66 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
segunda-feira, novembro 03, 2025
O papel dos celulares na expansão do uso da internet, extração de dados e dominação tecnológica
sexta-feira, outubro 31, 2025
Fintech Nubank supera Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco, etc. em valor de mercado e expõe hegemonia financeira e plataformização
Em valores de mercado hoje, o Nubank chegou a US$ 77,43 bilhões, seguido do Itaú com US$ 74,7 bilhões. A Petrobrás tem hoje US$ 74,11 bilhões em valor de mercado. A Vale US$ 51,46 bilhões. Santander Brasil, US$ 43,25 bilhões. Bradesco US$ 34,25 bilhões. Banco do Brasil US$ 23,27 bilhões, cerca de 3 vezes menor que o Nubank. A CEF não é empresa S.A. e assim, não tem valor de mercado, mas tem patrimônio líquido de cerca de US$ 27,3 bilhões.
Bom lembrar que valor de mercado é a soma do valor das ações da empresa que possui capital aberto em bolsa de valores. E, normalmente, embute muito de especulação e do chamado capital fictício. O Brasil tem, hoje, o número extraordinário de 1.700 Fintechs. Em 2018 eram 503 e em 2021 já tinha avançado para 1.158 fintechs.
FinTech representa o acrônimo de "Finanças e Tecnologia" e reproduz, como pode ser visto com esses dados, o que venho chamando de hegemonia financeira que supera a economia da produção real com as conhecidas intermediações, títulos, ações, mercado de capitais e a presença crescente das gestoras dos fundos financeiros.
Esse imbricamento entre finanças e tecnologia realçam ainda o contexto do Tripé do capitalismo contemporâneo, sustentado na Digitalização/Dataficação; Financeirização/Hegemonia Financeira; sob o domínio da racionalidade neoliberal.
A Nubank surgiu em 2023 e hoje é a principal patrocinadora do Jornal Nacional da TV Globo, apesar de existir há 12 anos, ainda hoje, segue sem regulação, junto com as demais 1,7 mil Fintechs do país, porque o atual Congresso resiste em aprovar legislação nesse sentido. Razão pela qual apareceu nos esquemas de lavagem de dinheiro do PCC, junto dos fundos financeiros, nas investigações da Política Federal e Receita Federal que desbaratou esquemas que misturavam negócios ilegais com comércio legal.
Para terminar, fiz uma breve comparação sobre números de empregos entre essas companhias: Nubank: 8 mil funcionários, boa parte de pessoal de TI, já que é apenas um banco digital, sem uma agência física sequer. Seu pessoal de TI trabalha nos EUA, Canadá, Argentina e Uruguai e nos países latinos que tem atuação: México e Colômbia, além do Brasil.
A estatal Petrobras tem cerca de 191 mil trabalhadores, 41 mil diretos e 150 mil terceirizados. A Vale possui 64 mil trabalhadores diretos e 174 mil terceirizados. O Itaú tem 96 mil funcionários e o Bradesco possui 84 mil trabalhadores.
Muito me surpreende que uma realidade como essa seja pouco percebida e nem sempre avaliada no que significa a hegemonia financeira e sua forte relação com o poder político no Brasil.
Outra questão a ser observada é como a evolução da informatização bancária e do sistema financeiro no país, serviu de referência para boa parte do mundo e de certa forma é parte da gênese da expansão das tecnologias e plataformas digitais.
Segundo a Febraban, hoje 82% dos bancos no Brasil já usam Inteligência Artificial Generativa (GenIA). Alguns usam desde 2017, para avaliar riscos, migração de dados, segurança, inovação, aplicativos com os clientes e já avançaram no uso de blockchain e até computação quântica para negociar títulos.
PS.: Em 29 de julho de 2021, eu já havia alertado para as questões relativas às fintechs num texto em meu blog com o título: "Fintechs: não há “novo” na velha atividade de intermediação financeira", inclusive chamando a atenção não apenas de sua expansão, mas também do processo de digitalização das finanças e da urgente necessidade de regulação: Disponívem em:
https://www.robertomoraes.com.br/2021/07/fintechs-nao-ha-novo-na-velha-atividade.html
segunda-feira, outubro 06, 2025
Nº de matrículas em 2024 no Ensino Superior nos municípios fluminenses: interiorização, polos regionais, expansão da EaD e importância da ação estatal
Redução de matrículas no presencial e crescimento de matrículas em EaD
Interiorização x metropolização das matrículas no ERJ
Região Metropolitana + Serrana: 2024 (2020) – Exceto Rio (capital)
Niterói: 47.481 matrículas (52.527 matrículas em 2020) = -5.046 matrículas.
Nova Iguaçu: 21.994 matrículas (24.811 matrículas em 2020) = -2.817 matrículas;
Duque de Caxias: 11.117 matrículas (14.454 matrículas em 2020) = -3.337 matrículas;
São Gonçalo: 11.0000 matrículas (11.142 matrículas em 2020) = -142 matrículas;
Seropédica: 10.182 matrículas (11.855 matrículas em 2020) = -1.673 matrículas;
Petrópolis: 8.055 matrículas (9.961 matrículas em 2020) = -1.906 matrículas.
Região Norte e Noroeste Fluminense + Baixadas Litorâneas
Campos dos Goytacazes: 17.172 matrículas (18.050 matrículas em 2020) = -878 matrículas;
Macaé: 8.422 matrículas (9.509 matrículas em 2020) = -1.087 matrículas;
Cabo Frio: 7.294 matrículas (7.632 matrículas em 2020) = -338 matrículas;
Itaperuna: 7.043 matrículas (7.717 matrículas em 2020)= -674 matrículas.
Região Sul Fluminense
Volta Redonda: 11.521 matrículas (13.485 matrículas em 2020) = -1.964 matrículas;
Resende: 4.911 matrículas (6.594 matrículas em 2020) = -1.683 matrículas;
Barra Mansa: 2.630 matrículas (4.738 matrículas em 2020) = -2.153 matrículas.
terça-feira, setembro 30, 2025
Em Campos, RJ, no ano de 2024, o nº de matrículas no Ensino Superior presencial se manteve estável, na faixa dos 17 mil universitários
Abaixo a tabela com os números extraídos do Censo do Ensino Superior 2023 do Finep-MEC.
Nº matrículas presenciais em 2024 nas instituições públicas e privadas em Campos,RJ
A instituição pública com maior número de graduandos segue sendo o Instituto Federal Fluminense (IFF) com 3.743 matrículas, seguido da UFF com 2.130 matrículas, depois Uenf com 2.012 matrículas e Isepam com 432 matrículas. A variação em relação ao ano anterior de 2023 foi muito pequena.
Entre as instituições privadas no município, a que possui o maior nº de graduandos é a Universo com 2.274 matrículas e não mais a Estácio como em 2023 que em 2024 passou para 1.719 matrículas, atrás ainda do Isecensa com 1.886 matrículas, número também abaixo das matrículas que teve em 2023. Foram seguidas da FMC com 1.049 matrículas, UCam com 970 matrículas e Uniflu com 897 matrículas e Faberj com 60 matrículas.
A maior perda de matrículas aconteceu no último ano na Estácio com menos 252 graduandos e o maior ganho de matrículas foi da Universo com mais 334 matrículas. Entre as instituições públicas, a maior perda de matrículas ocorreu no polo da Uenf, com redução de 124 estudantes, porém são variações pequenas que mostram uma estabilidade. Interessante observar que no todo do município de Campos, RJ, o número de matriculas presenciais em 2024, só teve redução de uma matrícula, caiu de 17.173 para 17.172 matrículas, as, o que reafirma a estabilidade nas instituições públicas.
Nº matrículas em EaD no ano 2024
Já no que se refere às matrículas na Educação à Distância (EaD) no município de Campos dos Goytacazes, praticamente, também, se estabilizaram: 11.956 matrículas em 2024 contra 12.047 matrículas em 2023. O salto se deu em 2022 quando as matrículas em EaD no município eram 9.864 estudantes.
No município de Campos dos Goytacazes, RJ, ao contrário do plano nacional, as matrículas presenciais no ensino superior são superiores em cerca de 30% às de Ead (17.172 presenciais x 11.956 EaD).
Pós-graduação, pesquisa e extensão
Há ainda que se registrar, como já tenho comentado nos levantamentos nos anos anteriores, que o ensino universitário deve ser sustentado no tripé: ensino, pesquisa e extensão, que deveriam funcionar de forma integrada, em que cada uma alimenta a outra. E neste caso, a pesquisa e extensão nas instituições privadas são irrisórias ou não existem. Em especial, a pesquisa, já que a extensão, existe com alguns esforços nesse sentido, em algumas das sete instituições privadas que funcionam em Campos, RJ. No caso de EaD a ausência da extensão e pesquisa é ainda pior.
Estima-se que as matrículas na pós graduação em Campos (especialização, mestrado e doutorado), anualmente, se situe na faixa de 4 mil estudantes pós-graduandos (maioria em especialização, mas com nº crescente de matrículas em mestrado e doutorado). Assim, é ainda possível afirmar que o município de Campos dos Goytacazes poderia ter um número total, entre matrículas presenciais, EaD e Pós-graduação em torno de entre 34 mil universitários. Um número bastante expressivo e que se reflete de alguma forma na economia local e regional.
Em termos regionais, identifica-se que há quase duas décadas, o município de Campos dos Goytacazes se consolidou como o maior polo de educação superior no interior do ERJ, fora da região metropolitana, embora na última década, se observe que municípios próximos tenham também se estabelecidos como polos universitários, mesmo que num patamar menor: Macaé com cerca de 8 mil matrículas; Itaperuna com aproximadamente 7 mil matrículas, praticamente, empatada com Cabo Frio na faixa das 7 mil matrículas.
Para concluir, vale ainda ressaltar que a expansão regional dos polos de educação superior amplia a expressividade dos números de universitários em Campos dos Goytacazes e também a importância do potencial de qualificação dessa parte do território fluminense que inclui as regiões Norte, Noroeste e Baixadas Litorâneas.
Em todo o estado, houve um crescimento de matrículas presenciais de cerca de 2,3% e em EaD de 5%. Em todo o ERJ, as matrículas presenciais são quase o dobro das matriculas em EaD. A seguir faremos outra postagem com os dados de matrículas presenciais e em EaD em todos os 92 municípios fluminenses.
Referências:
[1] Postagem do blog em 1 de novembro de 2024. Em 2023, Campos,RJ se mantém com 17 mil matrículas no ensino superior presencial, mas somado à Educação à Distância (EaD), chega a quase 30 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2024/11/em-2023-camposrj-se-mantem-com-17-mil.html
[2] Postagem do blog em 23 de outubro de 2023. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em cerca de 17 mil, em 2022 em Campos, RJ. Somado à EaD chega a 27 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2023/10/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html
[3] Postagem do blog em 1 de novembro de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 4% em Campos, RJ, mas com ligeiro aumento nas instituições públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/11/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html
[4] Postagem do blog em 18 de abril de 2202. Nº de matrículas no ensino superior presencial cai 5% em 2020, em Campos, RJ. Porém, somado à EaD chegam a 25 mil graduandos. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2022/04/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html
[5] Postagem do blog em 22 de setembro de 2019. Nº de matrículas no ensino superior presencial se estabiliza em Campos nos últimos 4 anos: percentual aumenta nas públicas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2019/09/n-de-matriculas-no-ensino-superior.html
[6] Postagem do blog em 23 de setembro de 2018. Apesar da crise, as matrículas no ensino superior em Campos se estabilizam em 20 mil graduandos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/09/apesar-da-crise-as-matriculas-no-ensino.html
[7] Postagem do blog em 11 de novembro de 2017. Censo do Ensino Superior 2016: Campos com 19,8 mil universitários. E a qualidade? Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/11/censo-do-ensino-superior-2016-campos.html
[8] Postagem do blog em 8 de dezembro de 2017. Entre 2003 e 2016, as matrículas no ensino superior no ERJ cresceram 36%. Nas instituições públicas cresceram (82%). Mais de três vezes que (25%) o crescimento nas instituições privadas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/12/entre-2003-e-2016-as-matriculas-no.html
[9] Postagem do blog sobre o Censo nos anos anteriores. Em 23 nov. 2016.
Campos aumenta nº estudantes no Ensino Superior para 19,3 mil matrículas. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/11/campos-aumenta-n-estudantes-no-ensino.html
[10] Postagem do blog em 1 de mar. 2016. Campos possui 18 mil alunos no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/03/campos-possui-18-mil-alunos-no-ensino.html
[11] Postagem do blog em 18 de ago. de 2015. Ensino superior em Campos perde 4 mil matrículas em 5 anos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/08/ensino-superior-em-campos-perde-4-mil.html?m=1
[12] Postagem do blog em 31 jul 2015. Campos tem 17,1 mil alunos matriculados no Ensino Superior. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/campos-tem-171-mil-alunos-matriculados.html
sábado, setembro 27, 2025
A profunda conexão da extrema-direita com o crime organizado no Brasil
A forte e precisa ação do governo federal, PF, RF e do MPF têm sido impecável, em alguns casos com ajuda das polícias estaduais, em outros, com oposição delas e em especial dos governadores.
Os dados sobre as investigações e operações são impressionantes, não apenas sobre o volume de recursos e extensão das áreas de atuação, mas sobre a participação de diferentes agentes, em especial do alto circuito financeiro que incluem desde administradoras de fundos e das fintechs (bancos digitais e tecnológicos). Trata-se de conexões em muitos casos transnacionais que vão bem além de nossas fronteiras.
Lá atrás, em 2019, quando pesquisei e escrevi, o livro sobre "A 'indústria' dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo", eu já chamava a atenção sobre os recursos que circulavam no esquema paralelo, mundialmente conhecido como "shadow bank" (banco sombra).
Pois bem, essas investigações indicam algumas destas pontas de novelo que estavam encobertas.
Evidentemente, não quer dizer que todo o setor financeiro estaria metido nesses esquemas, mas seria estranho que no Brasil, o crime organizado não estivesse presente entre as gestoras de fundos financeiros que agora em 2025, já administram ativos da ordem de R$ 10,4 trilhões (referência do dia 23/09/2025), segundo dados recentes da Anbima, associação privada que acompanha o mercado de capitais.
quarta-feira, setembro 24, 2025
Um século depois pergunta-se: há relações entre o Reichstag e a Casa Branca?
Da
reunião-secreta no Reichstag em 1930 à santa-ceia na Casa Branca em 2025
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| Matéria Estadão em 21-09-25, p.B12. |
A
aliança entre o poder econômico e o político deixam rastros em diferentes
tempos
Debruçado sobre milhares de documentos e fontes originais, além de abrangentes pesquisas historiográficas, o jornalista e historiador David de Jong — holandês de origem judaica — disseca as origens obscuras das fortunas multiplicadas a ferro e fogo entre 1933 e 1945. Neste livro, seu trabalho de estreia, o autor faz um chamado ao resgate da memória do genocídio nazista, tarefa primordial em tempos de ressurgência do extremismo antidemocrático.
"O desafio, como De Jong nos lembra, é reatualizar essa história para continuamente encontrar novas maneiras de trazê-la para o presente." — Adam Tooze, Professor de história da Universidade de Columbia e diretor do European Institute.
Depois de ler este livro você nunca mais dirigirá um Volkswagen, fará um seguro residencial com a Allianz ou comprará uma pizza Dr. Oetker no mercado sem um certo mal-estar. De Jong, com o talento do bom jornalista que é, permite que os fatos falem por si mesmos. E nos deixa impressionados com o poder da ganância". — The Daily Telegraph.
"Com seus relatos meticulosamente construídos de indivíduos e famílias alemãs, incluindo judeus que foram expropriados, Bilionários nazistas sugere que até hoje as reparações dos lucros que alguns colheram em uma era de horror não foram feitas." — Samuel Moyn, professor da Universidade de Yale.
"O fato de algumas das maiores fortunas da Alemanha estarem profundamente entrelaçadas com as ignomínias do Terceiro Reich deveria ser muito mais conhecido — e, graças a este livro, será." — Bradley Hope, New York Times, autor de Billion Dollar Whale.
quarta-feira, setembro 17, 2025
O uso intenso da digitalização e IA explica e reforça a hegemonia financeira que a sustenta
Atualmente, oito em cada dez bancos no Brasil, já usam IA generativa em suas operações, onde essa ferramenta desempenha um papel que deve ser interpretado como estratégico.
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| Pesquisa Febraban Tecnologia Bancária - Slide 15/53. |
Os usos da GenAI no setor bancário são os mais diversos,
como pode ser visto no quadro ao lado extraído da pesquisa da Febraban sobre
tecnologia bancária. Desde o atendimento ao cliente em substituição ou
complemento ao gerente de conta, desenvolvimento de novos sistemas, marketing,
comunicação, segurança, etc.
Esse é apenas um simples exemplo empírico da investigação que venho desenvolvendo sobre os elementos que comprovariam a intensa relação e o imbricamento do setor financeiro com as plataformas
digitais (para além do financiamento). A hipótese é que o setor financeiro (e bancário) é o precursor da chamada "transformação digital" que nos dias atuais já se espalhou para a maioria dos demais setores.
Mesmo com o gigantismo das corporações de tecnologia (Big
Techs), reafirmo, com base também no caso empírico brasileiro, o que afirma o
amigo pesquisador, Edmilson Paraná, em um de seus artigos: “todos os movimentos
saem de Wall Street para o Vale do Silício e não o contrário”.
Sim, trata-se de um fenômeno que é global, mas não se pode desconsiderar que o Brasil possui uma história singular e importante nessa área, na medida em que o setor financeiro nacional, por muito
tempo serviu de exemplo e ainda hoje é referência para outros países naquilo que há quase quatro décadas se chamou de “informatização bancária”.
A evolução (linha do
tempo) da informatização/digitalização do setor financeiro no Brasil
A informatização bancária é um movimento que no Brasil vem desde a década de 80, quando vai para além dos centros de processamento de cheques dos bancos e chega ao lançamento do 1º caixa
eletrônico. Na década de 1990, tem-se a emissão dos primeiros boletos; em 1995 a implantação do Internet Banking, depois os aplicativos, as fintechs ... até chegar ao Pix, lançado em novembro de 2020, pelo Banco Central, que em maio de 2025, já tinha chegado ao colossal número de 175,4 milhões usuários, sendo 160 milhões de usuários de Pessoas Físicas (CPF) e 15,4 milhões de Pessoas Jurídicas (CNPJ.
No Brasil, o Mobile Banking, com uso dos celulares para relacionamentos e transações financeiras, já abrange quase a totalidade dos incluídos no sistema bancário. Segundo a mesma pesquisa, 90% das transações já são feitas por plataformas móveis, num quantitativo que soma a mais de 200 bilhões de transações, não apenas no Pix, embora esse seja maioria, com recorde diário de 191 mil transações por minuto segundo o Banco Central, número bem superior às transações dos cartões, embora parte delas em Pix feitos com QR Code das maquininhas. Nenhum outro setor da economia vive tão intensa
transformação digital quanto o setor financeiro. Nem no Brasil e mesmo no
mundo.
Esse uso intenso dos mecanismos móveis dos celulares e aplicativos não acontecem só com os bancos, mas com todas as empresas do setor financeiro, incluindo as gestoras e administradoras de fundos de todos os tipos e tamanhos.
Grandes fundos não operam decisões sem análises de riscos e/ou modelagem com uso digital e de IA para analisar performance de empresas onde buscam participações em ações, ou ainda em suas análises preditivas de câmbio e juros. O gigante fundo americano BlackRock trabalha, a nível global, com a sua plataforma Aladdin na administração do inigualável patrimônio de US$ 12,5 trilhões, superior ao PIB de maioria das nações do planeta.
Uso crescente e
ampliado da tecnologia digital nas finanças
Nesse processo de intensificação do uso das tecnologias
digitais, a implementação da IA nos bancos e setor financeiro como um todo, estão
avançando enormemente com o uso de redes neurais, aprendizado de máquina,
biometria, tratamento e análise de dados, chatboots, robôs, etc. Eles servem
entre outras coisas para análise de riscos, detecção de fraudes,
cibersegurança, hiperpersonalização de ofertas de negócios financeiros,
seguros, etc.
Assim, é possível intuir que a utilização mais intensa da
Inteligência Artificial (IA) no setor financeiro - e ainda da IA generativa
(GenAI) - parece nos oferecer pistas sobre como essa nova tecnologia digital da
IA que usa intensivamente dados, algoritmos, aprendizado profundo de máquinas e
as estatísticas para interpretar situações no setor financeiro, podem estar
dirigindo os caminhos também para a indústria, comércio e os vários tipos de
serviços digitalizados que observamos.
Nessa linha, a interpretação é que a relação imbricada entre
tecnologia e finanças vai muito para além do simples financiamento e do
controle creditício e acionário de um setor sobre o outro. Na verdade, esse
movimento das finanças para a tecnologia e desta para todos os demais setores, em que essas duas frentes atuam, de forma transversal e na maior parte do tempo, de forma livre e desregulamentada.
A questão não é o uso
da digitalização, mas a direção, o controle e quem são os ganhadores ou
perdedores
Observando o processo histórico dessa relação no Brasil e no
mundo, qualquer um pode identificar, que a tecnologia não é o problema per si. Esse
desenvolvimento tecnológico trouxe vantagens e desvantagens. Trouxe empregos e desempregos,
embora em diferentes setores. Produz continuidades e descontinuidades. Trouxe
comodidades e mudanças na forma como vivemos, aprendemos, realizamos compras,
contratamos e somos atendidos nos serviços, pagamos as contas e interagimos
socialmente em comunidades etc. O grande problema é saber a quê e a quem tudo isso
serve? Saber principalmente quem mais ganha com todos esses avanços que tem concentrado
mais renda e ampliado ainda mais as desigualdades.
Por tudo isso, entender onde tem origem esse processo e como ele se desenrola parece um diagnóstico importante a ser destrinchado, num momento
em que todos nós já descobrimos a importância dos nossos dados, não apenas para
a nossa privacidade, mas também para ganhos em escalas de poucas corporações que
se tornam gigantes no centro do capitalismo.
Os chineses compreenderam e expuseram no seu Plano IA+ que
os dados devem ser vistos como fator de produção e e devem estar a serviço do
coletivo e do comum, além de servir para impulsionar
a transformação digital e a modernização econômica. Porém, transpor esse
princípio para a prática é algo mais complicado e exige outras dimensões de
intervenção.
Temos visto esse problema, que, na verdade, se trata de um dilema,
em todo o mundo. Praticamente todos os países do Ocidente sofrem hoje uma potente
e reacionária onda e pressão contra seus Estados, ao entenderem ser
indispensável a definição e o estabelecimento de marcos legais e regulatórios com
regras sobre a tecnologia digital e sobre o uso das plataformas digitais de todos os
tipos, desde o convívio entre pessoas, negócios até as relações de poder.
Diante desse quadro, penso, junto com muitos outros, que da
mesma forma que lutamos no passado para que, paulatinamente, pudéssemos garantir
os direitos sociais mínimos, desde o trabalho diário, hoje, não será sem luta
que os direitos digitais serão também conquistados e garantidos para além da privacidade dos nossos
dados.
O objetivo deve ser evitar a ampliação ainda maior da já
colossal concentração de renda e as ameaças do neofascismo e da barbárie e, em
defesa de relações mais humanas, solidárias e de uma vida sobre o prisma da
coletividade e do comum.
sábado, setembro 13, 2025
Ao fim do 1º sem 2025 dívida da Prumo (Porto do Açu) chega a R$ 14,1 bilhões com US$ 2,4 bi de movimentação de cargas e lucro de R$ 142 milhões
A holding Prumo Logística Global que controla o Porto do Açu (RJ) e é controlada pela gestora do fundo financeiro americano EIG Partners (EIG Global Energy Partners) fechou o primeiro semestre de 2025 com uma dívida de R$ 14,1 bilhões, diante de uma movimentação de cargas no valor FOB em dólar de US$ 2,410 bilhões (25% maior que 2024 que foi de US$ 1,918 bilhão); receita no semestre de R$ 950,7 milhões (28,9% maior que 2024 que foi de R$ 741,4 milhões) e um lucro também semestral de 142,7 milhões. Portanto um crescimento naul expressivo em movimentação de cargas, receitas e lucros entre 25% e 30%.
A gestora estadudinense de fundos EIG Global Energy Partners (EIG Asset
Management) controladora da Prumo opera desde 1982, atua hoje em 6 continentes
e 44 países, controla 420 companhias e tem participação de US$ 51,3 bilhões em
ativos em todo o mundo. Em 2013, quando da derrocada de Eike, por conta dos investimentos
na sua empresa de petróleo OGX, a EIG Partners injetou uma quantia em recursos
e ficou com o controle da empresa LLX companhia de logística Eike Batista e logo depois trocou o nome da
companhia para Prumo Logística Global que, a seguir, se transformou num grupo (holding) com
várias empresas subsidiárias entre elas o Porto do Açu (PdA).
1 - Da gênese da LLX
à Prumo dos dias atuais
Em 2014, o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos (EAU),
Mubadala, que tinha um crédito de US$ 2 bilhões com a holding EBX, ficou com as
ações da LLX que restavam com o empresário Eike Batista. Cinco anos depois, em 2028,
a Prumo fechou o capital e saiu da Bolsa de Valores, adquirindo as ações dos
investidores minoritários tendo como principal ativo o Porto do Açu e empresas coligadas.
Mesmo acompanhando menos assiduamente os últimos movimentos
relativos ao empreendimento do complexo logístico portuário industrial do Açu
(antes chamado de Clipa), venho anualmente comentando sobre os valores relativos
à movimentação de cargas (exportações +/- 90% e importações de cerca de 10%)
do empreendimento do Açu.
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| Foto de Ricardo Stuckert / PR em 28 jul. 2025. |
Agora em 2025, o complexo logístico portuário do Porto do Açu atua com dois principais terminais: T1 (offshore onde exporta petróleo e minério de ferro); T2 (onshore onde operam o apoio offshore com o terminal de apoio offshore da americana Edson Chouest, o TMULT, terminal multicargas e vários outros terminais de empresas. No total são 11 terminais e 28 empresas instaladas no complexo.
No espaço de 90 Km² de área disponível para instalações industriais, energia e outros negócios, há duas unidades de geração termelétrica da GNA (I e II) e vários projetos de negócios, embora ainda hoje não mais que 10% de toda a área comprada e desapropriada violentamente de pequenos produtores do antigo 5º Distrito de São João da Barra.
A maior movimentação (disparada) de cargas do Porto do Açu é de petróleo (cerca de 40% das exportações brasileiras) efetuada no terminal T-Oil para cerca de 8 diferentes petroleiras, além da Petrobras e minério de ferro para a mineradora Anglo American. Petróleo e minério ficam com cerca de 75% de toda a movimentação portuária de cargas.
Em outubro próximo, o Porto do Açu (PdA) completa 11 anos de
atividades de movimentação de cargas iniciada em 2024, com as exportações de
minério de ferro, através da joint venture Ferroport, formada entre a Prumo e a
mineradora Anglo American (corporação inglesa-sul africana).
2 - Região como mero “território
de passagem”
Nesse período de pouco mais de uma década, continuo afirmando
que, majoritariamente, a região do Norte Fluminense que concedeu o espaço litorâneo
para instalação do empreendimento do complexo do Açu, com características de
Cadeia de Valor Global (CVG) Açu, segue como uma espécie de “território de
passagem” de uma colossal riqueza que circula por aqui (quase R$ 40 bilhões
apenas no ano de 2024). Porém, agregando muito pouca coisa à região onde produz
enormes impactos nem sempre identificados, como as violentas desapropriações, o
avanço do mar no balneário de Barra do Açu (impacto previsto desde o EIA-Rima),
sobre o trânsito, embora também gere postos de trabalho (em quantidade bem menor
que a divulgada na fase de operação após a construção dos empreendimentos) e a
receita de ISS.
Essa condição a que tenho chamado de "território de
passagem" é uma das características principais de um porto de 5ª geração como
o caso do Açu com conexões na escala global (interligando pontos de uma cadeia
de valor global - CVG). Até hoje o Porto do Açu incorpora pouco valor em atividades
industriais, que seria do que foi estimado como um complexo
logístico-industrial (ou Zona Industrial Portuária - ZIP ou MIDAs, Maritime
Industrial Development Area) para uso da enorme retroárea de mais de 90 Km²,
fruto, como já foi dito, em boa parte, de centenas de desapropriações violentas,
sobre pequenos produtores rurais, cuja maioria até hoje não recebeu suas
indenizações que aguardam a definição dos processos judiciais.
As exceções são as duas unidades de geração de energia
elétrica (UTE) da GNA e a FMC-Technip com a produção de tubos flexíveis para
uso nas instalações offshore das petroleiras para extração de petróleo. A
geração de energia a gás pela GNA usa um terminal de GNL (Gás Natural
Liquefeito) que hoje é importado dos EUA e atende à GNA-I que entrou em
operação em 2021 com 1,3 GW de capacidade. Já a GNA-II foi inaugurada agora em
2025 com 1,7 GW de capacidade. Juntas, elas formam o maior complexo de geração de
eletricidade a gás natural da América Latina, com 3 GW de capacidade total, que
entram em operação, quando demandadas pelo sistema de energia elétrico
nacional.
![]() |
| GNA-I e II e T2. Foto Ricardo Stuckert / PR 28 jul. 2025. |
Outra exceção pode ser a do projeto, já licenciado e aguardando investidores para implantação, na produção de hidrogênio verde que concorre com dezenas de outros projetos semelhantes a nível nacional, a maioria também projetada junto a complexos portuários. A exceção de servir à industrialização pode acontecer porque os produtos podem ter também pode ter como destino, basicamente, a exportação de amônia e não ao uso em industrialização no distrito industrial do porto, mantendo a atual característica de um porto de movimentação de cargas e riquezas de cadeias de valor global (CVG), sem gerar aquilo que os economistas chamam de externalidades dessa importante infraestrutura portuária do Açu, no Norte do Estado do Rio de Janeiro.
3 - Novos negócios, a
extraordinária dívida e a lógica da gestão de ativos dos investidores
A Prumo tem informado que até hoje o empreendimento no Açu
em São João da Barra já se utilizou de cerca de R$ 22 bilhões de investimentos (US$
4,1 bilhões) desde o início da construção do porto, em 2008, e tem expectativa de
investir outros R$ 20 bilhões nos próximos 10 anos.
A dívida financeira de R$ 14,1 bilhões tomados com
empréstimos no Brasil (indexada pelo CDI e IPCA e spread médio de 15,6%) – e com
emissão de debêntures (títulos privados) e no exterior (em dólar) é expressiva,
mesmo considerando o porte do empreendimento.
É possível que, ao longo do tempo, essa dívida possa ser saudada
em parte e/ou compartilhada com investimentos e divisão de sociedades com outros
investidores estrangeiros, interessados em investir na infraestrutura logística
brasileira, considerando o potencial de uso de nossos portos. Isso já vem
acontecendo com os negócios de algumas das empresas subsidiárias da Prumo, como no caso da Vast Infraestrutura, companhia que faz transbordo de petróleo no T1 e teve
70% vendida para a empresa chinesa China Merchants Port, CMP.
Porém, o investimento em infraestrutura, normalmente, têm
prazos de retorno mais longos e servem a corporações e fundos que também
possuem interesses nas movimentações de cargas de outros de seus negócios e
ativos. Nesse cenário, embora hoje a maioria dos investimentos e controle
de negócios no Porto do Açu, sejam ligados a investidores dos EUA, tem sido a
China a maior interessada nesses negócios portuários, infraestrutura e energia
no Brasil, o que colocaria o empreendimento na mesma encruzilhada da disputa
EUA x China, como elemento importante das atuais contendas geoeconômica e
geopolítica global. O crescimento atual da economia do Brasil cria expectativas de comércio externo. Já uma eventual redução dos negócios globais e mesmo novos conflitos regionais, por outro lado, impactam negativamente o uso dos terminais portuários e poderiam afastar investidores.
Do ponto de vista da região, se observa como importa tão
pouco os interesses regionais nas discussões sobre investimentos nesse grande
investimento. Negócios são fechados entre corporações no plano global e a
região assiste como se fosse a um programa de TV, sem perceber que muitas
dessas decisões influenciam pesadamente a realidade sobre o nosso território.
Um exemplo apenas dessa última semana, a mineradora Anglo
American, a primeira empresa a exportar pelo Porto do Açu, decidiu essa semana realizar
uma fusão bilionária com a mineradora canadense Teck Resources criando uma gigante
corporação do setor de mineração com sede no Canadá e negócios de ações em
Londres. Em 2024, a Anglo American já tinha aprovado a venda de 15% da sua
operação no Brasil, a Minas-Rio, para a Vale e tem sinalizado interesse em se
voltar mais para a extração de cobre de olho na expansão da eletrificação mundo
afora.
Negócios de infraestrutura logística tendem a se articular
com corporações que atuam em cadeias de valor global, se importando menos com
as questões locais e regionais, onde possuem capital fixo instalado no território.
Vislumbram alta fluidez das suas cargas para ganhos em produtividade, contabilizando
os ativos e nutrindo expectativas de grandes rentabilidades no menor prazo
possível, dentro da lógica de gestão de ativos que interessa aos investidores
cuja maioria nem sabe onde fica São João da Barra.
quarta-feira, agosto 27, 2025
EUA à beira do caos: Trump, tropas nas ruas e o fantasma da guerra civil, por Reynaldo Aragon
EUA à beira do caos: Trump, tropas nas ruas e o fantasma da guerra civil
26 de agosto de 2025
As medidas de Trump para controlar capitais democratas, a tensão com governadores e prefeitos e o risco real de fragmentação institucional expõem a maior crise interna americana em décadas
O que parecia apenas mais um embate político nos EUA
agora se transforma em um teste histórico: tropas federais deslocadas para as
ruas de Washington, disputas abertas com governadores democratas e ataques à
independência do Federal Reserve revelam um país em ebulição. Estaria a democracia
americana entrando em colapso? Neste artigo inédito, apresentamos uma análise
estratégica e preditiva do cenário, antecipando os possíveis desdobramentos da
crise mais grave dos Estados Unidos no século XXI.
Por que os EUA estão à beira do caos
Na manhã de 26 de agosto de 2025, as
imagens que circulam das ruas de Washington e de outras capitais
norte-americanas parecem retiradas de um manual de guerra híbrida em território
doméstico. Tropas da Guarda Nacional patrulham bairros centrais, enquanto
ordens executivas da Casa Branca disputam espaço com contestações judiciais e
declarações inflamadas de governadores e prefeitos democratas. Ao mesmo tempo,
o presidente Donald Trump insiste em um discurso de “lei e ordem” que, mais do
que restaurar a paz, amplia a tensão entre instituições federais e locais. A
disputa pelo controle da segurança interna já não é apenas uma batalha
política: tornou-se um teste de estresse para a democracia mais antiga do
Ocidente.
Este artigo parte de uma pergunta provocadora — e que há décadas alimenta a
imaginação de analistas, acadêmicos e jornalistas: poderiam os Estados Unidos
caminhar para uma guerra civil ou mesmo para uma ditadura sob a figura de
Trump?. O ethos aqui não é o da especulação fácil, mas o da análise estratégica
com capacidade preditiva. Ao mobilizar o que chamamos de jornalismo
estratégico, buscamos ultrapassar a mera descrição factual dos acontecimentos e
construir um diagnóstico denso, que ajude tanto o público quanto os tomadores
de decisão a compreender as variáveis em jogo e os cenários possíveis.
O jornalismo estratégico, em seu estado da arte, não se limita a informar. Ele age como um sistema de alerta precoce — um radar que conecta elementos históricos, sociais, econômicos e políticos para mapear não só o presente, mas também os sinais de futuro. Nesse sentido, os confrontos institucionais nos EUA, a militarização da política doméstica e o risco de erosão da independência econômica (com a pressão direta sobre o Federal Reserve) não podem ser analisados isoladamente. São peças de uma engrenagem maior: a tentativa de consolidar um poder autoritário em um país fundado sobre freios e contrapesos.
Mais do que perguntar se Trump já é um ditador, é preciso compreender se a combinação de suas decisões, suas bases sociais radicalizadas e a fragilidade das instituições americanas abre espaço para a consolidação de um regime híbrido — formalmente democrático, mas autoritário, na prática. Ao mesmo tempo, é necessário avaliar se a escalada atual se traduzirá em um conflito difuso, de baixa intensidade, que fragmenta a unidade federativa, alimenta movimentos separatistas e redesenha os contornos da política interna dos EUA.
Este é o ponto de partida: apresentar, com rigor e método, os riscos reais, os cenários plausíveis e as consequências de um país que pode estar à beira de seu maior colapso institucional desde a Guerra Civil do século XIX.
Contexto
histórico e institucional — quando o passado ecoa no presente
Os Estados Unidos nasceram sob a tensão permanente
entre autoridade federal e autonomia estadual. A Constituição de 1787 consagrou
esse equilíbrio frágil em um pacto que, ao longo de mais de dois séculos, foi
testado em momentos de ruptura: da Guerra de Secessão (1861-1865) à luta pelos
direitos civis nos anos 1950-1960, passando pela turbulência de 1968 e pela
“guerra contra o terror” após os atentados de 11 de setembro. Cada crise expôs
a mesma contradição: até onde vai o poder do presidente quando confrontado pela
resistência de estados e cidades?
Em 1957, Dwight Eisenhower enviou tropas da 101ª Divisão Aerotransportada para
garantir a matrícula de estudantes negros em Little Rock, Arkansas, desafiando
a autoridade estadual segregacionista. Em 1968, diante dos protestos contra a
Guerra do Vietnã, a presença militar em cidades norte-americanas trouxe à tona
o debate sobre repressão e direitos civis. Em 2020, Donald Trump, já então
presidente, ameaçou invocar o Insurrection Act para conter manifestações do
movimento Black Lives Matter, mas recuou diante da pressão de governadores e
chefes militares. Esses episódios mostram que o uso de forças federais em
território interno não é novo — mas sempre esteve circunscrito a situações
extraordinárias e cercado de contestação legal.
Duas peças legais são hoje fundamentais para compreender os dilemas de 2025. A
primeira é o Insurrection Act (1807), que autoriza o presidente a empregar
forças armadas em solo nacional em casos de insurreição, obstrução da lei ou
ameaça à integridade dos EUA. Trata-se de um dispositivo raro, acionado em
situações extremas, cuja invocação direta até agora Trump evitou — mas cujo
fantasma ronda cada uma de suas declarações. A segunda é o Home Rule Act
(1973), que concede ao Distrito de Columbia autonomia administrativa limitada,
mas preserva ao presidente prerrogativas sobre a segurança da capital. É
justamente essa brecha que tem permitido a Trump deslocar tropas para
Washington sem passar por governadores, abrindo precedente perigoso para
futuras expansões.
A lógica do federalismo norte-americano atua, portanto, como barreira e campo de batalha ao mesmo tempo. De um lado, governadores democratas como Gavin Newsom (Califórnia) e J.B. Pritzker (Illinois) mobilizam tribunais estaduais e cortes federais para contestar as medidas da Casa Branca. De outro, prefeitos de cidades-alvo — de Chicago a Los Angeles — transformam sua resistência em palanques políticos, desafiando a narrativa presidencial. Essa disputa jurídica e simbólica ecoa as lutas históricas entre estados e União, mas carrega uma novidade: a combinação de polarização partidária extrema, desinformação em massa e um presidente que flerta abertamente com a lógica de “homem forte” capaz de se sobrepor às instituições.
Se no passado presidentes utilizaram tropas para garantir direitos constitucionais ou responder a crises nacionais específicas, em 2025 o movimento parece inverter a lógica: trata-se de usar a força federal para desafiar governos locais e consolidar poder político pessoal. É aqui que o fantasma da ditadura ganha corpo, não como ruptura súbita do sistema, mas como erosão gradual dos freios e contrapesos que sustentam a república norte-americana desde sua fundação.
O
presente em ebulição — agosto de 2025
O verão político de 2025 nos Estados Unidos entrou para a história como um
marco de instabilidade. O presidente Donald Trump, em seu segundo mandato,
decidiu elevar a tensão ao deslocar unidades da Guarda Nacional e forças
federais para o coração da política americana. Washington, D.C., epicentro
institucional, tornou-se vitrine de uma nova estratégia de poder: decretos
presidenciais sob a justificativa de “emergência criminal” permitiram que o
Executivo assumisse temporariamente o comando da Polícia Metropolitana, algo
contestado por juristas e legisladores locais. O gesto foi mais do que
simbólico: mostrou que Trump está disposto a transformar a capital em
laboratório de controle autoritário.
A ofensiva não parou em Washington. O presidente acenou com a possibilidade de enviar tropas também para Chicago, um dos maiores redutos democratas do país, sob o argumento de combater “gangues e terrorismo urbano”. A reação foi imediata: o governador de Illinois, J.B. Pritzker, classificou a medida como “intervenção inconstitucional” e anunciou que acionará os tribunais federais. Situação semelhante se desenha na Califórnia, onde o governador Gavin Newsom denunciou os movimentos da Casa Branca como “ensaio de golpe branco”. Prefeitos de grandes cidades ecoaram o discurso: Lori Lightfoot, em Chicago, e Karen Bass, em Los Angeles, acusaram Trump de governar pela força, não pelo diálogo.
Outro front de conflito emergiu na economia. A tentativa de Trump de demitir a diretora do Federal Reserve, Lisa Cook, incendiou os mercados e gerou alarme entre economistas. A independência do Fed, pilar da estabilidade global, sempre foi considerada intocável. Atacar essa instituição é sinal claro de que o presidente pretende dobrar a máquina econômica aos seus interesses políticos. As primeiras reações não demoraram: queda nos mercados de títulos do Tesouro, volatilidade cambial e declarações de alerta de Wall Street. Para analistas, esse foi o gesto mais arriscado de Trump desde a posse — porque atinge diretamente a confiança internacional no dólar.
Enquanto isso, as ruas começam a refletir a divisão. Em Washington, grupos ligados ao movimento MAGA organizaram vigílias em apoio às tropas, enquanto manifestantes contrários denunciaram a escalada autoritária. Em redes sociais, influenciadores conservadores descrevem Trump como “o único capaz de restaurar a ordem”, enquanto veículos progressistas falam em “ensaio de ditadura”. O Departamento de Segurança Interna (DHS) elevou o alerta de risco de violência política doméstica, prevendo novos incidentes em protestos nos próximos meses.
Trump, por sua vez, mantém o tom desafiador. Em entrevista recente, negou ser um “ditador” e ironizou: “Sou apenas o único presidente que tem coragem de enfrentar os criminosos que os democratas protegem”. A frase, repercutida por toda a imprensa, sintetiza o momento: para seus apoiadores, um líder firme contra o caos; para seus críticos, um governante que testa, dia após dia, os limites do sistema democrático.
No curto prazo, o país parece avançar em direção a um impasse constitucional.
Tribunais de apelação no Distrito de Columbia e na Califórnia já receberam
ações para barrar as medidas federais. Congressistas democratas pressionam por
uma resposta legislativa, mas a polarização no Capitólio paralisa qualquer
consenso. O que se vê é um jogo de forças em tempo real: Trump aposta na
ocupação militarizada e na retórica de guerra; seus adversários tentam ativar
os mecanismos legais e a opinião pública para freá-lo.
A ebulição de agosto de 2025, portanto, não é apenas conjuntural. É a tradução concreta de uma disputa de poder que ultrapassa a política tradicional e entra no terreno da legitimidade institucional. Se o presidente pode usar tropas para desafiar estados e ainda ameaçar a independência do Fed, a pergunta que se impõe não é apenas “até onde ele vai”, mas até onde as instituições estão dispostas — e preparadas — para resistir.
A hipótese “Trump ditador”: limites e possibilidades
A ideia de que Donald Trump poderia se tornar um ditador nos Estados Unidos não
é nova, mas em agosto de 2025 ela deixou de ser mera retórica de campanha e
passou a ser uma hipótese testada na prática, diante das decisões que ampliam a
presença militar em cidades, contestam a independência do Federal Reserve e
tensionam os freios constitucionais. É preciso, antes de tudo, compreender o
que significa falar em “ditadura” no caso norte-americano. Diferentemente de
regimes clássicos em que o Executivo concentra os poderes coercitivos, dissolve
parlamentos e impõe censura aberta, o risco mais plausível nos EUA é o de um
regime híbrido, no qual eleições e instituições continuam formalmente
existindo, mas são inclinadas em favor do governante por meio de captura
institucional, intimidação de opositores e uso estratégico da máquina estatal.
Os poderes de emergência são, nesse sentido, os instrumentos mais perigosos. O Insurrection Act, de 1807, autoriza o emprego das Forças Armadas em território doméstico diante de insurreições ou ameaças à integridade do país. Sua invocação exige narrativa convincente de colapso e está sujeita a revisão judicial e contestação política. A Posse Comitatus Act restringe o uso das Forças Armadas em operações civis, embora a federalização da Guarda Nacional ofereça ao presidente uma margem de manobra significativa, especialmente no Distrito de Columbia, onde o Home Rule Act garante prerrogativas ampliadas. O que se desenha, portanto, não é um cenário de militarização generalizada, mas de operações episódicas e concentradas, usadas tanto para pressionar adversários como para alimentar uma narrativa de força.
A estratégia mais concreta de erosão democrática está no campo da captura
institucional. Trump e seus aliados vêm buscando alterar a estrutura do
Departamento de Justiça e das agências de segurança, orientando investigações
seletivas contra opositores e blindando aliados por meio de lawfare e indultos
estratégicos. A tentativa de demitir a diretora do Federal Reserve, Lisa Cook,
sinaliza o desejo de dobrar agências independentes à lógica do ciclo político,
minando a confiança internacional no dólar. Ao mesmo tempo, iniciativas como a
reclassificação de cargos públicos — conhecidas como “Schedule F” — buscam
abrir caminho para demissões em massa e nomeações por lealdade, enfraquecendo a
burocracia profissional. Essa estratégia, se tolerada pelos tribunais, pode
inclinar de forma sistemática as condições da competição política.
Fora do núcleo institucional, a base de sustentação de Trump se apoia em dois pilares: a guerra informacional e a mobilização de grupos armados. Nas redes sociais e em sua rede midiática, o presidente cultiva a imagem de líder acima das instituições, alguém capaz de restaurar a ordem contra a “anarquia democrata”. Ao mesmo tempo, grupos paramilitares e milícias locais oferecem um suporte difuso, cuja função não é derrubar o Estado de uma vez, mas criar climas de intimidação localizada, encarecendo a resistência de jornalistas, opositores e comunidades críticas. O uso de litigância agressiva contra tribunais e a multiplicação de disputas judiciais formam, por sua vez, uma estratégia de saturação, na qual o objetivo não é vencer todas as batalhas, mas ganhar tempo, produzir precedentes e esticar os limites constitucionais.
O fator militar continua sendo decisivo. As Forças Armadas norte-americanas carregam uma tradição de apoliticidade e disciplina institucional, e não é trivial que adiram a ordens de caráter autoritário. A adesão dependeria de interpretação jurídica favorável e, sobretudo, de uma conjuntura marcada por violência de grande magnitude. Sem esse gatilho, o uso amplo de tropas permanece restrito e concentrado em D.C. ou em operações pontuais.
A economia, por outro lado, aparece como o freio mais imediato a aventuras autoritárias. A simples tentativa de intervenção no Fed gerou instabilidade nos mercados, com queda de títulos do Tesouro e pressão cambial. O dólar e os Treasuries funcionam como sensores de risco: quando a confiança internacional oscila, o custo político e econômico de manter a escalada cresce exponencialmente. Nesse cenário, o apoio empresarial tende a se dividir: setores interessados em desregulação podem apoiar Trump, mas a instabilidade jurídica e o risco de colapso financeiro afastam parte das elites econômicas.
O que emerge, portanto, não é a imagem de um ditador clássico, mas a possibilidade de um regime híbrido, sustentado por captura institucional seletiva, uso estratégico de forças federais em momentos críticos, pressão econômica e guerra informacional constante. A consolidação desse regime dependerá de três fatores-chave: a resposta das instituições judiciais e estaduais, a reação dos mercados financeiros e a capacidade de Trump de manter sua base mobilizada sem provocar um colapso sistêmico que inviabilize seu próprio governo.
Em síntese, a hipótese de Trump ditador pleno permanece improvável. Mas a hipótese de Trump como líder de um regime híbrido, democrático na forma e autoritário no conteúdo, é cada vez mais plausível. Esse é o risco mais concreto para o futuro imediato dos Estados Unidos: a erosão gradual da democracia, não o golpe súbito. O que está em jogo não é a morte instantânea do sistema, mas a sua corrosão lenta — e é justamente nesse processo que a vigilância, a análise preditiva e o jornalismo estratégico se tornam indispensáveis.
O
fantasma da guerra civil
Poucas expressões assombram tanto o imaginário norte-americano quanto a possibilidade de uma nova guerra civil. A referência à ruptura de 1861–1865 aparece como fantasma recorrente sempre que tensões internas se intensificam. No entanto, o cenário atual, em agosto de 2025, exige precisão conceitual: os EUA não caminham para repetir o conflito clássico entre estados escravistas e estados livres, com exércitos formais em confronto aberto. O que se desenha, muito mais plausivelmente, é a hipótese de um conflito difuso, fragmentado e de baixa intensidade, alimentado por polarização informacional, milícias locais, ações de violência política esporádica e tentativas de erosão institucional.
A fragmentação territorial e simbólica é um dos motores desse processo. Estados como o Texas e parte do meio-oeste alimentam discursos de autonomia radical e, em alguns setores, flertam abertamente com o separatismo. O movimento “Texit”, por exemplo, embora minoritário, funciona como catalisador de um imaginário que coloca em xeque a própria unidade da federação. Essa retórica, somada à cultura de armas profundamente enraizada e à existência de milícias paramilitares organizadas, cria uma base fértil para que confrontos localizados assumam caráter político. Ainda que não haja hoje condições materiais para uma guerra civil formal, a disseminação de células armadas autônomas, muitas vezes conectadas em rede via plataformas digitais, já configura um ambiente de violência política persistente.
Esse risco tem sido documentado por centros de pesquisa e think tanks especializados em segurança. Estudos do Chicago Project on Security and Threats (CPOST) e levantamentos da ACLED (Armed Conflict Location & Event Data Project) mostram aumento consistente de episódios de violência ligados a motivação política desde 2020. Não se trata de batalhas campais, mas de atentados, ataques a prédios governamentais, intimidação de comunidades minoritárias e choques em protestos. Pesquisadores como Robert Pape alertam que os EUA vivem uma fase de “pré-insurgência difusa”, na qual pequenos atos de violência se somam e geram sensação de instabilidade permanente.
O fator informacional aprofunda esse quadro. A guerra cultural e cognitiva
transforma a sociedade americana em dois países que coexistem dentro do mesmo
território. De um lado, a narrativa MAGA, que pinta democratas como cúmplices
do crime e da anarquia, legitima o uso de medidas excepcionais. De outro, a
oposição denuncia Trump como autocrata em formação, reforçando percepções de
que a democracia já foi capturada. Essa polarização radical não se limita a
opiniões divergentes: ela cria universos informacionais incomunicáveis, onde
fatos objetivos são recusados e a confiança em instituições como a imprensa, o
Judiciário e o sistema eleitoral se dissolve.
É nesse ambiente que a hipótese da guerra civil ganha corpo como metáfora de colapso. Não porque veremos novamente estados do sul declarando secessão formal, mas porque a federação norte-americana pode entrar em uma fase de desagregação funcional: governadores resistindo às ordens presidenciais, prefeitos ignorando decretos federais, cortes locais emitindo decisões contraditórias, enquanto grupos civis armados reforçam o clima de medo e incerteza. O resultado é uma democracia que continua existindo formalmente, mas perde a capacidade de coordenar e arbitrar conflitos — uma república dividida em blocos irreconciliáveis.
Os sinais desse processo já estão visíveis. O envio de tropas para Washington e a ameaça de intervenção em Chicago acentuam a percepção de que o governo federal atua contra estados e cidades inteiras, não apenas contra indivíduos ou organizações criminosas. Os alertas do Departamento de Segurança Interna (DHS) sobre risco de violência política doméstica refletem essa leitura: qualquer manifestação pode se tornar palco de confronto entre grupos armados e forças federais. Ao mesmo tempo, a queda na confiança da população nas instituições, medida por pesquisas como a Bright Line Watch, indica que o contrato social que sustentou os EUA no pós-guerra já não tem a mesma força.
O fantasma da guerra civil, portanto, não é apenas retórico. Ele opera como lente para compreender um país que se desgarra por dentro, não em linhas de frente claras, mas em múltiplos pontos de atrito. A violência difusa, os discursos separatistas, a fragmentação informacional e a erosão das instituições convergem para um cenário em que o risco não é de guerra civil clássica, mas de um conflito prolongado de baixa intensidade, capaz de corroer a legitimidade da democracia americana e paralisar sua capacidade de governar.
Cenários preditivos (curto e médio prazo)
Contenção institucional (40–50%)
Este é o cenário-base. Os tribunais federais e estaduais limitam as ações mais
radicais da Casa Branca, governadores ampliam sua resistência, o Congresso
pressiona por investigações e as forças armadas evitam envolvimento além de
missões pontuais. Trump mantém o discurso inflamado, mas vê seu espaço de ação
restringido por derrotas judiciais e pela reação negativa dos mercados ao
ataque à independência do Federal Reserve. O resultado é instabilidade alta,
mas sem ruptura sistêmica.
Sinais de alerta precoce: decisões de cortes em
D.C. e Califórnia limitando deslocamento de tropas; resistências explícitas de
comandantes militares; pressão bipartidária no Congresso contra interferência
no Fed.
Escalada controlada (25–35%)
Trump mantém tropas em Washington e avança com operações em cidades democratas estratégicas, como Chicago, sem acionar formalmente o Insurrection Act. A tensão federativa cresce, mas ainda se processa nos tribunais. O clima social se agrava, com protestos violentos e contra-protestos organizados pela base MAGA. O governo busca vitórias narrativas: mostrar força sem romper de vez as regras.
Sinais de alerta precoce: novas ordens executivas ampliando autoridade federal sobre polícias locais; crescimento do número de Guardas Nacional federalizados; protestos em capitais com incidentes de violência política.
Crise constitucional aguda (10–20%)
Neste cenário, Trump decide invocar o Insurrection Act, alegando insurreição ou ameaça à integridade do país. A medida abre confronto direto com governadores democratas que se recusam a obedecer, criando impasse federativo. O mercado financeiro reage com colapso nos títulos do Tesouro e fuga de capitais. A polarização atinge patamar máximo: parte da população vê no presidente um protetor, outra o acusa de instaurar ditadura. Esse cenário abre a porta para violência política mais coordenada, com milícias agindo como extensão do conflito institucional.
Sinais de alerta precoce: ordem formal de invocação do Insurrection Act; governadores emitindo diretrizes de desobediência; reação negativa em bloco de Wall Street e do dólar.
Descompressão estratégica (10–15%)
Sob pressão econômica e política, Trump recua parcialmente. Algumas tropas deixam D.C., e a Casa Branca muda o tom da retórica, transformando a crise em vitória narrativa para a base: “fizemos a esquerda recuar”. O presidente mantém popularidade dentro de seu núcleo duro, mas perde margem de manobra no Congresso e no Judiciário. O sistema democrático respira, mas não sem feridas: o precedente da intervenção já está aberto.
Sinais de alerta precoce: retirada parcial de forças; declarações conciliatórias da Casa Branca; pesquisas de opinião indicando queda acentuada de apoio fora da base MAGA.
Síntese estratégica
A análise preditiva indica que a ditadura clássica
é improvável, mas o risco de um regime híbrido autoritário permanece alto. O
país pode não mergulhar em guerra civil formal, mas a probabilidade de viver um
período de conflito difuso, erosão institucional e polarização violenta é real
e crescente. O que está em jogo é a transformação dos EUA em uma república
permanentemente instável, onde o poder se disputa tanto no campo jurídico e
militar quanto no terreno simbólico e informacional.
A guerra híbrida interna dos EUA
A engrenagem que sustenta a escalada de tensão
doméstica nos Estados Unidos funciona como um verdadeiro ecossistema de guerra
informacional. Ele combina enquadramentos de “lei e ordem”, saturação de
desinformação, instrumentalização de plataformas digitais e mobilização de base
para produzir pressão cognitiva e política sobre governadores, prefeitos,
juízes e a opinião pública. O próprio Departamento de Segurança Interna
reconhece, em seus relatórios de avaliação de risco, que extremistas violentos
domésticos e atores estrangeiros exploram gatilhos conjunturais — como
conflitos externos, ciclos eleitorais e crises — para incitar ataques e
intimidar autoridades. Esse ambiente é classificado como de ameaça elevada,
pois cria condições ideais para justificar medidas de exceção e radicalizar a
disputa institucional.
No núcleo dessas operações está o uso político da incerteza: transformar ambiguidade em medo tangível. A erosão do papel de fatos e análises na vida pública desarma a sociedade em sua capacidade de arbitrar disputas, abrindo espaço para que narrativas de força se imponham. Essa dinâmica é alimentada por vieses cognitivos, polarização midiática e por uma arquitetura de plataformas digitais que recompensam o conflito e a radicalização. Trata-se de um terreno fértil para operações psicológicas, propaganda memética e engenharia de comportamento em larga escala.
Na camada técnico-operacional, observa-se um conjunto de táticas conhecidas: campanhas que simulam apoio orgânico (astroturfing), redes coordenadas de bots e contas falsas, microsegmentação de mensagens, assédio direcionado a jornalistas e pesquisadores, além da litigância agressiva que busca elevar o custo de resistência institucional. Ao mesmo tempo, cria-se um jamming informacional, sufocando o espaço público com ruído, falsos dilemas e contrainformações, de forma a tornar mais difícil o consenso em torno de fatos básicos. Estudos sobre propaganda computacional já documentaram a industrialização dessas práticas em escala global, e o caso norte-americano de 2025 é uma expressão clara dessa tendência.
Esse ambiente informacional interage diretamente com a dinâmica da violência. Pesquisas recentes mostram a normalização de ameaças e ataques politicamente motivados, incluindo atentados contra agentes públicos, intimidação de comunidades minoritárias e choques em protestos. O padrão não sugere uma guerra civil convencional, mas sim um conflito difuso e intermitente, capaz de legitimar retóricas de exceção e sustentar o emprego tático de forças federais em cidades estratégicas.
No plano institucional, observa-se uma arquitetura programática deliberada para aparelhar o Estado. O chamado Project 2025, coordenado pelo think tank Heritage Foundation, funciona como manual de transição que detalha como reorientar o aparato federal, desde agências regulatórias até políticas de comunicação e educação. Esse projeto combina planejamento burocrático, formação de quadros e planos de ação para cada agência, funcionando como verdadeiro playbook de captura institucional. Em conjunto com o uso de tropas em Washington e o tensionamento sobre a independência do Federal Reserve, essa estratégia cria capacidade de alavancagem sem necessidade de ruptura formal.
A janela de oportunidade para essa guerra híbrida interna se abre quando três vetores convergem: em primeiro lugar, um alerta oficial de ameaça que cria clima de emergência; em segundo, um precedente executivo que amplia o alcance federal em segurança interna; e, por fim, uma infraestrutura de mensagens capaz de transformar contradições institucionais em provas de “fraqueza” dos adversários. Quando esses três fatores se articulam, produzem efeitos cumulativos: o público tende a aceitar medidas excepcionais, o custo de contestação sobe e a oposição é empurrada para jogar na defensiva, onde cada derrota parece confirmar a narrativa de caos e de desordem.
Os contrapesos ainda existem e vêm de três frentes: cortes judiciais, governadores e mercados. Sempre que a Casa Branca avança sobre agências independentes ou expande unilateralmente os poderes executivos, há reações institucionais e econômicas que penalizam a instabilidade. Esse ciclo retroalimenta a disputa simbólica: para a base de Trump, tais resistências confirmam a existência de um “Estado profundo” que conspira contra o presidente; para seus adversários, são a prova da resiliência democrática. O resultado é a intensificação da erosão institucional e a normalização de precedentes excepcionais.
Em síntese, as táticas de guerra híbrida e de propaganda digital não são acessórios na conjuntura atual: são o centro de gravidade que permite transformar choques pontuais — protestos, crimes, tensões externas — em licença política para a exceção interna. Enquanto persistirem alertas de risco elevado, episódios de violência política e estratégias coordenadas de captura institucional, o risco dominante para os EUA não é o de uma ruptura súbita, mas de um regime híbrido autoritário sustentado por guerra informacional permanente.
Impactos
globais e geopolítica
A crise doméstica dos Estados Unidos em agosto de 2025 reconfigura o tabuleiro internacional em três camadas simultâneas: legitimidade, capacidade de projeção e arquitetura econômico-financeira. Na primeira, a erosão pública dos freios e contrapesos corrói a narrativa de “padrão democrático” que, por décadas, sustentou a diplomacia norte-americana. Não se trata apenas de imagem: quando a capital federal opera sob precedentes de exceção e a independência de agências é tensionada, parceiros passam a recalibrar custos de alinhamento, e adversários exploram o vácuo reputacional para deslegitimar sanções, relatórios de direitos humanos e condicionantes políticas. Essa perda gradual de autoridade moral reduz a capacidade de moldar normas — do ciberespaço à regulação de plataformas e inteligência artificial — e abre espaço para multipolaridade normativa, na qual blocos regionais adotam padrões próprios sem pedir chancela a Washington.
Na segunda camada, a capacidade de projeção sofre com a sobrecarga interna. Forças armadas e aparato de segurança veem sua agenda contaminada por demandas domésticas, o que comprime o raio de ação externo e dificulta a coordenação interagências. Em termos práticos, a prioridade política migra do teatro internacional para o “front interno”, e isso tem efeitos: menor apetite para operações longas, alianças pedindo mais garantias, e uma OTAN que, mesmo coesa em seus objetivos declarados, enfrenta assimetria de compromissos quando a liderança norte-americana oscila. Ao mesmo tempo, competidores estratégicos — em especial China e Rússia — exploram a janela para intensificar acordos energéticos, tecnológicos e militares fora da órbita de Washington, enquanto o eixo BRICS+ ganha tração como plataforma de hedge geopolítico para países médios.
A terceira camada é a arquitetura econômico-financeira. A pressão explícita sobre a independência do banco central e a judicialização de decisões executivas ampliam a percepção de risco regulatório, com reflexos em prêmios de crédito, volatilidade cambial e comportamento de grandes fundos. Em crises dessa natureza, dois movimentos tendem a coexistir: fuga para “portos seguros” tradicionais (títulos de alta qualidade, ouro) e, em paralelo, aceleração de alternativas no comércio e nos pagamentos internacionais (contratos em moedas locais, arranjos bilaterais de compensação, uso ampliado de sistemas de mensagens e compensação fora da esfera dólar). Não há substituto imediato ao dólar como reserva global, mas cada precedente de exceção abre milímetros de espaço para diversificação — e, acumulados, esses milímetros viram centímetros estratégicos.
Para a América Latina, e especialmente para o
Brasil, o impacto é direto. No curto prazo, o risco é de exportação de métodos:
redes políticas e comunicacionais alinhadas à ultradireita norte-americana
tendem a mimetizar repertórios de deslegitimação institucional, combinando
lawfare, campanhas de desinformação e narrativas de “lei e ordem” para
justificar endurecimentos seletivos. No plano econômico, uma Casa Branca
volátil pode alternar tarifas punitivas, barreiras técnicas e pressões
regulatórias sobre cadeias de valor sensíveis (aço, alumínio, fertilizantes,
tecnologia), instrumentalizando comércio como alavanca política. No plano
tecnológico, a disputa por padrões de IA, dados e plataformas chegará com mais
força às agências e ao Congresso brasileiros, exigindo respostas que combinem
soberania informacional, interoperabilidade e proteção de dados com autonomia
estratégica.
Há, porém, janelas de oportunidade. Em ciclos de retração da liderança norte-americana, países com massa crítica — como o Brasil — podem ampliar diplomacia de ponte entre regimes regulatórios, diversificar mercados, consolidar capacidade industrial em setores estratégicos (energia, fertilizantes, semicondutores de nicho, espaço, cibersegurança) e acelerar integrações regionais logísticas e digitais. A chave é não apostar em vácuos, mas em redundâncias soberanas: múltiplos cabos, múltiplos data centers, múltiplos provedores de nuvem, múltiplos sistemas de pagamento e um ecossistema nacional de IA com lastro acadêmico e industrial.
Do ponto de vista preditivo, três sinais-guia devem ser monitorados para antecipar desdobramentos globais: (1) persistência da exceção doméstica nos EUA (quanto tempo e quão amplo o uso interno de forças federais e de instrumentos extraordinários), (2) respostas de mercado à política monetária e às disputas institucionais (incluindo spreads, curvas de juros e demanda por títulos), e (3) realinhamentos diplomáticos discretos, como acordos energéticos e tecnológicos que contornem a intermediação norte-americana. A combinação de dois ou mais desses sinais, mantida por semanas, indica recalibração estrutural do sistema internacional, não mera turbulência conjuntural.
Para formuladores de políticas no Brasil, o cardápio estratégico é claro:
blindar a infraestrutura crítica de informação e pagamentos, reduzir
vulnerabilidades a sanções e choques extrarregionais, consolidar parcerias
tecnocientíficas com cláusulas de transferência de conhecimento e exigir
governança transparente de plataformas digitais que operam no país. No campo
comunicacional, o jornalismo estratégico precisa preparar comunidades de
prática para ciclos de desinformação importados, com protocolos de alerta
precoce, verificações forenses e kits de resposta que integrem governo,
academia, imprensa e sociedade civil.
Em suma, a crise doméstica dos EUA funciona como força sísmica que desloca placas de legitimidade, projeção e finanças. Não inaugura o multipolarismo, mas acelera sua normalização. Quem se antecipar com redundâncias soberanas, diplomacia de ponte e inteligência estratégica poderá absorver o choque e converter instabilidade em margem de manobra. Quem esperar pela “volta ao normal” corre o risco de descobrir que o normal, na verdade, mudou de endereço.
Conclusão:
entre a guerra difusa e o autoritarismo híbrido
A análise da conjuntura norte-americana em agosto de 2025 permite afirmar que a hipótese de Trump como ditador pleno permanece improvável, mas que o risco de consolidação de um regime híbrido autoritário é cada vez mais plausível. A escalada não se dá por meio de um golpe súbito, mas pela erosão gradual dos freios e contrapesos, pela captura seletiva de instituições, pelo uso episódico e calculado das forças federais, pela pressão sobre agências independentes e pela manutenção de uma guerra informacional permanente. A ideia de uma nova guerra civil, por sua vez, não se sustenta nos moldes clássicos da ruptura de 1861, mas se manifesta como a possibilidade de um conflito difuso de baixa intensidade, espalhado em protestos violentos, ações de milícias, retórica separatista e polarização informacional radicalizada.
O que se viu neste mês é um ponto de inflexão: a decisão de militarizar Washington, a ameaça de expandir operações para cidades democratas e o ataque direto à independência do Federal Reserve. Esses movimentos revelam a intenção de expandir o alcance presidencial sobre territórios, instituições e fluxos econômicos, testando até onde a estrutura federativa, o Judiciário e os mercados estão dispostos a resistir. Até agora, a reação de governadores, cortes e atores financeiros funciona como freio real, encarecendo a aventura autoritária. Mas cada precedente de exceção deixa marcas: normaliza o uso de medidas extraordinárias, enfraquece a confiança pública nas instituições e reconfigura o equilíbrio de poder.
No plano estratégico, essa crise interna desloca
não apenas a política doméstica, mas também a posição dos Estados Unidos no mundo.
A perda de autoridade moral como referência democrática, a sobrecarga das
forças de segurança em tarefas internas e a desconfiança dos mercados
internacionais corroem a legitimidade, a projeção externa e a arquitetura
financeira global liderada por Washington. Para países como o Brasil, os
impactos se manifestam em dois sentidos: por um lado, a exportação de métodos
de desinformação e lawfare que já influenciam elites locais; por outro, a
oportunidade de reforçar redundâncias soberanas em infraestrutura, dados,
finanças e tecnologia, reduzindo vulnerabilidades diante de um império em
crise.
O papel do jornalismo estratégico neste contexto é oferecer não apenas descrição, mas sistemas de alerta precoce que transformem sinais em cenários, cenários em hipóteses e hipóteses em ação. O que está em jogo é a capacidade de antecipar, de medir e de comunicar com rigor os riscos de erosão democrática, tanto para a sociedade quanto para os tomadores de decisão. Informação sem método vira ruído; método sem comunicação não altera o curso da história. O desafio, portanto, é sustentar uma análise verificável, conectada a indicadores claros e aberta ao escrutínio público, capaz de distinguir alarmismo vazio de predição estratégica.
Em suma, os Estados Unidos não parecem caminhar
para a morte súbita da democracia, mas para sua corrosão lenta. A guerra difusa
e o autoritarismo híbrido configuram o horizonte mais provável: uma república
que continua existindo formalmente, mas cuja legitimidade e capacidade de
governar se fragilizam a cada semana. Nesse cenário, a vigilância
institucional, a reação de mercados e a resistência civil tornam-se
determinantes. Mais do que nunca, compreender esse processo não é apenas tarefa
de acadêmicos ou jornalistas, mas de toda sociedade que queira sobreviver à
tempestade informacional e política do século XXI.













