quarta-feira, julho 09, 2025

A relação entre o dedo mindinho, nossas cabeças e o cyborg individualizado

A deformação do dedo mindinho pelo uso sistemático do celular é uma comprovação de que, sem perceber (?), a humanidade avançou para o modelo-homem-máquina (cyborg) com a tecnologia funcionando como extensão das capacidades do humano, espécie de “homo technologicus” [1]

De uma forma geral o uso intensificado do celular e sua tela em cerca de 8/10/12 horas por dia para comunicação familiar, de trabalho, social e/ou lazer, reforça a ideia sobre como a expansão desse modelo já age fortemente sobre o nosso cérebro e sobre a forma como nos entendermos como gente e também sobre nossa posição no mundo.

Essa é uma constatação que espanta. Porém, deveria espantar mais o fato desse processo estar transformando nossa cultura e nossa ideologia sem que geralmente queiramos enxergar isso criticamente.

Entendo que não caiba se falar em maldição da tecnologia. Embora ela nunca seja neutra. O uso e o controle, em especial da tecnologia digital (incluindo IA), está produzindo transformações profundas nas relações sociais e nas relações de poder.

Não parece se tratar apenas de uma onda sobre uma nova tecnologia, depois de tantas outras como o trem, a eletricidade, o carro, telefonia, etc. São várias transformações juntas, telefonia móvel, internet, comunicação online 24/7, plataformas/aplicativos, mídias sociais, inteligência artificial que parece atingir mais profundas a sociedade. As pessoas estão conversando e já amigas "íntimas" das IAs que estão agindo por tudo que é canto, em produtos, serviços e dispositivos que usamos diariamente e nem sabemos. 

Penso que esse vagalhão de inovações tecnológicas sobrepostas deveria nos sugerir formas de repensar a administração do uso conjunto dessas ferramentas da tecnologia digital. Considero que poderíamos, avaliar melhor e só absorver aquilo que se apresenta como positivo, relativizando ou descartando, o que já se apresenta danoso. 

Nesse percurso há questões e decisões de ordem coletiva que têm que ser implantas, como a imposição de regras e regulações. Outras, podem ser encaminhadas como resoluções individuais em diversas dimensões, desde formas e tempo de uso, aos tratamentos psicológicos e/ou psiquiátricos.  

Além disso, parece que já passamos da hora de buscar formas de também re-valorizar as relações físicas entre os humanos, porque é a partir do convívio com o outro que nos enxergamos como sujeito e como parte de um contexto de relações sociais.

Observamos várias manifestações de preocupação e algumas boas iniciativas na direção de se repensar essa realidade. A proibição do uso do celular em sala de aula é uma delas, mas é preciso ir bem além. As mídias sociais controladas pelas big techs precisam urgentemente de regras claras e firmes.

Porém, volto ao início. O fato de já termos nos transformado numa espécie de cyborg, também pode ser menos importante, desde que enxerguemos que a nossa parte humana ainda mantenha a empatia e indispensável virtude da solidariedade, o extremo oposto da individualização que esse "modelão" vai nos empurrado em nosso cotidiano acelerado.

A vida pós-moderna contemporânea tem sido um emaranhado labiríntico, onde a racionalidade neoliberal se impõe produzido em larga escala, esse sujeito que se faz e vive por e para si próprio. Talvez, isso explique em boa parte o sentimento entendiante e de ansiedade que cerca boa parte da sociedade contemporânea.

Entender as causas desses sentimentos, seus significados e suas consequências, podem nos ajudar a avançar em alternativas coletivas para além dos recursos e tratamentos individuais que negam as causas coletivas do realismo capitalista [2].

 

Referências:

[1] SULEYMAN, Mustafa; BHASKAR, Michael. A próxima onda: Tecnologia, poder e o maior dilema do século XXI. Editora Record. Rio de Janeiro, 2023.

[2] FISHER, Mark. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? Autonomia Literária. São Paulo, 2022.