terça-feira, setembro 30, 2025

Em Campos, RJ, no ano de 2024, o nº de matrículas no Ensino Superior presencial se manteve estável, na faixa dos 17 mil universitários

Este blog, há quase duas décadas, publica a evolução das matrículas nas instituições de ensino superior no município de Campos dos Goytacazes, RJ e demais municípios fluminenses.

A extração e tabulação destes é uma tarefa muito trabalhosa e obtida da complexa "base de microdados" do Censo do Ensino Superior do Inep/MEC que, sistematicamente, vem sendo feita com exclusividade para este blog, pelo amigo e professor, José Carlos Salomão Ferreira do Instituto Federal Fluminense (IFF).

Os dados e indicadores publicados aqui, hoje, são referentes ao Censo do Ensino Superior 2024, junto com uma primeira análise, é uma contribuição do blog para demais pesquisadores, estudiosos sobre o assunto e autoridades públicas e recupera os dados históricos desde o ano de 2003.

Desde 2013, o total de matrículas presenciais no município de Campos dos Goytacazes vem estabilizado na faixa dos 17 mil universitários, em especial desde 2021 depois da Pandemia. Esse total já chegou a ser de 21 mil no ano de 2008 com 13 instituições, quando o número de bolsas universitárias das prefeituras era grande (com a fartura dos royalties) e o percentual de matrículas nas instituições privadas era de 78% do total.

A partir de 2020, passaram a ser apenas 11 instituições ofertantes de matrículas no ensino superior presencial em Campos dos Goytacazes, sendo 4 públicas e 8 privadas.

Abaixo a tabela com os números extraídos do Censo do Ensino Superior 2023 do Finep-MEC.


Nos anos de 2021 e 2022 (crise econômica nacional, redução dos royalties e Pandemia), as instituições públicas somaram um pouco mais matrículas que as instituições privadas: cerca de 51% x 49%. Porém, em 2023, as instituições privadas voltaram a ter mais matrículas no ensino superior presencial e isso se manteve em 2024, embora com números ainda próximos: 51,57% instituições privadas x 48,43%, instituições públicas.


Nº matrículas presenciais em 2024 nas instituições públicas e privadas em Campos,RJ

A instituição pública com maior número de graduandos segue sendo o Instituto Federal Fluminense (IFF) com 3.743 matrículas, seguido da UFF com 2.130 matrículas, depois Uenf com 2.012 matrículas e Isepam com 432 matrículas. A variação em relação ao ano anterior de 2023 foi muito pequena.

Entre as instituições privadas no município, a que possui o maior nº de graduandos é a Universo com 2.274 matrículas e não mais a Estácio como em 2023 que em 2024 passou para 1.719 matrículas, atrás ainda do Isecensa com 1.886 matrículas, número também abaixo das matrículas que teve em 2023. Foram seguidas da FMC com 1.049 matrículas, UCam com 970 matrículas e Uniflu com 897 matrículas e Faberj com 60 matrículas.

A maior perda de matrículas aconteceu no último ano na Estácio com menos 252 graduandos e o maior ganho de matrículas foi da Universo com mais 334 matrículas. Entre as instituições públicas, a maior perda de matrículas ocorreu no polo da Uenf, com redução de 124 estudantes, porém são variações pequenas que mostram uma estabilidade. Interessante observar que no todo do município de Campos, RJ, o número de matriculas presenciais em 2024, só teve redução de uma matrícula, caiu de 17.173 para 17.172 matrículas, as, o que reafirma a estabilidade nas instituições públicas.


Nº matrículas em EaD no ano 2024
 
Já no que se refere às matrículas na Educação à Distância (EaD) no município de Campos dos Goytacazes, praticamente, também, se estabilizaram: 11.956 matrículas em 2024 contra 12.047 matrículas em 2023. O salto se deu em 2022 quando as matrículas em EaD no município eram 9.864 estudantes.

No município de Campos dos Goytacazes, RJ, ao contrário do plano nacional, as matrículas presenciais no ensino superior são superiores em cerca de 30% às de Ead (17.172 presenciais x 11.956 EaD).


Pós-graduação, pesquisa e extensão

Há ainda que se registrar, como já tenho comentado nos levantamentos nos anos anteriores, que o ensino universitário deve ser sustentado no tripé: ensino, pesquisa e extensão, que deveriam funcionar de forma integrada, em que cada uma alimenta a outra. E neste caso, a pesquisa e extensão nas instituições privadas são irrisórias ou não existem. Em especial, a pesquisa, já que a extensão, existe com alguns esforços nesse sentido, em algumas das sete instituições privadas que funcionam em Campos, RJ. No caso de EaD a ausência da extensão e pesquisa é ainda pior.

Estima-se que as matrículas na pós graduação em Campos (especialização, mestrado e doutorado), anualmente, se situe na faixa de 4 mil estudantes pós-graduandos (maioria em especialização, mas com nº crescente de matrículas em mestrado e doutorado). Assim, é ainda possível afirmar que o município de Campos dos Goytacazes poderia ter um número total, entre matrículas presenciais, EaD e Pós-graduação em torno de entre 34 mil universitários. Um número bastante expressivo e que se reflete de alguma forma na economia local e regional.

Em termos regionais, identifica-se que há quase duas décadas, o município de Campos dos Goytacazes se consolidou como o maior polo de educação superior no interior do ERJ, fora da região metropolitana, embora na última década, se observe que municípios próximos tenham também se estabelecidos como polos universitários, mesmo que num patamar menor: Macaé com cerca de 8 mil matrículas; Itaperuna com aproximadamente 7 mil matrículas, praticamente, empatada com Cabo Frio na faixa das 7 mil matrículas.

Para concluir, vale ainda ressaltar que a expansão regional dos polos de educação superior amplia a expressividade dos números de universitários em Campos dos Goytacazes e também a importância do potencial de qualificação dessa parte do território fluminense que inclui as regiões Norte, Noroeste e Baixadas Litorâneas.

Em todo o estado, houve um crescimento de matrículas presenciais de cerca de 2,3% e em EaD de 5%. Em todo o ERJ, as matrículas presenciais são quase o dobro das matriculas em EaD. A seguir faremos outra postagem com os dados de matrículas presenciais e em EaD em todos os 92 municípios fluminenses.

Referências:

[1] Postagem do blog em 1 de novembro de 2024. Em 2023, Campos,RJ se mantém com 17 mil matrículas no ensino superior presencial, mas somado à Educação à Distância (EaD), chega a quase 30 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2024/11/em-2023-camposrj-se-mantem-com-17-mil.html

[2] Postagem do blog em 23 de outubro de 2023. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em cerca de 17 mil, em 2022 em Campos, RJ. Somado à EaD chega a 27 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2023/10/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[3] Postagem do blog em 1 de novembro de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 4% em Campos, RJ, mas com ligeiro aumento nas instituições públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/11/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[4] Postagem do blog em 18 de abril de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 5% em 2020, em Campos, RJ. Porém, somado à EaD chegam a 25 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2022/04/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[5] Postagem do blog em 22 de setembro de 2019. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em Campos nos últimos 4 anos: percentual aumenta nas públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2019/09/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[6] Postagem do blog em 23 de setembro de 2018. Apesar da crise, as matrículas no ensino superior em Campos se estabilizam em 20 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/09/apesar-da-crise-as-matriculas-no-ensino.html

[7] Postagem do blog em 11 de novembro de 2017. Censo do Ensino Superior 2016: Campos com 19,8 mil universitários. E a qualidade? Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/11/censo-do-ensino-superior-2016-campos.html

[8] Postagem do blog em 8 de dezembro de 2017. Entre 2003 e 2016, as matrículas no ensino superior no ERJ cresceram 36%. Nas instituições públicas cresceram (82%). Mais de três vezes que (25%) o crescimento nas instituições privadas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/12/entre-2003-e-2016-as-matriculas-no.html

[9] Postagem do blog sobre o Censo nos anos anteriores. Em 23 nov. 2016.
Campos aumenta nº estudantes no Ensino Superior para 19,3 mil matrículas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/11/campos-aumenta-n-estudantes-no-ensino.html

[10] Postagem do blog em 1 de mar. 2016. Campos possui 18 mil alunos no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/03/campos-possui-18-mil-alunos-no-ensino.html

[11] Postagem do blog em 18 de ago. de 2015. Ensino superior em Campos perde 4 mil matrículas em 5 anos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/08/ensino-superior-em-campos-perde-4-mil.html?m=1

[12] Postagem do blog em 31 jul 2015. Campos tem 17,1 mil alunos matriculados no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/campos-tem-171-mil-alunos-matriculados.html

sábado, setembro 27, 2025

A profunda conexão da extrema-direita com o crime organizado no Brasil

Impressiona como vai ficando clara a profunda relação entre a extrema-direita, as milícias, a corrupção - com participação de agentes e frações do Estado e da segurança pública - e o crime organizado, em várias dimensões e escalas. Desde a base ao topo da pirâmide que envolve rede de empresas, mas em especial o circuito financeiro com atuação de pessoas e técnicos com grande experiência nesse mercado. E também não quer dizer que toda a extrema-direita estaria envolvida nos crimes, mas tá claro que parte dela se cruza com o PCC. O aprofundamento das investigações tem clareado as relações.
 
A forte e precisa ação do governo federal, PF, RF e do MPF têm sido impecável, em alguns casos com ajuda das polícias estaduais, em outros, com oposição delas e em especial dos governadores.


O passo seguinte e indispensável é a aprovação do projeto legislativo (PEC 18/2025) do governo federal para regulamentar o sistema único de segurança pública (SUSP). 

Até a mídia corporativa já passou a entender e defender a importância do projeto para se avançar no combate contra o crime organizado que lançou seus tentáculos sobre a economia legal, algumas igrejas e para a política partidária no legislativo, executivo e mesmo sobre frações do judiciário nos seus três níveis.

Os dados sobre as investigações e operações são impressionantes, não apenas sobre o volume de recursos e extensão das áreas de atuação, mas sobre a participação de diferentes agentes, em especial do alto circuito financeiro que incluem desde administradoras de fundos e das fintechs (bancos digitais e tecnológicos). Trata-se de conexões em muitos casos transnacionais que vão bem além de nossas fronteiras.
 
Lá atrás, em 2019, quando pesquisei e escrevi, o livro sobre "A 'indústria' dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo", eu já chamava a atenção sobre os recursos que circulavam no esquema paralelo, mundialmente conhecido como "shadow bank" (banco sombra). 

Além disso, já era possível perceber o quanto era difícil e opaco acompanhar os movimentos de alguns destes fundos financeiros. Sabia-se, com alguma facilidade, onde os fundos investiam (a divulgação atraía mais investidores e, assim, ampliava o processo de capitalização), mas não se sabia a origem e os proprietários destes dinheiros.

Pois bem, essas investigações indicam algumas destas pontas de novelo que estavam encobertas.
 
Evidentemente, não quer dizer que todo o setor financeiro estaria metido nesses esquemas, mas seria estranho que no Brasil, o crime organizado não estivesse presente entre as gestoras de fundos financeiros que agora em 2025, já administram ativos da ordem de R$ 10,4 trilhões (referência do dia 23/09/2025), segundo dados recentes da Anbima, associação privada que acompanha o mercado de capitais.


PS.: Anexo. Infográfico sobre áreas de atuação internacional do crime organizado na leitura da Fundação Heinrich Böll do Brasil que analisa também as formas de crime e os setores atingidos ligados à produção de carbono com reflexos sobre o clima no Brasil. Veja aqui, uma postagem dessa fundação com o título "A última fronteira: O crime organizado transnacional e a luta contra as mudanças climáticas".

quarta-feira, setembro 24, 2025

Um século depois pergunta-se: há relações entre o Reichstag e a Casa Branca?

A economia e a política sempre andaram juntas apesar de alguns negarem aquilo que é chamado de economia política. Nessa linha, tentando entender fragmentos dessa relação em momentos importantes para a nossa civilização, eu acabei chegando ao pequeno-grande livro A ordem do dia do escritor francês, Éric Vuillard, que li num dia e meio.

A razão da leitura - para a qual sugiro e estimulo -, se deu por conta da curiosidade sobre os bastidores de um dos dois dos momentos-chave da 2ª GGM na opinião do autor: o apoio dado por vinte e quatro dos maiores industriais da Alemanha a Hitler, numa reunião no dia 20 de fevereiro de 1933, no palácio do presidente do Reichstag (parlamento alemão) que é contada em detalhes na publicação.

O segundo momento narrado no livro é o da anexação da Áustria ao Reich que vai se dá só em 1938, depois de muita submissão, traições e atropelos. Ao final, o autor junta os dois momentos para fechar o livro de forma impactante.

A reunião com os industriais foi a razão maior do meu interesse. Uma reunião que foi coordenada pelo presidente do Reichstag, Hermann Goering e teve a presença de Hitler. O principal ponto da pauta foi um pedido de doação aos industriais para a organização de uma próxima campanha eleitoral para "conquistar o poder por completo" nas palavras de Hitler aos empresários. Tudo depois da Grande Depressão de 1929.

O autor cita os vinte e quatro industriais e empresários presentes na “reunião secreta”: Gustav Krupp, Albert Vögler, Günter Quandt, Friedrich Flick, Ernst Tengelmann, Fritz Springorun, August Rosterg, Ernest Brandi, Karl Büren, Günther Heubel, Geog von Schnitzler, Hugo Stinnes Jr, Eduard Schulte, Ludwig von Winterfeld, Wolf-Dietrich von Witzleben, Wolfang Reuter, August Diehn, Eric Fickler, Hans von Loewenstein zu Loewenstein, Ludwig Grautert, Kurt Schmitt, August von Finck e o doutor Stein.

Como diz o autor, esses vinte e quatro empresários não precisavam ser identificados pelos seus nomes da certidão de nascimento, mas se chamam BASF, Bayer, Agfa, Opel, IG Farben, Siemens, Allianz, Telefunken etc. “Nós os conhecemos muito bem. Eles estão lá no meio de nós, entre nós. São os nossos caros, nossas máquinas de lavar, nossos produtos de entretenimento, nossos rádios-relógios, o seguro da nossa casa, a bateria do relógio de pulso. Estão lá em todos os lugares, sob a forma de coisas. Nosso cotidiano é deles. Eles cuidam de nós, nos vestem, nos iluminam, nos transportam pelas estradas do mundo, embalam nosso sono. E os vinte e quatro homens presentes no palácio do presidente do Reichstag, neste 20 de fevereiro, não passam de mandatários, o clero da grande indústria. São os sacerdotes do deus Ptá. E se mantêm lá impassíveis, como vinte e quatro máquinas de calcular nas portas do inferno”.

Na descrição da “reunião secreta”, Vuillard perfila detalhes das indumentárias, dos movimentos pessoais, suas silhuetas, corredores, escaderias, salões e equipamentos do palácio. O verniz da história me levou a imaginar, uma reunião similar do Trump e a primeira-dama, realizada, há poucos dias, na Casa Branca com os CEOs das Big Techs americanas, conforme notícia de jornal deste domingo, que posto junto da capa do livro como ilustração a esse texto. Não há como não fazer essa comparação, distante no tempo exatos 95 anos, quase um século.

 

Da reunião-secreta no Reichstag em 1930 à santa-ceia na Casa Branca em 2025

A “Santa Ceia” (jantar) de Trump aconteceu na noite de 4 de setembro de 2025, na Casa Branca, reuniu controladores e os CEOs de grandes corporações de tecnologia e teve a presença de Bill Gates e Satia Nadella (Microsoft); Mark Zuckberger (Meta/Facebook) e Alexandr Wang (Meta e ScaleAI); Sam Altman (OpenAI/ChatGPT); Tim Cook (Apple); Sundar Pichai e Sergey Brin (Google/Alphabet); Safra Catz (Oracle); Lisa Su (AMD); David Limp (Amazon - Blue Origin) e outros executivos do Silicon Valley, mais a primeira dama Melanie Trump. 

O número de empresários nessa reunião foi menor do que os vinte e quatro da reunião com Hitler, cerca de quinze, embora esses possuam hoje um controle sobre maiores oligopólios deste setor transversal que atinge todos as demais áreas da economia e da vida em sociedade. A reunião na Casa branca que não foi secreta, mas teve na parte divulgada da agenda, não as doações para a posse de Trump (já definidas), mas investimentos dessas corporações nos EUA.

Matéria Estadão em 21-09-25, p.B12.

O restante dos assuntos, certamente, precisaremos de tempo para conhecer, como foi no caso do Reichstag alemão em 1930. Atualmente esses executivos já verbalizam abertamente que "têm se beneficiado ao trabalhar com Trump", como aconteceu, lá atrás, há 95 anos, quando os industriais se aliaram a Hitler, conforme veremos adiante.

Hoje, os controladores das corporações de tecnologia americana, querem mais apoio para impedir que haja regulação sobre sua atuação seja nos EUA, na Europa, no Brasil e/ou no restante do mundo. Juntos, Trump e os controladores das Big Techs americanas, afirmam, repetidamente, que a disputa principal é para ganhar a guerra contra a China, em especial no campo da Inteligência Artificial (IA), num esforço final de manter a hegemonia e o império estadunidense.

De forma similar, em 1930, estavam no palácio do Reichstag, os donos das indústrias [não os acionistas-controladores das atuais gigantes corporações de tecnologia]. Vuillard, autor do livro afirma, textualmente, que os vinte e quatro estavam no “nirvana da indústria e das finanças” naquele exato momento anterior à reunião, quando os empresários aguardavam as duas maiores autoridades alemães. Depois, o autor segue descrevendo em detalhes o encontro e o pós-reunião do dia 20 de fevereiro de 1930.

Nesta reunião de 1930, Goering fala aos industriais alemães sobre a campanha eleitoral de 1932, falando sobre temas que hoje nos EUA também seriam atuais: "era preciso acabar com a instabilidade do regime e que a atividade econômica exige calma e firmeza, para o quê os vinte e quatro senhores balança religiosamente a cabeça... e se o partido nazista conseguir a maioria, acrescenta Goering, estas eleições serão as últimas pelos dez anos seguintes; até mesmo – acrescenta com uma risada – por cem anos. Um movimento de aprovação percorreu o ambiente... Hitler estava sorridente, descontraído, nada do que imaginavam, afável, sim, até amável, bem mais do que teriam acreditado. Houve para cada um, uma palavra de agradecimento, um aperto de mão vigoroso... O cerne da proposta era acabar com um regime fraco, afastar a ameaça comunista, suprimir sindicatos e permitir que cada patrão fosse um Füher em sua empresa. O discurso durou meia hora. Assim que Hitler se retirou, o presidente do Reichstag, Goering, tomou a palavra e disse que para fazer a campanha que se avizinhava era preciso dinheiro e o partido nazista não tinha um tostão. Um dos 24 senhores presentes se levantou, sorriu para a assembleia e proferiu: - E agora senhores, ao caixa! Assim, os industriais molharam as mãos com ajudinhas centenas de milhares de marcos”.

A aliança entre o poder econômico e o político deixam rastros em diferentes tempos

A relação entre o poder econômico dos industriais e o poder político alemães não se deu apenas no financiamento de campanha como se pode imaginar. Para não me estender demais com mais spoilers sobre o livro, eu vou ao seu final, quando Viullard cita como algumas das facilidades oferecidas por Hitler e pelo o Reich aos industriais alemães em troca das “esmolas do financiamento de campanha”.

Em ato de desespero, Gustav Krupp, um dos vinte e quatro industriais, na primavera de 1944 tem visões. Em seu palácio na Vila Hügel, quando “os exércitos alemães recuavam de todos os lugares, abandonando as áreas e se mudando para as montanhas, longe de Ruhr, em Blühnbach, lá onde as bombas não os atingiriam, na paz fria e branc... num quase delírio, em meio a um “silêncio de anos e sucumbido a uma imbecilidade sem retorno Krupp resmunga medroso junto ao filho e esposa que estaria vendo pessoas rastejando na escuridão do canto da sala”.

O autor Éric Viullard diz que “não eram os fantasmas da Vila Hügel que o congelavam de medo, eram homens de verdade, com rostos de verdade que o encaravam com olhos enormes de figuras que saíam das trevas... eram dezenas de milhares de cadáveres, os trabalhadores forçados, aqueles que a SS tinha fornecido para as suas fábricas... durante anos ele tinha alugado deportados em Buchenwald, em Flossenbürg, em Ravensbrück, em Sachenwald, em Auschwitz e em muitos outros campos. A expectativa de vida deles era de alguns meses. Se o prisioneiro escapava das doenças infecciosas, morria literalmente de fome. Mas Krupp não foi o único a alugar tais serviços. Seus comparsas da reunião de 20 de fevereiro aproveitaram também, atrás das paixões criminais e das gesticulações políticas, seus interesses se encontravam. A guerra tinha sido rentável. A Bayer arrendou mão-de-obra em Mauthausen. A Bayer contratava em Dachau, em Papenburg, em Sachsenhausen, em Natzweiler-Strutholf e em Buchenwald. A Daimler, em Schirmeck. A IG Farben recrutava em Dora-Mittelbau, em Gorss-Rosen em... e explorava acfábrica gigantesca no campo de Auschwitz: a IG Auscwitz, que com todo cinismo colocou esse nome no organograma da firma. A Agfa recrutava em Dachau. A Shell, em Nuengamme. A Schneider, em Buchenwald... A Telefunken, em Gross-Rosen e a Siemens, em Buchenwald, em Flossebbürg, em Neuengamme, em Ravensbrück, em Gross-Rosen e em Auschwitz. Todo mundo aproveitando mão-de-obra muito barata. Não é, portanto, Gustav Krupp que alucina nessa noite, no meio de sua refeição em família...”

Por tudo isso vale a pena ler esse livro do Éric Viullard, que parece importante para intuir os movimentos atuais nos palácios em 2025. É possível que a relação seja um exagero, porém, se a observarmos como alerta, veremos que o relato seja não apenas atual, mas útil, porque o passado sempre tem muito a nos ensinar, se desejamos um destino diferente de outrora.

A prosa da descrição de Viullard é muito precisa, cheia de detalhes, crua, direta, irônica, dura e sem rodeios. Acima de tudo considero ainda mais impactante quando se relaciona e se compara com a “Santa Ceia” do 4 de setembro de 2025, na Casa Branca, em especial, quando penso na precarização atual da mão-de-obra dos entregadores, morrendo no trânsito ou durante a Covid, como os famintos trabalhadores forçados de Auschwitz.

Aqueles trabalhadores produziram e eniqueceram a Bayer, Shell, Daimler, Siemens, etc. Hoje, os entregadores atendem à Amazon e outras gigantes corporações-plataformas digitais que vampirizam nossos dados e vasculham nossas vidas, hipersonalizando possíveis desejos de compras em diferentes lugares do mundo ou auxiliando os golpes políticos de controle sobre o poder de outras nações.

Enfim, encerro voltando à pergunta do título: há ou não relação entre a reunião de 1930 na Reichstag na Alemanha e a de 4 de setembro de 2025, na Casa Branca nos EUA? O que se pode aprender com esses casos?


PS.: Atualizado às 13:44 e 14:00 de 25/09/2025: Para ajustes e acréscimos. A partir de alguns comentários sobre esse texto da postagem nas redes sociais, eu me lembrei de comentar sobre outro livro. Também importante e que trata do mesmo tema e vai nessa mesma linha de investigar as relações entre os industriais e financistas alemães e o Terceiro Reich. Me refiro ao livro do David de Jong "Bilionários nazistas: a tenebrosa história das dinastias mais ricas da Alemanha" que creio já houvesse feito algum comentário sobre ele nesse espaço. Abaixo vou postar os textos de apresentação do livro (orelha e contracapa) onde há também recomendações de leitura que sugerem a necessidade de interpretar e relacionar os fatos à realidade contemporânea.

A história do nazismo na Alemanha é inseparável das biografias dos industriais e financistas que ajudaram Adolf Hitler a conquistar o poder absoluto e lucraram milhões com as atrocidades do Terceiro Reich — são nomes como os Von Finck, Porsche, Oetker e Quandt. Aduladores e inescrupulosos, eles ampliaram seus impérios através do roubo de propriedades judaicas e da exploração do trabalho forçado de vítimas da barbárie nazista, além da fabricação de armas e munições. A brandura do julgamento de seus crimes no pós-guerra possibilitou a continuidade de suas dinastias empresariais, cujos herdeiros acumulam fortunas e administram marcas mundialmente famosas até hoje, como Volkswagen, Dr. Oetker, BMW e Allianz. E por que, depois de tantas décadas, eles ainda estão fazendo tão pouco para reconhecer os crimes de seus antepassados?

Debruçado sobre milhares de documentos e fontes originais, além de abrangentes pesquisas historiográficas, o jornalista e historiador David de Jong — holandês de origem judaica — disseca as origens obscuras das fortunas multiplicadas a ferro e fogo entre 1933 e 1945. Neste livro, seu trabalho de estreia, o autor faz um chamado ao resgate da memória do genocídio nazista, tarefa primordial em tempos de ressurgência do extremismo antidemocrático.

"O desafio, como De Jong nos lembra, é reatualizar essa história para continuamente encontrar novas maneiras de trazê-la para o presente." — Adam Tooze, Professor de história da Universidade de Columbia e diretor do European Institute.

Depois de ler este livro você nunca mais dirigirá um Volkswagen, fará um seguro residencial com a Allianz ou comprará uma pizza Dr. Oetker no mercado sem um certo mal-estar. De Jong, com o talento do bom jornalista que é, permite que os fatos falem por si mesmos. E nos deixa impressionados com o poder da ganância". — The Daily Telegraph.

"Com seus relatos meticulosamente construídos de indivíduos e famílias alemãs, incluindo judeus que foram expropriados, Bilionários nazistas sugere que até hoje as reparações dos lucros que alguns colheram em uma era de horror não foram feitas." — Samuel Moyn, professor da Universidade de Yale.

"O fato de algumas das maiores fortunas da Alemanha estarem profundamente entrelaçadas com as ignomínias do Terceiro Reich deveria ser muito mais conhecido — e, graças a este livro, será." — Bradley Hope, New York Times, autor de Billion Dollar Whale.

quarta-feira, setembro 17, 2025

O uso intenso da digitalização e IA explica e reforça a hegemonia financeira que a sustenta

Atualmente, oito em cada dez bancos no Brasil, já usam IA generativa em suas operações, onde essa ferramenta desempenha um papel que deve ser interpretado como estratégico.

 Pesquisa Febraban Tecnologia Bancária - Slide 15/53.

Os usos da GenAI no setor bancário são os mais diversos, como pode ser visto no quadro ao lado extraído da pesquisa da Febraban sobre tecnologia bancária. Desde o atendimento ao cliente em substituição ou complemento ao gerente de conta, desenvolvimento de novos sistemas, marketing, comunicação, segurança, etc.

Esse é apenas um simples exemplo empírico da investigação que venho desenvolvendo sobre os elementos que comprovariam a intensa relação e o imbricamento do setor financeiro com as plataformas digitais (para além do financiamento). A hipótese é que o setor financeiro (e bancário) é o precursor da chamada "transformação digital" que nos dias atuais já se espalhou para a maioria dos demais setores.

Mesmo com o gigantismo das corporações de tecnologia (Big Techs), reafirmo, com base também no caso empírico brasileiro, o que afirma o amigo pesquisador, Edmilson Paraná, em um de seus artigos: “todos os movimentos saem de Wall Street para o Vale do Silício e não o contrário”.

Sim, trata-se de um fenômeno que é global, mas não se pode desconsiderar que o Brasil possui uma história singular e importante nessa área, na medida em que o setor financeiro nacional, por muito tempo serviu de exemplo e ainda hoje é referência para outros países naquilo que há quase quatro décadas se chamou de “informatização bancária”.

 

A evolução (linha do tempo) da informatização/digitalização do setor financeiro no Brasil

A informatização bancária é um movimento que no Brasil vem desde a década de 80, quando vai para além dos centros de processamento de cheques dos bancos e chega ao lançamento do 1º caixa eletrônico. Na década de 1990, tem-se a emissão dos primeiros boletos; em 1995 a implantação do Internet Banking, depois os aplicativos, as fintechs ... até chegar ao Pix, lançado em novembro de 2020, pelo Banco Central, que em maio de 2025, já tinha chegado ao colossal número de 175,4 milhões usuários, sendo 160 milhões de usuários de Pessoas Físicas (CPF) e 15,4 milhões de Pessoas Jurídicas (CNPJ.

No Brasil, o Mobile Banking, com uso dos celulares para relacionamentos e transações financeiras, já abrange quase a totalidade dos incluídos no sistema bancário. Segundo a mesma pesquisa, 90% das transações já são feitas por plataformas móveis, num quantitativo que soma a mais de 200 bilhões de transações, não apenas no Pix, embora esse seja maioria, com recorde diário de 191 mil transações por minuto segundo o Banco Central, número bem superior às transações dos cartões, embora parte delas em Pix feitos com QR Code das maquininhas. Nenhum outro setor da economia vive tão intensa transformação digital quanto o setor financeiro. Nem no Brasil e mesmo no mundo.

Esse uso intenso dos mecanismos móveis dos celulares e aplicativos não acontecem só com os bancos, mas com todas as empresas do setor financeiro, incluindo as gestoras e administradoras de fundos de todos os tipos e tamanhos.

Grandes fundos não operam decisões sem análises de riscos e/ou modelagem com uso digital e de IA para analisar performance de empresas onde buscam participações em ações, ou ainda em suas análises preditivas de câmbio e juros. O gigante fundo americano BlackRock trabalha, a nível global, com a sua plataforma Aladdin na administração do inigualável patrimônio de US$ 12,5 trilhões, superior ao PIB de maioria das nações do planeta.


Uso crescente e ampliado da tecnologia digital nas finanças

Nesse processo de intensificação do uso das tecnologias digitais, a implementação da IA nos bancos e setor financeiro como um todo, estão avançando enormemente com o uso de redes neurais, aprendizado de máquina, biometria, tratamento e análise de dados, chatboots, robôs, etc. Eles servem entre outras coisas para análise de riscos, detecção de fraudes, cibersegurança, hiperpersonalização de ofertas de negócios financeiros, seguros, etc.  

Assim, é possível intuir que a utilização mais intensa da Inteligência Artificial (IA) no setor financeiro - e ainda da IA generativa (GenAI) - parece nos oferecer pistas sobre como essa nova tecnologia digital da IA que usa intensivamente dados, algoritmos, aprendizado profundo de máquinas e as estatísticas para interpretar situações no setor financeiro, podem estar dirigindo os caminhos também para a indústria, comércio e os vários tipos de serviços digitalizados que observamos.

Nessa linha, a interpretação é que a relação imbricada entre tecnologia e finanças vai muito para além do simples financiamento e do controle creditício e acionário de um setor sobre o outro. Na verdade, esse movimento das finanças para a tecnologia e desta para todos os demais setores, em que essas duas frentes atuam, de forma transversal e na maior parte do tempo, de forma livre e desregulamentada.

 

A questão não é o uso da digitalização, mas a direção, o controle e quem são os ganhadores ou perdedores

Observando o processo histórico dessa relação no Brasil e no mundo, qualquer um pode identificar, que a tecnologia não é o problema per si. Esse desenvolvimento tecnológico trouxe vantagens e desvantagens. Trouxe empregos e desempregos, embora em diferentes setores. Produz continuidades e descontinuidades. Trouxe comodidades e mudanças na forma como vivemos, aprendemos, realizamos compras, contratamos e somos atendidos nos serviços, pagamos as contas e interagimos socialmente em comunidades etc. O grande problema é saber a quê e a quem tudo isso serve? Saber principalmente quem mais ganha com todos esses avanços que tem concentrado mais renda e ampliado ainda mais as desigualdades.

Por tudo isso, entender onde tem origem esse processo e como ele se desenrola parece um diagnóstico importante a ser destrinchado, num momento em que todos nós já descobrimos a importância dos nossos dados, não apenas para a nossa privacidade, mas também para ganhos em escalas de poucas corporações que se tornam gigantes no centro do capitalismo.

Os chineses compreenderam e expuseram no seu Plano IA+ que os dados devem ser vistos como fator de produção e e devem estar a serviço do coletivo e do comum, além de servir para impulsionar a transformação digital e a modernização econômica. Porém, transpor esse princípio para a prática é algo mais complicado e exige outras dimensões de intervenção.

Temos visto esse problema, que, na verdade, se trata de um dilema, em todo o mundo. Praticamente todos os países do Ocidente sofrem hoje uma potente e reacionária onda e pressão contra seus Estados, ao entenderem ser indispensável a definição e o estabelecimento de marcos legais e regulatórios com regras sobre a tecnologia digital e sobre o uso das plataformas digitais de todos os tipos, desde o convívio entre pessoas, negócios até as relações de poder.

Diante desse quadro, penso, junto com muitos outros, que da mesma forma que lutamos no passado para que, paulatinamente, pudéssemos garantir os direitos sociais mínimos, desde o trabalho diário, hoje, não será sem luta que os direitos digitais serão também conquistados e garantidos para além da privacidade dos nossos dados.

O objetivo deve ser evitar a ampliação ainda maior da já colossal concentração de renda e as ameaças do neofascismo e da barbárie e, em defesa de relações mais humanas, solidárias e de uma vida sobre o prisma da coletividade e do comum.

sábado, setembro 13, 2025

Ao fim do 1º sem 2025 dívida da Prumo (Porto do Açu) chega a R$ 14,1 bilhões com US$ 2,4 bi de movimentação de cargas e lucro de R$ 142 milhões

A holding Prumo Logística Global que controla o Porto do Açu (RJ) e é controlada pela gestora do fundo financeiro americano EIG Partners (EIG Global Energy Partners) fechou o primeiro semestre de 2025 com uma dívida de R$ 14,1 bilhões, diante de uma movimentação de cargas no valor FOB em dólar de US$ 2,410 bilhões (25% maior que 2024 que foi de US$ 1,918 bilhão); receita no semestre de R$ 950,7 milhões (28,9% maior que 2024 que foi de R$ 741,4 milhões) e um lucro também semestral de 142,7 milhões. Portanto um crescimento naul expressivo em movimentação de cargas, receitas e lucros entre 25% e 30%.

A gestora estadudinense de fundos EIG Global Energy Partners (EIG Asset Management) controladora da Prumo opera desde 1982, atua hoje em 6 continentes e 44 países, controla 420 companhias e tem participação de US$ 51,3 bilhões em ativos em todo o mundo. Em 2013, quando da derrocada de Eike, por conta dos investimentos na sua empresa de petróleo OGX, a EIG Partners injetou uma quantia em recursos e ficou com o controle da empresa LLX companhia de logística Eike Batista e logo depois trocou o nome da companhia para Prumo Logística Global que, a seguir, se transformou num grupo (holding) com várias empresas subsidiárias entre elas o Porto do Açu (PdA).

 

1 - Da gênese da LLX à Prumo dos dias atuais

Em 2014, o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Mubadala, que tinha um crédito de US$ 2 bilhões com a holding EBX, ficou com as ações da LLX que restavam com o empresário Eike Batista. Cinco anos depois, em 2028, a Prumo fechou o capital e saiu da Bolsa de Valores, adquirindo as ações dos investidores minoritários tendo como principal ativo o Porto do Açu e empresas coligadas.

Mesmo acompanhando menos assiduamente os últimos movimentos relativos ao empreendimento do complexo logístico portuário industrial do Açu (antes chamado de Clipa), venho anualmente comentando sobre os valores relativos à movimentação de cargas (exportações +/- 90% e importações de cerca de 10%) do empreendimento do Açu.

Foto de Ricardo Stuckert / PR em 28 jul. 2025.

Agora em 2025, o complexo logístico portuário do Porto do Açu atua com dois principais terminais: T1 (offshore onde exporta petróleo e minério de ferro); T2 (onshore onde operam o apoio offshore com o terminal de apoio offshore da americana Edson Chouest, o TMULT, terminal multicargas e vários outros terminais de empresas. No total são 11 terminais e 28 empresas instaladas no complexo.

No espaço de 90 Km² de área disponível para instalações industriais, energia e outros negócios, há duas unidades de geração termelétrica da GNA (I e II) e vários projetos de negócios, embora ainda hoje não mais que 10% de toda a área comprada e desapropriada violentamente de pequenos produtores do antigo 5º Distrito de São João da Barra. 

A maior movimentação (disparada) de cargas do Porto do Açu é de petróleo (cerca de 40% das exportações brasileiras) efetuada no terminal T-Oil para cerca de 8 diferentes petroleiras, além da Petrobras e minério de ferro para a mineradora Anglo American. Petróleo e minério ficam com cerca de 75% de toda a movimentação portuária de cargas.

Em outubro próximo, o Porto do Açu (PdA) completa 11 anos de atividades de movimentação de cargas iniciada em 2024, com as exportações de minério de ferro, através da joint venture Ferroport, formada entre a Prumo e a mineradora Anglo American (corporação inglesa-sul africana).


2 - Região como mero “território de passagem”

Nesse período de pouco mais de uma década, continuo afirmando que, majoritariamente, a região do Norte Fluminense que concedeu o espaço litorâneo para instalação do empreendimento do complexo do Açu, com características de Cadeia de Valor Global (CVG) Açu, segue como uma espécie de “território de passagem” de uma colossal riqueza que circula por aqui (quase R$ 40 bilhões apenas no ano de 2024). Porém, agregando muito pouca coisa à região onde produz enormes impactos nem sempre identificados, como as violentas desapropriações, o avanço do mar no balneário de Barra do Açu (impacto previsto desde o EIA-Rima), sobre o trânsito, embora também gere postos de trabalho (em quantidade bem menor que a divulgada na fase de operação após a construção dos empreendimentos) e a receita de ISS.

Essa condição a que tenho chamado de "território de passagem" é uma das características principais de um porto de 5ª geração como o caso do Açu com conexões na escala global (interligando pontos de uma cadeia de valor global - CVG). Até hoje o Porto do Açu incorpora pouco valor em atividades industriais, que seria do que foi estimado como um complexo logístico-industrial (ou Zona Industrial Portuária - ZIP ou MIDAs, Maritime Industrial Development Area) para uso da enorme retroárea de mais de 90 Km², fruto, como já foi dito, em boa parte, de centenas de desapropriações violentas, sobre pequenos produtores rurais, cuja maioria até hoje não recebeu suas indenizações que aguardam a definição dos processos judiciais. 

As exceções são as duas unidades de geração de energia elétrica (UTE) da GNA e a FMC-Technip com a produção de tubos flexíveis para uso nas instalações offshore das petroleiras para extração de petróleo. A geração de energia a gás pela GNA usa um terminal de GNL (Gás Natural Liquefeito) que hoje é importado dos EUA e atende à GNA-I que entrou em operação em 2021 com 1,3 GW de capacidade. Já a GNA-II foi inaugurada agora em 2025 com 1,7 GW de capacidade. Juntas, elas formam o maior complexo de geração de eletricidade a gás natural da América Latina, com 3 GW de capacidade total, que entram em operação, quando demandadas pelo sistema de energia elétrico nacional.

GNA-I e II e T2. Foto Ricardo Stuckert / PR 28 jul. 2025.

Outra exceção pode ser a do projeto, já licenciado e aguardando investidores para implantação, na produção de hidrogênio verde que concorre com dezenas de outros projetos semelhantes a nível nacional, a maioria também projetada junto a complexos portuários. A exceção de servir à industrialização pode acontecer porque os produtos podem ter também pode ter como destino, basicamente, a exportação de amônia e não ao uso em industrialização no distrito industrial do porto, mantendo a atual característica de um porto de movimentação de cargas e riquezas de cadeias de valor global (CVG), sem gerar aquilo que os economistas chamam de externalidades dessa importante infraestrutura portuária do Açu, no Norte do Estado do Rio de Janeiro.

 

3 - Novos negócios, a extraordinária dívida e a lógica da gestão de ativos dos investidores

A Prumo tem informado que até hoje o empreendimento no Açu em São João da Barra já se utilizou de cerca de R$ 22 bilhões de investimentos (US$ 4,1 bilhões) desde o início da construção do porto, em 2008, e tem expectativa de investir outros R$ 20 bilhões nos próximos 10 anos.

A dívida financeira de R$ 14,1 bilhões tomados com empréstimos no Brasil (indexada pelo CDI e IPCA e spread médio de 15,6%) – e com emissão de debêntures (títulos privados) e no exterior (em dólar) é expressiva, mesmo considerando o porte do empreendimento.

É possível que, ao longo do tempo, essa dívida possa ser saudada em parte e/ou compartilhada com investimentos e divisão de sociedades com outros investidores estrangeiros, interessados em investir na infraestrutura logística brasileira, considerando o potencial de uso de nossos portos. Isso já vem acontecendo com os negócios de algumas das empresas subsidiárias da Prumo, como no caso da Vast Infraestrutura, companhia que faz transbordo de petróleo no T1 e teve 70% vendida para a empresa chinesa China Merchants Port, CMP.

Porém, o investimento em infraestrutura, normalmente, têm prazos de retorno mais longos e servem a corporações e fundos que também possuem interesses nas movimentações de cargas de outros de seus negócios e ativos. Nesse cenário, embora hoje a maioria dos investimentos e controle de negócios no Porto do Açu, sejam ligados a investidores dos EUA, tem sido a China a maior interessada nesses negócios portuários, infraestrutura e energia no Brasil, o que colocaria o empreendimento na mesma encruzilhada da disputa EUA x China, como elemento importante das atuais contendas geoeconômica e geopolítica global. O crescimento atual da economia do Brasil cria expectativas de comércio externo. Já uma eventual redução dos negócios globais e mesmo novos conflitos regionais, por outro lado, impactam negativamente o uso dos terminais portuários e poderiam afastar investidores.

Do ponto de vista da região, se observa como importa tão pouco os interesses regionais nas discussões sobre investimentos nesse grande investimento. Negócios são fechados entre corporações no plano global e a região assiste como se fosse a um programa de TV, sem perceber que muitas dessas decisões influenciam pesadamente a realidade sobre o nosso território.

Um exemplo apenas dessa última semana, a mineradora Anglo American, a primeira empresa a exportar pelo Porto do Açu, decidiu essa semana realizar uma fusão bilionária com a mineradora canadense Teck Resources criando uma gigante corporação do setor de mineração com sede no Canadá e negócios de ações em Londres. Em 2024, a Anglo American já tinha aprovado a venda de 15% da sua operação no Brasil, a Minas-Rio, para a Vale e tem sinalizado interesse em se voltar mais para a extração de cobre de olho na expansão da eletrificação mundo afora.

Negócios de infraestrutura logística tendem a se articular com corporações que atuam em cadeias de valor global, se importando menos com as questões locais e regionais, onde possuem capital fixo instalado no território. Vislumbram alta fluidez das suas cargas para ganhos em produtividade, contabilizando os ativos e nutrindo expectativas de grandes rentabilidades no menor prazo possível, dentro da lógica de gestão de ativos que interessa aos investidores cuja maioria nem sabe onde fica São João da Barra.