terça-feira, junho 24, 2025

Eleições 2026 com IA "íntima" e anúncios direcionados e hiperpersonalizados bem além das fake news, por James Görgen

Como já comentamos aqui algumas vezes, o cenário para as eleições de 2026 no Brasil com o intenso e crescente uso das mídias sociais, acrescido do estreitamento das articulações entre as Big Techs e a extrema-direita brasileira, prometem uma avalanche de riscos que saltam à escolha democrática de nossa população. 

Em 2018, 2020, 2022 e 2024 já foi bastante difícil esse enfrentamento. Em 2022, o TSE teve papel de destaque, porém, a avalanche que se vislumbra para 2026, é ainda mais grave, em decorrência de novos instrumentos digitais disponíveis e das incapacidades dos Estados-nacionais em lidar com essas ameaças diante das acusações de censura e falta de liberdade que a extrema-direita alega, para que possa fazer o que quiser, sem respeito aos marcos legais e ao estado democrático e de direito. 

James Görgen, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental é hoje no Brasil, um dos melhores intérpretes sobre a geopolítica e a soberania digital, com leituras totalizantes e em várias dimensões combinando a compreensão do uso da tecnologia e suas repercussões na sociedade e estados nacionais. James tem ido além de apresentar disgnósticos e quase sempre também aponta caminhos não apenas para a resistência, mas tem seguido na linha de propor saídas para a sociedade e suas instituições avançarem na construção de alternativas. O texto abaixo é uma dessas boas leituras sobre as ameaças para as próximas eleições no Brasil, quando Görgen aponta questões ainda pouco conhecidas para a maioria. Vale conferir! 


Afetos artificiais e publicidade opaca nas eleições 2026*
 Por James Görgen** - 22/6/2025

Sempre que o período eleitoral bate às portas no Brasil, tendemos a nos dar conta de várias lições de casa por fazer. No campo do digital, 2024 para cá algumas novidades tornaram a tarefa de regular a difusão de informação e propaganda política nas redes bastante desafiadora. Considerando que os prazos para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovar as resoluções que vão regular o comportamento dos eleitores, dos partidos, dos candidatos, suas campanhas e dos financiadores se encerram nos primeiros meses do próximo ano, cabe trazer alguns novos elementos para este debate no que diz respeito à Internet e seu entorno.

Na semana passada, a Meta anunciou[1] que o WhatsApp passará a veicular publicidade e promover conteúdos nos próximos meses[2][3]. E que os dados dos usuários do Facebook e Instagram poderão ser usados para formar os perfis para o direcionamento dos anúncios. A empresa garantiu que o conteúdo das conversas (aba “conversas”) não será usado para isso e que os comerciais apareceram em uma barra à parte. O que a empresa ainda não esclareceu é se o 1,5 bilhão de usuários poderão optar por não receber mensagens publicitárias e se esta opção será feita de forma transparente. Não ficou claro, também, se a opção se dará por default ou em um ato posterior. Por fim, não foi comunicado se o assistente virtual de inteligência artificial embutido no aplicativo coletará dados das consultas efetuadas para também formar o perfil do consumidor. Consumidor aqui entenda-se no sentido lato, incluindo eleitor que “consome” propaganda política. A cereja do bolo é o XChat[4], aplicativo de mensageria que o bilionário Elon Musk irá acoplar à sua rede social e que deverá enveredar pelo mesmo caminho da publicidade em busca de novas receitas para o ex-Twitter.

Em outra seara, reportagens em vários jornais e pesquisas científicas estão mostrando que os usuários de chatbots de IA passaram a priorizar conversas íntimas e afetivas com os sistemas no lugar de tarefas que tinham se tornado usuais no caso de IA generativa, ou seja, gerar ideias. Do ano passado para cá, esta opção foi desbancada por suporte emocional ou acompanhamento[5]. Reportagem do The New York Times[6] narrou casos de pessoas que se suicidaram ou se apaixonaram por conta de conversas entabuladas na privacidade de um prompt. Ninguém sabe o que se passa, alegam alguns. Mas não é bem assim. O sistema que absorve estes dados não só sabe como os usa para várias tarefas. The Washington Post[7] e outros veículos revelaram que aplicações disponíveis na loja de IA da Meta permitem que você conheça algumas destas perguntas sem que o responsável por elas saiba que está sendo exposto.

Muito além das fake news

Mais do que um alerta para que você tome cuidado sobre o que fala para seu empático amigo — ou amiga — digital, ou cuidados sobre sua saúde mental e perda de cognição[8], pense onde tudo isso pode nos levar em outras áreas. Por exemplo, no campo da democracia e da política. E coloque de um lado, por um momento, o debate sobre fake news, robots e gabinetes do ódio que dominam a cena desde, pelo menos, o escândalo da Cambridge Analytica em 2016.

Para o pleito do ano que vem, entram em cena também estas duas variáveis: os acompanhantes — ou assistentes — de IA e a publicidade nos serviços de mensageria. Isso significa que mais que a desinformação textual e a manipulação de imagens, vídeos e áudios, conteúdos gerados por algoritmos pouco transparentes, portadores de vieses sem escrutínio, poderá causar tanto estrago quanto a mentira lançada no ventilador virtual. Mais do que isso, a intimidade e os afetos que começamos a trocar com estes sistemas, além dos dados privados que geramos nas redes sociais, acabarão podendo ter influência sobre o voto de indecisos e mesmo eleitores convictos.

Simulando cenários

Imagine a cena: uma jovem de 19 anos, desempregada, estudante do ensino médio e com problemas de auto-estima que está em dúvida sobre quais critérios deve levar em consideração para exercer seu voto. Ela pergunta a seu chatbotpreferido quais são os critérios a serem observados para fazer uma boa escolha. No processo de elaboração da resposta, o software pode vir a considerar todas as conversas anteriores que essa jovem teve com sua interface, seus segredos mais íntimos, seus medos e anseios, até suas perguntas mais non-sense. Ao ler o conteúdo gerado pela máquina, a jovem então faz a pergunta derradeira: qual dos candidatos A, B e C se enquadram melhor nestes critérios? A resposta, convincente mesmo que equivocada como costuma ocorrer com estas ferramentas, será encarada como algo tão determinante e relevante quantos os demais resultados de outras indagações existenciais. E o mesmo processo de não checagem dos fatos que se passa nas redes sociais deverá prevalecer. Possivelmente, valerá o veredicto elaborado de forma empática pela caixa-preta.

Imagine uma outra cena: um usuário com contas em duas redes sociais famosas de uma mesma empresa se manifesta livremente sobre os mais variados assuntos. Curte textos, compartilha opiniões, assiste a vídeos. Sem advertência clara, ele não desconfiará que estes dados estão servindo para a mesma empresa traçar seu perfil a fim de entregar-lhe mensagens publicitárias em seu aplicativo preferido de comunicação interpessoal. Que, por coincidência, pertence ao mesmo conglomerado. Em seguida, começa a corrida eleitoral e ele passará a receber conteúdos — falsos ou não — contra ou a favor um determinado candidato. O potencial de estrago pode ser agravado se ele também usa o assistente virtual de IA do serviço de mensageria para trocar confidências ou pesquisar sobre assuntos diversos. Tudo isso vira matéria-prima para as campanhas de marketing. E o pior cenário: para propaganda gerada por “anunciantes” pouco éticos e de origem duvidosa trabalhando para um candidato de mesma estirpe.

Missão complexa

Ou seja, o que vamos viver na campanha eleitoral do ano que vem é o que assistimos em anos recentes agravado pelo fato de que a fiscalização agora será praticamente impossível porque se dará no âmbito da intimidade, com informações aparentemente confiáveis que nem sempre serão inverídicas. Como se estivéssemos conversando com um amigo na mesa de bar sobre as angústias pré-eleitorais. E isso será vivido novamente sem uma lei que regule as plataformas e os assistentes de IA porque será muito improvável o Congresso aprovar duas leis tão complexas em tempo hábil para o próximo pleito.

Isso nos leva a duas tarefas muito concretas para 2026 se quisermos continuar fortalecendo a democracia e a lisura do processo eleitoral, tão questionado, no Brasil. Uma delas compete ao TSE. Escutar a sociedade para criar normas que permitam algum tipo de regulação sobre os chats de IA e a publicidade nos serviços de mensageria. Aqui vale lembrar que no pleito de 2024 nos Estados Unidos, as próprias empresas trataram de frear seus chatbots [9]para não responderem perguntas que mencionassem candidatos ou abordassem as eleições. Classificada como censura por alguns, a medida contribuiu para haver menos ruído e desinformação no pleito. Acredito ser importante a Corte brasileira propor que estas duas novas variáveis sejam incluídas na escuta pública que colherá subsídios para as resoluções que regrarão a próxima corrida eleitoral.

Outro trabalho caberá aos eleitores e aos partidos. Criar forças-tarefa para monitorar as mensagens que estão sendo dirigidas a cada usuário do WhatsApp ou do XChat, por exemplo, poderá servir como prova para processos junto à Justiça Eleitoral e, no extremo, por impugnação de candidaturas. O mesmo será muito difícil de estabelecer para os “terapeutas” virtuais porque isso se dará na privacidade de seu telefone. Mas o que pode ser feito é testar estes novos oráculos com a simulação de perguntas que podem revelar vieses ou campanhas dirigidas por uma ou outra aplicação.

Portanto, mais do que aprender com as big techs como gravar um bom vídeo para arrasar nas redes sociais com sua propaganda de candidato, em 2026 o olhar-cidadão e os prompts cívicos serão uma arma tão importante quanto o título de eleitor. Se conseguirmos passar a usar IA para afastar de nossa democracia fantasmas não muito distantes, a tecnologia já terá demonstrado seu valor para a sociedade como um todo. Cabem aos partidos e candidaturas democráticas pensarem na melhor estratégia para ir além da denúncia de desinformação. E, aos tribunais eleitorais, criar ferramentas digitais que possam ajudar na tarefa do eleitor em fiscalizar estas novas armadilhas.


* Publicado originalmente no Medim.com - Notas da Floresta Digital
** Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

Notas e referências:


[2] Conforme o anúncio da empresa, a entrada de conteúdo promovido envolve os seguintes serviços no aplicativo:

“Assinaturas de canais: Você poderá apoiar seu canal favorito, como sua rede de notícias favorita, inscrevendo-se para receber atualizações exclusivas por uma taxa mensal.

Canais promovidos: Nós o ajudaremos a descobrir novos canais que podem ser interessantes para você quando estiver pesquisando no diretório. Pela primeira vez, os administradores de canais têm uma maneira de aumentar a visibilidade de seus canais.

Anúncios no status: Você poderá encontrar uma nova empresa e iniciar facilmente uma conversa com ela sobre um produto ou serviço que ela está promovendo no Status.”








segunda-feira, junho 23, 2025

Invasão do Irã terá que ser abordada na cúpula do Brics daqui a 2 semanas no Rio

A disputa geopolítica pelo chamado Oriente Médio (Oeste da Ásia) é antiga, antes, basicamente, por conta do recurso energético petróleo, mas hoje, como porta de entrada para um maior e disfarçado enfrentamento com o Brics (e China) que já tinha aumentado a presença dessa região na sua composição. Israel sempre foi o cão de guarda dos EUA naquela região e o Irã seu maior contraponto.

Por tudo isso, queiramos ou não, o atual conflito, obrigatoriamente, se estenderá à reunião dos Brics que acontecerá daqui a duas semanas, exatamente no Brasil, nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro.

Embora o Brics não seja um bloco político e sim um potente bloco econômico-comercial, não tem como não tratar do caso do Irã (e da guerra contra Israel com apoio dos EUA), considerando que, em 2024, essa nação já tinha passado à condição de novo membro com a expansão do grupo original de países, junto com a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia que agora constituem o Brics+, se somando ao Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul.

Num mundo em ebulição geopolítica e geoeconômica com riscos tão eminentes de conflito nuclear, fracasso da ONU e da ordem mundial, com os países-nação tendo que se virarem por si, há que se ver como um bloco de países com tal dimensão como o Brics+ (que já avaliava nova expansão) se portará nesse mundo em profunda transformação.

É inaceitável a preponderância do uso da força como forma de construir a paz sob a velha lógica imperial. O Brics surgiu da vontade de romper a unipolaridade e avançar numa perspectiva da multilateralidade. A ver!

quarta-feira, junho 18, 2025

Encontro em Brasília (8 e 9 julho) do ciberativismo progressista em defesa da soberania cibernética

Publicamos abaixo um artigo divulgado (aqui) do jornal GGN do Nassif sobre a organização de um encontro em Brasília nos próximos dias 8 e 9 de julho, em defesa da soberania digital no Brasil e contra a ofensiva da extrema-direita em conluio com as Big Techs. 

Seus autores, Reynaldo Aragon e Uirá Porã se reportam a um artigo com questionamentos do Luiz Nassif que indagou sobre a posição histórica do movimento do software livre, coletivos de ciberativismo, academia, sindicatos e mídia progressista no Brasil sobre essa aliança entre a extrema-direita global e do Brasil com as gigantes corporações de tecnologia. 


A Tribo Está de Pé: Soberania Já! 
Por Reynaldo Aragon e Uirá Porã

Em resposta ao chamado de Luís Nassif, o movimento do software livre, coletivos de ciberativismo, academia, sindicatos e mídia progressista se levantam. Nos dias 8 e 9 de julho, em Brasília, começa a construção das trincheiras da soberania digital contra a ofensiva da extrema-direita e a captura das instituições pelas Big Techs.

O Chamado Foi Ouvido.
Quando uma voz como a de Luís Nassif ecoa no deserto da informação sequestrada, não há como fingir que não ouvimos. Seu artigo recente — “A hora de convocar a tribo do software livre” — não foi apenas uma coluna: foi um gesto de reencontro com um Brasil que ainda insiste em resistir. Um Brasil que acredita que a tecnologia pode ser uma ferramenta de emancipação coletiva e não um instrumento de dominação algorítmica.

O movimento do software livre, como tantas outras redes vivas da sociedade brasileira, recebeu esse chamado com emoção e com urgência. Porque não se tratava apenas de nostalgia — tratava-se de memória ativa. E memória ativa, em tempos de guerra híbrida, é trincheira. É código. É povo.

O texto de Nassif resgata não só uma história de luta, mas nos convoca a reescrevê-la. E é por isso que viemos a público: para dizer que estamos aqui. Que a tribo ainda existe. Que ela se organizou. Que ela está de pé. E que em Brasília, nos dias 8 e 9 de julho de 2025, ela vai se encontrar. Não para celebrar o passado, mas para construir as defesas do futuro.

A Tribo Está de Pé – O Encontro em Brasília.
A chama que parecia dispersa reacendeu. Não foi por acaso. Ao longo dos últimos anos, mesmo nas sombras, mesmo nos subterrâneos do algoritmo, a tribo nunca deixou de existir. Resistimos nas margens da política institucional, nas linhas de código escritas em silêncio, nos servidores mantidos à unha, nas oficinas comunitárias, nas redes federadas, nas universidades públicas, nos becos do país real. E agora, convocados pela urgência do tempo e pela lucidez do chamado, decidimos romper o silêncio.

Nos dias 8 e 9 de julho de 2025, em Brasília, realizaremos o Encontro Nacional “Soberania Já!” — uma aliança inédita entre o movimento do software livre, coletivos de ciberativismo e hackerativismo, universidades públicas, sindicatos, movimentos sociais, desenvolvedores autônomos, comunicadores populares e frentes progressistas que ainda acreditam no papel histórico da soberania digital como fundamento da democracia.

Não será apenas um evento. Será uma convocação — uma resposta articulada à ofensiva coordenada da extrema-direita algorítmica e às tecnologias de desinformação que vêm desestabilizando as instituições, os corpos e as consciências. Brasília será nossa fogueira: ali nos reuniremos para traçar estratégias, partilhar tecnologias livres, definir princípios comuns e declarar, em alto e bom som, que não aceitaremos a tutela das Big Techs sobre o destino do país.

A Guerra Já Começou – O PL, as Big Techs e a Nova Direita Digital
Não se trata mais de prever. Está em curso. A guerra informacional já começou — e seus generais não estão em Brasília, mas em São Francisco, Palo Alto, Menlo Park e no coração de plataformas que fingem neutralidade enquanto operam uma engenharia precisa de desestabilização democrática.

O que vimos este ano, no evento do PL em Fortaleza, com a participação oficial de representantes da Google e da Meta, não é apenas uma aberração institucional: é um marco histórico. Pela primeira vez, plataformas privadas norte-americanas se sentaram à mesa com o partido que lidera a extrema-direita brasileira para oferecer treinamento, recursos e tecnologia. O que ali se selou não foi uma oficina, foi uma aliança.

Uma milícia informacional oficializada, bancada por corporações que se beneficiaram, enriqueceram e cresceram com a radicalização digital no Brasil. Empresas que lucraram com o ódio, com o negacionismo, com os ataques às urnas eletrônicas, à imprensa livre e aos direitos fundamentais. Agora, retornam, não como culpadas, mas como parceiras estratégicas de quem ameaça a democracia.

Não estamos mais diante de um risco difuso. Estamos diante de uma plataforma de guerra híbrida sendo institucionalizada, testada e refinada para 2026. E quem não enxergar isso está cometendo, mais uma vez, o erro fatal de subestimar o inimigo.

Um Alerta à Esquerda – O PT Não Pode Errar de Lado.
Dói escrever essas linhas, mas o silêncio seria cumplicidade. Nos últimos dias, a imprensa noticiou que, após recusar um convite da Meta, o Partido dos Trabalhadores agora considera organizar uma “oficina com as Big Techs” para formação de quadros. A alegação: “após a eleição interna, haverá interesse em treinamento”.

Isso é um absurdo histórico e ético. Não há neutralidade possível entre democracia e desinformação. Google, Meta, X, Amazon e tantas outras plataformas transnacionais são parte estrutural do problema. Foram elas que ofereceram os palanques, os algoritmos e os lucros para o bolsonarismo florescer. Foram elas que fecharam os olhos — ou pior, colaboraram — enquanto as instituições democráticas brasileiras eram sistematicamente atacadas.

Como pode o partido que mais sofreu com o lawfare, com a manipulação da opinião pública, com os ataques algorítmicos, agora pedir formação técnica a seus algozes?

Não se trata de ingenuidade — trata-se de desorientação estratégica. Em vez de reconhecer o acúmulo dos movimentos populares, das universidades públicas, dos coletivos técnicos, da ética hacker, o partido olha para o topo da cadeia tecnológica e estende a mão a quem conspira contra a soberania nacional.

Queremos dizer com clareza: o campo democrático não precisa das Big Techs para enfrentar a extrema-direita. Precisa é romper com elas. Precisa construir, junto aos que jamais se renderam, uma estratégia digital baseada em soberania, infraestrutura livre e tecnologias populares. Qualquer outro caminho é armadilha.

O Projeto Existe – O Brasil Participativo Ignorado
Não falta proposta. Não falta acúmulo técnico. Não falta mobilização popular. O que falta — e segue faltando — é vontade política de escutar quem constrói soberania de verdade.

A proposta “Serviço Digital Brasileiro – Inovação e Liberdade: Soluções Livres para Desafiar as Big Techs”, construída por dezenas de ativistas, desenvolvedores, pesquisadores e militantes da liberdade tecnológica, foi a mais votada na categoria Ciência e Tecnologia da plataforma Brasil Participativo. Um feito político e simbólico. Uma demonstração viva de que o país real quer outra direção: infraestrutura descentralizada, software livre, tecnologias públicas, respeito à diversidade cultural e inclusão digital de base.

E o que fez o governo federal diante disso?

Nada. Silêncio. Esquecimento.

A proposta, legitimada democraticamente por centenas de votos, foi ignorada. Nenhuma menção, nenhum aceno, nenhuma tentativa de interlocução. Como se a soberania digital fosse assunto secundário. Como se a guerra híbrida não estivesse nas portas. Como se os saberes acumulados por essa “tribo” há mais de duas décadas não tivessem importância alguma.

Esse desprezo institucional é mais do que um erro: é uma oportunidade desperdiçada. E pior — é um sinal perigoso de que setores do governo ainda não compreenderam quem são os verdadeiros aliados da democracia e quem são seus sabotadores travestidos de prestadores de serviço.

O Que Está em Jogo em 2026
O que se avizinha não é uma eleição. É uma batalha decisiva na guerra híbrida que já ceifou democracias ao redor do mundo e colocou o Brasil como seu principal laboratório. 2026 não será apenas uma disputa de votos, será uma disputa de realidades, de percepções, de narrativas moduladas por algoritmos que não respondem a nenhum código de ética, apenas à lógica do lucro e do controle.

A extrema-direita brasileira vem mais preparada, mais digitalizada, mais articulada com o submundo das plataformas, com as consultorias privadas de inteligência de dados, com a manipulação automatizada da opinião pública. Eles têm robôs, rastreadores de comportamento, campanhas gamificadas, perfis fantasmas, publicidade camuflada, deepfakes e redes coordenadas. E agora, têm também o apoio formal das Big Techs.

Se nada for feito, 2026 será não apenas a repetição de 2018 — será sua evolução. Mais técnica, mais disfarçada, mais difícil de conter. Não será só a mentira que vencerá. Será a verdade que perderá acesso aos meios de existir.

E a pergunta central é: com que infraestrutura o campo progressista pretende enfrentar esse desafio? Com oficinas do Google? Com workshops do Facebook? Ou com redes autônomas, servidores descentralizados, tecnologias livres e estratégias construídas com o povo, para o povo?

Não há vitória possível sem soberania. Não há soberania possível sem ruptura com os monopólios da manipulação.

A Convocação – De Nassif para Todos Nós
Este artigo é, antes de tudo, uma resposta. Mas é também um gesto de retribuição, um eco do chamado de Nassif. Quando ele escreveu que era hora de convocar a tribo do software livre, ele sabia que falava com mais do que desenvolvedores: falava com os inconformados. Com os que ainda acreditam que há luta possível para além das instituições capturadas. Com os que resistem ao silenciamento de uma internet cada vez mais fechada, comercial, colonizada.

Pois aqui estamos, Nassif. A tribo ouviu. E não está só.

Convidamos você — e a todas e todos que mantêm a imprensa livre de pé, a crítica viva e a esperança informada — a se juntar a nós. Precisamos da sua voz, da sua palavra, da sua história e da sua coragem. Precisamos de jornalistas como você, como Leandro Fortes, Márcia Tiburi, Florestan Fernandes Jr., Cynara Menezes, Kiko Nogueira, Dríade Aguiar, Jamil Chade, Hildegard Angel, Chico Pinheiro, Sara Goes, Altamiro Borges, Natália Viana, Breno Altman, Amanda Audi, Rodrigo Vianna, e tantos outros que enfrentaram o tempo da mentira organizada com dignidade e compromisso com o país. Pedimos ajuda — porque construir trincheiras não se faz apenas com código, mas com comunicação, narrativa e consciência coletiva. Sem a presença ativa do jornalismo progressista, o ataque à democracia será completo.

Nos dias 8 e 9 de julho, em Brasília, faremos o Encontro “Soberania Já!”. E queremos vocês lá. Não como plateia, mas como parte da frente de batalha. O que está em jogo não é um projeto de software, é o próprio direito de existir como povo soberano em um país que não se ajoelha aos algoritmos de fora.

Conclusão – As Trincheiras da Esperança
Há algo profundamente poético — e político — em ver o reencontro entre jornalistas progressistas, pessoas programadoras do software livre, sindicatos, movimentos sociais e a juventude hacker. São elas, juntas, que estão cavando as primeiras trincheiras da esperança num território tomado por desinformação, ódio e colonialismo digital.

Mas não se engane: essas trincheiras não são metáforas. São reais. São servidores autônomos sendo ativados. Plataformas federadas sendo construídas. Protocolos públicos sendo testados. Aplicativos comunitários ganhando vida. Comunicação alternativa se reorganizando. E, agora, pela primeira vez em muito tempo, todos esses esforços convergem para um mesmo chão: Brasília, julho de 2025.

O que começa ali não é um evento, é uma virada. É a inauguração de um campo de resistência informacional para o que virá em 2026. Porque não enfrentaremos a máquina da extrema-direita com protocolos da direita moderada. Não se combate colonialismo digital com cursos do colonizador. Não se enfrenta a distopia algorítmica com “inovação” de mercado.

Venceremos com soberania. Com solidariedade. Com a beleza de quem sonha junto. E com a convicção visceral de que a democracia que ainda queremos viver depende da infraestrutura que estamos começando a construir agora.

Nos vemos em Brasília.

Nas trincheiras da liberdade.

No futuro que ainda é possível.

A atividade está sendo organizada conjuntamente pela Campanha Internet Legal, pela Rede pela Soberania Digital e pelo Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI), com apoio de diversas entidades comprometidas com a democratização da comunicação, a soberania informacional e os direitos digitais no Brasil. Assinam este chamado e convocam para o encontro Soberania Já! (Brasília, 8 e 9 de julho de 2025).

Big Techs avançam com suas digitais sobre o complexo militar e as guerras

As Big Techs com suas Inteligências Artificiais (IAs) avançam com suas digitais na direção das guerras e da participação no complexo militar (Deep State) dos EUA. Muitas já possuem diretorias de defesa e passaram a ver na guerra uma forma de ampliar ainda mais seus lucros como os maiores oligopólios da história da humanidade.

O Globo, 18 jun. 2025, p.18
Essa participação da OpenIA citada na matéria de O Globo ("OpenIA vai colocar IA a serviço do Exército dos EUA", 18 jun. 2025, p.18) não é apenas dela, da Meta e da Palantir, como diz a reportagem, mas vai além com a participação da Amazon, Google e Microsoft entre outras.
 
A terceira Big Tech citada, a Palantir Tecnologies Inc., do conhecido Peter Thiel, defensor da extrema-direita, já tem hoje, um valor de mercado de U$ 327 bilhões. Seu cofundador e CEO, Alexander Karp, é um dos autores, junto do Nicholas Zamiska, chefe de assuntos corporativos da mesma empresa, do livro "A República Tecnológica: Tecnologia, política e o futuro do Ocidente".

Na publicação o livro eles fazem uma defesa e um chamamento contundente aos donos das demais Big Techs e aos seus investidores, para não apenas acumularem seus lucros trilionários, mas também participarem da reconstrução dos EUA e do que chamam de república tecnológica para a "recuperação da ambição nacional e da inovação governamental do Estado indo além da criação de produtos da era digital".
 
Assim, os dois autores defendem no livro um maior relacionamento dessas corporações de tecnologia com o governo com a "obrigação de redirecionar esforços em recursos de tecnologia e IA, para também participar da defesa da nação norte-americana e da articulação de um projeto nacional com a função de preservar a vantagem geopolítica duradoura, porém frágil, que os EUA e seus aliados na Europa mantiveram até aqui em relação aos seus adversários".

A participação da Amazon e Google (e outras a conferir) no morticínio em Gaza, como laboratório de uso dos dados em massa, com softwares espiões israelenses, transformaram a localização dos adversários em alvos a serem abatidos com todos ao redor, numa espécie de caça, que vai muito além do uso dos drones teleguiados, produzindo matança e o genocídio em massa de todos que estão próximo à pessoa "caçada", em especial, mulheres e crianças.
 
Com esse modelo desenvolvido no "laboratório de Gaza" contra o sofrido povo palestino, que está agora sendo expandido, se faz uso de datacenters modulares que permitem transformar a vigilância diuturna das comunicações dos adversários, em alvos específicos. 

Com ou sem a participação direta de Elon Musk, as Big Techs, saltaram "as cercas do desenvolvimento tecnológico-digital" com a busca de novos produtos para o mercado, e decidiram entrar, de cabeça, no setor governamental de defesa militar. 

Não se trata de deixar de lado seus colossais rendimentos (juntas as dez maiores corporações de tecnologia já valem mais de US$ 20 trilhões), mas ampliar ainda mais, os seus agigantados lucros com faturamentos diretos, sem ter que disputar mercado com o fornecimento de tecnologia para o setor militar.
 
Certamente nos últimos tempos, desde a posse de Trump, eles seguem mudando suas visões, ao perceberem que chegaram numa etapa em que o poder e o Estado, são ainda mais fundamentais (não é que não fossem antes com o forte apoio ao desenvolvimento tecnológico na fase nascente das chamadas startups) para garantir a atual hegemonia que reforça o embricamento entre tecnologia e finanças no capitalismo contemporâneo. 

As Big Techs não teriam chegado onde chegaram sem o mercado de capitais e a lógica dos ativos (assetização) e da financeirização 2.0 e agora estão subindo o patamar dessa imbricada relação.

Sugiro que leiam o livro citado (capa na imagem). Penso que assim se pode ter uma leitura e uma interpretação mais fidedigna do que estamos assistindo, em termos da re-ascensão do fascismo e das três guerras em curso que espantam o mundo diante do risco da guerra nuclear total. 

Lembremos que Hitler também contou com o apoio direto e firme de grandes corporações europeias e americanas para fazer o estrago do qual imaginávamos estar livres. 

segunda-feira, junho 16, 2025

“Sumud em tempos de genocídio” na Palestina

Vi a sugestão deste livro Sumud em tempos de genocídio numa “live” sobre geopolítica. Antes de tudo considero uma leitura necessária, embora difícil nesses tempos de distopias.

A autora é a médica psiquiatra palestina, Samah Jabr, de 49 anos que nasceu na Jerusalém Oriental. Jabr é chefe da Unidade de Saúde Mental do Ministério da Saúde da Palestina. Atua nos setores público e privado e também já lecionou em diversas universidades palestinas, sendo ainda afiliada à Universidade George Washington no Departamento de Saúde Mental Global, como professora clínica associada de Psiquiatria e Ciências do Comportamento.

Os vários textos deste livro “Sumud em tempos de genocídio” é uma compilação organizada e traduzida pela psicoterapeuta, Rima Awada Zahra, a partir dos escritos da Dra. Samah Jabr. Se tratam de textos escritos na mídia daquela região (em especial Middle East Eye) sobre as consequências traumáticas da ocupação israelense na saúde mental dos palestinos desde 2000, envolvendo ainda textos mais recentes de 2024, já sob o trauma do atual genocídio em Gaza. São textos que mostram a “urgência de se conhecer o lado palestino que vem sendo submetido à violência atroz com efeitos devastadores na saúde individual e coletiva daquela população”. O livro foi publicado em 2024, pelo selo Tabla da editora Roça Nova, Rio de Janeiro.  

São relatos humanamente difíceis de serem aceitos sobre a ocupação e a saúde mental do povo palestino; o trauma colonial e intergeracional; a psicopatologia desencadeada por prisão e tortura (adolescência aprisionada); mas especialmente, sobre resistência, resiliência e solidariedade, em que a autora destaca o papel coletivo e comunitário, além do tratamento individual, como opção para o apoio psicológico deste trauma histórico palestino.

Aliás, os vários textos vão dando clareza ao termo “sumud” cunhado pelos palestinos e que “expressa a essência desse povo” e que deu título ao livro. Segundo destaca a organizadora, para a autora Dra. Samah Jabr “sumud não significa apenas a capacidade de sobreviver ou a habilidade de se restabelecer para lidar com o estresse a adversidade, mas sumud é a disposição de manter um desafio inabalável à subjugação e à ocupação”. “Sumud não é uma característica inata ou a consequência de um único evento na vida (trauma), mas um sistema de habilidades e hábitos que são apreendidos e podem ser desenvolvidos”. Uma espécie de estilo de vida voltado para a resistência.

Os relatos dos dois primeiros capítulos em especial, com descrição dos sintomas no consultório (clínica psiquiátrica, postos de saúde, rua, etc.) são muito fortes revelando não apenas a depressão e ansiedade de vários tipos, mas a forma como a opressão permanente quase totalizante opera na saúde das pessoas.

A doutora Jabr, escreve ao final do primeiro texto logo depois do prefácio e da introdução do livro: “nem todo mundo que vem me ver é um paciente. Nem toda dor ou queixa é um sintoma. Nem todo ajuste é um distúrbio. Tento ajudar as pessoas a darem sentido a suas experiências dolorosas, criando uma narrativa que valide a complexidade de sua situação frente aos poderes opressivos, em vez de rotulá-las com um código de diagnóstico”.

A autora insiste em várias passagens que não aceita e questiona o conceito ocidental de "Transtorno de Estresse Pós-Traumático" (classificado como TEPT) que muitas vezes obriga a restringir a complexa história de um paciente ao limitado código da Classificação Internacional de Doenças (CID). Ela considera importante “explorar noções que considera importantes como jihad, chahid, sacrifício, traição, honra, sumud, resistência, pátria, solidariedade e outras conceituações relevantes para a visão Palestina de libertação”. Para ela, “a libertação da mente, por meio da terapia, sensibilização e consciência crítica, é projeto fundamental”.

“Os traumas que mais prevalecem na Palestina, são causados de forma deliberada e o causador jamais é responsabilizado, o que multiplica os efeitos da lesão com a impunidade que culpa as vítimas pelo trauma sofrido”. Assim, a culpa e a vergonha complicam ainda mais qualquer tratamento, porque as pessoas passam ter vergonha de compartilhar seus problemas e medo de expor suas questões individuais por conta dos riscos de seus prontuários serem descobertos pelos algozes.

A Dra. Jabr também questiona a individualização desses problemas e a falta de conhecimento social do trauma, de modo que sobreviventes isolados são desencorajados a procurar ajuda. A psiquiatra sugere assim “ir além de tratar o trauma individual forjado na violência política que é apenas parte da longa jornada de cura que enfrenta toda a comunidade palestina”, mas insiste que é preciso ir além em termos coletivos: “é necessário recuperar do trauma retomando nossa normalidade perdida por meio de sistemas culturais e sociais... que permanecem adormecidos sob a ocupação. Esse trabalho não pode se desenvolver de modo pleno somente no consultório, mas requer uma ampla renovação coletiva da vida psicológica sob condições de autonomia e justiça”.

No presente, um livro mais que necessário, não apenas como forma de solidariedade ao povo palestino (razão do último capítulo), para se conhecer melhor e sob sua ótica, seus graves problemas e sofrimentos, mas também para se compreender melhor a violência das guerras, do ódio e as psicopatologias que nos cercam nesses difíceis períodos da humanidade.

domingo, maio 18, 2025

Geoeconomia e geopolítica num mundo em várias transições: Do Big Oil para as Big Techs com a intermediação do Big Money

Os EUA parecem ter escolhido o Golfo (Oriente Médio) como primeira opção para avançar na disputa contra a China, deixando de lado ou passando por cima de outros antigos aliados. Na primeira viagem internacional de Trump mais sua trupe (desculpe o fraco trocadilho) de CEOs das Big Techs e Big Funds, foram em busca dos países árabes com seus trilionários/bilionários fundos soberanos que estão ansiosos pelos chips avançados, pelo poder computacional e tecnologia de IA das Big Techs americanas.

Nessa articulação em que um desconfia do outro, os EUA parecem querer ir além do acordo com os Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e o Qatar indo até uma negociação com o Irã, suspendendo sua sanção, para tentar afastá-lo da estruturada aliança estratégica com a China, com o sonho de voltar a ter a maioria do Golfo como seu quintal, talvez, mais até que a América Latina.

Os países árabes, em especial os Emirados Árabes Unidos, usam sua vantagem comparativa de terem excedentes (riqueza) do petróleo em abundância para chegar aos chips da taiwanesa TSMC com tecnologia americana. Possuem, além de capital, energia e terra em abundância para as instalações de infraestrutura digital, em especial os datacenters.

As nações do Golfo almejam um salto: das petroleiras do Big Oil para as Big Techs, intermediadas pelo Big Money dos fundos.

Aparentemente, elas estão mais adiantadas do que se imagina e não dependem só dos EUA. Já montaram várias empresas e startups, além de terem instituído cursos e universidades com centro de
pesquisas em IA com modelos de linguagem de código aberto, além de fundos setoriais (empresa de investimento em IA) para desenvolvimento de semicondutores com ativos superiores a US$ 100 bilhões.

Pelo menos, duas dessas nações do mundo árabe (AS e EAU) estão implantando políticas amplas de desenvolvimento digital e IA e já estão buscando acordos com as fabricantes de chips com a TSMC de Taiwan e a coreana Samsung, ao mesmo tempo, em que também mantêm conversas com as grandes corporações de tecnologia da China.

Enganam-se aqueles que imaginam que esses dois países do Golfo estão se organizando e investindo pesado e com tanto dinheiro de suas reservas acumuladas, apenas para se manterem como consumidoras de tecnologia digital e IA na lógica do colonialismo de dados.

Os EUA temem que os microprocessadores com suas tecnologias instalados no Golfo possam também servir ao desenvolvimento das companhias chinesas de tecnologia, como forma destas contornarem os controles de exportação dos EUA, enquanto, simultaneamente, avança e acelera sua própria fabricação de nanochips.

Porém, algumas Big Techs dos EUA, mesmo antes desses acordos firmados por Trump nessa semana, nos três países do Golfo, já estavam com negócios avançados, como nos casos da Microsoft junto com a OpenAI e a IA Groq do grupo do Musk em acordo com a petroleira saudita Aramco.

Não está claro se as nações do Golfo buscam soberania cibernética com seus investimentos no desenvolvimento de pessoal, tecnologia e com os seus trunfos de capital e energia, ou se já decidiram retornar ao abrigo dos americanos. Já esses, com o império em declínio, dependem dos petrodólares dos fundos soberanos árabes para avançar na fronteira tecnológica digital que nesse atual momento possui demanda muito intensiva em capital que os americanos não têm na quantidade suficiente. Parece haver um grau de aposta para afastar as nações árabes da Ásia Ocidental (OM) da influência dos Brics, da ASEAN e, em especial, da China com sua Iniciativa do Cinturão e nova Rota da Seda. Porém, não se deve esquecer que a China é a maior importadora do petróleo do Golfo.

De outro lado, em outros tempos, os EUA não corriam riscos e nem faziam apostas, apenas decidiam por cima das nações e até da ONU. Nada garante que os países do Golfo sigam buscando acordos múltiplos na linha de avançar mais na busca de soberania do que de dependência. 

A IA ainda está no início e pode levar a rumos e avanços em áreas e a conflitos que podem envolver as instalações dessas infraestruturas e a novos acordos que podem realinhar essas posições em termos geopolíticos. É uma dinâmica muito acelerada e de riscos em várias dimensões e escalas.  

No mesmo período, o Brasil, a CELAC e a China fizeram outros acordos baseados em infraestrutura e industrialização, mesmo que nem todos os países da AL tenham se comprometido com a nova Rota da Seda chinesa. Os EUA não se manifestaram sobre isso e não se sabe se terão interesse, para além de alguma retórica, do tipo exigir um lá ou cá. 

Acordos e termos de compromisso podem avançar ou serem paralisados. Não duvidem que os EUA se acertem com o Irã e limite as ações de Israel, embora, hoje, algumas de suas Big Techs sejam parceiras do genocídio em Gaza.

O que é certo é que as nações precisam ter bastante claro suas estratégias e para onde querem ir. A opção pela multilateralidade parece clara, embora, cada nação tenha mais facilidade em avançar com quem já tem parceria comercial.

Não vou me estender, além disso, mas creio que todos já tenham percebido que há muitos e fortes movimentos em curso na geoeconomia e geopolítica globais que estão transformando o mundo e suas relações. 

São várias transições simultâneas, muito para além da tão falada transição energética com redução do uso dos combustíveis fósseis. Aliás, é com boa parte da riqueza do petróleo e seus excedentes que novos passos estão sendo buscados, o big oil lubrifica as big techs intermediados pelo big money no capitalismo contemporâneo de hegemonia financeira.

segunda-feira, abril 07, 2025

EUA x China: o tarifaço atingirá mais a economia real ou a hegemonia financeira?

Essa guerra comercial dos EUA (Trump) com a China tem, entre outros aspectos, um que me parece interessante de ser mais amplamente observado.

A disputa nasce na economia real porque sai das tarifas de coisas materiais, mas se expande para os vínculos com a "economia de segunda ordem", aquela que trata dos esquemas de inovações financeiras de papéis, títulos, mercado futuro, securitização, etc.

Nesse sentido, será interessante observar até onde a China vai esticar a reciprocidade nas tarifas, já que a economia chinesa é mais ancorada na economia real do que a americana, mais sustentada na hegemonia financeira, que parece ser a de maior risco nesse embate. 

A tendência é que a capitalização seja mais freada, o capital fictício enxugado, enquanto a valorização da produção e os negócios no território buscam novos parceiros e mercados ao redor do mundo.

Os chineses já sabiam das intenções de Trump e devem ter estudado os limites aceitáveis para o tarifaço americano e as possibilidades chinesas com a reciprocidade tarifária até que sejam reabertas as negociações de parte a parte. 

Por outro lado, a sensação é que Trump parece agir mais por intuição de quem tem história de fazer negócios específicos com suas empresas.

Até aqui, aparentemente, boa parte das perdas no que pode ser chamado, por enquanto de uma volatilidade (não estabilidade), parece mais vinculada aos papéis, títulos e ações, embora já esteja transbordando para a economia real, já que a acumulação financeira - que leva à hegemonia - não seria desgarrada do real, em sua totalidade. Fato que o atual tarifaço vem comprovar na prática. Capitalização crescente, mas não desvinculada da valorização.
 
É ainda cedo para tirar conclusões e mesmo fazer estimativas de cenário diante de tão complexo laboratório de experiências empreendido por Trump. Mesmo usando amplas bases de dados sobre a economia global, cálculos, modelagens e projeções, é muito difícil avaliar os impactos em diferentes dimensões, escalas e/ou nações.
 
Há muitas especulações até porque ação leva a variadas reações e a movimentos e rearticulações esperadas e outras inesperadas. Mesmo com esses e outros devidos cuidados, não se pode ignorar que a atual hegemonia financeira tem origem, basicamente, nos EUA, enquanto o tarifaço começa impondo uma freada brusca sobre o comércio global.
 
A economia não existe sem política que se traduz na Economia Política. Sendo assim, olhando num horizonte mais amplo, cabe a pergunta: de onde partirá primeiro a negociação?

sábado, março 22, 2025

Dominação tecnológica dos maiores oligopólios da história da humanidade

Um pouco mais sobre o processo que tenho chamado de "Dominação Tecnológica" imbricada e financiada pela hegemonia financeira e articulada às relações poder. Geoeconomia e geopolítica no capitalismo contemporâneo.

Atualizando alguns indicadores para uma aula nessa próxima semana, eu produzi o quadro abaixo que permite várias leituras, entre elas destaco algumas.

Antes, porém, devo registrar que mesmo usando, não parece adequada a comparação dos dados e da digitalização com o petróleo ou de que eles seriam o novo petróleo, como se faz muitas vezes. Não. Essa comparação não ajuda e até atrapalha a entender uma série de questões relacionadas à produção de valor a partir dos dados que não existem de forma natural (in natura). Sua captura depende da direção dada à programação algorítmica e a partir daí o seu uso vai ganhando valor e produzindo acumulações. Aqui, o uso do valor das corporações de petróleo no quadro tem a intenção apenas de mostrar o porte dos oligopólios das Grandes Corporações Digitais (GCD) quando comparadas à acumulação produzida pelos grandes players deste setor de energia. Comparar o volume de riquezas de um e outro setor pode ajudar a entender em termos totalizantes o avanço do capitalismo e o nível de acumulação de suas corporações, mesmo que em processos distintos.

Assim, vamos ao quadro e, em seguida, algumas leituras extraídas desse dados e indicadores:



1) Sete das dez (7/10) maiores corporações com capital aberto em valor de mercado do mundo são do setor de tecnologia, duas do setor financeiro e uma petroleira.

2) O valor somado das 10 maiores corporações de tecnologia (Big Techs) no mundo alcança US$ 17,7 trilhões, enquanto as 10 maiores petroleiras globais somadas chegam a US$ 3,5 trilhões.

3) Uma relação que hoje chega a 5x mais. Há um ano essa relação era de 4X. Há 20 meses de 3X. Ou seja, acelera-se a diferença.

4) As seis maiores corporações digitais do mundo têm valor de mercado acima de U$ 1 trilhão cada. A Apple sozinha tem praticamente o dobro do valor de mercado da maior petroleira do mundo, a saudita Saudi Aramco. A Microsoft também sozinha se aproxima disso.
 
Vale lembrar que tudo isso ocorre depois do baque gerado no mercado de capitais do Ocidente, em função da divulgação da eficiência da companhia chinesa Deep Seek em sua atuação na programação da Inteligência Artificial dentro do setor de tecnologia.

Porém, essa realidade se dá dentro da conjuntura em que as Big Techs americanas (todas na lista) abraçaram o governo T4ump a partir do misto de dono de Big Tech e autoridade governamental Ellon Moska.

Geoeconomia e geopolítica juntas e misturadas. Bem para além dos dados e indicadores econômicos e políticos é preciso que se compreenda melhor e mais profundamente como o "ambiente fidigital" ou "omnicanal", entre o público e o privado que vai se originando com a "digitalização de quase tudo" vem alterando nossa forma de pensar, agir e também deslocando a lógica da produção cada vez mais plataformizada.
 
A tecnologia digital é extremamente atrativa e não é um problema per si, mas a questão é o que se faz dela, como se faz e para quem se faz. Dados digitais passaram a servir como fator de produção e a tecnologia como meio e modo de produção.
 
A tecnologia digital atua sobre todos os setores de forma transversal, assim como as finanças. É transsetorial, multidimensional e transescalar em termos espaciais, fato confirmado pela presença das Big Techs (plataformas-raiz) sobre todos os negócios e em todos os lugares do mundo, que explica esse gigantismo econômico, com oligopólios trilionários jamais visto na história da humanidade.

Como se sabe, tudo isso vai muito além da reestruturação produtiva e da comunicação das redes sociais que invadem o nosso tempo e capturam nossos dados, porque avançam sobre nosso emprego, nosso dia-a-dia, manipulam a política e subjugam a soberania dos nossos países.


PS.: Atualização às 13:24 de 24/03/2025: Só hoje fui ver que as listas do quadro contêm 11 e não 10 corporações (sic). Tanto de tecnologia quanto de óleo e gás. Isso altera o valor absoluto, mas não a essência da análise. A relação entre o valor de mercado total entre as empresas de tecnologia e de petróleo continua de 5 vezes: US$ 17,386 trilhões e US$ 3,421 trilhões. 

Outro indicador interessante para se ter uma ideia do tamanho desse volume de valor de mercado que chega a US$17,3 bilhões das 10 maiores empresas de tecnologia, todo os EUA têm um PIB de US$ 29 trilhões. Ou seja, as 10 maiores corporações de tecnologia chegam a 58% do PIB dos EUA, mas supera e muito o PIB dos principais países da Europa: Alemanha PIB: $4,4 trilhões; França PIB: $3 trilhões; Itália PIB: $2,3 trilhões; Espanha PIB: $1,6 trilhão Reino Unido PIB: 3,34 trilhões; PIB da Rússia: $2 trilhões. Somados, os PIB desses seis países europeus quase empatam com as 10 Big Techs da lista acima.

sexta-feira, fevereiro 14, 2025

Algoritmos são muito poderosos, mas fáceis de serem enganados!

Os algoritmos parecem um sistema muito poderoso e obscuro para a maioria da população, apesar do imenso alcance dele sobre todos nós que utilizamos intensamente a internet. Ora, os algoritmos parecem onipresentes e de controle total, ora simples demais, burro e mesmo incapaz.

Os algoritmos são direções dadas aos zilhões de dados produzidos por todos nós na vida contemporânea digitalizada, que, após serem capturados, armazenados, classificados, organizados e processados, por potentes sistemas computacionais nos datacenters (big datas), passam a servir aos seus proprietários, como produto a ser mercantilizado, para a realização de negócios de toda a natureza na contemporaneidade.
 
Todos nós, já há algum tempo, percebemos essa realidade quando ao procurar um produto ou serviço em qualquer site de buscas, ou rede social, somos logo depois entupidos de ofertas. Isso define a expansão da "digitalização de quase tudo" e o surgimento da plataformização dos negócios de todo tipo e em diferentes territórios, embora sob o domínio centralizado e sob o controle dos oligopólios das grandes corporações de tecnologia.

Já escrevi outras vezes sobre essas coisas, mas essa postagem tem objetivo mais simples. Desejo apenas compartilhar a observação empírica que indica que o poder de hipersonalização dos algoritmos destes oligopólios possui limitações simples.

O fato. Ao adquirir um celular novo, diante da realidade que o mais usado já tinha quase uma década e estava com parte de sua tela quebrada depois que caiu do bolso num giro de bike, eu resolvi deixá-lo para uso doméstico, para acessar aplicativos de bancos que, assim, estariam mais protegidos.
 
No celular novo baixei um aplicativo (App) de uma fintech, onde tenho reduzido valor em conta e com limitações de pagamentos para baixos valores, para um uso no dia-a-dia dos pagamentos na rua. Além disso, deixei alguns aplicativos de rede social sem identificação de perfil, enquanto passei a utilizar bem menos e no ambiente doméstico esse celular mais antigo.

Pois bem, atirei no que vi e acertei no que não vi. Daí em diante, eu passei a observar como o algoritmo, mesmo que utilizando o mesmo wi-fi doméstico, não me identificava nas navegações da internet e nos acessos aos aplicativos de e-commerce e nas redes sociais.
 
Sei que isso não se trata algo novo ou extraordinário. Alguns chamam de "busca cega", ou algo parecido, e é muito utilizado por pessoas para fugir dos algoritmos, por exemplo, na procura de passagens aéreas, em outras compras e/ou na contratação de hospedagens, em que se busca preços mais em conta, tentando fugir dos algoritmos que passam seus dados já classificados, seus desejos e intenções de aquisição para os potenciais fornecedores, através das plataformas.

Ou seja, a hiperpersonalização dos nossos perfis organizados nos algoritmos é uma vigilância muito potente e lucrativa, mas têm brechas simples e de resultados interessantes. Não por outro motivo, vem passando ser considerado também "cult" ou chique, algumas pessoas se mostrarem offline por longos períodos do dia.
 
As contradições sempre acompanharam o desenrolar do capitalismo e do uso que esses fazem das tecnologias emergentes e isso não é diferente no cotidiano presente.

Quem puder e/ou quiser faça essa experiência. Relembre sua infância e volte à velha brincadeira do "pique esconde" com os seus perfis na internet e veja se o algoritmo vai te encontrar. No caso das redes sociais ou de negócios, é como se você estivesse em outras plataformas diferentes dessas mesmos que você já utilizava, porque o algoritmo não tem como lhe descobrir e nem lhe associar aos dados do seu perfil. A não ser por uso fora desses algoritmos padrões, como em casos de hackeamentos.
 
Não sou da área de Tecnologia da Informação (TI), mas é muito provável que daí já possam estar sendo pensadas formas de proteção contra esse poder quase totalizante de vigilância e de hiperpersonalização de todos nós usuários da internet, dos aplicativos e redes sociais.

terça-feira, fevereiro 04, 2025

Fundo soberano de Trump: instrumento da plutocracia e do hipercapitalismo

Tenho investigado o assunto dos fundos financeiros desde 2016. O instrumento dos fundos financeiros (inclusive os soberanos controlados pelo Estado) serve a vários fins. Não são um problema per si, mas...


Nesse caso dos EUA de T4ump [1], aparenta ser uma forma de dar suporte aos interesses dos ricaços dentro do governo federal sob seu comando forte. Esse fundo soberano seria capitalizado com o dinheiro do tarifaço e outros negócios do seu governo e sua gestão ficaria nas mãos do Elon Musk, Stephen Feinberg (outro bilionário cofundador da Cerberus Capital Management que é auxiliar do Musk no governo) entre outros gestores de fundos privados americanos.

A reportagem da Bloomberg, traduzida e republicada pelo Valor, fala nas referências de fundos soberanos no mundo, em especial, os derivados das riquezas da extração petrolífera. Cita, o fundo norueguês Norges Bank Investment Management (NBIM) da Noruega, com ativos no valor de US$ 1,8 trilhão; o China Investment Corp. (CIC), com ativos de US$ 1,3 trilhão, e a Autoridade de Investimento de Abu Dhabi, no valor de US$ 1,1 trilhão. A matéria se refere ainda aos fundos soberanos intranacionais derivados dos royalties do petróleo no Alaska (o mais antigo, década de 70) e o de Dakota do Norte, o Legacy Fund.

É importante observar o processo e os movimentos de Trump e de sua turma. Todos os movimento dele são de força, truculência e poder para os ricos e bilionários. Um esquema pesado de plutocracia (governo dos ricos e para os ricos) e controle do totalizante de poder, acima das instituições, estas que ele e seu grupo vai desorganizando e destruindo de forma acelerada para não dar espaço a resistências.

Nos EUA já se fala abertamente em ditadura Trump/Musk [2]. Imagine além da deportação dos imigrantes, o tarifaço como medida de força contra outras nações (adversárias ou aliadas) servindo para irrigar esse fundo gerido pelos bilionários e administradores de fundos financeiros privados.
 
Pode ser ainda, perfeitamente, interpretado como uma forma de devolver o apoio dos bilionários americanos à sua campanha eleitoral, através da participação deste fundo soberano, que logo será bilionário, em negócios destes ricaços, às margens do congresso americano.
 
Tem-se aí elementos que ajudam a compreender a estruturação de uma plutocracia e o caminho para ditadura, como relação de poder e de controle absoluto do Estado pelos ricos e para os ricos. O capitalismo entrando numa fase que tenho chamado de "hipercapitalismo" com uso do Estado a serviço das maiores corporações: Estado-corporação. 

Processo que tende ainda, em prazo distinto, a trazer estragos de diversos tipos e dimensões (dentro e fora dos EUA), mas que também pode propiciar e fazer prevalecer a natureza antropofágica de consumir a si mesmo. A ver!


Referências:
[1] Matéria da Bloomberg, traduzida e republicada pelo Valor Online em 03/02/2025. Trump assina ação executiva para criar fundo soberano: ´potencial tremendo´. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/02/03/trump-assina-acao-executiva-para-criar-fundo-soberano-potencial-tremendo.ghtml

[2] Coluna no UOL, Jamil Chade em 04/02/2025. Musk abre crise política e Trump é acusado de 'ditador' por oposição. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2025/02/04/musk-abre-crise-politica-e-trump-e-acusado-de-ditador-por-oposicao.htm

segunda-feira, janeiro 13, 2025

Fundos financeiros batem novo recorde no Brasil em 2024 e atingem R$ 9,3 trilhões de patrimônio: capitalismo sob a hegemonia financeira

Com R$ 9,3 trilhões de patrimônio líquido em 2024, os fundos financeiros já se aproximam de 90% de todo o PIB do Brasil, embora saibamos que se tratam de naturezas distintas. Um é estoque e outro fluxo, mas aqui está sendo usado para comparação apenas para efeito de compreensão sobre o volume de patrimônio líquido sob gestão, que os fundos estão atingindo ano após ano no Brasil e no mundo.

Abaixo disponibilizo duas tabelas, uma com dados do patrimônio líquido total dos fundos financeiros que operam no Brasil no período de 2008 a 2024 em valores absolutos e reais; a outra com os valores dos patrimônios líquidos atualizados (correção pelo IGP-M da FGV) até dezembro de 2024.


Esses são números fechados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) no último dia de 2024. [1] O patrimônio líquido total de R$ 9,29 trilhões sob controle das gestoras dos fundos financeiros em 2024, foi 25% maior que o do ano anterior de 2023 (corrigido) que era de R$ 7,46 trilhões.

Em relação ao ano de 2008, o patrimônio líquido de 2024 de todos os fundos é quase três vezes superior em valores corrigidos e expressam uma lógica do capitalismo da gestão de ativos, frutos de uma ampla pesquisa que desenvolvi e que está detalhada no livro editado e publicado em 2019, pela editora Consequência, com o título: “A ´indústria´ dos fundos financeiros: Potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”. [2]

Figura 1: Livro do autor, PESSANHA, R.M., 2019

Os fundos financeiros não são um mal por si, depende da forma com que se planeja a utilização desses excedentes na economia e seus reflexos na política. Hoje, no Brasil e no mundo, os fundos financeiros de diversos tipos (renda fixa, multimercado - hedge – private equity, Fip, Fdic, fundos imobiliários, cambial, fundo de índices – ETF, etc.) se articulam e se movimentam de forma cruzada com os investimentos dentro de mercado de capitais, ações, câmbio, fundos de pensão, etc.

Os movimentos das gestoras dos fundos financeiros têm refletido uma lógica de controle quase de  setores inteiros da economia real em países e/ou regiões, através do controle acionário majoritário de várias corporações, cujas estratégias e lógicas, passam a ser da alta rentabilidade em curtos prazos e numa busca desenfreada pelo monopólio (caminho da oligopolização) e por garantias (marcos) legais para garantir uma hipermobilidade do capital, fórmula empregada pelos investidores (cotistas) dos fundos.

Em junho e julho de 2021, eu fui convidado a participar de três lives (palestras online) sobre o tema “Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual”. Após, diálogos e debates, os organizadores e participantes, me solicitaram que organizasse um texto com as principais questões e indicadores apresentados. Assim, prepararei um texto publicado em meu blog [3] e depois, no portal 247 [4] e na Revista Brasileira de Geografia Econômica: Espaço e Economia [5].

Entre várias outras questões, a apresentação e o texto buscaram sustentar com dados da pesquisa empírica, elementos sobre como o rentismo foi se entranhando na economia real no Brasil, de onde passou a recolher excedentes cada vez mais expressivos. Adiante, o capital acumulado aparece sob a forma de capitalização nesses saldos dos patrimônios dos fundos financeiros (tabela 1 e 2), no aumento das propriedades e controle de milhares de companhias da economia real, nos papeis de diferentes e crescentes inovações financeiras e ainda no aumento do nº de investidores no mercado de capitais e na Bolsa de Valores, B3 dos quais realizam a captação dos excedentes. Se tratam de processos quase simultâneos de capitalização e valorização.

Nesta análise vale citar (com dados atualizados) um destes tipos de fundo financeiro hoje muito conhecido: o Imobiliário (FII). Em 2009, eram 2 mil investidores em FII no Brasil. Em agosto de 2020, os FII tinham ultrapassado a 1 milhão de investidores (quotistas); e, em março de 2024, já tinham chegado a 2,645 milhões de investidores no Brasil, sendo quase 80%, investidores pessoas físicas (CPFs). Em 2024, o mercado de FIIs esteve aquecido com uma média de negociações diárias de R$ 285 milhões, o maior patamar da história no país.

Outro exemplo, vinculado a esse movimento de nova forma de recolhimento de excedentes e dinâmica da capitalização no Brasil é o número de investidores na Bolsa de Valores, a B3. Em abril de 2019, esse número era de 1 milhão de investidores, já grande. Em março de 2020, tinha, rapidamente chegado a 2 milhões de investidores. Já em maio de 2024, superou 19,4 milhões de investidores na Bolsa de Valores, B3. Investidores pessoa física (CPF), enquanto o saldo em investimentos na poupança no país segue caindo, ano a ano, com mais retiradas do que depósitos.

Na ocasião, eu já afirmava que se tratava de um processo de ampliação da dominação financeira com estratégias em que os donos dinheiros – andar de cima - passaram a definir e a controlar a atuação da produção - na economia real - em diferentes setores no território. Fui além, ao dizer que estávamos diante de transformações importantes nesta fase de deslocamento do capitalismo [6], fator que aumenta ainda hoje, as dificuldades para se observar o fenômeno, mesmo que a realidade de 2024, tenha nos trazido, inúmeras evidências sobre como o capital financeiro disputa o poder político no país.

No texto em junho de 2021, eu também sustentei que era necessário - duas décadas depois - entender porque o poder político no Brasil de 2022, era bastante diferente do país de 2002, no que dizia respeito à economia política e às relações de poder, sob a hegemonia financeira que avançava na busca de maior controle sobre o Estado no Brasil, de uma forma bem distinta daquela que existia no país há vinte anos: “as relações Estado-Mercado-Sociedade estão rapidamente se alterando com o Estado sendo deslocado e perdendo o protagonismo para o Mercado”.

Saímos de um capitalismo da fase hegemônica industrial, de um circuito financeiro bancário que fazia a intermediação entre a produção e o consumo, dentro da tríade marxiana: “produção – circulação – consumo” e constituía o Modo do Produção Capitalista (MPC), para paulatinamente, entrar num circuito financeiro dos fundos e do mercado de capitais, onde o esquema tradicional ainda convive com estas várias e novas formas de inovação financeira. Assim, as finanças, também no Brasil, de forma paulatina, mas crescente, estão se tornando o “centro dinâmico da economia”, característico dessa fase do “capitalismo hegemonicamente financeiro”.

Figura 2: Esquema gráfico da passagem do esquema financeiro creditício para a capitalização dos fundos [7]


Não se pode falar das finanças intermediando a “criação de valor”, como costumam defender os economistas neoclássicos. Não se trata disso e sim de uma lógica que é, fundamentalmente, de extração de valor. Uma espécie de parasitismo junto à economia real. Assim, não cabe mais falar de intermediação financeira bancária e sim, uma lógica de “riscos - retorno - em curto prazos” e com altíssima rentabilidade dos ativos controlados pelos donos dos dinheiros, os rentistas.

Se trata de uma nova forma de repartição da riqueza produzida pelo trabalho. Uma etapa ainda mais radical do regime de acumulação e de extração de valor. Um “capitalismo de cassino” na leitura do Minsky (década de 90), ou “capitalismo da gestão de ativos”, na leitura mais recente da Mariana Mazzucato. [8] Talvez, possa ser falado em “rodadas de neoliberalismo”, como costuma se referir o professor Carlos Brandão da UFRJ.

Observa-se o número colossal de “inovações financeiras” ampliadas pelo potencial da tecnologia e das plataformas digitais. Assim, o mercado de capitais nacional enlaçado aos fundos globais vão se tornando instrumentos de vampirização da renda e da riqueza da economia real.

Esse movimento tem levado a Anbima a se vangloriar do mercado de capitais brasileiro, dizendo que esta evolução se deve ao fato dele ser autorregulamentado. Assim, seu CEO disse em 2018: “a autorregulação da Anbima, é um dos principais motivos para a atração de investimentos nos fundos financeiros no Brasil. Se trata de um modelo privado criado pelo próprio mercado de forma voluntária e independente”.

Ainda, segundo afirmava a Anbima em 2018, “o Brasil tem um mercado de capitais dos mais sofisticados entre as economias capitalistas do mundo. É o 13º maior mercado de capitais; o 3º maior mercado de derivativos e a 11ª maior indústria de fundos do mundo”. De lá para cá, a despeito dos nossos problemas, o país deve ter subido nesses rankings do mercado financeiro, cujo alvo era a substituição do Estado e do BNDES como banco de investimentos, tornando a sua atuação apenas complementar, deixando espaço para outros operadores, entre eles, o BTG.

Tudo isso expõe o processo que assistimos entre 2016 e 2022 de perda da capacidade de intervenção nas políticas econômicas nacionais nos diferentes setores ou frações do capital e de redução da autonomia e da soberania nacional, que, após 2023, se tenta duramente retomar, a despeito de um Congresso, em sua maioria ultraliberal e entreguista.

Assim, ainda se assiste, ao vivo e a cores, diariamente, a pressão do setor financeiro e do mercado de capitais na captura do orçamento e do fundo público, a favor do setor bancário, controlador das gestoras dos fundos. Na prática seguimos vendo como as finanças foram se tornando efetivamente, o centro dinâmico da economia capitalista contemporânea no Brasil, a despeito da perda das eleições de 2022; assim segue disputando dia a dia o poder político, mesmo sem disputar as eleições do país.

Neste sentido é necessário virar essa chave e ir mais fundo no enfrentamento dessa realidade que continua em vigência. Paradoxalmente, travam as despesas com as políticas públicas através de esquemas de controle e austeridade fiscal e especulação em conluio com o Banco Central “independente”. Não se importam com a aliança entre os setores do capital que rejeitam qualquer tributação (querem mais e mais desonerações), enquanto do outro lado concordam e apoiam a execução orçamentária, majoritariamente nas mãos do Congresso/Centrão, de forma fragmentada, ineficiente e corrupta, no velho esquema das emendas, derivado do conhecido orçamento secreto criado por Bolsonaro/Guedes e general Ramos.

O Brasil precisa recuperar a autonomia do Executivo eleito pela população para cumprir o programa para o qual foi eleito, sua capacidade de planejar e financiar um projeto nacional desenvolvimentista de retomada da inclusão social e da soberania nacional. É necessário superar essa fase do “capitalismo de gestão de ativos” com a qual os fundos financeiros têm servido apenas à plutocracia da elite econômica nacional articulada ao grande circuito financeiro global. Os fundos financeiros podem e devem ter um outro papel na economia política do Brasil.

 

Referências:

[1] Anbima. Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. A Anbima se coloca com a principal instituição que representa o mercado de capitais no país. Além da Anbima, minha pesquisa sobre os fundos financeiros levantou a existência de mais de duas dezenas de associações, fóruns e agências que organizam e articulam os interesses desta fração do capital.

[2] PESSANHA, R. M. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.

[3] PESSANHA, R.M. Blog do Roberto Moraes. Postagem em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/capitalismo-sob-hegemonia-financeira-e.html

[4] PESSANHA, R.M. Portal 247. Coluna em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-sob-a-hegemonia-financeira-e-o-poder-no-brasil-atual

[5] PESSANHA, R.M. Revista Brasileira de Geografia Econômica. Espaço e Economia. Ano X, Nº 21 - 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil. Disponível em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/19705

[6] DOWBOR, Ladislaw. O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais. Edições Sesc São Paulo: São Paulo, 2020.

[7] Sobre as mudanças na forma de intermediação financeira, uso interpretações entrelaçadas com as investigações do professor-pesquisador Daniel Sanfelici, Departamento de Geografia da UFF, em sua apresentação no “Workshop Espaço e Poder: Infraestrutura, Financeirização e Território” no IPPUR-UFRJ, no dia 25 jun. 2019.

[8] MAZZUCATO, M. O valor de tudo: produção e apropriação na economia global. Recife: Portfólio-Penguin, 2020.

PS.: Sugiro outros dois importantes autores e livros que auxiliam na compreensão do movimento mais recentes das gestoras dos fundos financeiros e das transformações do capitalismo contemporâneo sob a hegemonia financeira.

CHESNAIS, F. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: CHESNAIS, F. (org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 35-67.

HARVEY, D. A loucura da razão econômica. São Paulo: BoiTempo, 2018.

domingo, janeiro 12, 2025

Porto do Açu como território de passagem exportou em 2024 R$ 34,8 bilhões, só em petróleo e minério de ferro

Petróleo bruto (valor equivalente a US$ 3,558 bilhões ou R$ 21,5 bilhões) e minério de ferro (valor equivalente a US$ 2,154 bilhões ou R$ 13,1 bilhões) foram as duas mercadorias mais movimentadas e exportadas pelo Porto do Açu, São João da Barra, RJ. As exportações de petróleo (62%) e minério de ferro (38%) somadas em valores US$ FOB, chegaram em 2024 no Porto do Açu a US$ 5,712 bilhões ou R$ 34,8 bilhões. 

Terminal T-Oil da Vast Infraestrutura no Açu.
Fonte: Brasil Energia (BE)

A exportação de outras mercadorias pelo Açu são irrisórias diante do volume de saída dessas duas commodities. O volume de importações que passou pelo Porto do Açu, também em 2024, foi US$ 731 milhões, ou R$ 4,45 bilhões. Somando os movimentos de exportação (88,6%) importação (11,4%) do Porto do Açu, eles chegam a US$ 6,443 bilhões ou R$ 39,3 bilhões.

Os dados são oficiais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Os valores sobre as exportações de minério de ferro são de Conceição do Mato Dentro, MG, onde se situam as minas e de onde tem origem o mineroduto de 529 quilômetros que corta 33 municípios mineiros e fluminenses até chegar ao Porto do Açu, onde a pasta é filtrada, desidratada e o minério secado até seguir pelas esteiras até o terminal T1, processo de beneficiamento realizado pela empresa Ferroport (joint-venture entre as companhias, Porto do Açu e mineradora anglo-sul-africana Anglo American. 

Já as exportações de petróleo se originam na produção offshore nas bacias de Campos e de Santos e passam por transbordo (transferência de pequenos navios para grandes navios petroleiros para seguir viagem intercontinental), também através do terminal T1 do Porto do Açu. 

A responsabilidade do terminal de transbordo de petróleo do Porto do Açu é da companhia Vast Infraestrutura (ex- Açu Petróleo) que em seus três berços de atracação atende aos negócios de nove diferentes petroleiras: Petrobras, Shell, Equinor, Total, Galp, Petrochina, CNOCC, Petronas e PRIO. Outro dado expressivo é que em 2024, o Brasil exportou quase metade de toda a sua expressiva produção nacional de petróleo, sendo que o Porto do Açu tem sido responsável, por sua vez, de quase metade de todo o petróleo exportado pelo país.

Esse blog já havia comentado em relação à movimentação de cargas e riquezas pelo Porto do Açu em 2022 e 2023 [postagem em 17 de fevereiro de 2024: "Por que os R$ 21 bilhões da movimentação de 2023 do Porto do Açu são tão pouco comentados?"] sobre a estranheza das razões pelas quais a companhia Prumo Logística, holding controladora do Porto do Açu, ou mesmo o fundo americano, EIG Global Energy Partners, controlador da holding Prumo, não terem interesse na divulgação desses valores de cargas e riquezas movimentadas pela sua companhia subsidiária no seu terminal portuário.

Esses dados são públicos e podem ser acessados por qualquer pessoa, jornalista ou a mídia corporativa, sem necessidade de ser pesquisador. Como afirmei na postagem no ano passado, muitas hipóteses podem ser levantadas sobre essa proposital omissão dos valores de movimentação portuária em dólar ou real. Porém, já destaquei uma das razões em se escamotear esse dado.

As informações corporativas e financeiras são em sua grande maioria fruto de releases produzidos pelas próprias corporações e sob a ótica dos seus interesses. E como a própria companhia, grupo ou o seu fundo controlador não divulgou, ela não saiu divulgada mais amplamente. 

Assim, a hipótese para essa omissão seria o desinteresse em divulgar o volume de riqueza que passa pelo Porto do Açu e pela região deixando tão pouco em impostos e mesmo empregos, proporcionalmente, aos negócios que acabam, usando, especialmente, a região como "território de passagem", num empreendimento que até aqui, se caracteriza como um enclave, com pouquíssimas conexões com a região, reforçando a caracterização de um porto como base logística transescalar, mais ligada ao extrativismo.

Os proprietários do porto desejam fluidez das cargas para ampliar seus lucros na produtividade do porto, pouco se interessando por enlaces com as comunidades locais, vistas, na realidade, mais como problemas do que como solução e oportunidade. 

Uma enorme riqueza que pela região (quase R$ 40 bilhões apenas em um ano) apenas circula no que tenho chamado de "território de passagem", uma das características principais de um porto de 5ª geração com conexões na escala global (interligando pontos de uma cadeia de valor global - CVG) e até aqui muito pouco de agregação de valor em indústria (porto-indústria, Zona Industrial Portuária - ZIP ou MIDAs, Maritime Industrial Development Area) na enorme retroárea de mais de 90 Km², fruto, em boa parte, de centenas de desapropriações, em boa parte, violenta, de pequenos produtores rurais. 

As exceções são a unidade de geração de energia elétrica da GNA (UTE) e a FMC-Technip com a produção de tubos flexíveis para uso nas instalações offshore das petroleiras para extração de petróleo e agora, ao projeto já licenciado de hidrogênio verde. 

Porém, também o projeto de hidrogênio verde, se for destinado basicamente à exportação de amônia e não ao uso em industrialização no distrito industrial do porto, manterá essa característica de um porto de movimentação de cargas e riquezas de cadeias de valor global (CVG) e não de agregação de valor, com produção local ampliando aquilo que os economistas chamam de externalidades dessa importante infraestrutura portuária do Açu, no Norte do Estado do Rio de Janeiro.

terça-feira, janeiro 07, 2025

Posição da Meta (Zuckeberg) segue o roteiro de Musk/Trump

Como comentei em artigo aqui abaixo no dia 12 de dezembro de 2024 "Os movimentos já em curso na profundeza das articulações Trump, Big Techs e Wall Street", as Big Techs (as chamadas sete magníficas) estão seguindo um roteiro traçado por Musk e amparado por Trump. Estão indo para cima dos países (Brasil, União Europeia (França e Espanha em especial) e Austrália que estão fazendo o trabalho correto de regulação.

Zuckeberg (vide manchete hoje nos jornais - ao lado) ao chamar diretamente as decisões do STF de "secretas" comete um profundo desrespeito como dono dessa grande corporação digital americana às instituições de uma nação que é uma das maiores usuárias das redes sociais, entre essas, o Facebook, Instagram e Whatsapp, do mundo.

Porém, na verdade, as Big Techs (Grandes Corporações Digitais - GCDs) americanas seguem um roteiro que tem pontos muitos claros que vão sendo paulatinamente divulgados ainda antes da posse do presidente Donald Trump. Esses pontos colocam o universo digital como um dos pilares desse seu segundo mandato e para o qual tem o apoio explícito dos CEOs e dirigentes dessas companhias (GCDs).

O objetivo é unificar as ações das Big Techs ocidentais no enfrentamento da guerra comercial, financeira, política e geopolítica com a China, tendo esse setor digital como estratégico em termos de relações de poder, num esforço de retomar uma espécie de nova guerra fria, embora, esse seja um termo desgastado para explicar o tripé do capitalismo contemporâneo em que se baseia as ideias ultraliberais e plutocratas de Trump/Musk.

Uma disputa que trabalha a partir do alinhamento de todas as grandes corporações digitais do Vale do Silício, em que o partido Republicano e Trump entendem ser contra o Brics para colocar os EUA na liderança - sem competição - de microprocessadores, datacenters (nuvens) e inteligência artificial com atuação ampla e transversal em várias atividades como drones militares, criptomoedas, capitais de riscos e fundos financeiros, além de outros negócios. Tudo isso já envolve batalhas ligadas às sanções, tarifas e incentivos à unificação em torno dos EUA, como de praxe.

O Zuckeberg com essa decisão de suspender as checagens e liberar todas de postagem, apenas pula para a primeira fila desse enfrentamento, se juntando ao Musk nessa empreitada. Processo que já vinha se desenhando na Meta e outras Big Techs dos EUA, que antes anunciaram apoio econômico à posse de Trump e também trocaram diversos diretores das companhias, alocando pessoal historicamente ligado à direita e ao Partido Republicano.

As ideias fundamentais passam pela total desregulação do setor digital, com pressões para derrubar as ações antitruste nas Cortes americanas e de outros países importantes na Europa, AL e Ásia com os quais mantém uma relação de ascendência.

A desregulação digital leva também à exigência de desregulação ambiental para ampliação da disponibilidade de energia e água para datacenters e outras atividades produtivas, como partes de um plano de tentativa de enfrentamento à oferta de produtos da China. A economia digital e de dados é uma dessas estratégias que se articulam desde a infraestrutura para o setor, desenvolvimento da Inteligência Artificial livre e sem amarras, vinculadas ao esforço para retomar espaços no comércio exterior.

As estratégias de Musk são truculentas como se sabe e já se conhece. O que Zuckeberg fez hoje, reproduz exatamente esse estilo que deve seguir se ampliando. Nesse processo se ampliarão as ameças mundo afora, não apenas contra empresas, políticos, mas contra as nações, suas instituições e as pessoas que as dirigem e se coloquem contra essa diretriz Musk/Trump, que, aparentemente, se vincula ao projeto da extrema-direita global resumido no repetido argumento da "defesa de liberdade de expressão".

Essas decisões surgem num momento que encontra a Europa envolta em várias crises e seus problemas, desde que a OTAN puxou os estados mais fortes do continente para o embate Rússia e Ucrânia e deixou de utilizar o gás e a energia barata da Rússia para importar o gás americano (liquefeito e trazido por navios gaseiros) que chegam bem mais caro e se torna uma das origens da crise econômica alemã e dos demais países.

Outros países europeus enfrentam crises internas, assim como o Canadá. Isso tudo, cria oportunidades para a aceleração dessa estratégia que busca produzir alinhamento também nesse campo, dos europeus aos EUA, como aconteceu na questão militar via Otan e assim, um relaxamento da ideia de soberania digital.

O jogo já começou a ser jogado por mais Big Techs, para além da Meta, Tesla/Twitter. As americanas Amazon, Microsoft, Apple, Google (Alphabet), Open IA, NVidia, etc. têm, cada uma, os seus interesses e já entendem o que chamam de oportunidades. Assim, tendem também a pressionar sua cadeia de relações comerciais em seus territórios, ligados à construção de valor com parceiros locais/nacionais, assim como pressão direta e indireta contra os próprios países e autoridades de suas principais autoridades.

Os EUA avançam para uma estratégia, tipo Estado-corporação, que ao cabo visa ampliar a hegemonia financeira, enfrentar as opções que tentam reduzir o domínio do dólar para assim retomar os desgastados tentáculos do império americano, agora, cada vez mais ancorado nas grandes corporações digitais. A ver!