quinta-feira, abril 12, 2018

O naturalismo e a concepção de ecossistemas, a partir do século XVIII na América colonial, por Soffiati

O professor, pesquisador e ecologista Aristides Soffiati nos brinda com mais um interessantíssimo artigo que conta a eco-história dos sistemas naturais e da sua percepção.


Um holandês na América colonial
Arthur Soffiati
            Costumo dividir o conhecimento científico nos seis séculos de globalização ocidental em três fases. Na primeira, as novas informações aportadas pelos contatos com continentes além do europeu atordoaram os conquistadores. Geralmente eles eram navegadores, nobres, militares e clérigos. Eles ainda estavam impregnados pelos greco-latinos, como Aristarco, Ptolomeu, Discórides, Plínio. A abordagem científica deles consistia em descrever espécie por espécie sem relacioná-las entre si. No máximo, separavam suas descrições por animais, vegetais e minerais, inserindo quase sempre o elemento maravilhoso.

            Ainda dentro dessa visão científica, os holandeses conferiram mais rigor e mais distanciamento em relação às coisas maravilhosas dos novos mundos. George Marcgrave e Willem Piso, no nordeste brasileiro, deixaram informações primorosas para os pósteros. Tanto de forma escrita quanto de forma pictórica, o tratamento da natureza passou a merecer mais atenção no século XVII. No século XVIII, o naturalista sueco Carl Nilsson Linnæus (1707-1778) agrupou os seres vivos em relações de parentesco, criando a nomenclatura binária em que o primeiro nome indica o gênero do ser e o segundo nomeia a espécie. Assim, “Rhizophora” é o nome do grupo de um tipo de planta e “mangle” indica a espécie em si. Só no século XX, seres vivos e não vivos são relacionados num conjunto chamado ecossistema e unidades maiores constituídas pelo conjunto de ecossistemas.

            Uma das mais elevadas condições de um nobre era se dedicar ao estudo das ciências, notadamente ser naturalista, como o príncipe alemão Maximiliano de Wied-Neuwied e o barão holandês Nikolaus Joseph von Jacquin (1727–1817). Ele foi médico e botânico, associação bastante comum na elite europeia. Von Jacquin é considerado o primeiro cientista de renome a visitar a Colômbia. O imperador Francisco I enviou-o em viagem às Américas a fim de coletar plantas raras e exóticas para os parques imperiais de Viena e do palácio de Schönbrunn. A viagem se estendeu de 1755 a 1759. Von Jacquin já usava o sistema binário de Lineu. É certo que foi o primeiro a apresentar ao mundo os tesouros botânicos da América e a utilizar o sistema taxonômico de Lineu para classificar espécies botânicas do novo mundo. Em sua famosa obra “Relato de uma seleção de plantas da América”, ele descreve plantas nativas da Martinica, Cuba, Jamaica, São Domingos e das regiões litorâneas caribenhas de Cartagena. A obra em dois volumes foi publicada pela primeira vez em 1763 em Viena. A edição inclui 81 ilustrações pintadas à mão atribuídas a Ferdinand Bauer (1760–1826), que também pintou o frontispício do livro. Von Jacquin também desenhou várias estampas.

Retrato de Nikolaus Joseph von Jacquin

Ele registrou algumas espécies de mangue, denominação genérica para várias plantas que se adaptaram à água salobra de estuários, ou seja, no ponto em que um rio desemboca no mar. O conjunto de espécies exclusivas desse ambiente juntamente com espécies associadas formam o ecossistema denominado manguezal. Como tal ecossistema só se encontra na região intertropical, ele não existe na Europa, e era uma novidade para o naturalista europeu. Mesmo assim, o interesse recaía mais nas densas florestas.

Capas do livro “Relato de uma seleção de plantas da América”


































Como não poderia deixar de acontecer, o gênero que mais chamou a atenção de Von Jacquin foi o mangue vermelho (“Rhizophora”), com suas ramificações do caule e seu propágulo (semente) extraordinários. Ele registrou a “Rhizophora mangle” em duas pranchas com uma descrição sumária em latim, aliás língua usada em todo o livro, como era de praxe nos livros científicos da época.


Estampas de “Rhizophora mangle” contidas em “Relato de uma seleção de plantas da América”



































Os manguezais estão ameaçados em todo o mundo pelo corte, agropecuária, criatórios de camarão, urbanização, industrialização e poluição. A Colômbia e outras áreas visitadas por Von Jacquin não fogem à regra geral. Assim como outros ecossistemas nativos, o manguezal entrou em declínio com a economia de mercado introduzida pelos europeus em todos os continentes a partir do século XV. Todavia, como suas plantas apresentam grande resiliência, podemos encontrar fragmentos de manguezal nas áreas em que ele se desenvolve.

Bosque de mangue vermelho em San Andrés, Colômbia






























Von Jacquin registrou também o mangue preto, no Brasil mais conhecido por siriba, siribeira, siriúba e outros nomes locais. As várias espécies que se distribuem em toda a zona tropical são agrupadas no gênero “Avicennia”. O botânico holandês descreveu a “A. tomentosa”, também conhecida como “A. nítida”. A primeira descrição desta espécie coube ao próprio Jacquin. No Brasil, corresponde à Avicennia germinans (L.) L. Dele, o botânico deixou uma estampa.


Estampa de “Avicennia” em “Relato de uma seleção de plantas da América”

O mais interessante foi a descrição do mangue de botão pelo botânico. Hoje com a denominação científica de “Conocarpus erectus”, o mangue de botão não é propriamente uma espécie vegetal exclusiva de manguezal. Ele se distribui pela América atlântica e pacífica, pela África, pela Ásia e pela Oceania. Ele vive tanto no manguezal como na restinga. Suas flores e frutos se apresentam em densos aglomerados.


Estampa de “Conocarpus erectus” em “Relato de uma seleção de plantas da América”

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