faz apenas com código, mas com comunicação, narrativa e consciência coletiva. Sem a presença ativa do jornalismo progressista, o ataque à democracia será completo.

Nos dias 8 e 9 de julho, em Brasília, faremos o Encontro “Soberania Já!”. E queremos vocês lá. Não como plateia, mas como parte da frente de batalha. O que está em jogo não é um projeto de software, é o próprio direito de existir como povo soberano em um país que não se ajoelha aos algoritmos de fora.

Conclusão – As Trincheiras da Esperança
Há algo profundamente poético — e político — em ver o reencontro entre jornalistas progressistas, pessoas programadoras do software livre, sindicatos, movimentos sociais e a juventude hacker. São elas, juntas, que estão cavando as primeiras trincheiras da esperança num território tomado por desinformação, ódio e colonialismo digital.

Mas não se engane: essas trincheiras não são metáforas. São reais. São servidores autônomos sendo ativados. Plataformas federadas sendo construídas. Protocolos públicos sendo testados. Aplicativos comunitários ganhando vida. Comunicação alternativa se reorganizando. E, agora, pela primeira vez em muito tempo, todos esses esforços convergem para um mesmo chão: Brasília, julho de 2025.

O que começa ali não é um evento, é uma virada. É a inauguração de um campo de resistência informacional para o que virá em 2026. Porque não enfrentaremos a máquina da extrema-direita com protocolos da direita moderada. Não se combate colonialismo digital com cursos do colonizador. Não se enfrenta a distopia algorítmica com “inovação” de mercado.

Venceremos com soberania. Com solidariedade. Com a beleza de quem sonha junto. E com a convicção visceral de que a democracia que ainda queremos viver depende da infraestrutura que estamos começando a construir agora.

Nos vemos em Brasília.

Nas trincheiras da liberdade.

No futuro que ainda é possível.

A atividade está sendo organizada conjuntamente pela Campanha Internet Legal, pela Rede pela Soberania Digital e pelo Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI), com apoio de diversas entidades comprometidas com a democratização da comunicação, a soberania informacional e os direitos digitais no Brasil. Assinam este chamado e convocam para o encontro Soberania Já! (Brasília, 8 e 9 de julho de 2025).

Big Techs avançam com suas digitais sobre o complexo militar e as guerras

As Big Techs com suas Inteligências Artificiais (IAs) avançam com suas digitais na direção das guerras e da participação no complexo militar (Deep State) dos EUA. Muitas já possuem diretorias de defesa e passaram a ver na guerra uma forma de ampliar ainda mais seus lucros como os maiores oligopólios da história da humanidade.

O Globo, 18 jun. 2025, p.18
Essa participação da OpenIA citada na matéria de O Globo ("OpenIA vai colocar IA a serviço do Exército dos EUA", 18 jun. 2025, p.18) não é apenas dela, da Meta e da Palantir, como diz a reportagem, mas vai além com a participação da Amazon, Google e Microsoft entre outras.
 
A terceira Big Tech citada, a Palantir Tecnologies Inc., do conhecido Peter Thiel, defensor da extrema-direita, já tem hoje, um valor de mercado de U$ 327 bilhões. Seu cofundador e CEO, Alexander Karp, é um dos autores, junto do Nicholas Zamiska, chefe de assuntos corporativos da mesma empresa, do livro "A República Tecnológica: Tecnologia, política e o futuro do Ocidente".

Na publicação o livro eles fazem uma defesa e um chamamento contundente aos donos das demais Big Techs e aos seus investidores, para não apenas acumularem seus lucros trilionários, mas também participarem da reconstrução dos EUA e do que chamam de república tecnológica para a "recuperação da ambição nacional e da inovação governamental do Estado indo além da criação de produtos da era digital".
 
Assim, os dois autores defendem no livro um maior relacionamento dessas corporações de tecnologia com o governo com a "obrigação de redirecionar esforços em recursos de tecnologia e IA, para também participar da defesa da nação norte-americana e da articulação de um projeto nacional com a função de preservar a vantagem geopolítica duradoura, porém frágil, que os EUA e seus aliados na Europa mantiveram até aqui em relação aos seus adversários".

A participação da Amazon e Google (e outras a conferir) no morticínio em Gaza, como laboratório de uso dos dados em massa, com softwares espiões israelenses, transformaram a localização dos adversários em alvos a serem abatidos com todos ao redor, numa espécie de caça, que vai muito além do uso dos drones teleguiados, produzindo matança e o genocídio em massa de todos que estão próximo à pessoa "caçada", em especial, mulheres e crianças.
 
Com esse modelo desenvolvido no "laboratório de Gaza" contra o sofrido povo palestino, que está agora sendo expandido, se faz uso de datacenters modulares que permitem transformar a vigilância diuturna das comunicações dos adversários, em alvos específicos. 

Com ou sem a participação direta de Elon Musk, as Big Techs, saltaram "as cercas do desenvolvimento tecnológico-digital" com a busca de novos produtos para o mercado, e decidiram entrar, de cabeça, no setor governamental de defesa militar. 

Não se trata de deixar de lado seus colossais rendimentos (juntas as dez maiores corporações de tecnologia já valem mais de US$ 20 trilhões), mas ampliar ainda mais, os seus agigantados lucros com faturamentos diretos, sem ter que disputar mercado com o fornecimento de tecnologia para o setor militar.
 
Certamente nos últimos tempos, desde a posse de Trump, eles seguem mudando suas visões, ao perceberem que chegaram numa etapa em que o poder e o Estado, são ainda mais fundamentais (não é que não fossem antes com o forte apoio ao desenvolvimento tecnológico na fase nascente das chamadas startups) para garantir a atual hegemonia que reforça o embricamento entre tecnologia e finanças no capitalismo contemporâneo. 

As Big Techs não teriam chegado onde chegaram sem o mercado de capitais e a lógica dos ativos (assetização) e da financeirização 2.0 e agora estão subindo o patamar dessa imbricada relação.

Sugiro que leiam o livro citado (capa na imagem). Penso que assim se pode ter uma leitura e uma interpretação mais fidedigna do que estamos assistindo, em termos da re-ascensão do fascismo e das três guerras em curso que espantam o mundo diante do risco da guerra nuclear total. 

Lembremos que Hitler também contou com o apoio direto e firme de grandes corporações europeias e americanas para fazer o estrago do qual imaginávamos estar livres. 

segunda-feira, junho 16, 2025

“Sumud em tempos de genocídio” na Palestina

Vi a sugestão deste livro Sumud em tempos de genocídio numa “live” sobre geopolítica. Antes de tudo considero uma leitura necessária, embora difícil nesses tempos de distopias.

A autora é a médica psiquiatra palestina, Samah Jabr, de 49 anos que nasceu na Jerusalém Oriental. Jabr é chefe da Unidade de Saúde Mental do Ministério da Saúde da Palestina. Atua nos setores público e privado e também já lecionou em diversas universidades palestinas, sendo ainda afiliada à Universidade George Washington no Departamento de Saúde Mental Global, como professora clínica associada de Psiquiatria e Ciências do Comportamento.

Os vários textos deste livro “Sumud em tempos de genocídio” é uma compilação organizada e traduzida pela psicoterapeuta, Rima Awada Zahra, a partir dos escritos da Dra. Samah Jabr. Se tratam de textos escritos na mídia daquela região (em especial Middle East Eye) sobre as consequências traumáticas da ocupação israelense na saúde mental dos palestinos desde 2000, envolvendo ainda textos mais recentes de 2024, já sob o trauma do atual genocídio em Gaza. São textos que mostram a “urgência de se conhecer o lado palestino que vem sendo submetido à violência atroz com efeitos devastadores na saúde individual e coletiva daquela população”. O livro foi publicado em 2024, pelo selo Tabla da editora Roça Nova, Rio de Janeiro.  

São relatos humanamente difíceis de serem aceitos sobre a ocupação e a saúde mental do povo palestino; o trauma colonial e intergeracional; a psicopatologia desencadeada por prisão e tortura (adolescência aprisionada); mas especialmente, sobre resistência, resiliência e solidariedade, em que a autora destaca o papel coletivo e comunitário, além do tratamento individual, como opção para o apoio psicológico deste trauma histórico palestino.

Aliás, os vários textos vão dando clareza ao termo “sumud” cunhado pelos palestinos e que “expressa a essência desse povo” e que deu título ao livro. Segundo destaca a organizadora, para a autora Dra. Samah Jabr “sumud não significa apenas a capacidade de sobreviver ou a habilidade de se restabelecer para lidar com o estresse a adversidade, mas sumud é a disposição de manter um desafio inabalável à subjugação e à ocupação”. “Sumud não é uma característica inata ou a consequência de um único evento na vida (trauma), mas um sistema de habilidades e hábitos que são apreendidos e podem ser desenvolvidos”. Uma espécie de estilo de vida voltado para a resistência.

Os relatos dos dois primeiros capítulos em especial, com descrição dos sintomas no consultório (clínica psiquiátrica, postos de saúde, rua, etc.) são muito fortes revelando não apenas a depressão e ansiedade de vários tipos, mas a forma como a opressão permanente quase totalizante opera na saúde das pessoas.

A doutora Jabr, escreve ao final do primeiro texto logo depois do prefácio e da introdução do livro: “nem todo mundo que vem me ver é um paciente. Nem toda dor ou queixa é um sintoma. Nem todo ajuste é um distúrbio. Tento ajudar as pessoas a darem sentido a suas experiências dolorosas, criando uma narrativa que valide a complexidade de sua situação frente aos poderes opressivos, em vez de rotulá-las com um código de diagnóstico”.

A autora insiste em várias passagens que não aceita e questiona o conceito ocidental de "Transtorno de Estresse Pós-Traumático" (classificado como TEPT) que muitas vezes obriga a restringir a complexa história de um paciente ao limitado código da Classificação Internacional de Doenças (CID). Ela considera importante “explorar noções que considera importantes como jihad, chahid, sacrifício, traição, honra, sumud, resistência, pátria, solidariedade e outras conceituações relevantes para a visão Palestina de libertação”. Para ela, “a libertação da mente, por meio da terapia, sensibilização e consciência crítica, é projeto fundamental”.

“Os traumas que mais prevalecem na Palestina, são causados de forma deliberada e o causador jamais é responsabilizado, o que multiplica os efeitos da lesão com a impunidade que culpa as vítimas pelo trauma sofrido”. Assim, a culpa e a vergonha complicam ainda mais qualquer tratamento, porque as pessoas passam ter vergonha de compartilhar seus problemas e medo de expor suas questões individuais por conta dos riscos de seus prontuários serem descobertos pelos algozes.

A Dra. Jabr também questiona a individualização desses problemas e a falta de conhecimento social do trauma, de modo que sobreviventes isolados são desencorajados a procurar ajuda. A psiquiatra sugere assim “ir além de tratar o trauma individual forjado na violência política que é apenas parte da longa jornada de cura que enfrenta toda a comunidade palestina”, mas insiste que é preciso ir além em termos coletivos: “é necessário recuperar do trauma retomando nossa normalidade perdida por meio de sistemas culturais e sociais... que permanecem adormecidos sob a ocupação. Esse trabalho não pode se desenvolver de modo pleno somente no consultório, mas requer uma ampla renovação coletiva da vida psicológica sob condições de autonomia e justiça”.

No presente, um livro mais que necessário, não apenas como forma de solidariedade ao povo palestino (razão do último capítulo), para se conhecer melhor e sob sua ótica, seus graves problemas e sofrimentos, mas também para se compreender melhor a violência das guerras, do ódio e as psicopatologias que nos cercam nesses difíceis períodos da humanidade.