sábado, outubro 17, 2015

Soffiati descreve eco-história sobre a foz do Paraíba do Sul

O professor e ecologistas Aristides Soffiati publicou que aqui neste espaço, o primeiro de dois artigos sobre a área de restinga no litoral da região Norte Fluminense. Agora Soffiati nos brinda com o texto que complementa o anterior. Nele, o autor faz um breve, não menos denso, relato, sobre os planos e ações sobre o espaço regional, no tempo de até cinco milênios, que chama de "eco-história", onde se insere a área de restinga e a Lagoa de Iquipari, razão especial do primeiro texto:

A foz do Paraíba do Sul (final)

Arthur Soffiati

Nos meus estudos de eco-história sobre a Ecorregião de São Tomé (entre os Rios Macaé e Itapemirim), reconheci quatro ecofisionomias para esta região nos últimos 12 mil anos, época que denominamos Holoceno. As mudanças foram profundas ao longo desse tempo. Em torno de 12 mil anos antes do presente, o terreno correspondente a toda essa região era formado por um grande tabuleiro cortado pelos rios que ainda existem e conhecemos e com a restinga onde hoje está instalado o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, área que denomino de Restinga de Carapebus, por ser esta lagoa a maior de todas naqueles domínios. Além disso, o continente avançava mais no mar, sendo maior do que o atual.

Daí em diante, com um aquecimento global natural, a dilatação dos oceanos e o derretimento das geleiras elevaram o nível do mar. Em toda a ecorregião de São Tomé, o mar invadiu os leitos dos rios por serem as zonas mais baixas. As ondas e marés esbateram-se nos tabuleiros e os erodiram. A erosão encolheu a área continental. As águas do mar invadiram o leito do Paraíba do Sul e formaram uma grande semilaguna que alcançou a Lagoa de Cima e a base da zona serrana, em Itereré. O máximo dessa elevação (transgressão) ocorreu em 5.100 anos antes do presente.

Em seguida, o nível do oceano começou a recuar (regredir), enquanto o Rio Paraíba do Sul principalmente foi aterrando a grande semilaguna com sedimentos transportados da zona serrana (progradação). A linha da costa começou a se estabilizar no ponto em que hoje a conhecemos, muito embora sujeita a fenômenos erosivos, como em Atafona, por exemplo. Foi essa ecofisionomia que os portugueses encontraram ao ocuparem o Brasil. Foi essa a ecofisionomia que os Sete Capitães encontraram na Ecorregião de São Tomé quando da sua primeira viagem em 1632.

Com relação à restinga que ladeia a foz do Paraíba do Sul, foi essa ecofisionomia que examinamos no primeiro artigo da série. Daí em diante, essa ecofisionomia começa a ser mudada, agora não mais por força da natureza, mas por ação humana coletiva e em função de uma economia de mercado. Se os primeiros povos nativos se adequaram à natureza, a busca pelo lucro agora levará os europeus a adequarem a natureza a seus interesses. É sempre difícil encontrar um critério para periodizar a história. Escolhi as grande intervenções hídricas, situando em cada período os eventos significativos ainda que não relacionados aos hídricos. Reconheço, assim, cinco períodos no processo de ocidentalização da região e de sua inclusão na globalização.

1- 1632-1759. Até o início da colonização contínua do futuro norte fluminense pelos portugueses, em 1632, com os Sete Capitães, as grandes mudanças estruturais na geografia regional tinham sido operadas pelas forças da natureza. Os povos nativos que se instalaram nesse espaço adaptaram-se aos ambientes, não o contrário. Praticantes de uma economia de subsistência, bastava-lhes extrair da natureza o estritamente necessário para viver. Já os portugueses estavam inseridos numa economia de mercado que iniciava o processo de globalização. A Baixada dos Goytacazes era polvilhada de rios, lagoas e brejos. Ao olharem para a planície, os Sete Capitães pensaram no dinheiro que ganhariam com ela. Para tanto, era preciso drenar as áreas alagadas. A primeira iniciativa de monta que chegou ao nosso conhecimento foi a abertura da Vala do Furado, em 1688, nas proximidades da localidade da atual Barra do Furado, pelo capitão José de Barcelos Machado. Depois, as ricas glebas dos Sete Capitães foram divididas entre eles próprios, a família Correia de Sá e Benevides, os Jesuítas e os Beneditinos. Até 1759, a Ordem dos Jesuítas desempenhou importante papel para integrar a região numa economia de mercado, efetuando a limpeza dos canais naturais existentes e até abrindo alguns, como o Rio Novo do Colégio, valendo-se do trabalho de seus escravos. Esta fase terminou quando os Jesuítas foram expulsos do Império Colonial Português por iniciativa do Marquês de Pombal. A abertura da Vala do Furado não interferiu diretamente na dinâmica da foz do Paraíba do Sul. Mas, na medida em que subtraiu água do Rio Iguaçu, roubou algum volume dessa sub-bacia. O mapa abaixo assinala em vermelho os defluentes naturais das águas continentais e o sistema do Furado, de 1688, em azul.


Figura 1

2- 1759-1898 - Com a expulsão dos Jesuítas do Império Colonial Português, os canais naturais e artificiais das regiões em que os religiosos tinham propriedades ficaram abandonados. Cada proprietário limpava os cursos d'água no âmbito dos seus domínios, sem o caráter público dos padres inacianos. Aos poucos, os trabalhos públicos de manutenção passaram para o governo colonial, mas nunca com a eficiência da Ordem da Companhia de Jesus. Nesse período de mais de um século, o mundo ocidental foi tomado pelo hidroviarismo, já que a revolução industrial ainda não havia produzido o trem como transporte coletivo como o conhecemos hoje. O caminho mais viável entre dois pontos tornou-se, então, o canal. A onda do hidroviarismo invadiu o norte fluminense, onde as condições ambientais eram favoráveis à navegação. Quatro famosos canais foram abertos. O maior deles é o Canal Campos-Macaé, pouco mais curto que o Canal de Suez. Pretendia-se que, numa segunda etapa, ele alcançasse a Baía de Guanabara, mas seu ponto final limitou-se a Macaé mesmo. Os outros canais foram o da Onça, na lagoa do mesmo nome, com o fim de transportar madeiras nobres, o Canal do Nogueira, obra caríssima para escoar a produção do Sertão do Nogueira, em torno da Lagoa do Campelo e que não foi concluído, e o Canal de Cacimbas, para escoar a produção do Sertão das Cacimbas, atualmente em território do município de São Francisco de Itabapoana. Os que funcionaram por algum tempo foram o Campos-Macaé e o de Cacimbas. O advento das ferrovias tornou os canais de navegação obsoletos. O Canal de Cacimbas foi todo rasgado no âmbito da restinga do Paraíba do Sul em sua margem esquerda. O do Nogueira pretendia alcançar a Lagoa do Campelo, também integralmente na restinga, mas não foi concluído.



Figura 2- Canais de navegação abertos no século XIX: 1- Canal de Cacimbas; 2- Canal da Onça; 3- Canal do Nogueira; 4- Canal Campos-Macaé


3- 1898-1935. Com a Segunda Revolução Industrial, no fim do século XIX, os antigos engenhos movidos a energia vegetal ou animal e humana (com a força do escravo) foram progressivamente substituídos por engenhos centrais e usinas, com grande capacidade produtiva. Era necessário conquistar terras às lagoas da Baixada dos Goytacazes para o plantio de cana. Várias comissões de saneamento, nome que camuflava os fins econômicos de drenagem, foram constituídas pelo governo central e estadual. A primeira a atuar no norte fluminense, abriu o Canal de Jagoroaba, ligando a Lagoa Feia ao mar. Ele foi idealizado e executado pelo engenheiro Marcelino Ramos da Silva, em 1898, sob fortes críticas de Saturnino de Brito, outro engenheiro, que vaticinou seu insucesso por ter sido totalmente na Restinga de Carapebus. Dito e feito. Várias outras comissões foram criadas, mas duraram pouco tempo. A necessidade de conquistar terras às águas continuava. A restinga de Paraíba do Sul não foi afetada pela obra de Marcelino.



Figura 3

Nesse período, nos anos de 1920, Francisco Saturnino Rodrigues de Brito concebeu o plano mais completo para a drenagem das áreas úmidas da Baixada do Goytacazes. Acertadamente, a Lagoa de Gruçaí seria revitalizada como braço auxiliar do Paraíba do Sul, mas a importante Lagoa Salgada seria inteiramente drenada. Esse plano não chegou a ser implementado, mas serviu de base para as operações da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense e do Departamento Nacional de Obras e Saneamento.

4- 1935-1990- O governo forte, centralizador e intervencionista de Getúlio Vargas criou, em 1933, a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, que começou a operar em 1935. Seu êxito em drenar áreas úmidas e retinilizar rios foi tão grande que ela ganhou atuação em âmbito nacional com o nome de Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). As duas instituições operando sucessivamente transformaram profundamente a geografia construída pela natureza e que os europeus encontraram em 1632. Miríades de lagoas e brejos foram extintos e muitos rios foram canalizados. Pode-se dizer que uma nova geografia foi construída, agora pelo engenho humano. Em 1950, a estrutura de drenagem estava praticamente pronta pela margem direita do Paraíba do Sul. As duas enormes linhas paralelas de lagoas no setor meridional da Restinga de Paraíba do Sul serviram como linhas naturais de drenagem para a abertura dos dois maiores canais do DNOS: os de Quitingute e de São Bento, os únicos que ligam o grande rio ao Canal da Flecha. Para que o plano de drenagem ficasse completo, era preciso fazer os dois canais mencionados chegar ao Canal da Flecha. Na margem esquerda, já havia o Canal da Onça. Faltavam os canais do Vigário, Engenheiro Antonio Resende e o de Todos os Santos, este último no Rio Itabapoana. Até mesmo se pensou em eliminar alguns meandros do Rio Paraíba do Sul.




Figura 4- Mapa do DNOS mostrando as obras executadas até 1950. Os Canais de São Bento e Quitingute estão assinalados com os números 21 e 24.

Nesse quarto tempo também completou-se o Canal da Flecha com uma bateria de 14 comportas para regular as águas da Lagoa Feia. Foi instalada a Petrobras em Macaé, que não causou impactos diretos na foz do Paraíba do Sul, mas afetou fortemente as Regiões Norte Fluminense e dos Lagos.

5-1990-2015- Em 1990, o DNOS foi extinto a sua obra ficou ao sabor de intervenções particulares, coletivas e estaduais até a criação do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e do Comitê do Baixo Paraíba do Sul. Podemos dividir esta fase em dois momentos: de 1990 a 2008, quando as obras do DNOS ficaram nas mãos de particulares, de associações de produtores e de municípios; e de 2009 em diante, com o INEA.

Neste quinto momento, a parte sul da Restinga de Paraíba do Sul sofreu grande impacto com a instalação do SESC Mineiro, que exigiu grande desmatamento na área de restinga. O SESC se constitui num corpo completamente estranho no contexto ecológico da restinga. O segundo empreendimento causou impacto socioambiental ainda maior. Trata-se do Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu, que desfigurou e vem desfigurando a restinga completamente. Primeiramente, começou a ser instalado um porto para escoamento de minério através de um mineroduto partindo de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais. Depois, aventou-se a construção de duas termelétricas e de duas siderúrgicas. Logo em seguida, idealizou-se um distrito industrial com redes para transmissão de energia e vias de escoamento da produção por rodovias e ferrovias, além de dutos. A obra mais impactante do conjunto até o momento é o estaleiro. Para a construção do conjunto está se exigindo a supressão da vegetação nativa, a elevação do piso da restinga com um aterro hidráulico construído com areia retirada da abertura dos canais de acesso, o corte da Lagoa do Veiga ao meio, a salinização do ambiente, a erosão causada pela construção de píeres para fixação de canal e, o que tem sido pouco discutido, a transposição de grande volume de água de Minas Gerais para o transporte de minérios pelo duto. De que bacia provém essa água? Qual a sua vazão? Qual o seu destino no ponto final?

Também têm sido acentuados os impactos sociais, com a expulsão de pequenos produtores rurais de suas terras, onde praticavam atividades agropastoris tradicionais, e a destruição dos locais em que artesãs colhiam a taboa. O Distrito Industrial ainda soterrou um sistema de canais de drenagem com água da Lagoa de Iquipari construído por uma usina já desativada, o que representou impacto mais negativo do que a própria rede de canais soterrada, como demonstrou Dayana Vilaça em recente trabalho, e ameaça a integridade da Lagoa de Iquipari, cuja demarcação reduziu sua área, suprimindo suas cabeceiras formadas de banhados e que permitiriam uma religação da lagoa ao Canal do Quitingute. Esta ligação, se concretizada, restabeleceria parcialmente um desaguadouro auxiliar para o Paraíba do Sul, como no passado.

Em vez dessa solução, o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) idealizou um canal transversal ligando os Canais de Coqueiros, São Bento e Quitingute. Em tempos de enchente, este canal despejaria água no canal do estaleiro, mas ameaça a Lagoa Salgada, patrimônio geológico e paleontológico reconhecido pela UNESCO.

Por outro lado, as compensações ambientais têm se mostrado muito tímidas. A Reserva Particular do Patrimônio Nacional da Caroara tem merecido críticas pelos métodos discutíveis de introdução de animais silvestres. Já o Parque Estadual da Lagoa do Açu não protege a totalidade da Lagoa Salgada e não consegue ser de fato efetivado. Neste caso, a responsabilidade é também do governo estadual.


Figura 5 -Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu em detalhes, embora já desatualizado

Na porção norte da restinga, a grande ameaça é representada pelo traçado da RJ-196, que deverá passar pelos pequenos centros urbanos de São Francisco de Itabapoana.

3 comentários:

Anônimo disse...

Resumindo, quem sempre usurpou das riquezas naturais(rios, metias preciosos,ouro, pau Brasil,etc, e da utilização da mão de obra escrava, em nosso Brasil, foram os "PORTUGUESES", que colonizaram nosso país. Mas, o populismo barato de nosso Brasil, de hoje, insiste em apontar os brasileiros brancos, de hoje, como os verdadeiros responsáveis, por essa usurpação, quando na verdade foram os portugueses daquela época, que ficaram com esse bônus(riqueza).

Enfim, por isso só resta uma palavra, para essa irresponsabilidade e demagogia desse populismo barato : hipocrisia, bando de hipócritas, quem hoje joga negros brasileiros, contra brancos brasileiros, porque quem se beneficiou dessa usurpação foram os portugueses colonizadores do Brasil.

Anônimo disse...

Que nada cara. Os portugueses eram escravos dos ingleses que eram escravos dos sionistas e por aí vai. Afinal de contas isso aqui é só um brasil, um canavial, um cafezal, ou qualquer outra matéria prima explorável

Anônimo disse...

Ao anônimo das 09:03

Se defendes os portugueses e dizes, que quem se beneficiou da mão de obra escrava brasileira, que forma os ingleses, e os sionistas, então, que se cobre essa dívida, a esses grupos.Que não venham cobrar essa conta aos brasileiros brancos de hoje, porque nós, não ficamos com a riqueza gerada pela mão de obra escrava.