sexta-feira, julho 31, 2020

A tecnopolítica como dimensão do capitalismo de plataformas assassina a democracia liberal

As Plataformas Digitais (PDs) nascidas com o discurso do compartilhamento, da solidariedade e da democratização de acessos e como espaço de um debate ainda mais amplo que reviveria a ágora grega, numa espécie de “ágora digital”, paulatinamente, passam a ser vistas como ferramentas de destruição da democracia liberal ocidental e de maior empoderamento de quem já tem muito poder e dinheiro.

Na quarta-feira (29/07), tratei do tema do capitalismo de plataformas em entrevista na TV 247 sob o título dado pelo entrevistador como a “economia dos apps” (Acesso aqui). Na ocasião comentei que o assunto que envolve “as veias digitais”, deve ser abordado em pelo menos seis dimensões, para a além da precarização e exploração repugnante sobre do trabalhador de entregas a domicílio que o esquema “delivery” escancarou com a chegada da pandemia. No Brasil, hoje, cerca de 5 milhões de trabalhadores trabalham sob o controle das plataformas digitais, entre eles os entregadores.

Além da dimensão do trabalho, da individualização, da falsa suposição do sujeito-empresário (Dardot & Laval, 2016), a do trabalhador por demanda da “GIG Economy” ou “Economia sob Demanda”, devemos observar a dimensão econômica da hiperconcentração (e centralização espacial das plataformas-raiz); dimensão da financeirização, das startups e da appfifcação; dimensão cultural das redes (societal e comunitário); dimensão espacial, geoeconômica dos lugares escolhidos e dos lugares abandonados e a dimensão da política e da tecnopolítica que avança assassinando a democracia liberal ocidental.

Mais que uma plataforma de intermediação entre demandas, produção e circulação (material, imaterial e financeira), o processo de plataformização transforma a política e nos trouxe à realidade da tecnopolítica.

Entre extasiados e espantados diante da explosão de dados e informações a que somos expostas o tempo todo, essa arquitetura tecnológica das chamadas Plataformas Digitais, agora descortinam também a enorme concentração do poder político.

Com essa “hiperconcentraçaõ” se tem a formação e a oferta de mais poder político para minorias endinheiradas, contra maiorias expressivas, que são sufocadas e sofrem com o sequestro do esquema eleitoral fakenizado das democracias liberais ocidentais.

Brexit, Salvini, Orban e Bolsonaro são exemplos desta estratégia planejada pelo americano Steve Bannon. Bolsonaro chegou ao poder com os conhecidos esquemas de pirâmide de robôs nas eleições de 2018. No cargo, a família Bolsonaro transformou essa pirâmide de robôos eleitorais no “Gabinete do Ódio”, com ligação direta com a Secom, no próprio Palácio do Planalto.

Assim, através das plataformas digitais das redes sociais, o “Gabinete do Ódio” comandada por youtubers e blogueiros bolsonaristas têm acesso às gordas verbas publicitárias, oriundas de fundos públicos, que constituem a máquina de propaganda do BolsoMilitarismo.

Esse é um exemplo de como a tecnopolítica foi criando as condições para para instituir uma democracia - que tenta se consolidar em que minorias controlam a maioria que se volta, quase exclusivamente, para uma vaga de ideia de liberdade individual como se vivêssemos sozinhos no mundo.


As democracias não morrem, elas são assassinadas pelo poder econômico cada vez mais empoderada

Ao contrário do que levantava Steven Levitsky em seu livro ao afirmar “que as democracias morrem, a partir da leitura da tecnopolítica, já é possível afirmar que as democracias liberais ocidentais, estão sim, sendo assassinadas. Na verdade trucidadas pelas milícias digitais sustentadas pelo mesmo poder econômico que organizou o capitalismo de plataformas que trouxe à essa enorme concentração econômica.

Uma oligopolização do uso das veias digitais controladas pelas plataformas-raiz (5 Big Techs: Apple, Google, Facebook, Amazon e Microsoft) com vínculos com o “Deep State” (estado-profundo) estadudinense, que vão bem além dos trustes e dumpings econômicos.

Sugiro que leiam o livro “Engenheiros do caos” editado em 2019 no Brasil, do francês Giuliano Da Empoli que atua num grupo de pesquisa “Volta” em Milão sobre o qual fiz brevíssima resenha no blog (acesso aqui), já estimulando a leitura sobre o que vem a ser a tecnopolítica com descrição detalhada de seu avanço sobre até então algumas democracias liberais no Ocidente.

A política e suas instituições eram espaços (de certa forma também plataformas) nas democracias liberais, onde os conflitos e interesses de classes eram confrontados e, a partir de maioria direta (eleições) ou indireta (por representações nos três poderes organizados sob a forma de Estado) definiam rumos de partes (estados-nacionais) dos cidadãos.

Só que entre a dimensão digital e a dimensão física da política real, a plataformização dos negócios transforma a política num problema e não numa forma de intermediação de diferentes interesses na sociedade.

A tecnopolítica nos jogou nos guetos dos grupos isolados em bolhas que não dialogam entre si e que repulsam o contrário que era, exatamente, o espaço da mediação, da busca de acordos ou da disputa pela maioria, através da ideia dos “campos” na concepção do sociólogo francês Pierre Bourdieu.

Nesse vácuo que reduz e aniquila as instituições democráticas se cria o caldo onde a tecnopolítica produz a figura do antistableshiment. Com ela se controla o poder político e assim amplia os tentáculos da plutocracia, com governo dos ricos e para os ricos.

A tecnopolítica vetou a política agora chamada de tradicional para susbstituí-la pelos algoritmos que disputam a maioria, alimentam os guetos (zumbificação) e definem os rumos pelas novas maiorias obtidas diretamente pelo poder econômico da técnica dos robôs, na superficialidade da “memificação da política”. Fenômeno que pode ser facilmente percebido com a formação e atuação da rede digital bolsomilitar no Brasil.

A ilusão da “ágora digital” que nos reaproximaria de uma democracia direta, mediada pela internet e pelas plataformas, está sendo exposta como inviável. Os controles exercidos pelos oligopólios gigantes da tecnologia do ocidente (Big Techs), dominam as veias digitais, hoje de forma escancarada (e não mais escamoteada), exercendo o poder político por cima de partidos e instituições, que no mundo real se fragmenta cada vez mais entre guetos e bolhas, onde as massas ampliam sua raiva, seu ódio e sua revolta.  

A dimensão da política não cabe nessa “arquitetura modular de negócios” entre demanda e produção do capitalismo de plataformas. A política é o coração da vida civilizada em sociedade. Fora daí continuaremos a caminhar a passos largos, para uma nova rodada de fascismo (já em curso), em direção à barbárie, em que pese os bárbaros terem sido menos bárbaros, do que aquilo que hoje já nos ameaça, sem que a maioria se aperceba.

Compreender essa realidade pode nos ajudar a transformar o caminho que a tecnopolítica está induzindo a civilização ocidental central no norte e também a do capitalismo periférico tardio, em sua maioria localizada no sul global.

quarta-feira, julho 29, 2020

Entrevista sobre Capitalismo de Plataformas na TV 247 para ampliar o debate sobre o tema

Atendendo um convite do Leonardo Attuch, da TV 247, estive nesta quarta (29 jul.) conversando ao vivo sobre as várias dimensões do "capitalismo de plataformas" que ampliou sua potência nesse período pós-pandemia. 

As "Big Techs" realizam uma hiperconcentração jamais vista no capitalismo. Apenas a Apple ou Amazon, duas delas possuem valor de mercado maior que o PIB do Brasil.

O plataformismo é muito mais do que tecnologia e está modificando o Modo do Produção Capitalista, também se concentra espacialmente, nas sedes das Big Techs, onde controla os acesso às veias digitais, com interesses geopolíticos e de esforço para manutenção da hegemonia dos EUA.

O tema possui várias dimensões de análise para além daquela, que agora na pandemia, se tornou mais visível e repugnante, que é a do trabalho precarizado e da exploração dos trabalhadores de aplicativos, sem direitos e registros, que no Brasil estão hoje em torno de 5 milhões, entre eles os entregadores.

Além da dimensão do trabalho, da individualização, da falsa suposição do sujeito-empresário (trabalhador por demanda da GIG Economy ou Economia sob Demanda), devemos observar a dimensão econômica da hiperconcentração (e centralização espacial das plataformas-raiz); dimensão da financeirização, das startups e da appfifcação; dimensão cultural das redes (societal e comunitário); dimensão espacial, geoeconômica dos lugares escolhidos e dos lugares abandonados e a dimensão da política e da tecnopolítica que avança assassinando a democracia liberal ocidental.

A entrevista e a apresentação do tema que segue sendo desenvolvido em pesquisa em curso tem o objetivo de ampliar o debate:

terça-feira, julho 28, 2020

Por que os EUA limitariam a atuação de suas Big Techs se elas controlam as veias digitais e financeiras que ainda lhe dão hegemonia geopolítica?

Amanhã (28 de julho de 2020), os presidentes da Google, Facebook, Apple e Amazon - também conhecidas em conjunto pela sigla Gafa ou como "Big Techs"-, vão prestar depoimentos juntos em audiência no painel antitruste do Comitê Judiciário da Câmara Federal do Congresso dos EUA.

Por conta disso, a FB até adiou em alguns dias, a divulgação de seu balanço trimestral (semestral). Avalio que tal decisão vise evitar dar mais argumentos ao crescimento financeiro de seu oligopólio, em especial neste momento da Pandemia e maior uso das plataformas digitais.

As gigantes do setor de tecnologia respondem a vários questionamentos sobre o uso do poder de mercado que detêm para prejudicar rivais nos EUA. As arguições também giram em torno de uso de práticas ilegais que essas Big Techs usam para se tornarem gigantes e dominantes, como nenhuma outra companhia ou setor na história dos EUA.

Interessante que a questão venha à tona, logo depois do caso do bilionário, Musk dono da Tesla, sobre participação em articulações geopolíticas de interesses da própria corporação e dos EUA, na Bolívia.

Agora o caso da investigações de autoridades estadudinenses contra as 4 maiores Big Techs (Facebook, Apple, Google, Amazon), que juntas valem quase US$ 5 trilhões (4 PIBs do Brasil), também têm no seu âmago evidências sobre a relação do poder econômico destas gigantes do setor, com o poder político e a geopolítica dos EUA.

O valor e a concentração econômica monopólica destas empresas é bem maior do que qualquer outra corporação teve no passado de setores oligopólicos conhecidos como: petróleo, automóveis, siderurgia e outros.

A Google está sendo mais investigada pelo Departamento de Justiça, sob controle dos Republicanos. Já o Facebook é mais fiscalizado pela FTC (Federal Trade Comission) que é mais vinculada aos Democratas.

O Facebook já é bem conhecido pelas fortes participações nas eleições, em diversos países, com direcionamentos de anúncios para públicos segmentados, conforme interesses de apoio político, a partir de dados coletados por suas redes, armazenados em seus Big Datas e processados por seus algoritmos e pela Inteligência Artificial (IA).

Na verdade as 5 "Big Techs" que inclui ainda a Microsoft, possuem relações umbilicais junto ao Deep State (Estado Profundo) dos EUA, onde Wall Street se articula com o poder político, policial e militar dos EUA, acima dos governos.

Nunca o órgão de antitrustes dos EUA foi tão leniente com um esquema oligopólico como esse atual. O que demonstra o peso que tem esse processo que passei a chamar de plataformismo, que vai além de um processo de intermediação entre demanda e organização da produção e chega a volumosos fluxos materiais e financeiros mundo afora, com controle centralizado nos EUA, sede desta Big Techs.

Sendo assim, é muito pouco provável que as autoridades americanas tenham efetivamente interesse em regulamentar as ações destas gigantes do setor de tecnologia com um conjunto de novas leis e decretos antitrustes.

A política e a geopolítica explicam. As oligopólicas Big Techs estadudinenses controlam as veias digitais e financeiras de quase todo o mundo. Por que haveria de reduzir esse controle, senão o de dividir os campos de atuação de cada uma delas? A conferir!

segunda-feira, julho 27, 2020

Patrimônio dos bilionários brasileiros cresceu R$ 180 bilhões durante a pandemia: uma aberração diante das esmolas como doações!

O patrimônio líquido dos bilionários brasileiros cresceu o extraordinário volume de R$ 180 bilhões durante a pandemia. Os dados são de um levantamento da Oxfam com dados da Forbes. Os bilionários somam um "seleto grupo de 42 brasileiros que agora somam US$ 157 bilhões, quase R$ 1 trilhão.

Valor Online, 27 jul. 2020.
Para se ter uma ideia dessa concentração da riqueza dos bilionários brasileiros com o aumento de seus patrimônios em R$ 180 bilhões, veja que todo o volume de dinheiro do auxílio emergencial pago a 65,3 milhões brasileiros (entre 40 milhões de informais e 12 milhões de desempregados), neste período de 4 meses da pandemia, é cerca 50% maior e atinge R$ 129,5 bilhões.

Como a economia real nesse período não cresceu, é fácil deduzir que essa concentração se deve ao capital fictício e à financeirização, possivelmente com vínculos com a liquidez injetada pelo socorro aos bancos, no valor de R$ 1,1 trilhão, ainda no início de abril, bem antes do auxílio emergencial dos R$ 600.

Vale recordar que era essa classe social era a que tanto reclamava da paralisação da economia no país, por conta isolamento para salvar vidas.

Isso é uma aberração. Em especial, quando se vê alguns destes bilionários fazendo alvoroço e propaganda por doações de algumas máscaras e outras coisas menores.

Ainda segundo a Oxfam, durante a quarentena para conter o avanço da covid-19, oito novos bilionários surgiram na América Latina e Caribe, em especial no Brasil, maior economia da região, enquanto estima-se que 52 milhões de pessoas passarão à condição de pobres incluindo 40 milhões que devem perder seus empregos.

Ou seja, na plutocracia que finge ser democracia, enquanto os pobres se arriscam para trabalhar e se contaminam com a covid-19, para não perder seus empregos, os bilionários pressionam os governos que controlam para ativar a economia para eles seguirem acumulando bilhões de dólares.

É preciso muita desfaçatez, cinismo e hipocrisia para negar essa realidade. Um outro negacionismo. Duro demais saber que todo dia mais de mil pessoas morrem, sem proteção de um desgoverno sem ministro da Saúde, enquanto os bilionários se enriquecem de forma desavergonhada. Cretinos!


PS.: Atualizado às 15:22. Para acréscimo de um parágrafo ao texto original.

domingo, julho 26, 2020

Musk da Tesla expõe a relação dos financistas e das corporações com a geopolítica dos EUA

Neste sábado (25/07/2020) tomamos conhecimento que o empresário americano, Elon Musk, 7°pessoa mais rica do mundo pela lista da Bloomberg, dono da Tesla, a companhia dos carros elétricos assumiu sua participação direta no golpe político na Bolívia. (Veja Twitter ao lado).

Musk que é controlador de uma holding com outras empresas além da Tesla, como uma companhia de painéis solares, sempre recebeu polpudos subsídios e incentivos fiscais do governo americano, afirmou ainda que não adianta reclamarem que ele continuará a agir desta forma e sob seus interesses.

Pois bem. Assim temos aí a plutocracia assumida.

É oportuno lembrar que a Bolívia tem grandes reservas de lítio, metal fundamental para as baterias que são usadas nos carros elétricos, exatamente, o negócio de Musk, que ainda faz o discurso ambientalista modernoso.

E ainda há quem chame as interpretações sobre os movimentos e interesses de agentes dos setores corporativos e financeiros, como teoria da conspiração.

Mais claro impossível.

Temos aí a América Latina com suas veias abertas (Eduardo Galeano) e como quintal dos interesses das corporações e geopolítica do Norte.

Ainda sobre o Elon Musk da Tesla, a professora, pesquisadora e escritora, Mariana Mazzucato, autora do excelente livro "O Estado empreendedor" postou mais cedo em seu twitter outra crítica ao dono da Tesla sobre suas posições contra apoio governamental às vítimas da crise criada com a Pandemia nos EUA: 
 
"Musk julga que o governo dos EUA não deve socorrer as pessoas na pior crise econômica desde a Grande Recessão, mas não vê problemas em recolher subsídios governamentais e incentivos fiscais para o seu bolso". 

Mazzucatto traz ainda um link (aqui) de uma matéria do Los Angeles Times, em 30 de maio de 2015: "O crescente império de Elon Musk é alimentado por US$ 4,9 bilhões em subsídios do governo". 

Aliás, o tema estimula a leitura do livro da Mazzucato, O Estado empreendedor. A publicação apresenta uma farta pesquisa empírica e bela análise sobre papel do Estado no fomento às grandes corporações que coloca por terra o discurso neoliberal do sujeito-empreendedor liberal que advoga o "Estado mínimo" para os outros e máximo para si.

Voltando ao tema da exploração dos minerais raros, sugiro a quem se interessar em aprofundar o conhecimento sobre a exploração e o potencial dos minerais e terras raras na América Latina e na África, conhecer a pesquisa da professora Mônica Bruckmann, da UFRJ, cujo trabalho conheci e debati junto com o professor Theotônio dos Santos, de quem a peruana professora Mônica é viúva. 

A pesquisadora Mônica Bruckmann tem farto material, mapas, gráficos e tabelas sobre a geoeconomia dos recursos naturais e sobre o potencial destes minerais e sobre a guerra do império pelo controle da destes recursos naturais e sobre o que ela já chamava da "geopolítica do lítio no século XXI". 

Nos sites de buscas é possível localizar vários textos e vídeos com aulas e palestra sobre o tema que se relaciona diretamente com a notícia da participação do Musk nos movimentos do golpe político na Bolívia em 2019. Um destes vídeos no YouTube e pode ser visto aqui. Se trata de uma conferência em março de 2018, na UFSC, Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), sobre o tema "Imperialismo e Recursos Naturais na América Latina". 

Enfim, um caso real sobre relação dos financistas e das corporações com a geopolítica dos EUA, a plutocracia (governo dos ricos e para os ricos) e imperialismo.

sexta-feira, julho 24, 2020

Oi passa a ser controlada pelo Colony Capital, Inc. fundo financeiro americano: o que isso pode significar?

A empresa de telefonia Oi que está em processo de recuperação judicial foi adquirida pela empresa Highline que é controlada pelo Colony Capital, Inc., fundo financeiro americano criado em 1991 e com sede em Los Angeles, Califórnia.

 Colony Capital, Inc. fundo hoje está presente em 20 países com ativos vinculados ao setor imobiliário, ativos em dificuldades financeiras (como é o caso da Oi), o que também o qualifica no mercado como “fundo abutre”.

O Colony Capital, Inc. possui ativos de US$ 50 bilhões e possui ligações com outros fundos de maior porte, como o Blackstone e o Morgan Stanley Real Estate. Ao ter estas fortes vinculações com outras gestoras de fundos financeiros, o Colony Capital, se potencializa a entrar em negócios com interesses estratégicos.

O caso da telefonia é um deles. Em especial, num momento em que se discute as questões relativas às escolhas da nova tecnologia e empresas que vão fornecer a 5G. Neste período de crise e recuperação judicial da Oi, ela foi vivendo uma pulverização acionária e ultimamente, a Vivo e Tim tinham interesses em assumir a empresa concorrente no setor de telefonia móvel e internet.

Antes deste negócio com a Highline (Colony Capital, Inc.), 7,4% das ações da Oi já tinham tido a participação de outros findo financeiro com sede em paraíso fiscal, Ilhas Cayman, no caso, o York Global Finance

O valor final que será pago pela Highline (Colony Capital, Inc.) para controlar a Oi seria em torno de R$ 1 bilhão. A Oi tem ações na Bolsa de Valores, B3, e por isso, os negócios precisam ser mais transparentes.

O Colony Capital, Inc. também investe no setor de hoteleiro no Canadá, eventos e clubes de futebol, como no caso do Paris Saint Germain junto com a o fundo árabe, Qatar Investment. E também está tentando entrando no setor de streaming, fornecimento de filmes através da intenet.

Outro fato que merece registro sobre o Colony Capital, Inc. foi noticiado pelo jornal americano New York Times que informou, em junho de 2018, que uma subsidiária, a Colony North Star havia captado mais de US$ 7 bilhões de investimentos desde que Trump chegou ao poder e que 24% deste dinheiro vieram dos países próximos a Trump e os EUA, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU).

Por tudo isso, vale que se aprofunde os fatos sobre as negociações e tratativas que levaram à essa aquisição e controle da Oi por fundo americano Colony Capital, Inc. Voltaremos ao tema.

Há algum tempo, eu tenho chamado a atenção para o movimento da indústria de fundos financeiros no Brasil e a nível global. Os fundos financeiros globais estão por trás da maioria das privatizações e compras de ativos no Brasil desde 2016. Com a crise política financeira que ase arrasta há cinco anos o Brasil ficou baratinho, ainda mais com o dólar a R$ 5,30.

Trato do assunto no livro, editado ano passado (2019) pela Editora Consequência, “A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”. 

quinta-feira, julho 23, 2020

Compra de petróleo pela China bate todos os recordes nos últimos meses: o que isso quer dizer?

As importações chinesas de petróleo bateram todos os recordes nos últimos dois meses. Fato que contribuiu para o aumento da demanda global e para a recuperação, em parte, do preço do barril no mercado internacional. Há cerca de uma década, a China se tornou o maior importador mundial de petróleo, sendo os EUA, o maior consumidor global.

Em abril passado, a demanda global chegou a cair próximo de 20 milhões de barris de petróleo por dia (bpd), por decorrência, o preço chegou a ficar negativo, por excesso de produção e limitada capacidade de estoque nos reservatórios, em sua maior parte instalados junto aos terminais portuários. Ontem (22/07) o barril de petróleo tipo brent alcançou US$ 44.

Os volumes de importação de petróleo chinesas foram colossais. Em maio a importação da China chegou a 11,34 milhões de barris por dia (bpd) de petróleo bruto. Em junho avançou para 12,9 milhões de bpd, mais de quatro vezes toda a produção (só de petróleo) do Brasil.

A China nem todo o 1º semestre de 2020, a despeito da redução das atividades econômicas e da consequente demanda de petróleo no mundo, aumentou em 10% suas importações de petróleo, em relação a 2019, ficando na média do semestre, num volume de 10,95 milhões de bpd.

Como a demanda por petróleo e derivados se reduziu em todo o mundo neste 1º semestre, esses recordes de importação precisam ser explicados. Há pistas. Evidentes que essas razões não exclusivas e nem conclusivas, porque em se tratando de geopolítica energia e seus interesses estratégicos econômicos e especulativos, nada se situa no nível das certezas. Há sim, muitas hipóteses, com as quais se dialoga em busca da realidade.

Segundo a colunista do site Oil Price, Tsvetana Paraskova, as refinarias chinesas, gigantes estatais e independentes, na província de Shandong, se aproveitaram do petróleo barato em abril para entrega em maio, junho e julho, para estocar grandes volumes. Fazendo com que as importações chinesas de petróleo batessem esses extraordinários recordes.

Clyde Russell, colunista da Reuters, por outro lado, afirma que a China acumulou petróleo a uma taxa de 1,88 milhão de bpd entre janeiro e maio, um aumento de cerca de 670.000 bpd em relação ao mesmo período do ano anterior de 2019, quando o volume era estimado em 1,21 milhão de bpd. Em junho, essa taxa pode ter chegado a 2,77 milhões de bpd. 

Reservatórios (tanques) de armazenagem de petróleo em Zhuhai na China.
Fonte: Reuters. Foto: Aly Song.
Esse aumento dos volumes atuais de estoques de petróleo cru da China, sugere que ela tenha sido bem ampliada. Tanto em termos de reservatórios (tanques), quanto de estoques em cavernas submarinas. A China não informa os seus níveis de estoque nem em termos de armazenamento comercial, nem quanto as suas reservas estratégicas, ainda mais diante do atual e crescente conflito com os EUA.

Paraskova também afirma que as refinarias chinesas também processaram em junho, uma quantidade recorde de 14,08 milhões de bpd de petróleo bruto (bem próximo do seu limite em torno de 15 milhões de bpd), o que pode também sugerir grandes estoques de derivados e combustíveis, até porque as exportações chinesas se reduziram em 29%, em junho de 2020, quando comparado ao mesmo período de 2019.

A China tem o 2º maior parque de refino do mundo, refletindo o fato de ser o maior importador de óleo cru e segundo maior consumidor mundial. Os EUA tem o maior parque de refino do mundo com capacidade para processar 18,5 milhões de bpd.

Voltando às hipóteses do recorde de compra de petróleo pela China nos últimos meses, mais uma última hipótese deveria ser investigada. A China como maior importadora do mundo de petróleo, pode estar repetindo com essa commodity, o que há alguns anos passou a fazer com o minério de ferro, em que ela consome mais da metade de tudo que é produzido no mundo.

A grande capacidade de armazenagem de minério junto aos seus portos, permitiu à China com uma economia planejada, atuar como regulador de preços, imputando uma sazonalidade, tal o seu volume de negócios deste mineral. Uma sazonalidade tipo aberta, ou variável no tempo, conforme os preços internacionais, suas estratégias e o seu consumo interno país, para sustentar o crescimento da produção de aço internamente e para exportações.

Quando a China começa a comprar mais minério de ferro, os preços vão subindo, quase na mesmas proporções dos seus aumentos de estoques. Quando fecha a torneira (mesmo parcialmente das compras) o preço cai, porque os 50% restante da demanda mundial é bem pulverizada, apesar do setor siderúrgico - que gera demanda de minério de ferro - ser bastante oligopolizado e concentrado em alguns países.

É possível, que a China esteja aproveitando essa fase de colapso de preços do ciclo petro-econômico, com pequenas oscilações desde 2015, para avançar nessa mesma estratégia de aumentar bastante sua capacidade de estoque.

Um outro motivo, a cada dia mais real, é em relação às precauções da ampliação dos conflitos com os EUA. Eles podem vir a exigir reservas estratégicas maiores de energia (e petróleo é a melhor para ser estocada), considerando inclusive, a sua condição de maior importador mundial.

Portanto, a China é hoje, bastante dependente em termos de energia das compras de outros países, que podem também vir a ser pressionados a reduzirem, ou mesmo cortarem as vendas de petróleo aos chineses, por um esquema de bloqueio comercial, prática cada vez mais comum da atuação geopolítica dos EUA em várias regiões do mundo.

Há sinais, que a mesma preocupação norteiam setor de alimentos, tendo em vista a segurança alimentar de sua enorme população e o grande volume de compras de soja, carne e outros de produtores externos, incluindo os EUA.

PS.: Com informações do site OilPrice.

terça-feira, julho 21, 2020

Regra de três de entreguistas na liquidação da TAG (fatia da Petrobras)

Há cerca de um ano a estatal fechou a absurda venda de 90% da TAG, dona de uma malha de 4,5 mil km de gasodutos estratégicos por US$ 8,6 bilhões. Na cotação atual, cerca de R$ 45 bilhões.

Agora, veja que ontem, na conta de Bolsonaro, Guedes e Castelo Branco, eles fecharam a venda dos 10% restantes, para os mesmos compradores, por apenas R$ 1 bilhão. Ou seja 4,5 vezes menos na regra de três entreguista. 
Valor-Capa 21/07/2020.

Os entreguistas poderão alegar aos incautos que a variação do dólar alterou essa conta, porém, isso não fecha. Porque os 10% foi vendida em reais por R$ 1 bi. Os 90% em reais na época valeu R$ 33,5 bi. Ou, seja, nesse caso, a conta dos 10% teria que ser pelo menos R$ 3,35 bilhões. 

É oportuno lembrar que a TAG foi vendida a prazo para um fundo financeiro canadense (CDPQ-35%) e uma player do setor de energia (Engie e GDF-65%) francês, mas a malha de gasodutos segue sendo operada pela Petrobras. 

Além disso, em apenas um ano, a Petrobras, já pagou de tarifas mais do que recebeu até aqui pela venda da rede de gasodutos.

Em pouco mais de dois anos, a Petrobras, já terá pago em tarifas tudo aquilo que teria recebido pela venda desta magnífica e estratégica infraestrutura de transporte e distribuição de gás.

Um colosso! Para quem comprou. Quem está lavando à jato? E segue a liquidação e os crimes de lesa-pátria.


Figura 1: Malha de gasodutos construída pela TAG (Petrobras) e entregue aos franceses e canadenses.




























Referências:
[1] Primeira postagem do blog sobre a venda dos gasodutos em 30 de agosto de 2016. "Segue a liquidação do Feirão Petrobras com a venda de seu mais caro ativo até aqui: Malha de gasodutos do Sudeste". Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/08/segue-liquidacao-do-feirao-petrobras.html


[2] Postagem do blog replicada pela FUP em 9 de agosto de 2017. "Em apenas 4 anos, Petrobrás terá pago em aluguel o que recebeu pela venda da NTS". Disponível em: https://www.fup.org.br/ultimas-noticias/item/21523-consequencias-do-desmonte-da-petrobras-no-setor-dutoviario-em-apenas-4-anos-a-estatal-tera-pago-em-aluguel-o-que-recebeu-pela-venda

domingo, julho 19, 2020

Segue o estrago da Lava Jato sobre as empresas de engenharia brasileiras do setor petróleo e naval

No período de Pedro Parente na presidência da Petrobras ele e sua equipe proibiram empresas de engenharia brasileiras participarem de licitações maiores.

Agora, em outra fase de entreguistas, sob o comando de Castelo Branco, a Petrobras habilitou empresas (estaleiros) para montagem de uma plataforma, tipo FPSO para o megacampo de Búzios, localizado no mar do litoral paulista no Pré-sal da Bacia de Santos.

Das dez empresas (epecistas, que da sigla EPC - Engineering, Procurement and Construction) habilitadas a participar do leilão desta construção/montagem, oito são estrangeiras, apenas duas do Brasil: Brasfels, empresa do grupo Keppel Fels da Cingapura, instalado em Angra dos Reis, onde foi a Verolme e a EBR, uma associação (meio a meio) entre a empresa brasileira SOG Óleo e Gás (Setal) e a japonesa, Toyo Engineering, instalada no Rio Grande do Sul.

As demais concorrentes são os estaleiros gigantes coreanos Daweo Shipibulding, Hyundai e Samsung, a própria Keppel (dona da Brasfels) da Cingapura, as japonesas Modec e a própria Toyo (sócia da EBR), a holandesa SBM e a Technip, que embora, seja de origem francesa e mais vinculada a produção de tubos, depois da fusão com a FMC, tem sede em Londres.

Mapa 13. Tese do autor, P.365/560. [1]
Búzios é um dos filé-mignon da área da Cessão Onerosa e se situa a uma profundidade de água de 1.600 a 2.100 metros. Seu primeiro sistema de produção entrou em operação em 2015. Esse FPSO é para o projeto Búzios 6, cuja operação está prevista para o ano de 2024.

Construção de plataformas no exterior era uma realidade na década de 90 e cresceu na era de FHC. Nos períodos Lula e Dilma, enormes esforços foram desenvolvidos para recapacitar e expandir a indústria naval do Brasil.

O país saiu de cerca 2 mil em 2003 trabalhadores no setor, para 82 mil empregados até 1014, com estaleiros em vários estados litorâneos, como mostramos no mapa de 2014, da Indústria naval brasileira publicada na tese deste autor. [1]

A Lava Jato, acabou com as empresas de engenharia, mais que puniu os responsáveis por desvios. O processo que ficou conhecido como lawfare serviu de base para a guerra de interesses de corporações e Estados estrangeiros para volta a ter controle sobre a apropriação de riquezas e retomada da dependência periférica do Brasil. Desde 2015/2016, já chamávamos a atenção para esse processo de desmonte e entrega.[2] [3] [4] [5] [6] [7] [8]

Infográfico revista Análise Setorial da Indústria Naval do Valor em 2013.
Assim, o filé mignon do pré-sal no auge da exposição de sua pujança (evidenciada pela espionagem da NSA, denunciada por Edward Snowden) e seus contratos bilionários de construção de plataformas, sondas de perfuração e embarcações de apoio foi sendo aos poucos expropriados. Com eles foram centenas de milhares de empregos, de uma cadeia produtiva que envolve ainda equipamentos, tecnologia e serviços e bilhões de dólares em impostos de diversos tipos.

Nenhum país do mundo entregaria tudo isso assim de bandeja e tão facilmente. A indústria naval e e de petróleo é estratégica para qualquer Estado-nação minimamente soberano. Porém, o Brasil, pós-golpe, segue passando adiante tudo isso de forma desavergonhada, sem que ninguém chame e veja isso como um processo grave de corrupção.

Tudo muito bem articulado entre o judiciário, a mídia e grande parte da elite econômica (como os Skafs da vida) que lutou pela redução (quase eliminação da Política de Conteúdo Local (PCL) e prefere ficar apenas com algum percentual de comissão de negócios deste capitalismo de laços, dependente, consentido e subordinado.
O futuro, que em parte já é presente, já expõe esse crime de lesa-pátria que haverá de ser investigado.


Referências

[1] Tese do autor defendida em mar. 2017, no PPFH-UERJ: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto” como produtora de novas territorialidades”. Disponível na Biblioteca de Teses e Dissertações da UERJ: http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/processaPesquisa.php?pesqExecutada=1&id=7433&PHPSESSID=5vd3hsifip5hdg3n1icb57l9m6

[2] Postagem do blog em 26 de julho de 2016. A indústria naval nacional diante da fase de colapso do ciclo do petro-econômico. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/07/a-industria-naval-nacional-diante-da.html

[3] Matéria no site de Lula.com.br em 28 de julho de 2016. A destruição da indústria naval. Disponível em: https://lula.com.br/destruicao-da-industria-naval/

[4] Texto publicado no site da Aepet em 12 setembro de 2019. Razões do desmonte da Petrobrás e das empreiteiras nacionais. Disponível em: https://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/3642-razoes-do-desmonte-da-petrobras-e-das-empreiteiras-nacionais

[5] Postagem no blog em 20 de setembro de 2016. O fechamento dos estaleiros, as plataformas vindas do exterior e a volta do retrocesso neoliberal da dependência consentida e subordinada. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/09/o-fechamento-dos-estaleiros-as.html

[6] Postagem do blog em 14 de agosto de 2013. Indústria Naval brasileira: encomendas e empregos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2013/08/industria-naval-brasileira-encomendas-e.html

[7] Entrevista do autor ao IHU/Unisinos em 11 dezembro de 2015. Infraestrutura logística portuária: O Estado cooptado pelo setor privado e a população à mercê do capital. Entrevista especial com Roberto Moraes Pessanha. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/550047-infraestrutura-logistica-portuaria-o-estado-cooptado-pelo-setor-privado-e-a-populacao-a-merce-do-capital-entrevista-especial-com-roberto-moraes-pessanha

[8]Postagem no blog em 4 de outubro de 2017. Segue o entreguismo e o desmonte do que existe de indústria de petróleo no Brasil: Associações do setor industrial questionarão judicialmente a ANP, por também cortar exigências de conteúdo local nos projetos, já em andamento, da área de petróleo. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/10/segue-o-entreguismo-e-o-desmonte-do-que.html

quinta-feira, julho 16, 2020

Pesquisa da UFMG/CNTE sobre o trabalho docente da rede pública pela via digital aponta precariedades, intensificação e baixa participação dos estudantes

A pesquisa "Trabalho docente em tempos de pandemia" objetivou conhecer os efeitos da pandemia do Covid-19 especificamente sobre o trabalho dos docentes das redes públicas de ensino e foi realizada pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG), sob a coordenação da Profa. Dra. Dalila Andrade Oliveira. A investigação contou com a parceria da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

A pesquisa usou como instrumento, a plataforma GoogleForms para os questionários tendo como período da coleta de dados, 08 a 30 de junho de 2020. Um universo expressivo de 15.654 professores participou da enquete. 78% do sexo feminino e 22% masculino, distribuídos por todos os 27 estados da federação, mas em quantitativos diversos das proporções de docentes de suas redes. 49% dos participantes da pesquisa eram das redes municipais, 39% da redes estaduais e apenas 1,2% da rede federal, sendo que 11% eram simultaneamente das rede estadual e municipal.

Os resultados:
  • a)    89% nunca tinham tido experiência em “ensino remoto”;
  • b)    50% consideravam que tinham regular habilidade para lidar com tecnologias digitas, 24% considerava fácil e 17% difícil esse manejo.
  • c)      42% disseram que não recebeu nenhum tipo de formação para essa atuação e que utilizavam por conta própria; 21% se viravam com tutoriais e 25% tinham recebido alguma formação da Secretaria de Educação.
  • d)     82% estão realizando trabalho de casa, mesmo percentual que identifica que aumentaram suas horas de trabalho em relação às aulas presenciais.
  • e )     51% são obrigados a compartilhar recursos tecnológicos de acesso com outras pessoas do lar e tinham tempo restrito.
  • f )     46% identificam que o nível de participação dos estudantes nas atividades diminuiu um pouco e 38% drasticamente.
  • g)    80% consideram que isso se dá porque os estudantes não têm acesso à internet e demais recursos e 74% observa que as famílias não conseguem ajudar os estudantes nas suas atividades.
  • h)    69% têm medo e insegurança por não saber nem quando e nem como será o retorno à normalidade.

Slide 13/17 da Apresentação do resumo técnico da pesquisa "Trabalho docente em tempos de pandemia" UFMG/CNTE.























Em síntese. Os professores estão abandonados. Trabalhando mais, sendo obrigados a se virar, com medo do presente e do futuro e o mesmo se dá em relação à maioria dos estudantes que não recebe equipamentos, acessos digitais e quase nenhum apoio e por isso estão distantes das atividades. 

Há claramente um corte de classe social nessa realidade, porque os estudantes das escolas privadas vivem um outro mundo. Ou seja, a pandemia amplia a exclusão social também pela educação, para além do que já se sabe no atendimento à saúde. Essa realidade reforça também a interpretação sobre a ausência de coordenação de todo esse processo pela União, através do MEC. Os demais níveis de governo tentam se virar como podem e com resultados limitados. Não há governo federal, não há projetos. 

Evidente, que outras investigações sobre o tema precisam ser feitas com amostras proporcionais e por unidades da federação. mas, essa enquete, já traz elementos muito fortes para se enxergar uma realidade que se apresentará de forma mais clara no pós-pandemia.

O relatório completo da pesquisa da UFMG/CNTE será publicado no dia 28 de julho de 2020.

"Os mitos ocidentais da Democracia: Poder Judiciário, injustiça e desigualdade capitalista!", por Douglas da Mata

Douglas Barreto da Mata, fecha mais uma trilogia. Esta tratou dos mitos ocidentais da democracia que se encerra com um terceiro artigo sobre o "poder Judiciário, injustiça e desigualdade capitalista!". Essa segunda trilogia faz parte do seu Diário da Pandemia, publicado originalmente, em seu perfil no FB. Os dois outros artigo dessa trilogia foram publicados em dias seguidos 14 jul. e 15 jul. e podem ser lidos na ordem aqui e aqui. Vale conferir!

Os mitos ocidentais da Democracia: Poder Judiciário, injustiça e desigualdade capitalista!

Os dois outros textos anteriores tentaram abordar questões que têm um eixo central:

A construção do mito que o capitalismo encerra em si a própria noção de Democracia, a partir da elaboração de conceitos (falsos) do funcionamento pró-democrático das instituições caras ao capitalismo, quando na verdade, observamos que estes entes, sendo basilares ao modelo capitalista, só podem ser tão anti-democráticos quanto este modo de organização produtiva.

Entendamos aqui as estruturas judiciais do sistema capitalismo em toda sua totalidade, desde as instâncias pré-judiciais (poder estatal de polícia, nos sentidos lato e estrito), tocando um pouco no aspecto legislativo também.

De certo que, como todas as manifestações da vida em sociedade, as estruturas e organizações judiciais antecedem ao capitalismo, e certamente o ultrapassarão.

Porém, como em todas as outras formas de sociabilidade abordadas aqui, nenhuma outra fase da Humanidade se apropriou e incorporou tão dramaticamente estas estruturas judiciais (e as outras manifestações e fenômenos sociais) como o capitalismo.

Em nenhum outro modelo o funcionamento destas estruturas foi tão fundamental quanto no capitalismo.

Poderíamos parar por aqui ao dizermos:
Ora, se o capitalismo pode (e deve) ser entendido como óleo para as águas democráticas, assim o serão todos as estruturas que o integram, conservam e o justificam.

Sim, basicamente é isto, um sistema voltado a acumulação infinita, dedicado e motivado pela infinita desigualdade causada por esta acumulação, nunca comportaria um modelo judicial que agisse em direção contrária, já que os atores judiciais aplicam e validam as normas (leis) e conflitos dentro dessa lógica capitalista hierárquica.

Mas por força do hábito, avancemos um pouco mais.

O que dá azo às estruturas judiciais é a lei, que tanto pode ser um mero enunciado político (como certas normas das cartas constitucionais), como regras positivas que se direcionam a punir condutas (crime e infrações administrativas), resolver conflitos inter partes (sejam entes privados, públicos, etc), estabelecer normas e obrigações (tributos, ambiente, relações de trabalho, etc), definir os limites da cidadania e soberania, e por fim, eu acho, organizar o funcionamento dos entes estatais e suas atribuições e hierarquias.

Já sabemos que o sistema capitalista não permite que as classes mais pobres sejam proporcionalmente representadas nas casas de legislação (Parlamento), portanto, é bem possível que o conjunto normativo capitalista seja sempre avesso a qualquer possibilidade que ameace sua existência e funcionamento.

Só que não é só isso, haja vista que mesmo com toda a oposição, setores menos privilegiados encontram brechas e inscrevem normas que ampliam direitos.

São meras exceções que confirmam a regra, porém conferem a estes grupos menos privilegiados alguma proteção, ainda que se reconheça que a fruição destes direitos encontra nas estruturas estatais e judicias-policiais uma série de contratempos cotidianos!!!

Esta luta política permanente é também apropriada ideologicamente pelo capitalismo para dizer que é democrático e que os seus modelos judiciais e normativos tratam a todos de forma igual.

É um sub mito que é caro ao Judiciário: a lei é para todos (desculpem usar este título do filme propaganda da farsa jato, mas foi proposital).

Neste sub mito ocidental capitalista repousa um truque que tem duplo sentido:
Dar a classe pobre (trabalhador) a ilusão de que poderá recorrer em pé de igualdade ao Judiciário e obter dele uma posição que restabeleça ou garanta o gozo de um direito (positivo), e por outro lado, faz com que este trabalhador não perceba que esta adesão a um sistema legal-judicial que lhe é desfavorável é como declarar que é "livre" e "igual" para ser explorado e usurpado por leis (SEMPRE) injustas.

Desnecessário aprofundar que esta alegada liberdade e igualdade sempre resultam em posições subalternas aos subalternos nas estruturas sócio-econômicas, com nula chance de alternância, portanto, liberdade e igualdade são meras ficções.

Esta normalidade, geralmente, funciona melhor em países menos desiguais, onde a prestação jurisdicional está inserida em ambientes mais estáveis, portanto, é menos acionada.

Em ambientes instáveis, a presença permanente das estruturas policiais-judiciais é o atestado de que a sociedade se fragmentou, ao contrário do que advogam os defensores do protagonismo judicial que hoje vivemos.

Vamos dar um salto para trás e observarmos alguns pontos históricos interessantes:
Em todos os locais do planeta, sejam os países capitalistas mais avançados ou os menos, como o nosso, os sistemas judiciais-policiais foram usados como força de contenção para reprimir todos os movimentos políticos pela ampliação de direitos em tais sistemas capitalistas.

Sejam os anarquistas dos EUA nas primeiras décadas do Século XX, sejam os movimentos de esquerda da Europa na mesma época, sejam os incipientes movimentos sindicais no Brasil na mesma época, ou os segmentos organizados na luta pela terra, ou luta de gênero, e até mesmo os/as sufragistas (mulheres e/ou negros pelo direito ao voto), todo este amplo leque de contestação (nem sempre anti-capitalista, é bom dizer) foram tratados a tiros, pauladas da polícia e a golpes de duras sentenças dos juízes.

Em um espectro mais amplo, é bom dizer que o único "poder" que é mantido nas ditaduras, em pleno funcionamento, é o judiciário, e isto não é um acidente. 

É um incidente que determina um resultado claro:
Dar contornos legais ao arbítrio e reprimir dissensos.

Um exemplo recente:
A validação da Lei de Anistia pelo STF, que impediu que militares fossem julgados por seus crimes.
Vou escapar do debate jurídico-técnico, por entender que nem cabe debate em uma atrocidade destas.

Quero ressaltar o lado político:
Como validar uma lei promulgada dentro da vigência de um regime que se auto-perdoava pelos crimes cometidos, com Congresso amordaçado?

O que o STF fez foi mais ou menos como dar validade a um contrato de compra e venda de um carro, quando a parte vendedora ou compradora estava sob a mira de uma arma e sequestrada pela a outra parte!

E o que é pior nesta comparação, aqui estou até usando o exemplo de um direito disponível (propriedade).

A constitucionalidade da Lei de Anistia é confirmar que os militares tinham o direito de torturar, e depois se auto-perdoarem.

É este poder judicial que reivindica ser o guardião da Democracia e da Constituição.

Pausa para rir.
(..............................................................................................................)

Há milhares de outros exemplos, desde o moroso e caro funcionamento de uma das burocracias mais classistas do planeta, quando só os que podem pagar caros advogados têm chance de algum sucesso em suas pretensões, sejam elas de matéria cível ou penal, ou qualquer outra, até a constatação de que as estruturas judiciais-policiais no capitalismo nunca se insurgiram contra qualquer forma de arbítrio praticado pelas elites para manterem suas posições e a dominação capitalista.

Os chamados direitos sociais, o acesso a terra, a relativização, com a responsabilização social, do direito de propriedade os limites ambientais, e todas as normas regulatórias que atendem a demanda por tornar o capitalismo menos predatório são tratadas em tribunais (desde o piso até os andares mais altos) com leniência, e toda sorte de interpretações do "espírito do legislador".

Já aquelas normas que garantem o avano da dominação capitalista sobre tais direitos são julgados com a velocidade da luz.

Uma dica?

Pergunte quem paga os cachês das pale$tra$$$$, seminários, em luxuosos hotéis dos senhores juízes e promotores.

Diretamente como grandes patrocinadores, ou indiretamente através de entidades de classe (federações patronais, clubes de serviço, "institutos"), empresas como Souza Cruz, seguradoras, empresas de telefonia, etc, "ajudam" no árduo "esforço" dos "esforçados" juízes e promotores para criarem doutrinas jurisprudências que atendam aos seus interesses.

Tudo legalizado, é claro, não estamos aqui a caluniar ninguém.

Legalizado mas sem limite legal de doação ou patrocínio, ao contrário dos limites impostos às arrecadações eleitorais dadas por estas empresas a candidatos.

É no mínimo estranho que juízes julguem que tais doações sejam uma anomalia do sistema representativo (e eu concordo), mas se beneficiem eles mesmos de doações, sem qualquer limite ou prestações de contas, destes mesmos grupos de interesse e de influência quando vão construir seus entendimentos sobre futuros casos de conflitos e infrações destes grupos às leis aprovadas por parlamentares que também receberam dinheiro.

Uai? Será que o caso é de disputa por monopólio por acesso a estas verbas?
Quem sabe?

Será que é por isso que os conflitos judiciais sobre infrações corriqueiras e permanentes nas relações de consumo estejam soterradas nos juizados especiais, que tabelaram por baixo as pretensões (indenizações) com o argumento de resposta rápida, e hoje não respondem em menos de seis meses?

Ou será que tanto zelo para com as palestras e seminários de magistrados e procuradores buscou determinar que aqui não se repetiriam as bilionárias indenizações da indústria do tabaco aos seus clientes-doentes terminais?

Quem sabe?

Imagine vocês que a LIESA, entidade bicho-carnavalesca patrocinasse um seminário ou alguma palestra de delegados ou agentes policiais?

Imaginou?
Pois é, e não me digam que a comparação é esdrúxula, porque a LIESA (Liga das Escolas de Samba do RJ) é uma entidade legal e responsável pela produção do maior evento do país, cujos lucros beneficiam empresas "respeitáveis" de comunicação, de bebidas e tantas outras, e claro, os cofres públicos com as enormes receitas tributárias.

Assim como não consigo enxergar muita diferença ética entre um banqueiro do bicho e o proprietário de uma empresa que fraude e sonegue bilhões de tributos.

O fato é que um sistema (capitalista) que deseja matar no nascedouro qualquer ideia, movimento político ou lei que ameace sua existência, como o capitalismo, precisa sempre de uma sentença judicial para fazer este "assassinato" ser chamado de legítima defesa.

Assim temos a justaposição, em camadas, de várias instâncias dedicadas a conservação do totalitarismo-democrático capitalista:
- Mídia, poder judiciário-policial, empresas, entes armados, etc.

Em resumo, e por fim, é bom dizer em alto e bom som que todas as tentativas de alternância de poder pelas forças progressistas pelo mundo todo, mas principalmente na periferia do capitalismo, como a América Latina, e que chegaram ao poder pelas urnas, e quase sempre aceitaram imposições de toda ordem em nome da chamada governabilidade, todas estas forças, mesmo assim, foram defenestradas por golpes cívico-militares (mais ou menos civil ou militar, de acordo com o contexto), que por suas vezes, foram prontamente ratificados e/ou alimentados pelos juízes destes países.

Sim, os poderes judicais são inimigos da Democracia por serem superamigos do capitalismo.

Não vamos julgar o poder judiciário pelas provas, mas sim porque a literatura assim nos permite (parafraseando a "célebre" rosa weber).

quarta-feira, julho 15, 2020

"Os mitos ocidentais da Democracia da liberdade de empresa e da liberdade de imprensa", por Douglas da Mata

Douglas Barreto da Mata, avança em relação ao artigo anterior sobre os mitos ocidentais da democracia, agora oferecendo uma leitura nesse mesmo contexto, sobre a "liberdade de imprensa" e já promete uma nova trilogia, com um novo texto sobre o "mito da democracia e o judiciário". Vale conferir!


Os mitos ocidentais da Democracia da liberdade de empresa e da liberdade de imprensa, frente a realidade do totalitarismo da expressão

Se ontem já concebemos um texto que desafia a noção de convívio de Democracia com capitalismo, vamos aprofundar um pouco mais o tema.

As empresas de mídia são um dos pilares da construção ideológica de que o capitalismo é, por excelência, um sistema que melhor se ajeita a Democracia, chegando ao ápice de reificar a própria concepção democrática apenas dentro dos limites daquele modo de organização da produção.

Por óbvio, se compararmos com os períodos absolutistas anteriores ninguém negará esta percepção, mas ela é falsa, porque se baseia em premissas falsas: 
A base de comparação de momentos históricos distintos, neste caso, é impossível, e o capitalismo não é a última etapa evolutiva da Humanidade, logo não pode resumir em si uma noção (Democracia) que o antecede e que, certamente, o ultrapassará.

É irônico notar que este processo de convencimento de que não existe Democracia fora do capitalismo, apesar das ditaduras se adaptarem tão bem a ele, se deu simultaneamente a outro processo:
O que nos fez crer que a comunicação social se resume às empresas de mídia, e que estas confinam em si a própria noção de liberdade de imprensa, e por fim, a própria noção de liberdade de expressão.
A ironia é trágica.

Como já mencionamos em vários outros textos, a produção empresarial de notícias e conteúdo dedicado a comunicação social de massas é fenômeno que surge, praticamente, com a ascensão burguesa pós Revolução Francesa.

Naquela época, fora dos círculos intelectuais da elite, com baixa instrução popular, além da hipossuficiência econômica para consumir notícias ou livros, o mercado da informação ficava a cargo dos camelôs, que veiculavam panfletos apócrifos, misto de cordel com tabloides, onde a população pobre lia sobre os costumes da corte (geralmente com fofocas e escândalos) e algo de política.

Antes esta atividade era quase sempre anônima, amadora, artesanal e atomizada, e talvez hoje pudesse ser (mal) comparada a explosão de blogs nos primórdios da internet.

Tanto naquela época como agora, esse modelo anárquico foi gradualmente incorporado e apropriado pelos grandes meios.

Não poderia afirmar com precisão de no pós 1789 aqueles meios foram solapados com normatizações jurídicas, mas é possível que ao mesmo tempo que a atividade de comunicação se profissionalizou, tenham surgido junto os limites legais que favorecessem a concentração de poder das empresas em detrimento da ação atomizada.

A partir daí, para atender a demanda de solidificar as bases capitalistas e a revolução industrial primeira, as empresas de mídia, naquele tempo os grandes jornais, passam a construir o mito de que só o ramo empresarial pode suportar a tarefa de ampliar o acesso a informação.

Este mito evoluiu junto com outro, da imparcialidade jornalística, como se o redator ou relator de um fato pudesse ser neutro em relação ao que via.

Todas mentiras escabrosas.

Desde então, as classes populares e menos favorecidas sempre foram tratadas como mero receptáculos da informação, e tais conglomerados produtores destes conteúdos passaram a veicular apenas aquilo que interessava a classe dominante.

Houve exceções?
Sim, mas que só confirmaram a regra.

Mesmo assim, sociedades mais avançadas, do ponto de vista da maturação capitalista, entenderam que deveria haver algum limite a ação dos grupos privados de comunicação.

De um lado nasceram normas (leis) para garantir alguma pluralidade na produção de informação, e de outro lado, o próprio Estado assumiu a tarefa de produzir conteúdos mais plurais, livres dos compromissos comerciais que subordinavam o verbo à verba.

Não entremos em muitos detalhes neste longo processo.

O certo é que as empresa privadas de comunicação sabotara, direta ou indiretamente cada uma destas tentativas, até que chegamos ao ponto atual.

Eu sempre cito alguma coisa ligada ao cinema, porque sou declaradamente apaixonado por esta forma de manifestação cultural, mas também porque há ali boa chance de vermos retratados uma visão interessante da realidade.

O filme VICE, com Christian Bayle (como Dick Cheney), Sam Rockwell (como Bush Jr), Steve Carrell (como Donald Rumsfield), dentre outros, mostra como os falcões neoconservadores se associaram a mídia daquele país para derrubarem uma das únicas barreiras que impediam que empresas de mídia se transformassem em uma espécie de partido político e fábrica de boatos.

Não à toa um dos artífices da revogação da lei, que mandava que canais de TV e outros meios dessem mesmo tempo e espaço ao menos aos dois lados opostos de uma notícia, foi o criador da FOX NEWS.

Sabemos o que aconteceu depois até o desastre Trump.

Ninguém duvida que o sistema bipartidário dos EUA, e todas as amarras ao estamento fariam que um governo Obama fosse muito aquém das expectativas geradas em torno dele.

O que ninguém duvida também que foi justamente este tipo de mídia partidária que ajudou, e muito, a engessar sua administração, impedindo qualquer mudança mais radical nas estruturas da desigualdade daquele país.

Processo parecido experimentamos aqui, e é bom lembrar, que em diferentes locais e estágios do capitalismo, as coisas se parecem no aspecto de sua essência, mas tendem a ser mais dramáticas nos países mais pobres.

Ou seja, a partidarização da mídia no Brasil é um fenômeno ainda mais doloroso, e que traz consequências ainda piores para o país.

Não temos dúvida alguma, se o capitalismo não convive com a Democracia, a noção de liberdade de imprensa que é essencial ao capitalismo nunca poderá ser democrática.

Todas as rupturas institucionais em nosso país foram preparadas nas cozinhas da redações das grandes empresas de mídia, desde o golpe de 1930, passando pelo separatismo paulista em 1932, o golpe de 1937, o de 1945 (com a retirada de Getúlio por Dutra), a crise de 1954 (suicídio de Vargas), a crise de 1958 (tentativa de impedir a posse de Juscelino), a crise de 1961 (parlamentarismo para castrar Jango), 1964, 1992 (golpe sobre Collor), 2006 (tentativa de depor Lula com o chamado mensalão) e o golpe de 2016, que resultou na eleição do Bozo em 2018.

A internet e suas fábricas de boatos robotizadas e alimentadas pelo frenesi algorítmico são um capítulo a parte, mas não escaparam da industrialização necessária a tarefa de manter as estruturas de poder intactas.

Apesar de, como no caso dos camelôs franceses, a internet ter contribuído, em certo momento, para a falsa esperança de que algum tipo de atomização ou "democratização" estivesse em curso, e oferecesse assim algum contraponto aos oligopólios de mídia.

Mera ilusão.

Voltando a carga, o fato é que TODAS as formas de empresas de mídia agem para manter e conservar o modelo de organização da produção que lhes deu causa, como uma relação promíscua e incestuosa de gêmeos siameses, que até foram separados fisicamente, porém ainda espelham um ao outro.

Se a ciência social tem medo de verbalizar que capitalismo é anti-democrático por natureza, este medo assume formas gigantescas quando o assunto é estender esta noção às empresas de mídia, e o mito da liberdade de imprensa.

Todo o contorcionismo conceitual é aplicado para tentar encaixar uma legitimação aos meios de comunicação empresariais, fingindo estes cientistas que tais meios não se confundem com a noção mais ampla de comunicação social, refletida em outras formas de circulação de informação.

Como sacerdotes que guardam distância de qualquer blasfêmia que possa atingir o sacrossanto e falso dogma de que há liberdade de expressão na cadeia econômica das empresas de comunicação, os cientistas sociais repetem a ladainha de que tais empresas são fundamentais ao funcionamento da Democracia.

Não são.

Não há nenhum movimento anti-estamento na história capitalista que tenha nascido ou tenha sido ampliado por tais empresas.

Não há nenhum movimento anti-estamento, cujos representantes tenham sido eleitos DENTRO das regras do próprio capitalismo que não tenham sido golpeadas, sabotadas e impedidas de implementarem, ainda que de forma tímida e contida, reformas que fariam bem ao próprio capitalismo, mas que enfrentavam os interesses imediatos e predatórios das elites capitalistas.

A falsa associação que tais empresas fazem com as pautas de direitos humanos e/ou no campo da "moralidade pública" nunca ultrapassaram a mera esfera do espetáculo (rentável a elas, claro),e a própria deslegitimação da práxis política com ferramenta de solução dos conflitos de classes.

São "denúncias" que nunca atingirão mais que a superfície de tais temas, renunciando a exposição de que violação de direitos humanos, ambientais, corrupção, etc, são ingredientes fundamentais ao funcionamento do capitalismo, não só do ponto de vista econômico, mas principalmente quando ele se dedica a regular as formas sociais e políticas.

Se o leitor discordar, chamo a reflexão: cada momento em que o capitalismo acionou sua máquina ideológica midiática para propor limpezas "morais" da política, o resultado foi o crescimento da anti-política e de suas soluções de força e/ou de personagens autoritários.

Alemanha pré nazismo, Itália pré fascismo.

Macartismo nos EUA, que barrou o estamento progressista pós guerra e do avanço do New Deal.

A era Nixon, depois Reagan e dos demais.

1964 no Brasil, ou os ataques anteriores a Vargas e seu legado.

Operações Mãos Limpas, que desembocou em Berlusconi.

Farsa Jato e seus efeitos já conhecidos.

Após o estabelecimento destes movimentos políticos, que dão azo a toda a sorte de violações para facilitar e lubrificar a ampliação da acumulação capitalista, a mídia surge como baluarte da defesa dos direitos violados, agindo de forma cínica e ganhando nas duas pontas.

Sempre como fiadora das saídas de problemas que ela ajudou a implantar.

Agora, a famiglia marinho se apresenta novamente como mediadora política, agindo como partido e chamando o país a "perdoar" o PT.

Pausa para rir.
(...........................................................................................................)

Eu não desconheço que o PT terá que lidar com esta realidade, onde está inserido o fato de que a empresa de mídia dos marinho (e outras), senão detém este poder de mediação, acredita que o tenha, e portanto, lançou um problema real ao partido.

Comungo da noção apresentada por Luis Felipe Miguel, da UnB, que o recado foi mais aos parceiros da direita da globo que ao PT, isto é, arrumem uma alternativa ou entreguem a rapadura.

Porém, por isso tudo e apesar disso tudo, é chegada a hora da Academia, dos atores políticos e tantos outros interessados começarem a elaborar conceitos que escapem do mito de que empresas de mídia são fundamentais ao funcionamento de uma sociedade democrática.

Não, estes arranjos midiáticos são fundamentais ao funcionamento do capitalismo, e já sabemos, capitalismo não coincide com democracia.

FATO:
Onde o capitalismo é menos selvagem, menos desigual, o poder e concentração econômica das empresas de mídia é sempre menor, e há ampla participação de redes estatais de comunicação.

Senso contrário, onde o capitalismo é mais predador e a desigualdade é mais drástica, há, via de regra, um poder colossal de empresas de mídia.

É hora de derrubar o mito. Todos eles.

Amanhã falaremos de outro mito: aquele que diz que o judiciário ajuda na difusão de Justiça.

terça-feira, julho 14, 2020

"O mito ocidental da democracia (e sua impossibilidade de convívio com os sistemas capitalistas)", por Douglas da Mata

Douglas Barreto da Mata, nos oferece mais um artigo com uma reflexão provocativa parte da sua série Diários da Pandemia.Com "O mito ocidental da democracia", da Mata afirma que "capitalismo e democracia são incompatíveis". Vale conferir!


O mito ocidental da democracia (e sua impossibilidade de convívio com os sistemas capitalistas)
Boa parte de nossa ciência social, destacando a sociologia brasileira, e certamente parte considerável da latino-americana, padece de um erro conceitual que deriva diretamente da mentalidade colonizada.

Na verdade, esta submissão não é deletéria às nossas ciências e cientistas sociais, mas a constatação de um fato histórico, ou seja, assim como o capitalismo subordina as relações sociais dentre as classes sociais de uma nação, ele o faz quando se trata de sociedades localizadas em países de diferentes posições relativas, aquilo que Adam Smith chamou de divisão internacional (do trabalho).

Claro que devemos afastar o risco economicista que ronda tais análises, mas não é errado supor que parte do que a ciência social produz aqui repercute uma anterioridade científica como referência, seja para criar novos olhares sobre as teses produzidas no chamado "mundo anterior" (principalmente a Europa), seja para confirmar outras teses.

O capitalismo subordina seus atores, e com boa chance de acerto, subordina também as narrativas elaboradas por estes.

Neste sentido, a ciência social brasileira nunca questionou a existência da Democracia e sua convivência com o sistema capitalista que se hegemonizou a partir da Era Moderna.

No mínimo, sempre teve um grande receio de abordar com profundidade a possibilidade que a Democracia seja incompatível com o capitalismo.

Democracia aqui mal definida como um sistema de representação (direta e/ou indireta) que proporcione a supremacia de um projeto majoritário, sem aniquilação de minorias, fortalecimento de impessoalidade e isonomia (cada qual na medida de sua capacidade, responsabilidade, necessidade) na aplicação de recursos públicos e tributação, e que via de regra, dê chance para que as classes que se opõem no capitalismo se alternem no poder!

Certamente alguns sociólogos mais precipitados correrão a recitar o chavão: Democracia é um processo em construção!

Pois bem, mas para aceitar este sofisma temos que enxergar algum aspecto de progressividade, ou de avanço do empoderamento das classes subalternas.

A pergunta que se deve fazer, além dos parâmetros econométricos (IDH, PIB, longevidade, mortalidade infantil, etc) ou dos parâmetros institucionais formais (direito a voto, funcionamento das chamadas instituições, com imprensa e judiciário) é se, de fato, os "processos democráticos" permitiram alguma forma real de alternância de PODER.

Há pergunta anterior? 
Sim, há: 
É possível, dentro dos limites da ordem capitalista, que haja tal alternância?

Pensamos que não, e pensamos ainda que o chamado "processo democrático" nos trouxe a lugares bem distantes desta necessidade democrática de alternância, sem a qual, a etimologia da palavra democracia perde sentido ou utilidade.

Não me refiro aos dias atuais, onde esta distância parece óbvia, seja no chamado berço democrático (Europa, GBR), seja nos "campeões da democracia", os EUA.

Falo de toda a história do capitalismo, que excetuando a rasa análise das agregações formais e econométricas que já citamos, sempre foi um vai e vem, de um passo a frente e vinte atrás, no quesito dos controles sociais dedicados a conservar as estruturas de subordinação!

Na verdade, toda a gama de "direitos" conquistada ao longo deste processo nunca teve sua permanência garantida, e "coincidentemente" (não é coincidência, mas causa e efeito recíproco), a cada volta da espiral de refluxo e fluxo da acumulação capitalista (agora pós capitalista, no rentismo) foi cassada parte considerável destas conquistas, trazendo as lutas para estágios anteriores aos que foram estabelecidos.

Enquanto isto, as estruturas de dominação nunca foram alteradas e/ou ameaçadas, ao contrário, a cada "direito" conquistado, criaram-se outros tantos freios ao avanço das sociedades, diluindo tais conquistas em uma equação de resultado (-1).

Por isto não nos espanta que os sistemas militares globais tenham estabelecido suas agendas como concorrentes a expansão rentista, monitorando e tutelando, direta ou indiretamente, os governos e entidades.

O medo da nossa ciência social de falar em alto e bom som que não existe e nem existirá democracia alguma em um sistema capitalista, é explicável.

Deriva do truque semiótico imposto pelos detentores do capital, imputando a pecha de autoritários a todos àqueles que desejam romper esta ordem pseudo-democrática.

Aproveitando o que nos diz Robert Kürz, este erro grave leva a outro, que é a construção de uma práxis "revolucionária" que só macaqueia e reproduz os erros de uma sociedade baseada nos mesmos pilares capitalistas, sem romper com esta ordem, sem oferecer a mesma dinâmica do consumo (prazerosa) e deixando apenas a parte autoritária das experiências planificadoras estatais, no chamado capitalismo planejado de estado, que tem seu maior expoente a China!

Só existirá Democracia ou processo democrático na luta anti-capital, e na extinção completa de suas formas de organização da sociedade.

Robert Kürz chama tudo isso de totalitarismo democrático, porque no capitalismo todas as escolhas já estão pré-determinadas, e o capital sempre sabe o resultado.

Algo como o alegado livre-arbítrio religioso, frente a um deus onisciente que sabe o que você escolherá!

É isso que a ciência social precisa dizer, e é isto que devemos ouvir:

Capitalismo e democracia são incompatíveis!

segunda-feira, julho 13, 2020

Por que o capitalismo contemporâneo não consegue mais criar trabalho? Outro mundo é possível!

Porque o capitalismo segue existindo, mas não consegue mais criar trabalho? Por que passou a propagandear apenas reformas e a uma longínqua hipótese de empregos?

Assim, o regime segue apenas mantendo controle sobre a maioria a quem continua esmagando e excluindo. O capitalismo agora impõe que o próprio trabalhador gere o seu trabalho (sujeito-empresarial) que passa a se oferecer ao mercado na expectativa de ser explorado para sobreviver.

Embora, a pandemia nos traga, de forma aflita, um conjunto de indagações, essa pergunta é anterior às questões do presente, onde as crises se acumulam como camadas sobrepostas.

Antes, o capital empurrava a expansão colonial pelo mundo. Hoje, é a oferta de crédito que transformou a dívida em motor da exploração. É para quitá-la que se trabalha feito louco e se admite a exploração, na esperança que sobre algo para sobreviver. Hoje, no mundo, o total de dívidas (públicas e privadas) já é quase superior ao dobro dos PIBs das nações e funciona como motor da exploração.

O feudalismo e a escravidão nos levaram aos conflitos e às guerras. O Estado de Bem-Estar-Social (Welfare State) trouxe após a 2ª GM um alívio para aqueles do andar de baixo, enquanto aqueles do andar de cima seguiam ganhando. Porém, aos poucos o neoliberalismo voltou recuperar espaços e ampliar a concentração que cresceu enormemente no final do século passado.

Apesar da racionalidade e da tal modernidade, o capitalismo, sob a hegemonia financeira, passou a explorar mais e cada vez mais. Na economia formal sobre cada vez menos e ainda mais intensamente dos demais na informalidade. 

Fonte: Figura 6. Pirâmide do capital e das rendas derivadas, P.61.
Livro do autor: A ´indústria' dos fundos financeiros [1]
O capitalismo deixou de cobrar a mais-valia apenas de forma direta, com menores salários e através da informalidade. Paulatinamente, foi criando outros mecanismos de captura, como das rendas derivadas do trabalho (juros, alugueis, marcas, dividendos, auditorias e serviços jurídicos, etc.) como anti-valor ou capitalização para vampirizar a renda do trabalho.

Junto, também ampliou o uso do dinheiro como mercadoria indireta em meio à profusão do lançamento de papéis, títulos, debêntures, mercado de futuro, etc. num processo  que ampliou o domínio financeiro sugando cada vez mais da economia real. O resultado isso é a maior espoliação que chega junto do maior contingente de sobrantes (“invisíveis”). Saskia Sassen vai chamar esse processo de "uma civilização excludente" que promove "expulsões" e brutalidade. [2]

A isso hoje chamamos de hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo, que passou a ser realizado mais sobre a acumulação de dinheiro como mercadoria, do que sobre a captura da renda direta sobre o trabalho remunerado, que se reduz a alguns poucos locais escolhidos, conforme o potencial de espoliação. (Sim, sem esquecer que emprego difere de trabalho)

O capitalismo além de gerar cada vez menos emprego, impõe que o próprio trabalhador gere o seu trabalho e o ofereça ao mercado para ser explorado, onde a maior parte da renda acaba vampirizada e subindo para o andar superior das altas finanças.

Os labirintos do capitalismo parece mostrar uma nova fase, não mais expansiva, mas um etapa e de um capital com uma fase concêntrica, numa trajetória helicoidal, que mistura a exploração da mais-valia da produção material, com a captura conjunta do valor fictício, tudo em tempos mais curtos e maiores intensidade, deixando pelo caminho os sobrantes, tornando-os invisíveis.

Isso tudo não pode ser e nunca foi natural e sim fruto da produção social no território onde o a vida se desenrola. É ainda interessante observar que esse processo traz no seu âmago, de forma embutida, a ideologia da individualidade e da competitividade. O mundo do cada um por si, conforme a competência e os méritos próprios que desprezam os pontos de partidas dos sujeitos em seus espaços só valorizando a chegada.

Quem reage a essa lógica é logo chamado de populista ou retrógrado. Ou ambos. É nesse percurso histórico, entre ciclos e crises que à ideia do marxismo cultural, ao terraplanismo como rechaço à ciência e às ideias da razão, da universalidade, da ciência e da consciência do processo histórico e dos interesses presentes na sociedade. Mas é essa relações de poder é que precisam ser alteradas, porque outro mundo é possível!


Referência:
[1] PESSANHA, Roberto Moraes. A 'indústria" dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Consequência: Rio de Janeiro. 2019.

[2] SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Paz & Terra: Rio de Janeiro, 2016.