quinta-feira, julho 16, 2020

"Os mitos ocidentais da Democracia: Poder Judiciário, injustiça e desigualdade capitalista!", por Douglas da Mata

Douglas Barreto da Mata, fecha mais uma trilogia. Esta tratou dos mitos ocidentais da democracia que se encerra com um terceiro artigo sobre o "poder Judiciário, injustiça e desigualdade capitalista!". Essa segunda trilogia faz parte do seu Diário da Pandemia, publicado originalmente, em seu perfil no FB. Os dois outros artigo dessa trilogia foram publicados em dias seguidos 14 jul. e 15 jul. e podem ser lidos na ordem aqui e aqui. Vale conferir!

Os mitos ocidentais da Democracia: Poder Judiciário, injustiça e desigualdade capitalista!

Os dois outros textos anteriores tentaram abordar questões que têm um eixo central:

A construção do mito que o capitalismo encerra em si a própria noção de Democracia, a partir da elaboração de conceitos (falsos) do funcionamento pró-democrático das instituições caras ao capitalismo, quando na verdade, observamos que estes entes, sendo basilares ao modelo capitalista, só podem ser tão anti-democráticos quanto este modo de organização produtiva.

Entendamos aqui as estruturas judiciais do sistema capitalismo em toda sua totalidade, desde as instâncias pré-judiciais (poder estatal de polícia, nos sentidos lato e estrito), tocando um pouco no aspecto legislativo também.

De certo que, como todas as manifestações da vida em sociedade, as estruturas e organizações judiciais antecedem ao capitalismo, e certamente o ultrapassarão.

Porém, como em todas as outras formas de sociabilidade abordadas aqui, nenhuma outra fase da Humanidade se apropriou e incorporou tão dramaticamente estas estruturas judiciais (e as outras manifestações e fenômenos sociais) como o capitalismo.

Em nenhum outro modelo o funcionamento destas estruturas foi tão fundamental quanto no capitalismo.

Poderíamos parar por aqui ao dizermos:
Ora, se o capitalismo pode (e deve) ser entendido como óleo para as águas democráticas, assim o serão todos as estruturas que o integram, conservam e o justificam.

Sim, basicamente é isto, um sistema voltado a acumulação infinita, dedicado e motivado pela infinita desigualdade causada por esta acumulação, nunca comportaria um modelo judicial que agisse em direção contrária, já que os atores judiciais aplicam e validam as normas (leis) e conflitos dentro dessa lógica capitalista hierárquica.

Mas por força do hábito, avancemos um pouco mais.

O que dá azo às estruturas judiciais é a lei, que tanto pode ser um mero enunciado político (como certas normas das cartas constitucionais), como regras positivas que se direcionam a punir condutas (crime e infrações administrativas), resolver conflitos inter partes (sejam entes privados, públicos, etc), estabelecer normas e obrigações (tributos, ambiente, relações de trabalho, etc), definir os limites da cidadania e soberania, e por fim, eu acho, organizar o funcionamento dos entes estatais e suas atribuições e hierarquias.

Já sabemos que o sistema capitalista não permite que as classes mais pobres sejam proporcionalmente representadas nas casas de legislação (Parlamento), portanto, é bem possível que o conjunto normativo capitalista seja sempre avesso a qualquer possibilidade que ameace sua existência e funcionamento.

Só que não é só isso, haja vista que mesmo com toda a oposição, setores menos privilegiados encontram brechas e inscrevem normas que ampliam direitos.

São meras exceções que confirmam a regra, porém conferem a estes grupos menos privilegiados alguma proteção, ainda que se reconheça que a fruição destes direitos encontra nas estruturas estatais e judicias-policiais uma série de contratempos cotidianos!!!

Esta luta política permanente é também apropriada ideologicamente pelo capitalismo para dizer que é democrático e que os seus modelos judiciais e normativos tratam a todos de forma igual.

É um sub mito que é caro ao Judiciário: a lei é para todos (desculpem usar este título do filme propaganda da farsa jato, mas foi proposital).

Neste sub mito ocidental capitalista repousa um truque que tem duplo sentido:
Dar a classe pobre (trabalhador) a ilusão de que poderá recorrer em pé de igualdade ao Judiciário e obter dele uma posição que restabeleça ou garanta o gozo de um direito (positivo), e por outro lado, faz com que este trabalhador não perceba que esta adesão a um sistema legal-judicial que lhe é desfavorável é como declarar que é "livre" e "igual" para ser explorado e usurpado por leis (SEMPRE) injustas.

Desnecessário aprofundar que esta alegada liberdade e igualdade sempre resultam em posições subalternas aos subalternos nas estruturas sócio-econômicas, com nula chance de alternância, portanto, liberdade e igualdade são meras ficções.

Esta normalidade, geralmente, funciona melhor em países menos desiguais, onde a prestação jurisdicional está inserida em ambientes mais estáveis, portanto, é menos acionada.

Em ambientes instáveis, a presença permanente das estruturas policiais-judiciais é o atestado de que a sociedade se fragmentou, ao contrário do que advogam os defensores do protagonismo judicial que hoje vivemos.

Vamos dar um salto para trás e observarmos alguns pontos históricos interessantes:
Em todos os locais do planeta, sejam os países capitalistas mais avançados ou os menos, como o nosso, os sistemas judiciais-policiais foram usados como força de contenção para reprimir todos os movimentos políticos pela ampliação de direitos em tais sistemas capitalistas.

Sejam os anarquistas dos EUA nas primeiras décadas do Século XX, sejam os movimentos de esquerda da Europa na mesma época, sejam os incipientes movimentos sindicais no Brasil na mesma época, ou os segmentos organizados na luta pela terra, ou luta de gênero, e até mesmo os/as sufragistas (mulheres e/ou negros pelo direito ao voto), todo este amplo leque de contestação (nem sempre anti-capitalista, é bom dizer) foram tratados a tiros, pauladas da polícia e a golpes de duras sentenças dos juízes.

Em um espectro mais amplo, é bom dizer que o único "poder" que é mantido nas ditaduras, em pleno funcionamento, é o judiciário, e isto não é um acidente. 

É um incidente que determina um resultado claro:
Dar contornos legais ao arbítrio e reprimir dissensos.

Um exemplo recente:
A validação da Lei de Anistia pelo STF, que impediu que militares fossem julgados por seus crimes.
Vou escapar do debate jurídico-técnico, por entender que nem cabe debate em uma atrocidade destas.

Quero ressaltar o lado político:
Como validar uma lei promulgada dentro da vigência de um regime que se auto-perdoava pelos crimes cometidos, com Congresso amordaçado?

O que o STF fez foi mais ou menos como dar validade a um contrato de compra e venda de um carro, quando a parte vendedora ou compradora estava sob a mira de uma arma e sequestrada pela a outra parte!

E o que é pior nesta comparação, aqui estou até usando o exemplo de um direito disponível (propriedade).

A constitucionalidade da Lei de Anistia é confirmar que os militares tinham o direito de torturar, e depois se auto-perdoarem.

É este poder judicial que reivindica ser o guardião da Democracia e da Constituição.

Pausa para rir.
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Há milhares de outros exemplos, desde o moroso e caro funcionamento de uma das burocracias mais classistas do planeta, quando só os que podem pagar caros advogados têm chance de algum sucesso em suas pretensões, sejam elas de matéria cível ou penal, ou qualquer outra, até a constatação de que as estruturas judiciais-policiais no capitalismo nunca se insurgiram contra qualquer forma de arbítrio praticado pelas elites para manterem suas posições e a dominação capitalista.

Os chamados direitos sociais, o acesso a terra, a relativização, com a responsabilização social, do direito de propriedade os limites ambientais, e todas as normas regulatórias que atendem a demanda por tornar o capitalismo menos predatório são tratadas em tribunais (desde o piso até os andares mais altos) com leniência, e toda sorte de interpretações do "espírito do legislador".

Já aquelas normas que garantem o avano da dominação capitalista sobre tais direitos são julgados com a velocidade da luz.

Uma dica?

Pergunte quem paga os cachês das pale$tra$$$$, seminários, em luxuosos hotéis dos senhores juízes e promotores.

Diretamente como grandes patrocinadores, ou indiretamente através de entidades de classe (federações patronais, clubes de serviço, "institutos"), empresas como Souza Cruz, seguradoras, empresas de telefonia, etc, "ajudam" no árduo "esforço" dos "esforçados" juízes e promotores para criarem doutrinas jurisprudências que atendam aos seus interesses.

Tudo legalizado, é claro, não estamos aqui a caluniar ninguém.

Legalizado mas sem limite legal de doação ou patrocínio, ao contrário dos limites impostos às arrecadações eleitorais dadas por estas empresas a candidatos.

É no mínimo estranho que juízes julguem que tais doações sejam uma anomalia do sistema representativo (e eu concordo), mas se beneficiem eles mesmos de doações, sem qualquer limite ou prestações de contas, destes mesmos grupos de interesse e de influência quando vão construir seus entendimentos sobre futuros casos de conflitos e infrações destes grupos às leis aprovadas por parlamentares que também receberam dinheiro.

Uai? Será que o caso é de disputa por monopólio por acesso a estas verbas?
Quem sabe?

Será que é por isso que os conflitos judiciais sobre infrações corriqueiras e permanentes nas relações de consumo estejam soterradas nos juizados especiais, que tabelaram por baixo as pretensões (indenizações) com o argumento de resposta rápida, e hoje não respondem em menos de seis meses?

Ou será que tanto zelo para com as palestras e seminários de magistrados e procuradores buscou determinar que aqui não se repetiriam as bilionárias indenizações da indústria do tabaco aos seus clientes-doentes terminais?

Quem sabe?

Imagine vocês que a LIESA, entidade bicho-carnavalesca patrocinasse um seminário ou alguma palestra de delegados ou agentes policiais?

Imaginou?
Pois é, e não me digam que a comparação é esdrúxula, porque a LIESA (Liga das Escolas de Samba do RJ) é uma entidade legal e responsável pela produção do maior evento do país, cujos lucros beneficiam empresas "respeitáveis" de comunicação, de bebidas e tantas outras, e claro, os cofres públicos com as enormes receitas tributárias.

Assim como não consigo enxergar muita diferença ética entre um banqueiro do bicho e o proprietário de uma empresa que fraude e sonegue bilhões de tributos.

O fato é que um sistema (capitalista) que deseja matar no nascedouro qualquer ideia, movimento político ou lei que ameace sua existência, como o capitalismo, precisa sempre de uma sentença judicial para fazer este "assassinato" ser chamado de legítima defesa.

Assim temos a justaposição, em camadas, de várias instâncias dedicadas a conservação do totalitarismo-democrático capitalista:
- Mídia, poder judiciário-policial, empresas, entes armados, etc.

Em resumo, e por fim, é bom dizer em alto e bom som que todas as tentativas de alternância de poder pelas forças progressistas pelo mundo todo, mas principalmente na periferia do capitalismo, como a América Latina, e que chegaram ao poder pelas urnas, e quase sempre aceitaram imposições de toda ordem em nome da chamada governabilidade, todas estas forças, mesmo assim, foram defenestradas por golpes cívico-militares (mais ou menos civil ou militar, de acordo com o contexto), que por suas vezes, foram prontamente ratificados e/ou alimentados pelos juízes destes países.

Sim, os poderes judicais são inimigos da Democracia por serem superamigos do capitalismo.

Não vamos julgar o poder judiciário pelas provas, mas sim porque a literatura assim nos permite (parafraseando a "célebre" rosa weber).

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