quarta-feira, dezembro 10, 2025

Sua internet e seus aplicativos estão mais lentos? Merdificaram nossa internet?

Eu faço essa pergunta há alguns meses aos amigos mais próximos? A maioria responde que sim e cita exemplos, informando ainda que isso independe das redes que utilizam. Internet fixa ou móvel. Com ou sem uso de wi-fi. Em diferentes pontos do Brasil e/ou no exterior.

Uma das explicações para isso é que os fluxos de internet aumentaram muito e isso se dá não apenas pelo aumento do nº de usuários, agora mais residual, mas pela ampliação de uso da internet (tempo de tela) ao longo do dia, quando são utilizados para mais finalidades e em diferentes países.

Grosso modo, a sensação é que o crescimento mais expressivo desses fluxos de dados se dão com a intensificação do uso da IA, seus chatbots ou LLM (modelo de linguagem, tipo Chat GPT, Gemini, DeepSeek, etc). O treinamento de máquina (deep learning, treinamento profundo) também para uso da IA ocupa enorme banda com captura de dados mais conteúdos para acesso aos dados armazenados e processados. 

Já há alguns estudos que identificam e trazem evidências de que o uso da IA traz prejuízos para a navegação e para a internet como um todo. Entre outros exemplos empíricos, eu identifiquei um pessoal dessa enorme captura de dados através dos acessos diários e vindos do exterior a esse blog. 

Nos dois últimos anos os acessos a esse blog pessoal se multiplicou por cinco ou seis vezes, alcançando médias entre 15 e 20 mil diárias, provavelmente, pela localização dos datacenters no exterior, para uso como conteúdo em treinamento de máquinas (machine lerning, ML) para uso em IA. É uma espécie de "arrastão de conteúdo" feito na web com uso de robôs de busca, a partir da pesquisa online realizada pelas plataformas de inteligência artificial.

Os usos das diferentes IAs, mais gerais e/ou específicas, com perguntas (prompts) e diálogos geram enorme fluxo entre os usuários e os datacenters usados pela plataformas de IA. Ao contrário do que normalmente se pensa, os datacenters não são iguais e não diferem apenas pelo porte ou tamanho.

Existem os datacenters que servem basicamente para armazenagem de dados (clouds, as famosas nuvens) e outros que servem para treinamento de máquinas que atendem às IAs (aprendizagem profunda ou deep learning, etc.) e seus chatbots. Eles trabalham com processadores e máquinas com altas capacidades de computacionais, porém, ambos, trabalham movimentando altos fluxos de dados que dialogam com programadores de algoritmos e com usuários de serviços digitais de diversos tipos, incluindo os chatbots de IA.

Atualmente, o ChatGPT da OpenAI tem cerca de 800 milhões de usuários no mundo (cerca de 50 milhões no Brasil, 3º maior usuário do mundo), enquanto o Gemini da Google (Alphabet) já alcançou cerca de 650 milhões. Centenas de milhões de usuários desses chatbots processam mais de 1 bilhão de consultas todos os dias. Assim, eles seguem crescendo, junto com outras IAs, tanto em número de usuários, quanto no tempo utilização, movimentando fluxos crescentes destes valiosos dados. 

Os dados seguem sendo capturados em diferentes atividades humanas, da natureza, das coisas, máquinas, etc. A dataficação é um processo que se situa numa camada acima da digitalização, onde os dados além de serem extraídos, são tratados, armazenados, treinados e circulam entre os usuários da tecnologia digital e os locais onde são armazenados e buscados para serem utilizados.

É nesse contexto que os dados se transformaram em commodities, em ativo e em capital. Dados como capital digital e como tal sua acumulação precisa sempre ser ampliada (assim como o capital), em seguidos ciclos de reprodução que leva a mais inovações e novos mercados. Daí a IA avança para IA Generativa (Gen AI), Super AI, etc. e esse processo ajuda a explicar o gigantismo de muitas corporações de tecnologia e também a intensificação dos fluxos de dados entre os datacenters e os usuários.

Cada vez mais infraestruturas digitais são exigidas. Mais datacenters, mais cabos submarinos, mais torres para internet móvel, redes para integrar as telecomunicações e assim manter a conectividade que é questão chave nesse processo. Porém, a velocidade de instalação dessas infraestruturas se dá em tempo bem menor do que a ampliação de uso delas cada vez com maiores fluxos.

Esse link (aqui da HE 3D Network Map) mostra um mapa em 3D com o fluxo de dados entre os datacenters circulando através dos cabos submarinos em todo o planeta. Não se trata de um mapa planificado e sim o próprio globo que pode ser girado para se ver os movimentos deles entre os países e os continentes, com destaques para as redes que são espinhas dorsais (back-bone) com maiores e mais densos fluxos. Clicando nos pontos é possível identificar os datacenters, sua localização, nome, propriedade e imagem do prédio físico, assim como as informações sobre os cabos submarinos ao redor do mundo.

São imagens que ajudam a superar a visão abstrata (chamada de virtual) sobre esses fluxos que estão instaladas no território, no mundo real e não nas nuvens (clouds). As imagens dão uma boa dimensão sobre esse frenético fluxo de dados em termos dos gargalos das infraestruturas digitais, intensificado com um maior uso da IA em todo o mundo. 

As IAs, mobilizam mais algoritmo e dados que uma simples busca. Para ilustrar apostagem postarei abaixo um breve vídeo dessa página do Mapa 3D para passar ao leitor uma ideia daquilo que o link oferece em termos de informações e de compreensão do fenômeno a que se está referindo.


Em síntese, nossa internet está ficando bem mais lenta. Não adianta ou adianta pouco pagar mais às operadoras por maiores velocidades de internet. O problema é mais geral. Aplicativos de bancos são um exemplo dessa lentidão e praticamente independe dos bancos. Os acessos a alguns sites jornalísticos também. Uns mais outros menos, porém na média, todos estão um pouco mais lento e parece que tendem a piorar, considerando que a implantação de novas infraestruturas se dão em velocidades menores do que a ampliação do uso. Até mesmo as redes (mídias sociais) aparecem mais lentas no carregamento de imagens e vídeos.


“Merdificação” da internet?

Essa realidade me fez lembrar o autor canadense Cory Doctorow, em seu recente livro: “Enshittification: Whyevething Suddenly Got Worse and What to Do About It” (Merdificação: por que tudo piorou de repente e o que fazer a respeito). Doctorw fala que tudo na internet em especial, as redes sociais, está ficando pior, em alguns casos bem pior. Os serviços por plataformas digitais, os mecanismos de buscas, etc.

O autor argumenta que as grandes corporações de tecnologia se tornaram cada vez mais poderosas, assim se aproveitam do crescente número de usuários que dependem de suas plataformas (plataformização de quase tudo) e passam a aumentar suas taxas de lucros e assim arrocham clientes e parceiros na busca por mais lucros, num universo oligopolizado e quase sem competição. O resultado é a merdificação, sic. O livro do Doctorw vale ser lido e seus argumentos analisados.

O fato é que cada e-mail aberto ou enviado, um clique de joinha, um breve comentário, foto ou vídeo postado, em sites, blogs, ou qualquer perfil das redes sociais, um download, etc. tudo isso gera fluxo no ritmo 24/7 (horas e dias por semana) e entopem as atuais infraestruturas digitais. Uma busca ou uma pergunta num chatbot de IA aflora o fluxo de dados.

Os investidores, capital de riscos e fundos junto com as Big Techs cada vez se mostram dispostas a colocar mais dinheiro, mesmo diante da ameaça do estouro da bolha de IA na construção de novos datacenters. Porém, apenas se transfere o gargalo que sai da infraestrutura digital e tem passado para a infraestrutura de energia elétrica que é necessária para alimentar esses Big Datas. As usinas geradoras de energia e linhas de transmissão não têm como ser construídas de uma hora para outra, mesmo que instaladas em quaisquer lugares do mundo onde possam, eventualmente, existirem “sobras energéticas”.

Tudo isso sem falar que onde há energia, mesmo que renovável, pode não haver água em volume suficiente para refrigerar esses gigantes parques de máquinas de computação (para programação algorítmica) e armazenagem de memória de dados, sem que as comunidades nativas sejam impactadas. Assim, parece que a merdificação vai se espalhando pelo território de forma integrada para além da internet, através dos sistemas interligados, que muitos se acostumaram (e mal) a chamar de ecossistema.

A digitalização, a dataficação e o avanço da tecnologia não são um problema per si. A tecnologia digital tem trazido inúmeras vantagens que a sociedade e as nações não querem perder, mesmo considerando que pouquíssimos países desenvolvem as tecnologias, controlam e disputam a liderança da IA nas fronteiras de seu desenvolvimento. Enquanto isso, outras nações têm se situado como contumazes consumidoras digitais, colonizadas e sem soberania.

Nessa ótica, imagino que vale observar que as duas nações líderes desse processo não se portam de maneira exatamente igual dentro do atual contexto. [Porém, isso exige análise mais ampla]. Assim, penso que nos interstícios desses sistemas, existem oportunidades e desafios para o Brasil e demais nações do Sul Global.

A questão é o nível de uso, as desigualdades de acesso e, principalmente, o controle desse sistema digital integrado, pelos maiores oligopólios da história da humanidade, que seguem exigindo liberdade para fazer o que querem, sem nenhuma regulação e/ou controle.

O avanço e o ciclo de desenvolvimento dessa nova onda tecnológica não são o problema per si. O nó górdio é o velho sistema desigual e combinado que merdificam as coisas, a natureza e as nossas relações sociais e políticas. O que se necessita para superar essa merdificação é bem mais que regulação, mas a luta por essa é o mapa do caminho digital, para usar outra expressão da moda e fechar esse artigo-análise.

domingo, dezembro 07, 2025

Economia Política da Tecnologia Digital no Brasil: extrativismo Hi-Tech das Big Techs

Uma análise um pouco mais detalhada sobre os dados das receitas, impostos e remessas ao exterior realizadas pelas Big Techs no Brasil, apontam para uma enorme extração de valor e transferência de renda e também de poder político realizada por essas gigantes corporações sobre o país.

A Google e a Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) obtêm cerca de 40% das suas receitas nos EUA, onde se localizam as suas sedes, mas lá que pagam aproximadamente 80% dos impostos, fora o que ainda pagam de dividendos e lucros aos seus acionistas (fundos e grandes investidores nos EUA).

Ou seja, nos demais países, onde conseguem 60% de suas rendas com usuários dos seus serviços, essas Big Techs pagam apenas cerca de 20% do total em impostos. E ainda reclamam das cargas tributárias dos países mundo afora.

Em matéria na FSP, publicada hoje (07 dez. 20250, p. A28), da jornalista Patrícia Campos Melo com título e subtítulo: “Big Techs enviam mais dinheiro ao exterior, mas tributação da remessa cai – Entre 2014 e 2024, grandes empresas de tecnologia passaram a enviar para fora mais de metade do que ganham no Brasil, faturamento bruto das plataformas cresceu 585%”, alguns dados reafirmam não apenas o tamanho da economia de dados e da tecnologia digital no Brasil, como um dos maiores mercados do mundo, como também expõem o tamanho da extração que realizam no país. [1]

Em 2024, as Big Techs alcançaram R$144 bilhões em receita bruta no Brasil e remeteram ao exterior o enorme valor de R$ 80,3 bilhões, equivalentes a 55% da receita, valor bem superior aos R$ 2,8 bilhões (atualizados e corrigidos) do que enviaram ao exterior há dez anos através em 2024. O pico em termos percentuais dessa remessa ao exterior se deu em 2023 quando chegou a 61,8% da receita bruta (e não a líquida que foi ainda bem maior.

Estudo encomendado à Consultoria LCA pelas próprias Big Techs, através da associação que representa a Amazon, Google e Meta no Brasil (Câmara Brasileira de Economia Digital), admite que recolhem apenas 16,4% de suas receitas brutas (não líquida) em tributos.

A matéria traz ainda infográficos com dados da Receita Federal sobre a evolução das receitas brutas totais das Big Techs entre 2014 e 2024, assim como das remessas de lucros enviadas ao exterior.



Através dele é possível identificar o valor de R$ 80,3 bilhões enviado pelas Big Techs ao exterior no ano passado (2024). Para se ter uma ideia desse volume de recursos, podemos ver que ele é aproximadamente igual ao valor dos investimentos federais do Brasil para o orçamento de 2026 (LOA) equivalente a R$ 85,5 bilhões. 

É um valor colossal, espantoso. Se tabularnos os últimos 5 anos (2020 a 2024), vê-se que as remessas enviadas ao exterior somam aproximadamente R$ 260 bilhões, quase U$ 50 bilhões, segundo dados da Receita Federal.

Trata-se de uma espécie de vampirismo digital ou um extrativismo Hi-Tech que essas gigantes corporações realizam sobre a economia de todo o país, considerando sua atuação transversal e transsetorial com amplo espectro de atuação.

Atualmente, as Big Techs têm a proteção política de Trump que exige “liberdade” e ameaça as nações que tentam regular e tributar justamente esses oligopólios americanos. 

Assim, essas gigantes corporações americanas que operam como plataformas-raiz, estabelecem o que temos chamado de dominação tecnológica que explica a formação desses maiores oligopólios da história da humanidade, articulados e controlados sob a lógica da hegemonia financeira em processos de assetização realizados pelas gestoras dos grandes fundos globais. Há que se impor limites para essa extração de valor.


Referência

[1] Folha de São Paulo. Patrícia Campos Melo em 07 dez. 2025, p. A28. Big Techs enviam mais dinheiro ao exterior, mas tributação da remessa cai – Entre 2014 e 2024, grandes empresas de tecnologia passaram a enviar para fora mais de metade do que ganham no Brasil, faturamento bruto das plataformas cresceu 585%. Disponível em:  https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/12/parcela-do-faturamento-das-big-techs-remetida-ao-exterior-aumenta-323-enquanto-taxacao-de-remessas-cai-73.shtml

segunda-feira, dezembro 01, 2025

Num único dia, infraestrutura digital do Pix tem 206 mil transações por minuto e movimenta 1,4% do PIB: finanças lubrificadas pela dominação tecnológica

A relação entre Finanças e Tecnologia é um "fator-chave" para entender o capitalismo contemporâneo. É uma relação cada vez mais densa e imbricada, que demanda uma colossal infraestrutura digital de datacenters, cabos, redes satélites, etc.

O discurso e a ilusão da virtualidade, desconectada do território, já passaram. O ambiente FiDigital, entre o físico da economia real e o digital, depende da conectividade das redes com fluxos de dados que circulam como commodities, criando novos mercados que ampliam os ciclos de reprodução.

O Pix como meio de pagamento e transferências digitais traz enormes facilidades. Hoje, segundo o Banco Central (BC), 90% das transações e movimentações financeiras são feitas por plataformas móveis. 

Em novembro de 2025, os usuários do Pix somavam 178 milhões entre pessoas físicas e jurídicas. Vale registrar que sem a internet móvel dos celulares esse percentual não teria avançado tanto. [Vide postagem anterior no blog: "O papel dos celulares na expansão do uso da internet, extração de dados e dominação tecnológica".] [1]

O recorde da última sexta-feira (28/11), divulgada pelo BC de 297,4 milhões de transações num único dia, equivale a 206 mil transações por minuto, que movimentou um total de R$ 166,2 bilhões, cerca de 1,4% do PIB. Tudo isso num único dia. [matéria do Valor, 01/12/2025, imagem ao lado] [2]

Se trata de uma fluidez colossal, em que o Pix facilita, supera o uso dos cartões e transações em dinheiro vivo, mas também lubrifica o capitalismo que segue se deslizando entre as finanças e a tecnologia digital.

Na mesma matéria do Valor, o Banco Central se refere ao instrumento do Pix como infraestrutura digital dentro dessa lógica da digitalização e Dataficação, na qual a demanda das finanças move a tecnologia digital e vice-versa: “O resultado é mais uma demonstração da importância do Pix como infraestrutura digital pública para o funcionamento da economia nacional”.

É oportuno observar como o ambiente FiDigital opera entre a digitalização da informação na movimentação financeira com a aquisição de bens e serviços e a materialidade da economia real. Os negócios operam entre a demanda para o consumo e a produção, com a circulação sendo realizada pela intermediação das plataformas digitais, no processo a que temos chamado de  “Plataformismo” como uma nova etapa do Modo de Produção Capitalista (MPC).

Tudo isso, sem abandonar as etapas anteriores, do Taylorismo/Fordismo e Toyotismo, que são ressignificadas, com controle maior e online do trabalho humano, e com ainda maior fluidez do processo de acumulação flexível das finanças digitalizadas.

Os bancos perderam receitas com as transferências grátis via Pix, intermediada pela infraestrutura do BC, mas ganharam com enorme inclusão digital e com a abissal quantidade de novos mercados, negócios e dados que essas informações financeiras das transações via Pix, lhes conferem.

Há muito mais a ser compreendido pelo potencial de transformações que a lubrificada relação entre finanças e tecnologia está produzindo no presente. O uso da Inteligência Artificial (IA), inclusive a GenIA (IA Generativa) que já é realizada desde 2017, de forma intensa por bancos, fintechs, gestoras de fundos financeiros e mercado de capitais, tem intensificado e acelerado esse processo.

Esse avanço da digitalização torna o setor financeiro não apenas o principal demandador e financiador das novas tecnologias e infraestruturas digitais, mas o maior beneficiário desta coevolução. Essa intensa relação explica, em boa parte, o avanço do processo de Dominação Tecnológica junto da Hegemonia Financeira, ou vice-versa. Uma não avança sem a outra no capitalismo contemporâneo.


Referências:

[1] Artigo no blog em 03 de novembro de 2025. O papel dos celulares na expansão do uso da internet, extração de dados e dominação tecnológica. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2025/11/o-papel-dos-celulares-na-expansao-do.html.

[2] Matéria no Valor online em 01 de dezembro de 2025. Pix supera 297 milhões de transações e R$ 166 bilhões em um único dia e bate recorde na Black Friday. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/12/01/pix-supera-297-milhes-de-transaes-dirias-e-bate-recorde.ghtml

segunda-feira, novembro 03, 2025

O papel dos celulares na expansão do uso da internet, extração de dados e dominação tecnológica

96% dos usuários de internet no mundo usam celular para acessar à internet e muitos entre nós ainda não se deram conta que a internet não teria se expandido tanto em uso, se não fossem os celulares.

A telefonia móvel com uso dos celulares além de levar internet mais barata a mais pessoas e lugares, permitiu um uso ampliado, numa espécie de regime que ficou conhecido como 24/7, todas as horas do dia nos sete dias da semana. Ou seja, em condições de estar online o tempo todo.

Muitos também duvidaram que os celulares tipo smartphone se tornariam baratos e de uso amplo tornando o computador de mesa ou laptop uma opção complementar para acesso à internet.

Na prática, pode-se dizer que as telecomunicações expandiram a digitalização da informação e permitiu que a “dataficação” (captura de dados como questão central) estruturasse uma colossal economia de dados com participação transversal em todos os setores da economia, em diferentes lugares do mundo, fato que nos remete e explica o gigantismo das corporações de tecnologia (Big Techs) que ora assistimos.



2/3 da população usa internet e 96% deste contingente acessa pelo celular

Estamos falando da extração de dados de 6,04 bilhões de usuários de internet no mundo, ou 73,2% da população mundial, em números, agora, de outubro de 2025.

Insisto, a dataficação no mundo só ganhou volume com o uso do celular. O equivalente a 96% dos usuários de internet no mundo usa celular para acessar à grande rede, estatística global, agora em outubro de 2025. Os celulares são ainda responsáveis por 60% do tráfego mundial da web (internet).

Atualmente, é fácil encontrar pessoas que nunca usaram um computador de mesa, ou laptop, mas que usa intensivamente - e de forma ampla - os recursos dos celulares. Seus aplicativos, são mais amigáveis que os softwares dos computadores. Além disso, os celulares são em geral bem mais baratos e têm portabilidade, podendo serem levados para qualquer lugar e em qualquer tempo.

Amigos professores têm, sistematicamente, relatado vários casos de alunos que nunca usaram um computador. Estes, sequer conseguem entender qual seria sua utilidade destes, se o celular pode fazer tudo que o equipamento móvel (mobile) faz.

A portabilidade do celular nas mãos, no bolso ou nas bolsas e sua quase imprescindibilidade para a comunicação instantânea (cada vez mais por mensagem de todo tipo, texto, áudio e/ou vídeo) tem levado a um uso exagerado das telas para todo tipo de atividade, rompendo a barreira entre trabalho, compras, serviços, estudo, atendimento à saúde, lazer, etc.



Tempo de tela está diretamente ligado à internet móvel usada nos celulares

A média global de uso da internet está hoje em 6h38 por dia. Já os brasileiros passam 9h13 conectados, sendo 3h37 nas redes sociais com outros usos que cruzam a simples interação social. O brasileiro em média tem ainda cerca de 1,2 celulares (smartphones) por habitante. O fluxo de dados gerados por esse movimento gera uma colossal extração de dados e de valor. 

Os diferentes usos dos celulares e da internet se integram em vários sistemas (que alguns gostam de chamar de ecossistema), plataformas e aplicativos que servem de infraestrutura digital para ligar duas pontas que também se misturam entre produção e consumo.

A digitalização e a dataficação da sociedade são processos complexos que se articulam com a economia, a política, a geoeconomia, a geopolítica e as relações de poder em diferentes esferas, porém para uma análise mais aprofundada desse fenômeno é preciso que algumas destas passagens, na linha do tempo do uso, da nova onda da tecnologia digital fiquem mais claras.



Dados como fator de produção, sociedade dataficada e hegemonia financeira

O uso expandido dos celulares ampliou o maior acesso da internet (móvel) e de todas as demais utilizações aí penduradas e dependentes. Portanto, essa é uma destas importantes etapas da tecnologia digital e a que melhor explica a explosão da “sociedade dataficada”.

Além do poder da comunicação móvel e portátil na expansão do uso da internet (quase 2/3 da população mundial) que o celular oferece, a tecnologia digital possibilita a ampliação de outro fenômeno que ganha potência com o regime 24/7, a “dataficação”. Essa quase onipresença da tecnologia digital em nossas vidas, mistura o trabalho vivo com o trabalho morto, extraindo valor de ambas, durante todo o tempo e em todo tipo de navegação na internet. 

Assim, hoje, já se trabalha com a ideia dos dados como fator de produção. Dados extraídos de quase tudo no mundo, natureza, das coisas, máquinas, das comunicações, das pessoas (seus movimentos, desejos, pensamentos, etc.).

Dados como commodity e como capital. Na sociedade contemporânea, ambos: os dados e o capital precisam sempre ser ampliados. Eles não podem interromper essa trajetória de acumulação para não fenecerem, o que leva ao conhecido ciclo de reprodução e aos novos mercados que vemos diariamente.

Assim, observa-se como o grande capital (o Big Money) investiu, e segue investindo, fortemente nas grandes corporações que se tornaram as Big Techs. Mas não se trata apenas de investimentos e retorno aos investidores.

O interesse e a demanda que o grande capital nutriu pela imposição da hegemonia financeira, partiram da compreensão do potencial pervasivo (grande capacidade de se espalhar) que a tecnologia digital possui intrinsecamente. Potencialidade de ampliar a fluidez e a acumulação no sistema.

Assim, finanças e tecnologia se entrelaçaram e explicam a dominância da primeira e a hegemonia da segunda. Não há como estudar os processos de plataformização e dataficação sem compreender o imbricamento entre esses elementos e também o papel desempenhado pelo uso dos celulares e da internet móvel na sociedade contemporânea.

sexta-feira, outubro 31, 2025

Fintech Nubank supera Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco, etc. em valor de mercado e expõe hegemonia financeira e plataformização

A fintech Nubank que há algum tempo tinha passado, os bancos tradicionais (privados e públicos) em valor de mercado, agora passa também a Petrobrás e a Vale, duas empresas da economia real, fora do circuito de intermediação financeira.

Em valores de mercado hoje, o Nubank chegou a US$ 77,43 bilhões, seguido do Itaú com US$ 74,7 bilhões. A Petrobrás tem hoje US$ 74,11 bilhões em valor de mercado. A Vale US$ 51,46 bilhões. Santander Brasil, US$ 43,25 bilhões. Bradesco US$ 34,25 bilhões. Banco do Brasil US$ 23,27 bilhões, cerca de 3 vezes menor que o Nubank. A CEF não é empresa S.A. e assim, não tem valor de mercado, mas tem patrimônio líquido de cerca de US$ 27,3 bilhões.

Bom lembrar que valor de mercado é a soma do valor das ações da empresa que possui capital aberto em bolsa de valores. E, normalmente, embute muito de especulação e do chamado capital fictício. O Brasil tem, hoje, o número extraordinário de 1.700 Fintechs. Em 2018 eram 503 e em 2021 já tinha avançado para 1.158 fintechs.

FinTech representa o acrônimo de "Finanças e Tecnologia" e reproduz, como pode ser visto com esses dados, o que venho chamando de hegemonia financeira que supera a economia da produção real com as conhecidas intermediações, títulos, ações, mercado de capitais e a presença crescente das gestoras dos fundos financeiros.

Esse imbricamento entre finanças e tecnologia realçam ainda o contexto do Tripé do capitalismo contemporâneo, sustentado na Digitalização/Dataficação; Financeirização/Hegemonia Financeira; sob o domínio da racionalidade neoliberal.

A Nubank surgiu em 2023 e hoje é a principal patrocinadora do Jornal Nacional da TV Globo, apesar de existir há 12 anos, ainda hoje, segue sem regulação, junto com as demais 1,7 mil Fintechs do país, porque o atual Congresso resiste em aprovar legislação nesse sentido. Razão pela qual apareceu nos esquemas de lavagem de dinheiro do PCC, junto dos fundos financeiros, nas investigações da Política Federal e Receita Federal que desbaratou esquemas que misturavam negócios ilegais com comércio legal.

Para terminar, fiz uma breve comparação sobre números de empregos entre essas companhias: Nubank: 8 mil funcionários, boa parte de pessoal de TI, já que é apenas um banco digital, sem uma agência física sequer. Seu pessoal de TI trabalha nos EUA, Canadá, Argentina e Uruguai e nos países latinos que tem atuação: México e Colômbia, além do Brasil.

A estatal Petrobras tem cerca de 191 mil trabalhadores, 41 mil diretos e 150 mil terceirizados. A Vale possui 64 mil trabalhadores diretos e 174 mil terceirizados. O Itaú tem 96 mil funcionários e o Bradesco possui 84 mil trabalhadores.

Muito me surpreende que uma realidade como essa seja pouco percebida e nem sempre avaliada no que significa a hegemonia financeira e sua forte relação com o poder político no Brasil.

Outra questão a ser observada é como a evolução da informatização bancária e do sistema financeiro no país, serviu de referência para boa parte do mundo e de certa forma é parte da gênese da expansão das tecnologias e plataformas digitais.

Segundo a Febraban, hoje 82% dos bancos no Brasil já usam Inteligência Artificial Generativa (GenIA). Alguns usam desde 2017, para avaliar riscos, migração de dados, segurança, inovação, aplicativos com os clientes e já avançaram no uso de blockchain e até computação quântica para negociar títulos.


PS.: Em 29 de julho de 2021, eu já havia alertado para as questões relativas às fintechs num texto em meu blog com o título: "Fintechs: não há “novo” na velha atividade de intermediação financeira", inclusive chamando a atenção não apenas de sua expansão, mas também do processo de digitalização das finanças e da urgente necessidade de regulação: Disponívem em:
https://www.robertomoraes.com.br/2021/07/fintechs-nao-ha-novo-na-velha-atividade.html

segunda-feira, outubro 06, 2025

Nº de matrículas em 2024 no Ensino Superior nos municípios fluminenses: interiorização, polos regionais, expansão da EaD e importância da ação estatal

O número total de matrículas na modalidade nas Instituições de Ensino Superior (IES) nos municípios fluminenses em 2024 em relação a 2023 subiu 2,38% chegando a 944.813 estudantes. Deste total, 440.695 matrículas estavam na modalidade presencial (-0,9% em relação a 2023) e 504.118 na modalidade Educação a Distância (EaD) que cresceu +5,1% no mesmo período.

O blog repete o que vem fazendo nos últimos anos ao divulgar os dados dos números de matrículas nos municípios fluminenses, a partir dos microdados do Inep-MEC, tabulados pelo professor José Carlos Salomão Ferreira, a quem o blog agradece pelo dedicado trabalho.


PS.: Clique sobre a imagem da tabela para ver em tamanho maior.



Redução de matrículas no presencial e crescimento de matrículas em EaD

O número de matrículas no Ensino Superior no ERJ na modalidade presencial vem caindo ano a ano, desde 2018, quando atingiu a 544.727 universitários, caindo em 2024 para 440.695 estudantes, um contingente de menos 104.032 matrículas presenciais nos municípios fluminenses.

Enquanto isso, nestes últimos anos aumentou-se o número de matrículas na modalidade EaD que no total no ERJ chegou a 504.118 estudantes, que também estão espalhados em mais municípios fluminenses. Em 2021, o número de matrículas em EaD no ERJ era de 355.633 estudantes. Ou seja, nos últimos em três anos, um crescimento de 148.485 matrículas ou 42% nas matrículas em EaD no ERJ.

A redução das matrículas na modalidade presencial só não foi maior porque em 2024 em relação ao ano anterior, as matrículas nas instituições públicas, subiram de 162.686 estudantes para 164.511 universitários. Ou seja, no geral pode-se dizer que o número de matrículas no Ensino Superior no ERJ, segue a média nacional e está crescendo por conta do número de estudantes em EaD, majoritariamente, nas instituições privadas.


Interiorização x metropolização das matrículas no ERJ

Dos 92 municípios fluminenses, só três não tem estudantes matriculados no Ensino Superior, pelo menos em EaD: Cambuci no Norte Fluminense, Duas Barras e São Sebastião do Alto.

Uma maioria de 50 municípios (54%) só possui matrículas em EaD, enquanto 39 municípios (42%) possuem ambas as modalidades de ensino. Entre os 39 municípios que possuem matrículas na modalidade presencial (em 2021 eram 40 municípios), 27 municípios (29%) possuem estudantes no ensino público e 12 municípios (13%) só possuem matriculas presenciais nas instituições privadas.

Olhando os dados desde 2003 observa-se que a interiorização da oferta de matrículas no ensino superior presencial se estabilizou. Em 2022 eram 40 municípios em 2024 em 39 municípios. Atualmente, a expansão da interiorização vem ocorrendo através da modalidade EaD que chegou a 50 municípios no ano de 2024.

Segue existindo uma grande concentração das vagas na capital fluminense. No ano de 2003, na modalidade presencial, haviam 260 mil de 420 mil matrículas na capital fluminense, equivalentes a 62%. Em 2021, a capital tinha 52,4% e em 2024 chegou a 51,5% do total de matrículas em todo o ERJ. Um percentual menor do que os 62% de duas décadas atrás, mas ainda alto, considerando que a relação entre a população da capital e de todo o ERJ é de 39%.

Ainda em relação à distribuição territorial das matrículas na modalidade presencial pelos municípios, identifica-se que o ERJ possui 8 (oito) municípios com mais de 10 mil matrículas: 1- Rio de Janeiro 227.180 matrículas; 2- Niterói 47.481 matrículas; 3- Nova Iguaçu 21.994 matrículas; 4 - Campos dos Goytacazes 17.172 matrículas; 5 - Volta Redonda 11.521 matrículas; 6- Duque de Caxias 11.117 matrículas; 7 – São Gonçalo 11.000 matrículas; 8 – Seropédica 10.182 matrículas.

Quase todos com reduções de matrículas presenciais nos últimos anos. Como se vê 6 destes 8 municípios estão na região metropolitana. Somadas as matrículas presenciais nestes 8 municípios, elas equivalem a 92% do total no ERJ (em 2022 essa relação era de 82%), evidenciando uma concentração ainda maior das matrículas na região metropolitana, em relação ao interior e demais polos regionais.


O peso e importância da ação estatal no Ensino Superior com pesquisa e extensão

Vale ainda resgatar esforço do governo federal no período Lula (1-2) e Dilma (1) que resultou na criação nas universidades públicas de mais 74 mil matrículas nos municípios fluminenses entre 2003 e 2020. Em números absolutos, as instituições públicas aumentaram de 82.057 matrículas em 2003 para 164.511 matrículas em 2024 no ERJ, com um crescimento em números relativos de 100% em duas décadas.

Oportuno ainda registrar que as matrículas no ensino superior nas instituições públicas (universidades e institutos) crescem ou se mantêm a despeito das crises econômicas, enquanto no setor privado o ciclo de recessão se refere imediatamente no número de matrículas, por conta da dificuldade de pagamento dos estudantes.

Além disso, vale observar que quase que apenas nas instituições públicas há investimentos e articulação (mesmo que em graus variados) às duas outras duas pernas do tripé que confere qualidade ao ensino superior: a pesquisa e a extensão, para além do ensino. No caso das instituições privadas são raros e pontuais os investimentos em projetos e programas de pesquisas e pós-graduação. Isso em todo o país e não apenas no caso do ERJ.


Polos de ensino superior no ERJ

Por fim, vale observar ainda 3 (treze) municípios-polos, com importância crescente no número de matrículas no Ensino Superior no ERJ que podem ser observados em três diferentes regiões: Metropolitana + Serrana (exceto Rio capital); Norte e Noroeste Fluminense + Baixadas Litorâneas; Sul Fluminense nas matrículas presenciais.

São municípios de porte médio que podem ser observados como polos regionais do ensino superior no ERJ. Cinco deles reforçam o peso da quantidade vagas na Região Metropolitana do estado, aumentando a centralização já existente com os 51,5% das matrículas do ensino superior na capital.

Vale observar que nos últimos anos há variações nestes números de matrículas por município, devido à presença majoritária de instituições públicas de ensino superior (que se mantém ou crescem), enquanto as instituições privadas perdem matrículas rapidamente. Primeiro com a crise econômica e Pandemia e também a expressiva expansão de EaD, basicamente adotada pelas instituições privadas como já foi observado.


Região Metropolitana + Serrana: 2024 (2020) – Exceto Rio (capital)

Niterói: 47.481 matrículas (52.527 matrículas em 2020) = -5.046 matrículas.
Nova Iguaçu: 21.994 matrículas (24.811 matrículas em 2020) = -2.817 matrículas;
Duque de Caxias: 11.117 matrículas (14.454 matrículas em 2020) = -3.337 matrículas;
São Gonçalo: 11.0000 matrículas (11.142 matrículas em 2020) = -142 matrículas;
Seropédica: 10.182 matrículas (11.855 matrículas em 2020) = -1.673 matrículas;
Petrópolis: 8.055 matrículas (9.961 matrículas em 2020) = -1.906 matrículas.


Região Norte e Noroeste Fluminense + Baixadas Litorâneas

Campos dos Goytacazes: 17.172 matrículas (18.050 matrículas em 2020) = -878 matrículas;
Macaé: 8.422 matrículas (9.509 matrículas em 2020) = -1.087 matrículas;
Cabo Frio: 7.294 matrículas (7.632 matrículas em 2020) = -338 matrículas;
Itaperuna: 7.043 matrículas (7.717 matrículas em 2020)= -674 matrículas.


Região Sul Fluminense

Volta Redonda: 11.521 matrículas (13.485 matrículas em 2020) = -1.964 matrículas;
Resende: 4.911 matrículas (6.594 matrículas em 2020) = -1.683 matrículas;
Barra Mansa: 2.630 matrículas (4.738 matrículas em 2020) = -2.153 matrículas.

Como pode ser visto na evolução de matrículas do ensino superior entre 2020 e 2024 nestes 13 municípios-polo, todos tiveram perdas de matrículas. Algumas perdas bem expressivas em números absolutos como no caso de três municípios da região metropolitana: Niterói (-5.046 matrículas), Duque de Caxias (-3.337 matrículas) e Nova Iguaçu (-2.817 matrículas).

O total de perda de matrículas entre 2020 e 2024 nesses 13 municípios-polo chega a 23.698 matriculas, número que certamente produz impactos nas economias regionais desses polos de ensino superior. As matrículas em EaD nas universidades privadas acaba sendo uma transferência de renda direta para as sedes das instituições.

Observa-se que as menores perdas são nos municípios com maior presença das instituições públicas. A crise de 2015-2017 + Pandemia e pressão do crescimento de EaD, simultaneamente, ou sequencialmente, são as causas. O crescimento de 42% nas matrículas em EaD nos últimos três anos também se tornou alternativa para os moradores dos municípios de menor porte e densidade populacional.

Os dados do Inpe-MEC permitem muitas outras leituras e análises além das estatísticas do número de matrículas presenciais e por EaD nos municípios, assim como a sua distribuição geográfica ao longo do tempo e do espaço no território do ERJ. Essa é a contribuição do blog para uma intepretação mais totalizante e menos específica que certamente exigirá que pesquisadores e autoridades em gestão educacional deverão fazer sobre a base dados e microdados do Censo do Ensino Suprior de 2025 do Inep-MEC.


Referência:
Postagem do blog em 30 de setembro de 2024. Em Campos, RJ, no ano de 2024, o nº de matrículas no Ensino Superior presencial se manteve estável, na faixa dos 17 mil universitários.Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2025/09/em-campos-rj-no-ano-de-2024-o-n-de.html

terça-feira, setembro 30, 2025

Em Campos, RJ, no ano de 2024, o nº de matrículas no Ensino Superior presencial se manteve estável, na faixa dos 17 mil universitários

Este blog, há quase duas décadas, publica a evolução das matrículas nas instituições de ensino superior no município de Campos dos Goytacazes, RJ e demais municípios fluminenses.

A extração e tabulação destes é uma tarefa muito trabalhosa e obtida da complexa "base de microdados" do Censo do Ensino Superior do Inep/MEC que, sistematicamente, vem sendo feita com exclusividade para este blog, pelo amigo e professor, José Carlos Salomão Ferreira do Instituto Federal Fluminense (IFF).

Os dados e indicadores publicados aqui, hoje, são referentes ao Censo do Ensino Superior 2024, junto com uma primeira análise, é uma contribuição do blog para demais pesquisadores, estudiosos sobre o assunto e autoridades públicas e recupera os dados históricos desde o ano de 2003.

Desde 2013, o total de matrículas presenciais no município de Campos dos Goytacazes vem estabilizado na faixa dos 17 mil universitários, em especial desde 2021 depois da Pandemia. Esse total já chegou a ser de 21 mil no ano de 2008 com 13 instituições, quando o número de bolsas universitárias das prefeituras era grande (com a fartura dos royalties) e o percentual de matrículas nas instituições privadas era de 78% do total.

A partir de 2020, passaram a ser apenas 11 instituições ofertantes de matrículas no ensino superior presencial em Campos dos Goytacazes, sendo 4 públicas e 8 privadas.

Abaixo a tabela com os números extraídos do Censo do Ensino Superior 2023 do Finep-MEC.


Nos anos de 2021 e 2022 (crise econômica nacional, redução dos royalties e Pandemia), as instituições públicas somaram um pouco mais matrículas que as instituições privadas: cerca de 51% x 49%. Porém, em 2023, as instituições privadas voltaram a ter mais matrículas no ensino superior presencial e isso se manteve em 2024, embora com números ainda próximos: 51,57% instituições privadas x 48,43%, instituições públicas.


Nº matrículas presenciais em 2024 nas instituições públicas e privadas em Campos,RJ

A instituição pública com maior número de graduandos segue sendo o Instituto Federal Fluminense (IFF) com 3.743 matrículas, seguido da UFF com 2.130 matrículas, depois Uenf com 2.012 matrículas e Isepam com 432 matrículas. A variação em relação ao ano anterior de 2023 foi muito pequena.

Entre as instituições privadas no município, a que possui o maior nº de graduandos é a Universo com 2.274 matrículas e não mais a Estácio como em 2023 que em 2024 passou para 1.719 matrículas, atrás ainda do Isecensa com 1.886 matrículas, número também abaixo das matrículas que teve em 2023. Foram seguidas da FMC com 1.049 matrículas, UCam com 970 matrículas e Uniflu com 897 matrículas e Faberj com 60 matrículas.

A maior perda de matrículas aconteceu no último ano na Estácio com menos 252 graduandos e o maior ganho de matrículas foi da Universo com mais 334 matrículas. Entre as instituições públicas, a maior perda de matrículas ocorreu no polo da Uenf, com redução de 124 estudantes, porém são variações pequenas que mostram uma estabilidade. Interessante observar que no todo do município de Campos, RJ, o número de matriculas presenciais em 2024, só teve redução de uma matrícula, caiu de 17.173 para 17.172 matrículas, as, o que reafirma a estabilidade nas instituições públicas.


Nº matrículas em EaD no ano 2024
 
Já no que se refere às matrículas na Educação à Distância (EaD) no município de Campos dos Goytacazes, praticamente, também, se estabilizaram: 11.956 matrículas em 2024 contra 12.047 matrículas em 2023. O salto se deu em 2022 quando as matrículas em EaD no município eram 9.864 estudantes.

No município de Campos dos Goytacazes, RJ, ao contrário do plano nacional, as matrículas presenciais no ensino superior são superiores em cerca de 30% às de Ead (17.172 presenciais x 11.956 EaD).


Pós-graduação, pesquisa e extensão

Há ainda que se registrar, como já tenho comentado nos levantamentos nos anos anteriores, que o ensino universitário deve ser sustentado no tripé: ensino, pesquisa e extensão, que deveriam funcionar de forma integrada, em que cada uma alimenta a outra. E neste caso, a pesquisa e extensão nas instituições privadas são irrisórias ou não existem. Em especial, a pesquisa, já que a extensão, existe com alguns esforços nesse sentido, em algumas das sete instituições privadas que funcionam em Campos, RJ. No caso de EaD a ausência da extensão e pesquisa é ainda pior.

Estima-se que as matrículas na pós graduação em Campos (especialização, mestrado e doutorado), anualmente, se situe na faixa de 4 mil estudantes pós-graduandos (maioria em especialização, mas com nº crescente de matrículas em mestrado e doutorado). Assim, é ainda possível afirmar que o município de Campos dos Goytacazes poderia ter um número total, entre matrículas presenciais, EaD e Pós-graduação em torno de entre 34 mil universitários. Um número bastante expressivo e que se reflete de alguma forma na economia local e regional.

Em termos regionais, identifica-se que há quase duas décadas, o município de Campos dos Goytacazes se consolidou como o maior polo de educação superior no interior do ERJ, fora da região metropolitana, embora na última década, se observe que municípios próximos tenham também se estabelecidos como polos universitários, mesmo que num patamar menor: Macaé com cerca de 8 mil matrículas; Itaperuna com aproximadamente 7 mil matrículas, praticamente, empatada com Cabo Frio na faixa das 7 mil matrículas.

Para concluir, vale ainda ressaltar que a expansão regional dos polos de educação superior amplia a expressividade dos números de universitários em Campos dos Goytacazes e também a importância do potencial de qualificação dessa parte do território fluminense que inclui as regiões Norte, Noroeste e Baixadas Litorâneas.

Em todo o estado, houve um crescimento de matrículas presenciais de cerca de 2,3% e em EaD de 5%. Em todo o ERJ, as matrículas presenciais são quase o dobro das matriculas em EaD. A seguir faremos outra postagem com os dados de matrículas presenciais e em EaD em todos os 92 municípios fluminenses.

Referências:

[1] Postagem do blog em 1 de novembro de 2024. Em 2023, Campos,RJ se mantém com 17 mil matrículas no ensino superior presencial, mas somado à Educação à Distância (EaD), chega a quase 30 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2024/11/em-2023-camposrj-se-mantem-com-17-mil.html

[2] Postagem do blog em 23 de outubro de 2023. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em cerca de 17 mil, em 2022 em Campos, RJ. Somado à EaD chega a 27 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2023/10/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[3] Postagem do blog em 1 de novembro de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 4% em Campos, RJ, mas com ligeiro aumento nas instituições públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/11/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[4] Postagem do blog em 18 de abril de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 5% em 2020, em Campos, RJ. Porém, somado à EaD chegam a 25 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2022/04/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[5] Postagem do blog em 22 de setembro de 2019. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em Campos nos últimos 4 anos: percentual aumenta nas públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2019/09/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html

[6] Postagem do blog em 23 de setembro de 2018. Apesar da crise, as matrículas no ensino superior em Campos se estabilizam em 20 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/09/apesar-da-crise-as-matriculas-no-ensino.html

[7] Postagem do blog em 11 de novembro de 2017. Censo do Ensino Superior 2016: Campos com 19,8 mil universitários. E a qualidade? Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/11/censo-do-ensino-superior-2016-campos.html

[8] Postagem do blog em 8 de dezembro de 2017. Entre 2003 e 2016, as matrículas no ensino superior no ERJ cresceram 36%. Nas instituições públicas cresceram (82%). Mais de três vezes que (25%) o crescimento nas instituições privadas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/12/entre-2003-e-2016-as-matriculas-no.html

[9] Postagem do blog sobre o Censo nos anos anteriores. Em 23 nov. 2016.
Campos aumenta nº estudantes no Ensino Superior para 19,3 mil matrículas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/11/campos-aumenta-n-estudantes-no-ensino.html

[10] Postagem do blog em 1 de mar. 2016. Campos possui 18 mil alunos no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/03/campos-possui-18-mil-alunos-no-ensino.html

[11] Postagem do blog em 18 de ago. de 2015. Ensino superior em Campos perde 4 mil matrículas em 5 anos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/08/ensino-superior-em-campos-perde-4-mil.html?m=1

[12] Postagem do blog em 31 jul 2015. Campos tem 17,1 mil alunos matriculados no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/campos-tem-171-mil-alunos-matriculados.html

sábado, setembro 27, 2025

A profunda conexão da extrema-direita com o crime organizado no Brasil

Impressiona como vai ficando clara a profunda relação entre a extrema-direita, as milícias, a corrupção - com participação de agentes e frações do Estado e da segurança pública - e o crime organizado, em várias dimensões e escalas. Desde a base ao topo da pirâmide que envolve rede de empresas, mas em especial o circuito financeiro com atuação de pessoas e técnicos com grande experiência nesse mercado. E também não quer dizer que toda a extrema-direita estaria envolvida nos crimes, mas tá claro que parte dela se cruza com o PCC. O aprofundamento das investigações tem clareado as relações.
 
A forte e precisa ação do governo federal, PF, RF e do MPF têm sido impecável, em alguns casos com ajuda das polícias estaduais, em outros, com oposição delas e em especial dos governadores.


O passo seguinte e indispensável é a aprovação do projeto legislativo (PEC 18/2025) do governo federal para regulamentar o sistema único de segurança pública (SUSP). 

Até a mídia corporativa já passou a entender e defender a importância do projeto para se avançar no combate contra o crime organizado que lançou seus tentáculos sobre a economia legal, algumas igrejas e para a política partidária no legislativo, executivo e mesmo sobre frações do judiciário nos seus três níveis.

Os dados sobre as investigações e operações são impressionantes, não apenas sobre o volume de recursos e extensão das áreas de atuação, mas sobre a participação de diferentes agentes, em especial do alto circuito financeiro que incluem desde administradoras de fundos e das fintechs (bancos digitais e tecnológicos). Trata-se de conexões em muitos casos transnacionais que vão bem além de nossas fronteiras.
 
Lá atrás, em 2019, quando pesquisei e escrevi, o livro sobre "A 'indústria' dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo", eu já chamava a atenção sobre os recursos que circulavam no esquema paralelo, mundialmente conhecido como "shadow bank" (banco sombra). 

Além disso, já era possível perceber o quanto era difícil e opaco acompanhar os movimentos de alguns destes fundos financeiros. Sabia-se, com alguma facilidade, onde os fundos investiam (a divulgação atraía mais investidores e, assim, ampliava o processo de capitalização), mas não se sabia a origem e os proprietários destes dinheiros.

Pois bem, essas investigações indicam algumas destas pontas de novelo que estavam encobertas.
 
Evidentemente, não quer dizer que todo o setor financeiro estaria metido nesses esquemas, mas seria estranho que no Brasil, o crime organizado não estivesse presente entre as gestoras de fundos financeiros que agora em 2025, já administram ativos da ordem de R$ 10,4 trilhões (referência do dia 23/09/2025), segundo dados recentes da Anbima, associação privada que acompanha o mercado de capitais.


PS.: Anexo. Infográfico sobre áreas de atuação internacional do crime organizado na leitura da Fundação Heinrich Böll do Brasil que analisa também as formas de crime e os setores atingidos ligados à produção de carbono com reflexos sobre o clima no Brasil. Veja aqui, uma postagem dessa fundação com o título "A última fronteira: O crime organizado transnacional e a luta contra as mudanças climáticas".

quarta-feira, setembro 24, 2025

Um século depois pergunta-se: há relações entre o Reichstag e a Casa Branca?

A economia e a política sempre andaram juntas apesar de alguns negarem aquilo que é chamado de economia política. Nessa linha, tentando entender fragmentos dessa relação em momentos importantes para a nossa civilização, eu acabei chegando ao pequeno-grande livro A ordem do dia do escritor francês, Éric Vuillard, que li num dia e meio.

A razão da leitura - para a qual sugiro e estimulo -, se deu por conta da curiosidade sobre os bastidores de um dos dois dos momentos-chave da 2ª GGM na opinião do autor: o apoio dado por vinte e quatro dos maiores industriais da Alemanha a Hitler, numa reunião no dia 20 de fevereiro de 1933, no palácio do presidente do Reichstag (parlamento alemão) que é contada em detalhes na publicação.

O segundo momento narrado no livro é o da anexação da Áustria ao Reich que vai se dá só em 1938, depois de muita submissão, traições e atropelos. Ao final, o autor junta os dois momentos para fechar o livro de forma impactante.

A reunião com os industriais foi a razão maior do meu interesse. Uma reunião que foi coordenada pelo presidente do Reichstag, Hermann Goering e teve a presença de Hitler. O principal ponto da pauta foi um pedido de doação aos industriais para a organização de uma próxima campanha eleitoral para "conquistar o poder por completo" nas palavras de Hitler aos empresários. Tudo depois da Grande Depressão de 1929.

O autor cita os vinte e quatro industriais e empresários presentes na “reunião secreta”: Gustav Krupp, Albert Vögler, Günter Quandt, Friedrich Flick, Ernst Tengelmann, Fritz Springorun, August Rosterg, Ernest Brandi, Karl Büren, Günther Heubel, Geog von Schnitzler, Hugo Stinnes Jr, Eduard Schulte, Ludwig von Winterfeld, Wolf-Dietrich von Witzleben, Wolfang Reuter, August Diehn, Eric Fickler, Hans von Loewenstein zu Loewenstein, Ludwig Grautert, Kurt Schmitt, August von Finck e o doutor Stein.

Como diz o autor, esses vinte e quatro empresários não precisavam ser identificados pelos seus nomes da certidão de nascimento, mas se chamam BASF, Bayer, Agfa, Opel, IG Farben, Siemens, Allianz, Telefunken etc. “Nós os conhecemos muito bem. Eles estão lá no meio de nós, entre nós. São os nossos caros, nossas máquinas de lavar, nossos produtos de entretenimento, nossos rádios-relógios, o seguro da nossa casa, a bateria do relógio de pulso. Estão lá em todos os lugares, sob a forma de coisas. Nosso cotidiano é deles. Eles cuidam de nós, nos vestem, nos iluminam, nos transportam pelas estradas do mundo, embalam nosso sono. E os vinte e quatro homens presentes no palácio do presidente do Reichstag, neste 20 de fevereiro, não passam de mandatários, o clero da grande indústria. São os sacerdotes do deus Ptá. E se mantêm lá impassíveis, como vinte e quatro máquinas de calcular nas portas do inferno”.

Na descrição da “reunião secreta”, Vuillard perfila detalhes das indumentárias, dos movimentos pessoais, suas silhuetas, corredores, escaderias, salões e equipamentos do palácio. O verniz da história me levou a imaginar, uma reunião similar do Trump e a primeira-dama, realizada, há poucos dias, na Casa Branca com os CEOs das Big Techs americanas, conforme notícia de jornal deste domingo, que posto junto da capa do livro como ilustração a esse texto. Não há como não fazer essa comparação, distante no tempo exatos 95 anos, quase um século.

 

Da reunião-secreta no Reichstag em 1930 à santa-ceia na Casa Branca em 2025

A “Santa Ceia” (jantar) de Trump aconteceu na noite de 4 de setembro de 2025, na Casa Branca, reuniu controladores e os CEOs de grandes corporações de tecnologia e teve a presença de Bill Gates e Satia Nadella (Microsoft); Mark Zuckberger (Meta/Facebook) e Alexandr Wang (Meta e ScaleAI); Sam Altman (OpenAI/ChatGPT); Tim Cook (Apple); Sundar Pichai e Sergey Brin (Google/Alphabet); Safra Catz (Oracle); Lisa Su (AMD); David Limp (Amazon - Blue Origin) e outros executivos do Silicon Valley, mais a primeira dama Melanie Trump. 

O número de empresários nessa reunião foi menor do que os vinte e quatro da reunião com Hitler, cerca de quinze, embora esses possuam hoje um controle sobre maiores oligopólios deste setor transversal que atinge todos as demais áreas da economia e da vida em sociedade. A reunião na Casa branca que não foi secreta, mas teve na parte divulgada da agenda, não as doações para a posse de Trump (já definidas), mas investimentos dessas corporações nos EUA.

Matéria Estadão em 21-09-25, p.B12.

O restante dos assuntos, certamente, precisaremos de tempo para conhecer, como foi no caso do Reichstag alemão em 1930. Atualmente esses executivos já verbalizam abertamente que "têm se beneficiado ao trabalhar com Trump", como aconteceu, lá atrás, há 95 anos, quando os industriais se aliaram a Hitler, conforme veremos adiante.

Hoje, os controladores das corporações de tecnologia americana, querem mais apoio para impedir que haja regulação sobre sua atuação seja nos EUA, na Europa, no Brasil e/ou no restante do mundo. Juntos, Trump e os controladores das Big Techs americanas, afirmam, repetidamente, que a disputa principal é para ganhar a guerra contra a China, em especial no campo da Inteligência Artificial (IA), num esforço final de manter a hegemonia e o império estadunidense.

De forma similar, em 1930, estavam no palácio do Reichstag, os donos das indústrias [não os acionistas-controladores das atuais gigantes corporações de tecnologia]. Vuillard, autor do livro afirma, textualmente, que os vinte e quatro estavam no “nirvana da indústria e das finanças” naquele exato momento anterior à reunião, quando os empresários aguardavam as duas maiores autoridades alemães. Depois, o autor segue descrevendo em detalhes o encontro e o pós-reunião do dia 20 de fevereiro de 1930.

Nesta reunião de 1930, Goering fala aos industriais alemães sobre a campanha eleitoral de 1932, falando sobre temas que hoje nos EUA também seriam atuais: "era preciso acabar com a instabilidade do regime e que a atividade econômica exige calma e firmeza, para o quê os vinte e quatro senhores balança religiosamente a cabeça... e se o partido nazista conseguir a maioria, acrescenta Goering, estas eleições serão as últimas pelos dez anos seguintes; até mesmo – acrescenta com uma risada – por cem anos. Um movimento de aprovação percorreu o ambiente... Hitler estava sorridente, descontraído, nada do que imaginavam, afável, sim, até amável, bem mais do que teriam acreditado. Houve para cada um, uma palavra de agradecimento, um aperto de mão vigoroso... O cerne da proposta era acabar com um regime fraco, afastar a ameaça comunista, suprimir sindicatos e permitir que cada patrão fosse um Füher em sua empresa. O discurso durou meia hora. Assim que Hitler se retirou, o presidente do Reichstag, Goering, tomou a palavra e disse que para fazer a campanha que se avizinhava era preciso dinheiro e o partido nazista não tinha um tostão. Um dos 24 senhores presentes se levantou, sorriu para a assembleia e proferiu: - E agora senhores, ao caixa! Assim, os industriais molharam as mãos com ajudinhas centenas de milhares de marcos”.

A aliança entre o poder econômico e o político deixam rastros em diferentes tempos

A relação entre o poder econômico dos industriais e o poder político alemães não se deu apenas no financiamento de campanha como se pode imaginar. Para não me estender demais com mais spoilers sobre o livro, eu vou ao seu final, quando Viullard cita como algumas das facilidades oferecidas por Hitler e pelo o Reich aos industriais alemães em troca das “esmolas do financiamento de campanha”.

Em ato de desespero, Gustav Krupp, um dos vinte e quatro industriais, na primavera de 1944 tem visões. Em seu palácio na Vila Hügel, quando “os exércitos alemães recuavam de todos os lugares, abandonando as áreas e se mudando para as montanhas, longe de Ruhr, em Blühnbach, lá onde as bombas não os atingiriam, na paz fria e branc... num quase delírio, em meio a um “silêncio de anos e sucumbido a uma imbecilidade sem retorno Krupp resmunga medroso junto ao filho e esposa que estaria vendo pessoas rastejando na escuridão do canto da sala”.

O autor Éric Viullard diz que “não eram os fantasmas da Vila Hügel que o congelavam de medo, eram homens de verdade, com rostos de verdade que o encaravam com olhos enormes de figuras que saíam das trevas... eram dezenas de milhares de cadáveres, os trabalhadores forçados, aqueles que a SS tinha fornecido para as suas fábricas... durante anos ele tinha alugado deportados em Buchenwald, em Flossenbürg, em Ravensbrück, em Sachenwald, em Auschwitz e em muitos outros campos. A expectativa de vida deles era de alguns meses. Se o prisioneiro escapava das doenças infecciosas, morria literalmente de fome. Mas Krupp não foi o único a alugar tais serviços. Seus comparsas da reunião de 20 de fevereiro aproveitaram também, atrás das paixões criminais e das gesticulações políticas, seus interesses se encontravam. A guerra tinha sido rentável. A Bayer arrendou mão-de-obra em Mauthausen. A Bayer contratava em Dachau, em Papenburg, em Sachsenhausen, em Natzweiler-Strutholf e em Buchenwald. A Daimler, em Schirmeck. A IG Farben recrutava em Dora-Mittelbau, em Gorss-Rosen em... e explorava acfábrica gigantesca no campo de Auschwitz: a IG Auscwitz, que com todo cinismo colocou esse nome no organograma da firma. A Agfa recrutava em Dachau. A Shell, em Nuengamme. A Schneider, em Buchenwald... A Telefunken, em Gross-Rosen e a Siemens, em Buchenwald, em Flossebbürg, em Neuengamme, em Ravensbrück, em Gross-Rosen e em Auschwitz. Todo mundo aproveitando mão-de-obra muito barata. Não é, portanto, Gustav Krupp que alucina nessa noite, no meio de sua refeição em família...”

Por tudo isso vale a pena ler esse livro do Éric Viullard, que parece importante para intuir os movimentos atuais nos palácios em 2025. É possível que a relação seja um exagero, porém, se a observarmos como alerta, veremos que o relato seja não apenas atual, mas útil, porque o passado sempre tem muito a nos ensinar, se desejamos um destino diferente de outrora.

A prosa da descrição de Viullard é muito precisa, cheia de detalhes, crua, direta, irônica, dura e sem rodeios. Acima de tudo considero ainda mais impactante quando se relaciona e se compara com a “Santa Ceia” do 4 de setembro de 2025, na Casa Branca, em especial, quando penso na precarização atual da mão-de-obra dos entregadores, morrendo no trânsito ou durante a Covid, como os famintos trabalhadores forçados de Auschwitz.

Aqueles trabalhadores produziram e eniqueceram a Bayer, Shell, Daimler, Siemens, etc. Hoje, os entregadores atendem à Amazon e outras gigantes corporações-plataformas digitais que vampirizam nossos dados e vasculham nossas vidas, hipersonalizando possíveis desejos de compras em diferentes lugares do mundo ou auxiliando os golpes políticos de controle sobre o poder de outras nações.

Enfim, encerro voltando à pergunta do título: há ou não relação entre a reunião de 1930 na Reichstag na Alemanha e a de 4 de setembro de 2025, na Casa Branca nos EUA? O que se pode aprender com esses casos?


PS.: Atualizado às 13:44 e 14:00 de 25/09/2025: Para ajustes e acréscimos. A partir de alguns comentários sobre esse texto da postagem nas redes sociais, eu me lembrei de comentar sobre outro livro. Também importante e que trata do mesmo tema e vai nessa mesma linha de investigar as relações entre os industriais e financistas alemães e o Terceiro Reich. Me refiro ao livro do David de Jong "Bilionários nazistas: a tenebrosa história das dinastias mais ricas da Alemanha" que creio já houvesse feito algum comentário sobre ele nesse espaço. Abaixo vou postar os textos de apresentação do livro (orelha e contracapa) onde há também recomendações de leitura que sugerem a necessidade de interpretar e relacionar os fatos à realidade contemporânea.

A história do nazismo na Alemanha é inseparável das biografias dos industriais e financistas que ajudaram Adolf Hitler a conquistar o poder absoluto e lucraram milhões com as atrocidades do Terceiro Reich — são nomes como os Von Finck, Porsche, Oetker e Quandt. Aduladores e inescrupulosos, eles ampliaram seus impérios através do roubo de propriedades judaicas e da exploração do trabalho forçado de vítimas da barbárie nazista, além da fabricação de armas e munições. A brandura do julgamento de seus crimes no pós-guerra possibilitou a continuidade de suas dinastias empresariais, cujos herdeiros acumulam fortunas e administram marcas mundialmente famosas até hoje, como Volkswagen, Dr. Oetker, BMW e Allianz. E por que, depois de tantas décadas, eles ainda estão fazendo tão pouco para reconhecer os crimes de seus antepassados?

Debruçado sobre milhares de documentos e fontes originais, além de abrangentes pesquisas historiográficas, o jornalista e historiador David de Jong — holandês de origem judaica — disseca as origens obscuras das fortunas multiplicadas a ferro e fogo entre 1933 e 1945. Neste livro, seu trabalho de estreia, o autor faz um chamado ao resgate da memória do genocídio nazista, tarefa primordial em tempos de ressurgência do extremismo antidemocrático.

"O desafio, como De Jong nos lembra, é reatualizar essa história para continuamente encontrar novas maneiras de trazê-la para o presente." — Adam Tooze, Professor de história da Universidade de Columbia e diretor do European Institute.

Depois de ler este livro você nunca mais dirigirá um Volkswagen, fará um seguro residencial com a Allianz ou comprará uma pizza Dr. Oetker no mercado sem um certo mal-estar. De Jong, com o talento do bom jornalista que é, permite que os fatos falem por si mesmos. E nos deixa impressionados com o poder da ganância". — The Daily Telegraph.

"Com seus relatos meticulosamente construídos de indivíduos e famílias alemãs, incluindo judeus que foram expropriados, Bilionários nazistas sugere que até hoje as reparações dos lucros que alguns colheram em uma era de horror não foram feitas." — Samuel Moyn, professor da Universidade de Yale.

"O fato de algumas das maiores fortunas da Alemanha estarem profundamente entrelaçadas com as ignomínias do Terceiro Reich deveria ser muito mais conhecido — e, graças a este livro, será." — Bradley Hope, New York Times, autor de Billion Dollar Whale.

quarta-feira, setembro 17, 2025

O uso intenso da digitalização e IA explica e reforça a hegemonia financeira que a sustenta

Atualmente, oito em cada dez bancos no Brasil, já usam IA generativa em suas operações, onde essa ferramenta desempenha um papel que deve ser interpretado como estratégico.

 Pesquisa Febraban Tecnologia Bancária - Slide 15/53.

Os usos da GenAI no setor bancário são os mais diversos, como pode ser visto no quadro ao lado extraído da pesquisa da Febraban sobre tecnologia bancária. Desde o atendimento ao cliente em substituição ou complemento ao gerente de conta, desenvolvimento de novos sistemas, marketing, comunicação, segurança, etc.

Esse é apenas um simples exemplo empírico da investigação que venho desenvolvendo sobre os elementos que comprovariam a intensa relação e o imbricamento do setor financeiro com as plataformas digitais (para além do financiamento). A hipótese é que o setor financeiro (e bancário) é o precursor da chamada "transformação digital" que nos dias atuais já se espalhou para a maioria dos demais setores.

Mesmo com o gigantismo das corporações de tecnologia (Big Techs), reafirmo, com base também no caso empírico brasileiro, o que afirma o amigo pesquisador, Edmilson Paraná, em um de seus artigos: “todos os movimentos saem de Wall Street para o Vale do Silício e não o contrário”.

Sim, trata-se de um fenômeno que é global, mas não se pode desconsiderar que o Brasil possui uma história singular e importante nessa área, na medida em que o setor financeiro nacional, por muito tempo serviu de exemplo e ainda hoje é referência para outros países naquilo que há quase quatro décadas se chamou de “informatização bancária”.

 

A evolução (linha do tempo) da informatização/digitalização do setor financeiro no Brasil

A informatização bancária é um movimento que no Brasil vem desde a década de 80, quando vai para além dos centros de processamento de cheques dos bancos e chega ao lançamento do 1º caixa eletrônico. Na década de 1990, tem-se a emissão dos primeiros boletos; em 1995 a implantação do Internet Banking, depois os aplicativos, as fintechs ... até chegar ao Pix, lançado em novembro de 2020, pelo Banco Central, que em maio de 2025, já tinha chegado ao colossal número de 175,4 milhões usuários, sendo 160 milhões de usuários de Pessoas Físicas (CPF) e 15,4 milhões de Pessoas Jurídicas (CNPJ.

No Brasil, o Mobile Banking, com uso dos celulares para relacionamentos e transações financeiras, já abrange quase a totalidade dos incluídos no sistema bancário. Segundo a mesma pesquisa, 90% das transações já são feitas por plataformas móveis, num quantitativo que soma a mais de 200 bilhões de transações, não apenas no Pix, embora esse seja maioria, com recorde diário de 191 mil transações por minuto segundo o Banco Central, número bem superior às transações dos cartões, embora parte delas em Pix feitos com QR Code das maquininhas. Nenhum outro setor da economia vive tão intensa transformação digital quanto o setor financeiro. Nem no Brasil e mesmo no mundo.

Esse uso intenso dos mecanismos móveis dos celulares e aplicativos não acontecem só com os bancos, mas com todas as empresas do setor financeiro, incluindo as gestoras e administradoras de fundos de todos os tipos e tamanhos.

Grandes fundos não operam decisões sem análises de riscos e/ou modelagem com uso digital e de IA para analisar performance de empresas onde buscam participações em ações, ou ainda em suas análises preditivas de câmbio e juros. O gigante fundo americano BlackRock trabalha, a nível global, com a sua plataforma Aladdin na administração do inigualável patrimônio de US$ 12,5 trilhões, superior ao PIB de maioria das nações do planeta.


Uso crescente e ampliado da tecnologia digital nas finanças

Nesse processo de intensificação do uso das tecnologias digitais, a implementação da IA nos bancos e setor financeiro como um todo, estão avançando enormemente com o uso de redes neurais, aprendizado de máquina, biometria, tratamento e análise de dados, chatboots, robôs, etc. Eles servem entre outras coisas para análise de riscos, detecção de fraudes, cibersegurança, hiperpersonalização de ofertas de negócios financeiros, seguros, etc.  

Assim, é possível intuir que a utilização mais intensa da Inteligência Artificial (IA) no setor financeiro - e ainda da IA generativa (GenAI) - parece nos oferecer pistas sobre como essa nova tecnologia digital da IA que usa intensivamente dados, algoritmos, aprendizado profundo de máquinas e as estatísticas para interpretar situações no setor financeiro, podem estar dirigindo os caminhos também para a indústria, comércio e os vários tipos de serviços digitalizados que observamos.

Nessa linha, a interpretação é que a relação imbricada entre tecnologia e finanças vai muito para além do simples financiamento e do controle creditício e acionário de um setor sobre o outro. Na verdade, esse movimento das finanças para a tecnologia e desta para todos os demais setores, em que essas duas frentes atuam, de forma transversal e na maior parte do tempo, de forma livre e desregulamentada.

 

A questão não é o uso da digitalização, mas a direção, o controle e quem são os ganhadores ou perdedores

Observando o processo histórico dessa relação no Brasil e no mundo, qualquer um pode identificar, que a tecnologia não é o problema per si. Esse desenvolvimento tecnológico trouxe vantagens e desvantagens. Trouxe empregos e desempregos, embora em diferentes setores. Produz continuidades e descontinuidades. Trouxe comodidades e mudanças na forma como vivemos, aprendemos, realizamos compras, contratamos e somos atendidos nos serviços, pagamos as contas e interagimos socialmente em comunidades etc. O grande problema é saber a quê e a quem tudo isso serve? Saber principalmente quem mais ganha com todos esses avanços que tem concentrado mais renda e ampliado ainda mais as desigualdades.

Por tudo isso, entender onde tem origem esse processo e como ele se desenrola parece um diagnóstico importante a ser destrinchado, num momento em que todos nós já descobrimos a importância dos nossos dados, não apenas para a nossa privacidade, mas também para ganhos em escalas de poucas corporações que se tornam gigantes no centro do capitalismo.

Os chineses compreenderam e expuseram no seu Plano IA+ que os dados devem ser vistos como fator de produção e e devem estar a serviço do coletivo e do comum, além de servir para impulsionar a transformação digital e a modernização econômica. Porém, transpor esse princípio para a prática é algo mais complicado e exige outras dimensões de intervenção.

Temos visto esse problema, que, na verdade, se trata de um dilema, em todo o mundo. Praticamente todos os países do Ocidente sofrem hoje uma potente e reacionária onda e pressão contra seus Estados, ao entenderem ser indispensável a definição e o estabelecimento de marcos legais e regulatórios com regras sobre a tecnologia digital e sobre o uso das plataformas digitais de todos os tipos, desde o convívio entre pessoas, negócios até as relações de poder.

Diante desse quadro, penso, junto com muitos outros, que da mesma forma que lutamos no passado para que, paulatinamente, pudéssemos garantir os direitos sociais mínimos, desde o trabalho diário, hoje, não será sem luta que os direitos digitais serão também conquistados e garantidos para além da privacidade dos nossos dados.

O objetivo deve ser evitar a ampliação ainda maior da já colossal concentração de renda e as ameaças do neofascismo e da barbárie e, em defesa de relações mais humanas, solidárias e de uma vida sobre o prisma da coletividade e do comum.

sábado, setembro 13, 2025

Ao fim do 1º sem 2025 dívida da Prumo (Porto do Açu) chega a R$ 14,1 bilhões com US$ 2,4 bi de movimentação de cargas e lucro de R$ 142 milhões

A holding Prumo Logística Global que controla o Porto do Açu (RJ) e é controlada pela gestora do fundo financeiro americano EIG Partners (EIG Global Energy Partners) fechou o primeiro semestre de 2025 com uma dívida de R$ 14,1 bilhões, diante de uma movimentação de cargas no valor FOB em dólar de US$ 2,410 bilhões (25% maior que 2024 que foi de US$ 1,918 bilhão); receita no semestre de R$ 950,7 milhões (28,9% maior que 2024 que foi de R$ 741,4 milhões) e um lucro também semestral de 142,7 milhões. Portanto um crescimento naul expressivo em movimentação de cargas, receitas e lucros entre 25% e 30%.

A gestora estadudinense de fundos EIG Global Energy Partners (EIG Asset Management) controladora da Prumo opera desde 1982, atua hoje em 6 continentes e 44 países, controla 420 companhias e tem participação de US$ 51,3 bilhões em ativos em todo o mundo. Em 2013, quando da derrocada de Eike, por conta dos investimentos na sua empresa de petróleo OGX, a EIG Partners injetou uma quantia em recursos e ficou com o controle da empresa LLX companhia de logística Eike Batista e logo depois trocou o nome da companhia para Prumo Logística Global que, a seguir, se transformou num grupo (holding) com várias empresas subsidiárias entre elas o Porto do Açu (PdA).

 

1 - Da gênese da LLX à Prumo dos dias atuais

Em 2014, o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Mubadala, que tinha um crédito de US$ 2 bilhões com a holding EBX, ficou com as ações da LLX que restavam com o empresário Eike Batista. Cinco anos depois, em 2028, a Prumo fechou o capital e saiu da Bolsa de Valores, adquirindo as ações dos investidores minoritários tendo como principal ativo o Porto do Açu e empresas coligadas.

Mesmo acompanhando menos assiduamente os últimos movimentos relativos ao empreendimento do complexo logístico portuário industrial do Açu (antes chamado de Clipa), venho anualmente comentando sobre os valores relativos à movimentação de cargas (exportações +/- 90% e importações de cerca de 10%) do empreendimento do Açu.

Foto de Ricardo Stuckert / PR em 28 jul. 2025.

Agora em 2025, o complexo logístico portuário do Porto do Açu atua com dois principais terminais: T1 (offshore onde exporta petróleo e minério de ferro); T2 (onshore onde operam o apoio offshore com o terminal de apoio offshore da americana Edson Chouest, o TMULT, terminal multicargas e vários outros terminais de empresas. No total são 11 terminais e 28 empresas instaladas no complexo.

No espaço de 90 Km² de área disponível para instalações industriais, energia e outros negócios, há duas unidades de geração termelétrica da GNA (I e II) e vários projetos de negócios, embora ainda hoje não mais que 10% de toda a área comprada e desapropriada violentamente de pequenos produtores do antigo 5º Distrito de São João da Barra. 

A maior movimentação (disparada) de cargas do Porto do Açu é de petróleo (cerca de 40% das exportações brasileiras) efetuada no terminal T-Oil para cerca de 8 diferentes petroleiras, além da Petrobras e minério de ferro para a mineradora Anglo American. Petróleo e minério ficam com cerca de 75% de toda a movimentação portuária de cargas.

Em outubro próximo, o Porto do Açu (PdA) completa 11 anos de atividades de movimentação de cargas iniciada em 2024, com as exportações de minério de ferro, através da joint venture Ferroport, formada entre a Prumo e a mineradora Anglo American (corporação inglesa-sul africana).


2 - Região como mero “território de passagem”

Nesse período de pouco mais de uma década, continuo afirmando que, majoritariamente, a região do Norte Fluminense que concedeu o espaço litorâneo para instalação do empreendimento do complexo do Açu, com características de Cadeia de Valor Global (CVG) Açu, segue como uma espécie de “território de passagem” de uma colossal riqueza que circula por aqui (quase R$ 40 bilhões apenas no ano de 2024). Porém, agregando muito pouca coisa à região onde produz enormes impactos nem sempre identificados, como as violentas desapropriações, o avanço do mar no balneário de Barra do Açu (impacto previsto desde o EIA-Rima), sobre o trânsito, embora também gere postos de trabalho (em quantidade bem menor que a divulgada na fase de operação após a construção dos empreendimentos) e a receita de ISS.

Essa condição a que tenho chamado de "território de passagem" é uma das características principais de um porto de 5ª geração como o caso do Açu com conexões na escala global (interligando pontos de uma cadeia de valor global - CVG). Até hoje o Porto do Açu incorpora pouco valor em atividades industriais, que seria do que foi estimado como um complexo logístico-industrial (ou Zona Industrial Portuária - ZIP ou MIDAs, Maritime Industrial Development Area) para uso da enorme retroárea de mais de 90 Km², fruto, como já foi dito, em boa parte, de centenas de desapropriações violentas, sobre pequenos produtores rurais, cuja maioria até hoje não recebeu suas indenizações que aguardam a definição dos processos judiciais. 

As exceções são as duas unidades de geração de energia elétrica (UTE) da GNA e a FMC-Technip com a produção de tubos flexíveis para uso nas instalações offshore das petroleiras para extração de petróleo. A geração de energia a gás pela GNA usa um terminal de GNL (Gás Natural Liquefeito) que hoje é importado dos EUA e atende à GNA-I que entrou em operação em 2021 com 1,3 GW de capacidade. Já a GNA-II foi inaugurada agora em 2025 com 1,7 GW de capacidade. Juntas, elas formam o maior complexo de geração de eletricidade a gás natural da América Latina, com 3 GW de capacidade total, que entram em operação, quando demandadas pelo sistema de energia elétrico nacional.

GNA-I e II e T2. Foto Ricardo Stuckert / PR 28 jul. 2025.

Outra exceção pode ser a do projeto, já licenciado e aguardando investidores para implantação, na produção de hidrogênio verde que concorre com dezenas de outros projetos semelhantes a nível nacional, a maioria também projetada junto a complexos portuários. A exceção de servir à industrialização pode acontecer porque os produtos podem ter também pode ter como destino, basicamente, a exportação de amônia e não ao uso em industrialização no distrito industrial do porto, mantendo a atual característica de um porto de movimentação de cargas e riquezas de cadeias de valor global (CVG), sem gerar aquilo que os economistas chamam de externalidades dessa importante infraestrutura portuária do Açu, no Norte do Estado do Rio de Janeiro.

 

3 - Novos negócios, a extraordinária dívida e a lógica da gestão de ativos dos investidores

A Prumo tem informado que até hoje o empreendimento no Açu em São João da Barra já se utilizou de cerca de R$ 22 bilhões de investimentos (US$ 4,1 bilhões) desde o início da construção do porto, em 2008, e tem expectativa de investir outros R$ 20 bilhões nos próximos 10 anos.

A dívida financeira de R$ 14,1 bilhões tomados com empréstimos no Brasil (indexada pelo CDI e IPCA e spread médio de 15,6%) – e com emissão de debêntures (títulos privados) e no exterior (em dólar) é expressiva, mesmo considerando o porte do empreendimento.

É possível que, ao longo do tempo, essa dívida possa ser saudada em parte e/ou compartilhada com investimentos e divisão de sociedades com outros investidores estrangeiros, interessados em investir na infraestrutura logística brasileira, considerando o potencial de uso de nossos portos. Isso já vem acontecendo com os negócios de algumas das empresas subsidiárias da Prumo, como no caso da Vast Infraestrutura, companhia que faz transbordo de petróleo no T1 e teve 70% vendida para a empresa chinesa China Merchants Port, CMP.

Porém, o investimento em infraestrutura, normalmente, têm prazos de retorno mais longos e servem a corporações e fundos que também possuem interesses nas movimentações de cargas de outros de seus negócios e ativos. Nesse cenário, embora hoje a maioria dos investimentos e controle de negócios no Porto do Açu, sejam ligados a investidores dos EUA, tem sido a China a maior interessada nesses negócios portuários, infraestrutura e energia no Brasil, o que colocaria o empreendimento na mesma encruzilhada da disputa EUA x China, como elemento importante das atuais contendas geoeconômica e geopolítica global. O crescimento atual da economia do Brasil cria expectativas de comércio externo. Já uma eventual redução dos negócios globais e mesmo novos conflitos regionais, por outro lado, impactam negativamente o uso dos terminais portuários e poderiam afastar investidores.

Do ponto de vista da região, se observa como importa tão pouco os interesses regionais nas discussões sobre investimentos nesse grande investimento. Negócios são fechados entre corporações no plano global e a região assiste como se fosse a um programa de TV, sem perceber que muitas dessas decisões influenciam pesadamente a realidade sobre o nosso território.

Um exemplo apenas dessa última semana, a mineradora Anglo American, a primeira empresa a exportar pelo Porto do Açu, decidiu essa semana realizar uma fusão bilionária com a mineradora canadense Teck Resources criando uma gigante corporação do setor de mineração com sede no Canadá e negócios de ações em Londres. Em 2024, a Anglo American já tinha aprovado a venda de 15% da sua operação no Brasil, a Minas-Rio, para a Vale e tem sinalizado interesse em se voltar mais para a extração de cobre de olho na expansão da eletrificação mundo afora.

Negócios de infraestrutura logística tendem a se articular com corporações que atuam em cadeias de valor global, se importando menos com as questões locais e regionais, onde possuem capital fixo instalado no território. Vislumbram alta fluidez das suas cargas para ganhos em produtividade, contabilizando os ativos e nutrindo expectativas de grandes rentabilidades no menor prazo possível, dentro da lógica de gestão de ativos que interessa aos investidores cuja maioria nem sabe onde fica São João da Barra.