EUA à beira do caos: Trump, tropas nas ruas
e o fantasma da guerra civil
Reynaldo Aragon
26 de agosto de 2025
As medidas de
Trump para controlar capitais democratas, a tensão com governadores e prefeitos
e o risco real de fragmentação institucional expõem a maior crise interna
americana em décadas
O que parecia apenas mais um embate político nos EUA
agora se transforma em um teste histórico: tropas federais deslocadas para as
ruas de Washington, disputas abertas com governadores democratas e ataques à
independência do Federal Reserve revelam um país em ebulição. Estaria a democracia
americana entrando em colapso? Neste artigo inédito, apresentamos uma análise
estratégica e preditiva do cenário, antecipando os possíveis desdobramentos da
crise mais grave dos Estados Unidos no século XXI.
Por
que os EUA estão à beira do caos
Na manhã de 26 de agosto de 2025, as
imagens que circulam das ruas de Washington e de outras capitais
norte-americanas parecem retiradas de um manual de guerra híbrida em território
doméstico. Tropas da Guarda Nacional patrulham bairros centrais, enquanto
ordens executivas da Casa Branca disputam espaço com contestações judiciais e
declarações inflamadas de governadores e prefeitos democratas. Ao mesmo tempo,
o presidente Donald Trump insiste em um discurso de “lei e ordem” que, mais do
que restaurar a paz, amplia a tensão entre instituições federais e locais. A
disputa pelo controle da segurança interna já não é apenas uma batalha
política: tornou-se um teste de estresse para a democracia mais antiga do
Ocidente.
Este artigo parte de uma pergunta provocadora — e que há décadas alimenta a
imaginação de analistas, acadêmicos e jornalistas: poderiam os Estados Unidos
caminhar para uma guerra civil ou mesmo para uma ditadura sob a figura de
Trump?. O ethos aqui não é o da especulação fácil, mas o da análise estratégica
com capacidade preditiva. Ao mobilizar o que chamamos de jornalismo
estratégico, buscamos ultrapassar a mera descrição factual dos acontecimentos e
construir um diagnóstico denso, que ajude tanto o público quanto os tomadores
de decisão a compreender as variáveis em jogo e os cenários possíveis.
O jornalismo estratégico, em seu estado da arte,
não se limita a informar. Ele age como um sistema de alerta precoce — um radar
que conecta elementos históricos, sociais, econômicos e políticos para mapear
não só o presente, mas também os sinais de futuro. Nesse sentido, os confrontos
institucionais nos EUA, a militarização da política doméstica e o risco de
erosão da independência econômica (com a pressão direta sobre o Federal
Reserve) não podem ser analisados isoladamente. São peças de uma engrenagem
maior: a tentativa de consolidar um poder autoritário em um país fundado sobre
freios e contrapesos.
Mais do que perguntar se Trump já é um ditador, é
preciso compreender se a combinação de suas decisões, suas bases sociais
radicalizadas e a fragilidade das instituições americanas abre espaço para a
consolidação de um regime híbrido — formalmente democrático, mas autoritário,
na prática. Ao mesmo tempo, é necessário avaliar se a escalada atual se
traduzirá em um conflito difuso, de baixa intensidade, que fragmenta a unidade
federativa, alimenta movimentos separatistas e redesenha os contornos da
política interna dos EUA.
Este é o ponto de partida: apresentar, com rigor e
método, os riscos reais, os cenários plausíveis e as consequências de um país
que pode estar à beira de seu maior colapso institucional desde a Guerra Civil
do século XIX.
Contexto
histórico e institucional — quando o passado ecoa no presente
Os Estados Unidos nasceram sob a tensão permanente
entre autoridade federal e autonomia estadual. A Constituição de 1787 consagrou
esse equilíbrio frágil em um pacto que, ao longo de mais de dois séculos, foi
testado em momentos de ruptura: da Guerra de Secessão (1861-1865) à luta pelos
direitos civis nos anos 1950-1960, passando pela turbulência de 1968 e pela
“guerra contra o terror” após os atentados de 11 de setembro. Cada crise expôs
a mesma contradição: até onde vai o poder do presidente quando confrontado pela
resistência de estados e cidades?
Em 1957, Dwight Eisenhower enviou tropas da 101ª Divisão Aerotransportada para
garantir a matrícula de estudantes negros em Little Rock, Arkansas, desafiando
a autoridade estadual segregacionista. Em 1968, diante dos protestos contra a
Guerra do Vietnã, a presença militar em cidades norte-americanas trouxe à tona
o debate sobre repressão e direitos civis. Em 2020, Donald Trump, já então
presidente, ameaçou invocar o Insurrection Act para conter manifestações do
movimento Black Lives Matter, mas recuou diante da pressão de governadores e
chefes militares. Esses episódios mostram que o uso de forças federais em
território interno não é novo — mas sempre esteve circunscrito a situações
extraordinárias e cercado de contestação legal.
Duas peças legais são hoje fundamentais para compreender os dilemas de 2025. A
primeira é o Insurrection Act (1807), que autoriza o presidente a empregar
forças armadas em solo nacional em casos de insurreição, obstrução da lei ou
ameaça à integridade dos EUA. Trata-se de um dispositivo raro, acionado em
situações extremas, cuja invocação direta até agora Trump evitou — mas cujo
fantasma ronda cada uma de suas declarações. A segunda é o Home Rule Act
(1973), que concede ao Distrito de Columbia autonomia administrativa limitada,
mas preserva ao presidente prerrogativas sobre a segurança da capital. É
justamente essa brecha que tem permitido a Trump deslocar tropas para
Washington sem passar por governadores, abrindo precedente perigoso para
futuras expansões.
A lógica do federalismo norte-americano atua,
portanto, como barreira e campo de batalha ao mesmo tempo. De um lado,
governadores democratas como Gavin Newsom (Califórnia) e J.B. Pritzker
(Illinois) mobilizam tribunais estaduais e cortes federais para contestar as
medidas da Casa Branca. De outro, prefeitos de cidades-alvo — de Chicago a Los
Angeles — transformam sua resistência em palanques políticos, desafiando a
narrativa presidencial. Essa disputa jurídica e simbólica ecoa as lutas
históricas entre estados e União, mas carrega uma novidade: a combinação de
polarização partidária extrema, desinformação em massa e um presidente que
flerta abertamente com a lógica de “homem forte” capaz de se sobrepor às
instituições.
Se no passado presidentes utilizaram tropas para
garantir direitos constitucionais ou responder a crises nacionais específicas,
em 2025 o movimento parece inverter a lógica: trata-se de usar a força federal
para desafiar governos locais e consolidar poder político pessoal. É aqui que o
fantasma da ditadura ganha corpo, não como ruptura súbita do sistema, mas como
erosão gradual dos freios e contrapesos que sustentam a república
norte-americana desde sua fundação.
O
presente em ebulição — agosto de 2025
O verão político de 2025 nos Estados Unidos entrou para a história como um
marco de instabilidade. O presidente Donald Trump, em seu segundo mandato,
decidiu elevar a tensão ao deslocar unidades da Guarda Nacional e forças
federais para o coração da política americana. Washington, D.C., epicentro
institucional, tornou-se vitrine de uma nova estratégia de poder: decretos
presidenciais sob a justificativa de “emergência criminal” permitiram que o
Executivo assumisse temporariamente o comando da Polícia Metropolitana, algo
contestado por juristas e legisladores locais. O gesto foi mais do que
simbólico: mostrou que Trump está disposto a transformar a capital em
laboratório de controle autoritário.
A ofensiva não parou em Washington. O presidente
acenou com a possibilidade de enviar tropas também para Chicago, um dos maiores
redutos democratas do país, sob o argumento de combater “gangues e terrorismo
urbano”. A reação foi imediata: o governador de Illinois, J.B. Pritzker,
classificou a medida como “intervenção inconstitucional” e anunciou que
acionará os tribunais federais. Situação semelhante se desenha na Califórnia,
onde o governador Gavin Newsom denunciou os movimentos da Casa Branca como
“ensaio de golpe branco”. Prefeitos de grandes cidades ecoaram o discurso: Lori
Lightfoot, em Chicago, e Karen Bass, em Los Angeles, acusaram Trump de governar
pela força, não pelo diálogo.
Outro front de conflito emergiu na economia. A
tentativa de Trump de demitir a diretora do Federal Reserve, Lisa Cook,
incendiou os mercados e gerou alarme entre economistas. A independência do Fed,
pilar da estabilidade global, sempre foi considerada intocável. Atacar essa
instituição é sinal claro de que o presidente pretende dobrar a máquina
econômica aos seus interesses políticos. As primeiras reações não demoraram:
queda nos mercados de títulos do Tesouro, volatilidade cambial e declarações de
alerta de Wall Street. Para analistas, esse foi o gesto mais arriscado de Trump
desde a posse — porque atinge diretamente a confiança internacional no dólar.
Enquanto isso, as ruas começam a refletir a
divisão. Em Washington, grupos ligados ao movimento MAGA organizaram vigílias
em apoio às tropas, enquanto manifestantes contrários denunciaram a escalada
autoritária. Em redes sociais, influenciadores conservadores descrevem Trump
como “o único capaz de restaurar a ordem”, enquanto veículos progressistas
falam em “ensaio de ditadura”. O Departamento de Segurança Interna (DHS) elevou
o alerta de risco de violência política doméstica, prevendo novos incidentes em
protestos nos próximos meses.
Trump, por sua vez, mantém o tom desafiador. Em
entrevista recente, negou ser um “ditador” e ironizou: “Sou apenas o único
presidente que tem coragem de enfrentar os criminosos que os democratas
protegem”. A frase, repercutida por toda a imprensa, sintetiza o momento: para
seus apoiadores, um líder firme contra o caos; para seus críticos, um
governante que testa, dia após dia, os limites do sistema democrático.
No curto prazo, o país parece avançar em direção a um impasse constitucional.
Tribunais de apelação no Distrito de Columbia e na Califórnia já receberam
ações para barrar as medidas federais. Congressistas democratas pressionam por
uma resposta legislativa, mas a polarização no Capitólio paralisa qualquer
consenso. O que se vê é um jogo de forças em tempo real: Trump aposta na
ocupação militarizada e na retórica de guerra; seus adversários tentam ativar
os mecanismos legais e a opinião pública para freá-lo.
A ebulição de agosto de 2025, portanto, não é
apenas conjuntural. É a tradução concreta de uma disputa de poder que
ultrapassa a política tradicional e entra no terreno da legitimidade
institucional. Se o presidente pode usar tropas para desafiar estados e ainda
ameaçar a independência do Fed, a pergunta que se impõe não é apenas “até onde
ele vai”, mas até onde as instituições estão dispostas — e preparadas — para
resistir.
A
hipótese “Trump ditador”: limites e possibilidades
A ideia de que Donald Trump poderia se tornar um ditador nos Estados Unidos não
é nova, mas em agosto de 2025 ela deixou de ser mera retórica de campanha e
passou a ser uma hipótese testada na prática, diante das decisões que ampliam a
presença militar em cidades, contestam a independência do Federal Reserve e
tensionam os freios constitucionais. É preciso, antes de tudo, compreender o
que significa falar em “ditadura” no caso norte-americano. Diferentemente de
regimes clássicos em que o Executivo concentra os poderes coercitivos, dissolve
parlamentos e impõe censura aberta, o risco mais plausível nos EUA é o de um
regime híbrido, no qual eleições e instituições continuam formalmente
existindo, mas são inclinadas em favor do governante por meio de captura
institucional, intimidação de opositores e uso estratégico da máquina estatal.
As barreiras constitucionais ainda funcionam como
travas relevantes. O federalismo norte-americano confere aos estados amplo
controle sobre suas polícias e instituições locais, limitando a capacidade de
intervenção direta do presidente. O Judiciário federal, com jurisdição
nacional, e o Congresso, responsável pelo orçamento, completam esse sistema de
freios e contrapesos que, até hoje, impediu aventuras autoritárias de se
consolidarem. Além disso, a burocracia profissional, formada por servidores
estáveis e especialistas, resiste a mudanças bruscas e não pode ser substituída
de imediato por quadros leais ao presidente. Tudo isso significa que a clássica
imagem de um decreto dissolvendo o sistema, típica das ditaduras
latino-americanas ou europeias do século XX, não encontra equivalência nos EUA.
O caminho viável para Trump seria mais lento, tático e dependente de crises que
forneçam justificativa para centralização.
Os poderes de emergência são, nesse sentido, os
instrumentos mais perigosos. O Insurrection Act, de 1807, autoriza o emprego
das Forças Armadas em território doméstico diante de insurreições ou ameaças à
integridade do país. Sua invocação exige narrativa convincente de colapso e
está sujeita a revisão judicial e contestação política. A Posse Comitatus Act
restringe o uso das Forças Armadas em operações civis, embora a federalização
da Guarda Nacional ofereça ao presidente uma margem de manobra significativa,
especialmente no Distrito de Columbia, onde o Home Rule Act garante
prerrogativas ampliadas. O que se desenha, portanto, não é um cenário de
militarização generalizada, mas de operações episódicas e concentradas, usadas
tanto para pressionar adversários como para alimentar uma narrativa de força.
A estratégia mais concreta de erosão democrática está no campo da captura
institucional. Trump e seus aliados vêm buscando alterar a estrutura do
Departamento de Justiça e das agências de segurança, orientando investigações
seletivas contra opositores e blindando aliados por meio de lawfare e indultos
estratégicos. A tentativa de demitir a diretora do Federal Reserve, Lisa Cook,
sinaliza o desejo de dobrar agências independentes à lógica do ciclo político,
minando a confiança internacional no dólar. Ao mesmo tempo, iniciativas como a
reclassificação de cargos públicos — conhecidas como “Schedule F” — buscam
abrir caminho para demissões em massa e nomeações por lealdade, enfraquecendo a
burocracia profissional. Essa estratégia, se tolerada pelos tribunais, pode
inclinar de forma sistemática as condições da competição política.
Fora do núcleo institucional, a base de sustentação
de Trump se apoia em dois pilares: a guerra informacional e a mobilização de
grupos armados. Nas redes sociais e em sua rede midiática, o presidente cultiva
a imagem de líder acima das instituições, alguém capaz de restaurar a ordem
contra a “anarquia democrata”. Ao mesmo tempo, grupos paramilitares e milícias
locais oferecem um suporte difuso, cuja função não é derrubar o Estado de uma
vez, mas criar climas de intimidação localizada, encarecendo a resistência de
jornalistas, opositores e comunidades críticas. O uso de litigância agressiva
contra tribunais e a multiplicação de disputas judiciais formam, por sua vez,
uma estratégia de saturação, na qual o objetivo não é vencer todas as batalhas,
mas ganhar tempo, produzir precedentes e esticar os limites constitucionais.
O fator militar continua sendo decisivo. As Forças
Armadas norte-americanas carregam uma tradição de apoliticidade e disciplina
institucional, e não é trivial que adiram a ordens de caráter autoritário. A
adesão dependeria de interpretação jurídica favorável e, sobretudo, de uma
conjuntura marcada por violência de grande magnitude. Sem esse gatilho, o uso
amplo de tropas permanece restrito e concentrado em D.C. ou em operações
pontuais.
A economia, por outro lado, aparece como o freio
mais imediato a aventuras autoritárias. A simples tentativa de intervenção no
Fed gerou instabilidade nos mercados, com queda de títulos do Tesouro e pressão
cambial. O dólar e os Treasuries funcionam como sensores de risco: quando a
confiança internacional oscila, o custo político e econômico de manter a
escalada cresce exponencialmente. Nesse cenário, o apoio empresarial tende a se
dividir: setores interessados em desregulação podem apoiar Trump, mas a
instabilidade jurídica e o risco de colapso financeiro afastam parte das elites
econômicas.
O que emerge, portanto, não é a imagem de um
ditador clássico, mas a possibilidade de um regime híbrido, sustentado por
captura institucional seletiva, uso estratégico de forças federais em momentos
críticos, pressão econômica e guerra informacional constante. A consolidação
desse regime dependerá de três fatores-chave: a resposta das instituições
judiciais e estaduais, a reação dos mercados financeiros e a capacidade de
Trump de manter sua base mobilizada sem provocar um colapso sistêmico que
inviabilize seu próprio governo.
Em síntese, a hipótese de Trump ditador pleno
permanece improvável. Mas a hipótese de Trump como líder de um regime híbrido,
democrático na forma e autoritário no conteúdo, é cada vez mais plausível. Esse
é o risco mais concreto para o futuro imediato dos Estados Unidos: a erosão
gradual da democracia, não o golpe súbito. O que está em jogo não é a morte
instantânea do sistema, mas a sua corrosão lenta — e é justamente nesse
processo que a vigilância, a análise preditiva e o jornalismo estratégico se
tornam indispensáveis.
O
fantasma da guerra civil
Poucas expressões assombram tanto o imaginário
norte-americano quanto a possibilidade de uma nova guerra civil. A referência à
ruptura de 1861–1865 aparece como fantasma recorrente sempre que tensões
internas se intensificam. No entanto, o cenário atual, em agosto de 2025, exige
precisão conceitual: os EUA não caminham para repetir o conflito clássico entre
estados escravistas e estados livres, com exércitos formais em confronto
aberto. O que se desenha, muito mais plausivelmente, é a hipótese de um
conflito difuso, fragmentado e de baixa intensidade, alimentado por polarização
informacional, milícias locais, ações de violência política esporádica e
tentativas de erosão institucional.
A fragmentação territorial e simbólica é um dos
motores desse processo. Estados como o Texas e parte do meio-oeste alimentam
discursos de autonomia radical e, em alguns setores, flertam abertamente com o
separatismo. O movimento “Texit”, por exemplo, embora minoritário, funciona
como catalisador de um imaginário que coloca em xeque a própria unidade da
federação. Essa retórica, somada à cultura de armas profundamente enraizada e à
existência de milícias paramilitares organizadas, cria uma base fértil para que
confrontos localizados assumam caráter político. Ainda que não haja hoje
condições materiais para uma guerra civil formal, a disseminação de células
armadas autônomas, muitas vezes conectadas em rede via plataformas digitais, já
configura um ambiente de violência política persistente.
Esse risco tem sido documentado por centros de
pesquisa e think tanks especializados em segurança. Estudos do Chicago Project
on Security and Threats (CPOST) e levantamentos da ACLED (Armed Conflict
Location & Event Data Project) mostram aumento consistente de episódios de
violência ligados a motivação política desde 2020. Não se trata de batalhas
campais, mas de atentados, ataques a prédios governamentais, intimidação de
comunidades minoritárias e choques em protestos. Pesquisadores como Robert Pape
alertam que os EUA vivem uma fase de “pré-insurgência difusa”, na qual pequenos
atos de violência se somam e geram sensação de instabilidade permanente.
O fator informacional aprofunda esse quadro. A guerra cultural e cognitiva
transforma a sociedade americana em dois países que coexistem dentro do mesmo
território. De um lado, a narrativa MAGA, que pinta democratas como cúmplices
do crime e da anarquia, legitima o uso de medidas excepcionais. De outro, a
oposição denuncia Trump como autocrata em formação, reforçando percepções de
que a democracia já foi capturada. Essa polarização radical não se limita a
opiniões divergentes: ela cria universos informacionais incomunicáveis, onde
fatos objetivos são recusados e a confiança em instituições como a imprensa, o
Judiciário e o sistema eleitoral se dissolve.
É nesse ambiente que a hipótese da guerra civil
ganha corpo como metáfora de colapso. Não porque veremos novamente estados do
sul declarando secessão formal, mas porque a federação norte-americana pode
entrar em uma fase de desagregação funcional: governadores resistindo às ordens
presidenciais, prefeitos ignorando decretos federais, cortes locais emitindo decisões
contraditórias, enquanto grupos civis armados reforçam o clima de medo e
incerteza. O resultado é uma democracia que continua existindo formalmente, mas
perde a capacidade de coordenar e arbitrar conflitos — uma república dividida
em blocos irreconciliáveis.
Os sinais desse processo já estão visíveis. O envio
de tropas para Washington e a ameaça de intervenção em Chicago acentuam a
percepção de que o governo federal atua contra estados e cidades inteiras, não
apenas contra indivíduos ou organizações criminosas. Os alertas do Departamento
de Segurança Interna (DHS) sobre risco de violência política doméstica refletem
essa leitura: qualquer manifestação pode se tornar palco de confronto entre
grupos armados e forças federais. Ao mesmo tempo, a queda na confiança da
população nas instituições, medida por pesquisas como a Bright Line Watch,
indica que o contrato social que sustentou os EUA no pós-guerra já não tem a
mesma força.
O fantasma da guerra civil, portanto, não é apenas
retórico. Ele opera como lente para compreender um país que se desgarra por
dentro, não em linhas de frente claras, mas em múltiplos pontos de atrito. A
violência difusa, os discursos separatistas, a fragmentação informacional e a
erosão das instituições convergem para um cenário em que o risco não é de
guerra civil clássica, mas de um conflito prolongado de baixa intensidade,
capaz de corroer a legitimidade da democracia americana e paralisar sua
capacidade de governar.
Cenários
preditivos (curto e médio prazo)
Antecipar o futuro em momentos de ebulição política exige separar a espuma da
conjuntura dos sinais estruturais. No caso norte-americano, a partir da
conjuntura de agosto de 2025, identificam-se quatro trajetórias principais para
os próximos meses. Nenhum desses cenários deve ser lido como destino
inevitável, mas como mapa de possibilidades, onde cada sinal observável pode
aproximar ou afastar uma linha de futuro.
Contenção
institucional (40–50%)
Este é o cenário-base. Os tribunais federais e estaduais limitam as ações mais
radicais da Casa Branca, governadores ampliam sua resistência, o Congresso
pressiona por investigações e as forças armadas evitam envolvimento além de
missões pontuais. Trump mantém o discurso inflamado, mas vê seu espaço de ação
restringido por derrotas judiciais e pela reação negativa dos mercados ao
ataque à independência do Federal Reserve. O resultado é instabilidade alta,
mas sem ruptura sistêmica.
Sinais de alerta precoce: decisões de cortes em
D.C. e Califórnia limitando deslocamento de tropas; resistências explícitas de
comandantes militares; pressão bipartidária no Congresso contra interferência
no Fed.
Escalada
controlada (25–35%)
Trump mantém tropas em Washington e avança com
operações em cidades democratas estratégicas, como Chicago, sem acionar
formalmente o Insurrection Act. A tensão federativa cresce, mas ainda se
processa nos tribunais. O clima social se agrava, com protestos violentos e
contra-protestos organizados pela base MAGA. O governo busca vitórias
narrativas: mostrar força sem romper de vez as regras.
Sinais de alerta precoce: novas ordens executivas
ampliando autoridade federal sobre polícias locais; crescimento do número de
Guardas Nacional federalizados; protestos em capitais com incidentes de
violência política.
Crise
constitucional aguda (10–20%)
Neste cenário, Trump decide invocar o Insurrection
Act, alegando insurreição ou ameaça à integridade do país. A medida abre
confronto direto com governadores democratas que se recusam a obedecer, criando
impasse federativo. O mercado financeiro reage com colapso nos títulos do
Tesouro e fuga de capitais. A polarização atinge patamar máximo: parte da
população vê no presidente um protetor, outra o acusa de instaurar ditadura.
Esse cenário abre a porta para violência política mais coordenada, com milícias
agindo como extensão do conflito institucional.
Sinais de alerta precoce: ordem formal de invocação
do Insurrection Act; governadores emitindo diretrizes de desobediência; reação
negativa em bloco de Wall Street e do dólar.
Descompressão
estratégica (10–15%)
Sob pressão econômica e política, Trump recua
parcialmente. Algumas tropas deixam D.C., e a Casa Branca muda o tom da
retórica, transformando a crise em vitória narrativa para a base: “fizemos a
esquerda recuar”. O presidente mantém popularidade dentro de seu núcleo duro,
mas perde margem de manobra no Congresso e no Judiciário. O sistema democrático
respira, mas não sem feridas: o precedente da intervenção já está aberto.
Sinais de alerta precoce: retirada parcial de
forças; declarações conciliatórias da Casa Branca; pesquisas de opinião
indicando queda acentuada de apoio fora da base MAGA.
Síntese
estratégica
A análise preditiva indica que a ditadura clássica
é improvável, mas o risco de um regime híbrido autoritário permanece alto. O
país pode não mergulhar em guerra civil formal, mas a probabilidade de viver um
período de conflito difuso, erosão institucional e polarização violenta é real
e crescente. O que está em jogo é a transformação dos EUA em uma república
permanentemente instável, onde o poder se disputa tanto no campo jurídico e
militar quanto no terreno simbólico e informacional.
A
guerra híbrida interna dos EUA
A engrenagem que sustenta a escalada de tensão
doméstica nos Estados Unidos funciona como um verdadeiro ecossistema de guerra
informacional. Ele combina enquadramentos de “lei e ordem”, saturação de
desinformação, instrumentalização de plataformas digitais e mobilização de base
para produzir pressão cognitiva e política sobre governadores, prefeitos,
juízes e a opinião pública. O próprio Departamento de Segurança Interna
reconhece, em seus relatórios de avaliação de risco, que extremistas violentos
domésticos e atores estrangeiros exploram gatilhos conjunturais — como
conflitos externos, ciclos eleitorais e crises — para incitar ataques e
intimidar autoridades. Esse ambiente é classificado como de ameaça elevada,
pois cria condições ideais para justificar medidas de exceção e radicalizar a
disputa institucional.
No núcleo dessas operações está o uso político da
incerteza: transformar ambiguidade em medo tangível. A erosão do papel de fatos
e análises na vida pública desarma a sociedade em sua capacidade de arbitrar
disputas, abrindo espaço para que narrativas de força se imponham. Essa
dinâmica é alimentada por vieses cognitivos, polarização midiática e por uma
arquitetura de plataformas digitais que recompensam o conflito e a
radicalização. Trata-se de um terreno fértil para operações psicológicas,
propaganda memética e engenharia de comportamento em larga escala.
Na camada técnico-operacional, observa-se um
conjunto de táticas conhecidas: campanhas que simulam apoio orgânico
(astroturfing), redes coordenadas de bots e contas falsas, microsegmentação de
mensagens, assédio direcionado a jornalistas e pesquisadores, além da
litigância agressiva que busca elevar o custo de resistência institucional. Ao
mesmo tempo, cria-se um jamming informacional, sufocando o espaço público com
ruído, falsos dilemas e contrainformações, de forma a tornar mais difícil o
consenso em torno de fatos básicos. Estudos sobre propaganda computacional já
documentaram a industrialização dessas práticas em escala global, e o caso
norte-americano de 2025 é uma expressão clara dessa tendência.
Esse ambiente informacional interage diretamente
com a dinâmica da violência. Pesquisas recentes mostram a normalização de
ameaças e ataques politicamente motivados, incluindo atentados contra agentes
públicos, intimidação de comunidades minoritárias e choques em protestos. O
padrão não sugere uma guerra civil convencional, mas sim um conflito difuso e
intermitente, capaz de legitimar retóricas de exceção e sustentar o emprego
tático de forças federais em cidades estratégicas.
No plano institucional, observa-se uma arquitetura
programática deliberada para aparelhar o Estado. O chamado Project 2025,
coordenado pelo think tank Heritage Foundation, funciona como manual de
transição que detalha como reorientar o aparato federal, desde agências
regulatórias até políticas de comunicação e educação. Esse projeto combina
planejamento burocrático, formação de quadros e planos de ação para cada
agência, funcionando como verdadeiro playbook de captura institucional. Em
conjunto com o uso de tropas em Washington e o tensionamento sobre a
independência do Federal Reserve, essa estratégia cria capacidade de
alavancagem sem necessidade de ruptura formal.
A janela de oportunidade para essa guerra híbrida
interna se abre quando três vetores convergem: em primeiro lugar, um alerta
oficial de ameaça que cria clima de emergência; em segundo, um precedente
executivo que amplia o alcance federal em segurança interna; e, por fim, uma
infraestrutura de mensagens capaz de transformar contradições institucionais em
provas de “fraqueza” dos adversários. Quando esses três fatores se articulam,
produzem efeitos cumulativos: o público tende a aceitar medidas excepcionais, o
custo de contestação sobe e a oposição é empurrada para jogar na defensiva,
onde cada derrota parece confirmar a narrativa de caos e de desordem.
Os contrapesos ainda existem e vêm de três frentes:
cortes judiciais, governadores e mercados. Sempre que a Casa Branca avança
sobre agências independentes ou expande unilateralmente os poderes executivos,
há reações institucionais e econômicas que penalizam a instabilidade. Esse
ciclo retroalimenta a disputa simbólica: para a base de Trump, tais
resistências confirmam a existência de um “Estado profundo” que conspira contra
o presidente; para seus adversários, são a prova da resiliência democrática. O
resultado é a intensificação da erosão institucional e a normalização de
precedentes excepcionais.
Em síntese, as táticas de guerra híbrida e de
propaganda digital não são acessórios na conjuntura atual: são o centro de
gravidade que permite transformar choques pontuais — protestos, crimes, tensões
externas — em licença política para a exceção interna. Enquanto persistirem
alertas de risco elevado, episódios de violência política e estratégias
coordenadas de captura institucional, o risco dominante para os EUA não é o de
uma ruptura súbita, mas de um regime híbrido autoritário sustentado por guerra
informacional permanente.
Impactos
globais e geopolítica
A crise doméstica dos Estados Unidos em agosto de 2025 reconfigura o tabuleiro
internacional em três camadas simultâneas: legitimidade, capacidade de projeção
e arquitetura econômico-financeira. Na primeira, a erosão pública dos freios e
contrapesos corrói a narrativa de “padrão democrático” que, por décadas,
sustentou a diplomacia norte-americana. Não se trata apenas de imagem: quando a
capital federal opera sob precedentes de exceção e a independência de agências
é tensionada, parceiros passam a recalibrar custos de alinhamento, e adversários
exploram o vácuo reputacional para deslegitimar sanções, relatórios de direitos
humanos e condicionantes políticas. Essa perda gradual de autoridade moral
reduz a capacidade de moldar normas — do ciberespaço à regulação de plataformas
e inteligência artificial — e abre espaço para multipolaridade normativa, na
qual blocos regionais adotam padrões próprios sem pedir chancela a Washington.
Na segunda camada, a capacidade de projeção sofre
com a sobrecarga interna. Forças armadas e aparato de segurança veem sua agenda
contaminada por demandas domésticas, o que comprime o raio de ação externo e
dificulta a coordenação interagências. Em termos práticos, a prioridade
política migra do teatro internacional para o “front interno”, e isso tem
efeitos: menor apetite para operações longas, alianças pedindo mais garantias,
e uma OTAN que, mesmo coesa em seus objetivos declarados, enfrenta assimetria de
compromissos quando a liderança norte-americana oscila. Ao mesmo tempo,
competidores estratégicos — em especial China e Rússia — exploram a janela para
intensificar acordos energéticos, tecnológicos e militares fora da órbita de
Washington, enquanto o eixo BRICS+ ganha tração como plataforma de hedge
geopolítico para países médios.
A terceira camada é a arquitetura
econômico-financeira. A pressão explícita sobre a independência do banco
central e a judicialização de decisões executivas ampliam a percepção de risco
regulatório, com reflexos em prêmios de crédito, volatilidade cambial e
comportamento de grandes fundos. Em crises dessa natureza, dois movimentos
tendem a coexistir: fuga para “portos seguros” tradicionais (títulos de alta
qualidade, ouro) e, em paralelo, aceleração de alternativas no comércio e nos
pagamentos internacionais (contratos em moedas locais, arranjos bilaterais de
compensação, uso ampliado de sistemas de mensagens e compensação fora da esfera
dólar). Não há substituto imediato ao dólar como reserva global, mas cada
precedente de exceção abre milímetros de espaço para diversificação — e,
acumulados, esses milímetros viram centímetros estratégicos.
Para a América Latina, e especialmente para o
Brasil, o impacto é direto. No curto prazo, o risco é de exportação de métodos:
redes políticas e comunicacionais alinhadas à ultradireita norte-americana
tendem a mimetizar repertórios de deslegitimação institucional, combinando
lawfare, campanhas de desinformação e narrativas de “lei e ordem” para
justificar endurecimentos seletivos. No plano econômico, uma Casa Branca
volátil pode alternar tarifas punitivas, barreiras técnicas e pressões
regulatórias sobre cadeias de valor sensíveis (aço, alumínio, fertilizantes,
tecnologia), instrumentalizando comércio como alavanca política. No plano
tecnológico, a disputa por padrões de IA, dados e plataformas chegará com mais
força às agências e ao Congresso brasileiros, exigindo respostas que combinem
soberania informacional, interoperabilidade e proteção de dados com autonomia
estratégica.
Há, porém, janelas de oportunidade. Em ciclos de
retração da liderança norte-americana, países com massa crítica — como o Brasil
— podem ampliar diplomacia de ponte entre regimes regulatórios, diversificar
mercados, consolidar capacidade industrial em setores estratégicos (energia,
fertilizantes, semicondutores de nicho, espaço, cibersegurança) e acelerar
integrações regionais logísticas e digitais. A chave é não apostar em vácuos,
mas em redundâncias soberanas: múltiplos cabos, múltiplos data centers,
múltiplos provedores de nuvem, múltiplos sistemas de pagamento e um ecossistema
nacional de IA com lastro acadêmico e industrial.
Do ponto de vista preditivo, três sinais-guia devem
ser monitorados para antecipar desdobramentos globais: (1) persistência da
exceção doméstica nos EUA (quanto tempo e quão amplo o uso interno de forças
federais e de instrumentos extraordinários), (2) respostas de mercado à
política monetária e às disputas institucionais (incluindo spreads, curvas de
juros e demanda por títulos), e (3) realinhamentos diplomáticos discretos, como
acordos energéticos e tecnológicos que contornem a intermediação
norte-americana. A combinação de dois ou mais desses sinais, mantida por
semanas, indica recalibração estrutural do sistema internacional, não mera
turbulência conjuntural.
Para formuladores de políticas no Brasil, o cardápio estratégico é claro:
blindar a infraestrutura crítica de informação e pagamentos, reduzir
vulnerabilidades a sanções e choques extrarregionais, consolidar parcerias
tecnocientíficas com cláusulas de transferência de conhecimento e exigir
governança transparente de plataformas digitais que operam no país. No campo
comunicacional, o jornalismo estratégico precisa preparar comunidades de
prática para ciclos de desinformação importados, com protocolos de alerta
precoce, verificações forenses e kits de resposta que integrem governo,
academia, imprensa e sociedade civil.
Em suma, a crise doméstica dos EUA funciona como
força sísmica que desloca placas de legitimidade, projeção e finanças. Não
inaugura o multipolarismo, mas acelera sua normalização. Quem se antecipar com
redundâncias soberanas, diplomacia de ponte e inteligência estratégica poderá
absorver o choque e converter instabilidade em margem de manobra. Quem esperar
pela “volta ao normal” corre o risco de descobrir que o normal, na verdade,
mudou de endereço.
Conclusão:
entre a guerra difusa e o autoritarismo híbrido
A análise da conjuntura norte-americana
em agosto de 2025 permite afirmar que a hipótese de Trump como ditador pleno
permanece improvável, mas que o risco de consolidação de um regime híbrido
autoritário é cada vez mais plausível. A escalada não se dá por meio de um
golpe súbito, mas pela erosão gradual dos freios e contrapesos, pela captura
seletiva de instituições, pelo uso episódico e calculado das forças federais,
pela pressão sobre agências independentes e pela manutenção de uma guerra
informacional permanente. A ideia de uma nova guerra civil, por sua vez, não se
sustenta nos moldes clássicos da ruptura de 1861, mas se manifesta como a
possibilidade de um conflito difuso de baixa intensidade, espalhado em
protestos violentos, ações de milícias, retórica separatista e polarização
informacional radicalizada.
O que se viu neste mês é um ponto de inflexão: a
decisão de militarizar Washington, a ameaça de expandir operações para cidades
democratas e o ataque direto à independência do Federal Reserve. Esses
movimentos revelam a intenção de expandir o alcance presidencial sobre
territórios, instituições e fluxos econômicos, testando até onde a estrutura
federativa, o Judiciário e os mercados estão dispostos a resistir. Até agora, a
reação de governadores, cortes e atores financeiros funciona como freio real,
encarecendo a aventura autoritária. Mas cada precedente de exceção deixa
marcas: normaliza o uso de medidas extraordinárias, enfraquece a confiança
pública nas instituições e reconfigura o equilíbrio de poder.
A chave, portanto, não está em prever um colapso
súbito, mas em monitorar a intensidade e a duração desses processos de erosão.
Quando ordens executivas se transformam em precedentes de exceção mantidos por
semanas, quando decisões judiciais são contornadas ou desobedecidas, quando a
independência de agências centrais se fragiliza e quando a violência política
se torna mais frequente, o risco de consolidação autoritária se eleva. Do mesmo
modo, a reação dos mercados — visível na volatilidade do dólar e dos títulos do
Tesouro — funciona como termômetro imediato da viabilidade dessa escalada.
Quanto maior o custo econômico, mais difícil sustentar um regime autoritário;
quanto mais tolerável o custo, mais fácil naturalizar a exceção.
No plano estratégico, essa crise interna desloca
não apenas a política doméstica, mas também a posição dos Estados Unidos no mundo.
A perda de autoridade moral como referência democrática, a sobrecarga das
forças de segurança em tarefas internas e a desconfiança dos mercados
internacionais corroem a legitimidade, a projeção externa e a arquitetura
financeira global liderada por Washington. Para países como o Brasil, os
impactos se manifestam em dois sentidos: por um lado, a exportação de métodos
de desinformação e lawfare que já influenciam elites locais; por outro, a
oportunidade de reforçar redundâncias soberanas em infraestrutura, dados,
finanças e tecnologia, reduzindo vulnerabilidades diante de um império em
crise.
O papel do jornalismo estratégico neste contexto é
oferecer não apenas descrição, mas sistemas de alerta precoce que transformem
sinais em cenários, cenários em hipóteses e hipóteses em ação. O que está em
jogo é a capacidade de antecipar, de medir e de comunicar com rigor os riscos
de erosão democrática, tanto para a sociedade quanto para os tomadores de
decisão. Informação sem método vira ruído; método sem comunicação não altera o
curso da história. O desafio, portanto, é sustentar uma análise verificável,
conectada a indicadores claros e aberta ao escrutínio público, capaz de
distinguir alarmismo vazio de predição estratégica.
Em suma, os Estados Unidos não parecem caminhar
para a morte súbita da democracia, mas para sua corrosão lenta. A guerra difusa
e o autoritarismo híbrido configuram o horizonte mais provável: uma república
que continua existindo formalmente, mas cuja legitimidade e capacidade de
governar se fragilizam a cada semana. Nesse cenário, a vigilância
institucional, a reação de mercados e a resistência civil tornam-se
determinantes. Mais do que nunca, compreender esse processo não é apenas tarefa
de acadêmicos ou jornalistas, mas de toda sociedade que queira sobreviver à
tempestade informacional e política do século XXI.
Fonte do texto e ilustrações: Blog Código Aberto. Link: https://www.codigoaberto.net/