segunda-feira, abril 27, 2020

#TAG REPORT 62: "Espiral de Incertezas": Análise de conjuntura, por Helena Chagas e Lydia Medeiros

O blog recebeu e repassa o conteúdo do relatório #TAG REPORT 62 de 26-04-2020 que republica abaixo:

Espiral de incertezas - Uma análise da conjuntura

Brasília, 26/4/2020 - nº62

Passadas 48 horas da demissão de Sérgio Moro, há no mundo político um sentimento de que o governo Jair Bolsonaro que assumiu em 1º de janeiro de 2019 acabou. Sobram dúvidas, porém, sobre se, como e quando serão removidos os destroços da edificação implodida — ou seja, tirar Bolsonaro da Presidência dentro das regras da Constituição e do Estado Democrático de Direito. As revelações de Moro sobre interferência na Polícia Federal e outros crimes já seriam graves o suficiente para  deflagrar um processo de impeachment se o establishment estivesse hoje tão disposto a cassar o presidente quanto esteve, lá em 2016, a se livrar de Dilma Rousseff com “pedaladas fiscais”. Até agora, tudo indica que não está — e por razões que unem direita e esquerda.

A principal delas atende pelo nome de Sérgio Moro. Diversos pedidos de impeachment foram apresentados nas últimas horas, e muitos outros virão. Mas o ex-ministro e ex-juiz sairá enormemente fortalecido como candidato presidencial em 2022 se vingar algum deles, baseado em sua “delação”. Pré-candidatos ao centro e à direita, como os governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ), por exemplo, sabem que é mau negócio disputar o campo conservador com alguém tendo no currículo não só a Lava-Jato, mas a derrubada de Bolsonaro.

À esquerda, caciques petistas garantem que não faltará um só voto de sua bancada a favor de um pedido de abertura de impeachment que chegue ao plenário da Câmara. Vão apoiar a campanha Fora Bolsonaro. Mas, no PT, Moro é o algoz. Formar ao lado dele, ainda que na excepcionalidade de um processo desses, não será nada confortável. Contribuir para fortalecê-lo, impensável. Sem contar que, no partido, a perspectiva de um Bolsonaro sangrando até 2022 parece melhor do que a de enfrentar uma novidade vitaminada por um novo governo.

Diz-se também, nos meios políticos, que os partidos do Centrão que estão ganhando do presidente cobiçados cargos da administração também estarão, em sua maioria, votando a favor do impeachment no plenário. Até lá, vão encher as burras, sustentando um discurso de que, neste momento de pandemia, não se deve gastar energia com essa briga — argumento que até faz sentido, e vem servindo também para blindar a narrativa de quem decide, como Rodrigo Maia.

Há fatores, porém, que podem mudar a situação de uma hora para outra. Um deles, a evolução das investigações que correm no Supremo Tribunal Federal. Manchete da Folha de S.Paulo deste domingo trouxe um alerta ao revelar que o inquérito que apura a rede de fakenews e ameaças    montada contra autoridades tem entre seus articuladores o vereador Carlos Bolsonaro. Isso cria fatos novos, e graves. Quem conhece o estilo da PF e do próprio Moro de brigar sabe que a guerra de vazamentos envolvendo Bolsonaro e família vai ser pesada e centralizar as atenções daqui por diante. Moro também estará no alvo do outro lado, e a esperança de alguns é que também acabe queimado e deixe de ter sua digital tão clara num eventual impeachment.

Outro fator seriam as ruas, que agora, aliás, são apenas panelas. Não há impeachment sem povo na rua, e não há povo na rua com pandemia. Nem se ouviu falar, em algum lugar do mundo, de impeachment conduzido e votado remotamente. Por outro lado, as avaliações gerais são que o governo Bolsonaro — pelo conjunto da obra envolvendo também economia e pandemia — não tem volta em termos de capacidade de organização e governabilidade. E se, por enquanto, também não há previsão de ida — a ida para casa —, são grandes as chances de o país entrar numa triste espiral de incertezas, estagnação, doenças e mortes nos próximos meses.

SAÍDA PELO STF — MAS CÂMARA TEM QUE ABRIR A PORTA
No primeiro momento, será cômodo para os políticos deixar o destino do presidente da República nas mãos do STF. Afinal, três inquéritos podem chegar a Jair Bolsonaro: os dois relatados por Alexandre
Moraes, que investigam as fakenews e já chegaram ao filho Carlos, e a organização das manifestações pró-golpe militar; por fim, o que deverá ser aberto esta semana por Celso de Mello para apurar as denúncias de Sergio Moro de interferência na PF.

Advogados próximos relatam que os ministros do Supremo acham que muitas outras ações sobre o tema devem entrar nos próximos dias na Câmara e reverberar por lá. OAB e ABI devem apresentar pedidos de impeachment. Parlamentares de oposição vão tentar barrar a nomeação de Alexandre Ramagem para a Polícia Federal com base no precedente que impediu Lula, por liminar de Gilmar Mendes, de ocupar a Casa Civil de Dilma Rousseff. O deputado Rui Falcão (PT-SP) apresentou representação ao procurador-geral da República, Augusto Aras, pedindo que ele inclua no inquérito solicitado a Mello investigações sobre diversos atos de Moro relacionados à PF em sua gestão na pasta de Justiça.

O STF terá muito trabalho, e um grande protagonismo — conforme já previa este TAG REPORT em sua edição de 5 de abril (nº 59). Mas estará o impeachment judicializado? Não em última instância. Nada que a suprema Corte do país venha a descobrir terá maiores consequências se a Câmara dos Deputados não aprovar, por dois terços, o afastamento do presidente da República para que ele seja processado em denúncia a ser formulada pelo PGR. Muitas águas ainda vão rolar até que isso aconteça. Bolsonaro precisa de 172 votos para que não aconteça.

SOB CONTROLE
Procuradores que analisaram o pedido de inquérito de Augusto Aras ao Supremo acham que o procurador-geral jogou para controlar o processo. Assim como não citou Jair Bolsonaro no inquérito sobre a manifestação ocorrida diante do QG do Exército, optando por apurar a participação de parlamentares na organização do ato que pedia o fechamento do Congresso e do STF, Aras agora pede que sejam investigadas as acusações de Sérgio Moro. Todas se referem ao presidente
da República, mas o nome de Bolsonaro não é citado.

Ao comandar os inquéritos, Aras controla também o tempo para apresentar ou não uma denúncia. Também impede que outras investigações sejam abertas em instâncias inferiores. A diferença entre os dois casos é que Moro, desde a sexta-feira, não tem mais foro privilegiado, como têm os deputados federais. Logo, não caberia ao procurador-geral investigá-lo. Aras fez uma aposta de risco: o ministro Celso de Mello pode devolver-lhe os autos, ainda esta semana, e pedir que aponte qual autoridade com foro justificaria seu pedido. O nome, claro, é Jair Bolsonaro.

ZAP VERDE-OLIVA: AGUENTA SÓ MAIS UM POUQUINHO
Sérgio Moro mal acabara de falar quando os grupos de WhatsApp de generais — a maioria da reserva, inclusive ex-companheiros de ministros palacianos — já fervilhavam de mensagens. “O Bolsonaro já era”, postou um deles, completando que o presidente calculou mal ao achar que Moro, por apego ao cargo, não iria reagir. Para outro, o presidente “avaliou mal”, achando que, depois de demitir Luiz Henrique Mandetta sem maiores consequências, seria o mesmo no caso de Moro. “Cavou não só sua sepultura, como a da família”, concluiu. Um terceiro oficial informou: “Tive uma confirmação agora de que tudo o que o Moro está fazendo é real.” Ao que outro colega aduziu: “Muita gente amiga e conhecida se voltando contra o presidente. Isso não vai acabar bem, infelizmente.”

Nas mensagens, os militares lamentam por amigos e colegas que  estão no Planalto, agora em difícil situação. “O (Augusto) Heleno sempre esteve ao lado do Moro. Foi traído pelo presidente”, disse um.
As mensagens mais expressivas dessas conversas não são escritas. São figurinhas com a foto do vice Hamilton Mourão sorridente, marcadas com dizeres como “Aguenta só mais um pouquinho” e “Tô chegando”…

GUEDES CONTINUA DIGITANDO
Depois das demissões de Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro, e somadas à crise em torno do comando do plano de retomada do crescimento pós-pandemia, Paulo Guedes vinha sendo dado como carta fora do baralho por dez entre dez observadores do cenário político. Sua demissão já estaria sendo inclusive “precificada” pelo mercado. Nas últimas horas, porém, o quadro parece estar mudando. Pelo lado de Jair Bolsonaro, que segundo aliados estaria chegando à conclusão de que
perder Guedes neste momento aceleraria a erosão do próprio governo.

Por seu lado, Guedes — que, sem paletó e de máscara isolou-se do resto da equipe durante o pronunciamento de Bolsonaro na última sexta-feira — também teria resolvido ficar e lutar para controlar a política econômica no pós-pandemia. Abriu confronto direto com o ex-auxiliar e hoje ministro do Desenvolvimento Rogério Marinho, que descobriu estar por trás dos movimentos ostensivos do ministro chefe da Casa Civil, Braga Netto de apresentação de um plano desenvolvimentista de recuperação. Vai ser um duelo de titãs.

Desde a apresentação do plano, Guedes tenta argumentar no governo que apenas com investimentos privados será possível tentar sair da crise econômica agravada com a crise sanitária — e com a crise de confiança provocada pela confusão política instalada no país. Ele tem dito que todo o investimento público que o governo puder fazer não chegará 1% do PIB, algo muito distante do necessário. Acha que o plano de Marinho foi inconveniente e que seu ex-subordinado agiu como oportunista.

O diagnóstico do ministro é que para atrair esses investidores será fundamental insistir em reformas, mas, principalmente, e em ritmo mais rápido, em mudança de legislação, citando os marcos regulatórios do saneamento e do setor elétrico que, segundo Guedes, travam a chegada do capital privado. Outra prioridade nessa lista é a revisão das regras do setor de óleo e gás, preferencialmente estabelecendo um modelo único, o de concessão.

A nova estratégia de Guedes ainda está no rascunho. O momento, tem dito o ministro, é de pensar apenas na Saúde, que tem toda a prioridade no gasto público. O “plano Marinho” atrapalha o ministro — sobretudo por exigir uma resposta mais rápida do chefe da Economia.

DORIA E WITZEL, MUITO AMIGOS DE MORO
Sérgio Moro saiu do Ministério da Justiça de Bolsonaro diretamente para a cartela de candidatos à presidência da República. Mas não vai ser tão simples assim. Perdeu seu lugar de fala, e precisa encontrar outro adequado, que he dê visibilidade nos próximos dois anos. Além disso, ao longo desse tempo, estará no centro do alvo de Jair Bolsonaro e todos os seus desafetos, sobretudo no papel de pivô de uma investigação do STF contra o presidente da República. Moro terá, sobretudo, que adquirir alguma malícia política para navegar até 2022.

Por exemplo. Entre elogios mis ao ex-juiz, os governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ) lamentaram profundamente a demissão, aproveitando a ocasião para criticar de forma contundente o presidente, com quem vivem às turras. Que ninguém se engane, porém: Doria e Witzel, candidatos agora competitivos do campo da direita, de tudo farão para trucidar a candidatura Moro — ou ao menos para ter controle sobre ela, transformando o ex-ministro num companheiro de chapa na vice.
Isso acontecerá sobretudo se Sergio Moro aceitar convites para fazer parte do secretariado de algum desses governadores. Rápido no gatilho, Witzel não levou nem meia hora para convidá-lo.

MOURÃO E MORINHO
Já publicamos aqui neste TAG REPORT que, certa vez, um dos filhos de Jair Bolsonaro disse a um político que o maior arrependimento de seu pai, no governo, fora o convite a dois de seus integrantes: “o Mourão e o Morinho”. Agora o presidente poderá começar a ter problemas somados com a dupla, que se dava muito bem. Nos bastidores, frequentadores do Planalto comentam que, para Moro, não seria nada mau que Mourão assumisse o cargo num eventual impeachment de Bolsonaro — até
novembro, a tempo de nomeá-lo para o STF.

INFORMAÇÃO SEGURA
A nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal tem tudo para confirmar uma suspeita que há muito incomoda políticos em Brasília, a de que são alvo de espionagem do governo. Depois que Sérgio Moro revelou o desejo de Jair Bolsonaro de se
manter “informado” pela PF, a expectativa é que a “arapongagem”, que supostamente vinha sendo conduzida por Ramagem como diretor da Abin, ganhe corpo e mais recursos. O novo diretor-geral da PF está com o presidente desde a campanha eleitoral e tem a total confiança dele e de seus filhos. Na edição de 11 agosto do ano passado, o TAG REPORT já informava o temor de parlamentares de serem alvo dos serviços de inteligência do governo.


NOVA POLÍTICA 

Os movimentos ostensivos de Roberto Jefferson para abraçar o governo Bolsonaro podem até ter sucesso, mas não foram combinados com o partido — muito menos os ataques a Rodrigo Maia, que teriam sido movidos por motivações regionais. A bancada petebista na Câmara teve alto índice de renovação, e Jefferson perdeu boa parte da influência que exercia no Congresso. O líder, deputado Pedro Lucas Fernandes (MA), por exemplo, tem 41 anos e é ligado a Rodrigo Maia.

HORA DE SAIR DO GRUPO 
 Desde o inicio do governo as relações de Onyx Lorenzoni com oDEM não vão nada bem. Mas hoje a convivência é considerada impossível. Há um esforço para que o ministro da Cidadania deixe a legenda. Além de sua presença no governo não ter a marca do partido e ser uma indicação pessoal de Jair Bolsonaro, a avaliação no DEM é que Onyx só trabalha em causa própria, visando a eleição para o governo gaúcho,sem qualquer benefício para o partido.

AGITAÇÃO NAS REDES


A saída de Sérgio Moro do governo, na manhã da última sexta-feira, mobilizou a opinião pública no Twitter. A agitação política tomou conta da rede, e as hashtags mais populares foram majoritariamente contra Jair Bolsonaro. Já o pronunciamento do presidente, às 17h daquele dia, teve pouca força para impulsionar seus apoiadores, que para usaram a tag #FechadoComBolsonaro. “Como já nos acostumamos a ver, o grupo de apoio forma uma rede mais fechada. No caso de sexta-feira, ela ficou unida, mas claramente isolada. As interações contrárias a Jair Bolsonaro, dessa vez, formaram um grande grupo (bolha). Sua coesão foi interligada pela tag #ForaBolsonaro”, diz o pesquisador Antonio Dione Santibanez, que analisou 60.534 menções no Twitter.

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