segunda-feira, outubro 23, 2017

Porto do Açu reforça-se cada vez mais como um enclave econômico

O anúncio das contratações de tecnologias e empesas para a construção de uma usina termelétrica com potência instalada de 1.300 MW, movida à gás natural, mais de um terminal de regaseificação reforçam a interpretação de que o Porto do Açu é cada vez mais, um enclave econômico com pouquíssima relação com a comunidade regional. (Abaixo vamos explicar o que é um enclave)

A Prumo Logística Global S.A. confirmou na última semana que assinou contrato com a Construtora Andrade Gutierrez (AG), para construir a usina térmica (UTE) GNA Açu, que fará parte do Hub (Ponto de distribuição) de gás natural a ser instalado no Porto do Açu, em São João da Barra.

O contrato que envolve os projetos de engenharia, fornecimento de materiais e a construção propriamente dita está previsto de ser executado junto (e de forma consorciada) com a alemã Siemens que fez questão de garantir o fornecimento de suprimentos e equipamentos, porque é sócia da empresa GNA Infraestrutura, uma joint-venture vinculada à Gás Natural Açu (GNA). Assim a Siemens terá peso nas decisões sobre os projetos de infraestrutura no Hub de Gás do Açu.

Planta da Unidade de Regaseificação da LGN Açu. Estudo de Impacto Ambiental (EIA) P.174.

































Além da Siemens, a empresa espanhola Sener foi subcontratada para desenvolver e montar toda a parte de engenharia da planta da Usina Termelétrica (UTE).

Ainda segundo a revista Brasil Energia, a decisão sobre construção do terminal de regaseificação não foi tomada, mas estaria encaminhada a contratação da empresa americana KBR para elaboração do projeto de engenharia.

Pelo desenho do projeto, o terminal de regaseificação deverá receber o gás natural sob a forma líquida (GNL) que será importado e depois fornecer o insumo sob a forma de gás, para mover as turbinas da termelétrica (UTE).

Além disso, a oferta deste Hub de Gás, poderá fornecer o insumo para outros clientes do porto. O Hub sera também ligado a um ramal que sairá do Porto do Açu para ser interconectado em Campos (na Tapera), ao gasoduto (GASCAV), que sai de Cabiúnas, em Macaé e vai até Vitória, seguindo depois para o Nordeste.

Há ainda ideias de que este Hub de gás possa ter uma unidade de processamento de gás natural que estaria ligado não apenas ao terminal de regaseificação, mas a outros ramais de gasodutos que viriam de poços e campos produtores de gás, nas várias bacias exploratórias do litoral sudeste.

Uma grande polêmica é sobre a possibilidade do terminal deste terminal de GNL ser instalado no litoral, em frente ao porto, em ambiente offshore e não em terra junto à orla.

Ainda segundo a revista Brasil Energia, empresas brasileiras estariam questionando esta opção porque sua tecnologia não é dominada no país, o que tenderia a levar sua execução para corporações da Coreia do Sul, Japão, Índia ou Dinamarca.


O que são enclaves econômicos?
A descrição dos detalhes de mais este empreendimento junto ao Porto do Açu, assim como outros a ele vinculados, reforçam a ideia de que se trata de um enclave, em que os grandes contratos estão quase todos entregues às corporações estrangeiras e os acordos sobre estas definições são feitas de forma centralizada pelo controlador do Grande Projeto de Investimentos (GPI) que é o fundo financeiro americano EIG.

Enclaves econômicos se caracterizam tecnicamente como sendo grandes projetos de investimentos (GPI) que se destinam ao desenvolvimento de atividades básicas com efeitos para frente e para trás em cadeias produtivas ou grandes obras de infraestrutura (complexos industriais portuários, usinas termelétricas, distritos industriais, zonas de processamento de exportações - ZPEs, etc.). As populações dos municípios onde se localizam esses investimentos quase se perguntam depois quais benefícios estão obtendo com estes projetos.

O padrão de um enclave econômico se caracteriza ainda com o fato do GPI se abastecer de insumos, serviços e tecnologias importados de outras regiões e do exterior, onde muitas vezes estão as sedes dos principais controladores das empresas, gerando pouco, daquilo que os economistas chamam de externalidades positivas decorrentes da implantação do empreendimento.

Os GPIs recebem terras, benfeitorias do Estado (chamados de Condições Gerais de Produção que são investimentos públicos para garantir a infra-estrutura econômica, necessária ao projeto) e incentivos e benefícios fiscais que muitas vezes anulam os impactos tributários que poderiam servir aos governos, especialmente, o estadual e municipais da região.

O enclave econômico tem um padrão de articulação seletiva que atuando de forma hierárquica e centralizada afasta oportunidades de negócios regionais. Assim, o enclave deixa muito pouco ou nada para a interação com as prefeituras e comunidades locais, apesar dos gastos que tanto os empreendedores, prefeituras e lideranças locais fazem ao comprar espaços na a mídia local/regional para vender esperanças desconectas da realidade.

Tudo isto traz um resultado ainda pior, porque inculta nas comunidades a ideia de que o fracasso e incapacidade são suas, para alcançar aquilo que na realidade nunca foi feito para ela.


Voltando ao caso da implantação do Hub de Gás no Porto do Açu

Não é difícil estimar que no caso da implantação do hub de gás no Açu, a maior quantidade de contratações de pessoas se efetiva para a etapa de obras e instalação destes empreendimentos, na medida que a sua operação exige cada vez menor quantidade de pessoas, porque em grande parte é automatizada.

Exemplo de Navio LGN (FSRU) em operação.
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) P.179
Assim, com tantas empresas de fora e de outros países (EUA, Espanha, Alemanha, etc.), não é difícil intuir que a implantação deverá ter pouquíssima mão de obra regional, mesmo na fase de construção que é a que mais emprega, como já dissemos. 

Desta forma, mesmo nesta fase de implantação do empreendimento, os empregos que ficarão por aqui serão os menos qualificados e de menores salários, mais umas das várias características da implantação de um enclave econômico, que pouco interage e conversa com a região.

Evidentemente que pouco ou nada disso é conversado com a população que cada vez sente o empreendimento com estranhamentos. Antes imaginava ser uma promessa de modernidade e de um abstrato progresso e agora vai se percebendo é um enclave sempre ligado aos negócios e nunca (ou quase) à realidade da comunidade local/regional. Embora, diariamente a mídia comercial regional tente lhe vender uma ideia contrária de um futuro e uma modernidade que não lhe serve.

Assim, o que resta são os pequenos e sempre insuficientes projetos de mitigação e de compensação pela instalação do empreendimento que não altera a realidade local/regional, diante de tantos impactos vividos diariamente por todos. Se eliminar esta realidade não é possível atenuá-la seria obrigação das comunidades regionais que não querem ser apenas território das corporações. 

5 comentários:

evandro disse...

Bom dia, professor. Obrigado pelo seu artigo sempre objetivo e baseado em fatos e dados. A interpretação dada ao enclave foi perfeita, sendo este sistema a imposição do domínio colonial sobre os países menos esclarecidos, ou seja capitalistas sem capital. Tecnologia, remuneração de mão de obra e o processo decisório ficam nas mãos de executivos de mercado, compromissados com o lucro, restando à tribo receptora do investimento, a devastação ambiental, o desemprego, e fornecimento de gado proletário para as funções não qualificadas.
O aparelho midiático local dá o tom do artesão que cria seu próprio sofrimento.
cito com licença ao limite de argumentação da era pós twitter e a paciência dos corajosos leitores, esse artigo que pode ter relação com o momento vivido pelo país:
fonte:http://www.patrialatina.com.br/setor-nuclear-nacionalismo-soberania-midia-e-dominacao/

"As relações interestatais e o desenvolvimento de cada nação explicam, em parte, a ascensão e a queda da vertente nacionalista em muitos países. Pode-se superpor a curva das decisões neoliberais e entreguistas ao longo do tempo com a curva do grau de soberania do país no tempo. Será notado que, quando o Brasil está em fase mais soberana, as decisões neoliberais e entreguistas são menores. Portanto, deve-se buscar aumentar o grau de soberania para usufruto da sociedade. Na atual fase dos Estados Nacionais, há extrema invasão dos países colonizados pelos colonizadores visando aumentar o grau de dominação.

Países com alto grau de soberania protegem seus mercados, seus setores estratégicos de indústrias e serviços, suas universidades fronteiras do conhecimento, suas fontes geradoras de tecnologia e sua cultura. Os brasileiros, enganados pelas empresas de comunicação de massa, em um sistema sem regulação, permitem que o país seja completamente dominado. Hoje, pode-se dizer que o Brasil é um relativo sucesso de dominação por capitais e países estrangeiros.

Em um novo formato de dominação de sociedades, forças armadas foram substituídas por eficientes empresas de entretenimento e comunicação. Não se desembarca mais em praias para tomar de assalto um país. Basta possuir uma forte empresa de comunicação e se começar a divulgar inúmeros conceitos errados, como, por exemplo:

O Brasil pode se desenvolver, com aumento do IDH, graças à entrada maciça de capital estrangeiro no país.

Não há setor industrial que necessite da existência de empresas estatais.

Em setores com predominância de empresas privadas, são necessárias agências reguladoras para, dentre outros objetivos, proteger a sociedade.

O Brasil pode ter sua segurança física garantida pelos Estados Unidos, não necessitando gastar em projetos militares custosos.

Há mais de 150 anos, o Brasil não entra em conflito com nenhum dos seus vizinhos, o que corrobora a tese de não precisar ter forças armadas fortes.

As barreiras à importação, também conhecidas como reservas de mercado, só servem para criar atraso tecnológico e ineficiência produtiva.

Para atrair o capital estrangeiro, importante para nosso desenvolvimento, devemos minimizar os impostos de uma forma geral sobre a atividade produtiva."
fonte:http://www.patrialatina.com.br/setor-nuclear-nacionalismo-soberania-midia-e-dominacao/

Unknown disse...

Excelente artigo! Sou seu ex aluno, e estou sempre lendo suas publicações.

Roberto Moraes disse...

Abraços ao Evandro e ao ex-aluno aluno.

Unknown disse...

Estou sempre atento aos seus artigos e compartilho, pois acredito que só pessoas como você que esta super antenado e nos presenteia com artigos recheado de conhecimento técnico, então nós outros não devemos só ficar em elogios mas principalmente procurar compartilhar, para que possamos bater de frente com estas mídias corruptas, que fazem, lavagem cerebral a grande população com propagandas,programas enfim toda programação com tom subliminar.

Anônimo disse...

a comunidade local devia e deve continuar se qualificando, pois a ocupação dos melhores postos de trabalho neste porto ficará indubitavelmente com quem tiver as melhores condições pra exercer os cargos. isso acontece ai em S J da Barra, e aconteceria em qualquer outro lugar. a comunidade local e a prefeitura precisam fazer parcerias com o senai e outras instituições, objetivando a melhoria na oferta de cursos de qualificação de mãos de obra, não só pra atender as demandas do porto do açu, porém para suprir também as necessidades de outros segmentos da economia local e da região, como prestação de serviços de hotéis e restaurantes e serviços de tecnologia e até de agricultura. pois parece que a região, tem uma forte vocação para o agro-bussines