terça-feira, abril 30, 2024

Big Techs e fundos financeiros avançam na construção e controle de datacenters no Brasil e no mundo

A infraestrutura digital é estratégica para a expansão da "digitalização de quase tudo" nessa etapa da reestruturação produtiva e para a ampliação do uso e monetização da Inteligência Artificial em todo o mundo. Capturar dados, transferir e armazenar é a base do que vem sendo chamado da Economia de Dados no capitalismo contemporâneo.

Atualmente, passou-se também a considerar e chamar esse processo como Cadeia de Valor dos Dados (CVD ou DVC, em inglês). A CVD se inicia na criação e coleta de dados, passa pelo armazenamento, depois processamento (mineração, fusão), a seguir “uso ou consumo” (visualização e compartilhamento, direção, algoritmização, IA) e monetização (business plan). [1] Nem sempre a sequência desse processo se dá nessa ordem, mas quase sempre segue todas essas etapas, com algumas se repetindo, alternadamente, a outras.

É nesse sentido que se deve compreender, também, o papel altamente estratégico dos cabos de rede óptica (terrestres e submarinos), as torres das operadoras de telefonia e os datacenters (Big datas), também chamados de nuvens. [2] 

São gigantes investimentos em infraestruturas físicas com milhares de equipamentos digitais e enormes capacidades de memória com colossal consumo de energia elétrica que produz extraordinários e preocupantes impactos socioambientais. [3]

O esquema gráfico abaixo mostra as articulações entre equipamentos e redes técnico-digitais e tentou resumir e expor essa enorme e potente teia desde a produção e captura dos dados, circulação, armazenamento, processamento, distribuição, uso, consumo, monetização, reprogramação, algoritmização, etc. 

Essa colossal teia realça a importância das infraestruturas no sistema digital integrado, interligado dentro dos países e articulado em redes intercontinentais e globais que para muitos passam como se fossem abstratas ou simplesmente virtuais. Não. Elas são digitais, mas reais e estão implantadas como capital fixo no território e são bancadas geralmente por investidores ligados a fundos financeiros e oligopólios.

[3]

Cada email lido, acesso e👍🏼 em qualquer rede social, interliga seu celular (tablet ou computador) ao datacenter (nuvem), através do uso de torres e cabos. Tudo em milissegundos. O uso da internet móvel e o barateamento dos smartphones tornou a produção de dados e acessos num regime 24x7, durante todos os sete dias da semana, na residência, no trajeto, trabalho, casa, lazer, etc.

Esses dados de todos nós, armazenados aos zetabytes nestes datacenters, são o insumo básico para o aprendizado de máquinas que permite à IA se manifestar próximo ao desejo humano.
O volume de dados produzidos no mundo deve passar dos 33 zetabytes que estava em 2018, para 175 zetabytes em 2025. [Um zettabyte é uma unidade de medida de dado digital. Um zettabyte é igual a um sextilhão de bytes ou 1021 (1.000.000.000.000.000.000.000) bytes, ou, um zettabyte é igual a um trilhão de gigabytes]. [4]

Apenas, nos últimos seis meses, foram vários anúncios, todos na casa das dezenas de US$ bi em investimentos das Big Techs e de grandes corporações de infraestruturas digitais, controladas por gestoras de fundos financeiros ou bancos de investimentos. [5] [6] [7] [8]

A interligação entre os datacenters e os usuários da internet (cada vez mais móvel e via celulares) se dá hoje em boa parte via cabos submarinos (95%). Apenas 5% ficam com os satélites. Em 1995 a transmissão de dados era de 50% por cabos e 50% por satélites. 

Na 2ª década deste século, os cabos representam 95% e os satélites têm apenas 5% na transmissão de dados. Os satélites continuam como boa alternativa para conectar comunidades mais isoladas, ou onde os cabos de financiamento óptica não chegam, ou para distribuição de conteúdos de um para vários pontos.

Os cabos são capazes de transmitir mais dados a um custo menor. Por isso, a utilização dos cabos ópticos em terra ou submarino entre os continentes ganharam a dimensão e proporção que chegaram atualmente. É nesse contexto de aumento de demanda de datacenters para a infraestrutura digital e para a ampliação do uso em IA que se deve observar a expansão desses também Brasil.

Além do forte movimento das Big Techs (Amazon, Microsoft, Google, OpenAI, etc.) na construção e/ou aquisição de datacenters em todo o mundo, com investimentos totais que superam a centena de bilhões de dólares, bancados em boa parte por fundos financeiros e capital de risco que eles estão chegando ao Brasil. Repito, essa demanda de mais e potentes Big Datas, tem a ver com o avanço da captura e armazenamento de dados para uso intenso em IA Generativa.
 
A informação do dia é sobre a da compra do controle de datacenters que já opera no Brasil. A americana Park Place Tecchologies, controlada por fundos financeiros (fundo GTCR), e tem ainda como sócio o banco Charlesbank, está adquirindo a empresa brasileira Unitech que nasceu no Rio de Janeiro em 1989 e hoje possui vários datacenters no Brasil. [9]

A Unitech presta serviços de infraestrutura de datacenter (armazenamento) e proteção de dados para a Petrobrás, Forças Armadas, BB, Anac, ANP, Anvisa, Bradesco, Embraer, Esso, Fiocruz, Furnas, IBGE, INSS, Siemens, STF, etc. tendo ainda como parceiros com grandes companhias globais como Dell Technologies, VMware, Quantum, Commvault, Juniper, etc. 

Hoje, em 2024, o Brasil possui cerca de meia centena de instalações de datacenters distribuídos entre cerca de 17 empresas provedoras. Entre elas, A Unitech, Ascenty (ao lado foto do Datacenter da Ascenty em Vinhedo, SP), Equinix, Scala e Odata.

Assim, observando e analisando numa perspectiva de totalidade e de sistema, deve-se realçar nesses movimentos, os processos não apenas de expansão da infraestrutura digital - de controle privado -, mas também quem são os agentes que se desenvolvem juntos aos processos de financeirização, centralização e concentração desse setor estratégico das infraestruturas digitais (cabos, torres, redes, ramais de cabos ópticos, operadoras de telefonia, datacenters, etc.). [3]

Vale registrar que tudo isso é muito incrementado pelas demandas geradas pelo avanço não apenas da "digitalização de quase tudo", mas pelo uso ampliado da Inteligência Artificial (IA/AI) em todo o mundo. 

O avanço em velocidade muito acelerada da digitalização torna o controle centralizado dos dados e dessas gigantes instalações, um enorme risco, em especial, no que diz respeito à soberania nacional, aos direitos dos cidadãos e à democracia.
 
É tudo muito pior e mais grave do que tudo que foi denunciado por Edward Snowden sobre o uso do poder americano da NSA para espionar os demais países considerados aliados. Exatamente, o que os EUA acusam que o TikTok chinês poderia fazer. 

Os agentes, os processos e as estratégias estão evidentes demais para não serem compreendidos em sua integralidade. É preciso dar musculatura à estatalidade das infraestruturas digitais, assim como repensar as bases da internet no Brasil e no mundo.


Notas e referências: 
[1] GÖRGEN, James. A imprescindível refundação da Internet. Portal Outras Palavras, em 25 de abril de 2024. Disponível em: https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/a-imprescindivel-refundacao-da-internet/

[2] Para uma compreensão mais detalhada do porquê se chama esse armazenamento de dados de "nuvens", faço uma sugestão da série-documentário na Netflix (não sem contradição, por conta de ser outra plataforma, de streaming). É uma sérei daquele jeitão americano meio caricato, mas que serve para explicar porque de onde vem o nome de "nuvem", para algo que está efetivamente no território como capital fixo e instalação. Série: "A era dos dados: a ciência por trás de tudo, Netflix. 6 episódios, 2020".

[3] PESSANHA, Roberto Moraes. Infraestrutura digital, extrativismo Hi-Tech (ExHT) e capitalismo de plataformas: artérias digitais escancaradas da AL – Uma homenagem a Galeano. No prelo, In: Geografias da economia política na América Latina. Editora Consequência. Rio de Janeiro, 2024.

[4] GÖRGEN, James. Um Nobel contra as Big Techs. Jota em 27 fevereiro 2024. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/um-nobel-contra-as-big-techs-27032024#:~:text=Nada%20como%20um%20Nobel%20falando,um%20artigo%20recente%5B1%5D

[5] Valor/Dow Jones em 01/04/2024. Microsoft e OpenAI planejam data center de US$ 100 bilhões, com supercomputador de IA. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/04/01/microsoft-e-openai-planejam-data-center-de-us-100-bilhoes-com-supercomputador-de-ia.ghtml

[6] Valor em 29/03/2024. IA deve acelerar a expansão de data centers no Brasil. Disponível em: 
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/03/29/ia-deve-acelerar-a-expansao-de-data-centers-no-brasil.ghtml 

[7] Valor em 10/04/2024. Microsoft investirá US$ 2,9 bi em data centers no Japão para atender inteligência artificial. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/04/10/microsoft-investir-us-29-bi-em-data-centers-no-japo-para-atender-inteligncia-artificial.ghtml

[8] Olhar Digital em 27/04/2024. Google quer investir R$ 10,23 bilhões em construção de data center nos EUA. Ideia é impulsionar IA da companhia. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2024/04/27/pro/google-quer-investir-r-10-23-bilhoes-em-construcao-de-data-center-nos-eua/?

[9] O Globo, 30/04/2024. Com data centers ‘bombando’, gigante americana Park Place faz aquisição no Brasil. Disponível em: https://oglobo.globo.com/google/amp/blogs/capital/post/2024/04/com-data-centers-bombando-gigante-americana-park-place-faz-aquisicao-no-brasil.ghtml?

PS.: Atualização às 17:58 para breve acréscimo de texto.

sexta-feira, abril 26, 2024

Compra de mineradora Anglo American que exporta pelo Porto do Açu reforça lógica global e de enclave no complexo porturário

[1]

A gigante mineradora australiana BHP Billiton está na mira para comprar a Anglo American, mineradora sul-africana que exporta minério de ferro, em seu terminal no Porto Açu, através da joint-venture Ferroport, formada com a Prumo Logística Global, holding americana controladora pelo fundo também americano, EIG Partners. 

O negócio está se iniciando com proposta de compra da Anglo American, feita BHP por US$ 39 bilhões. As exportações de minério-de-ferro pelo Açu foram as primeiras exportações realizadas no 2⁰ semestre de 2014 quando do início das operações do complexo portuário do litoral de SJB. 

O minério de ferro que chega ao Açu é extraído da mina da região do Quadrilátero Ferrífero de MG e vem para o litoral fluminense, por meio de um mineroduto de 522 km do chamado Sistema Minas-Rio, vendido, ainda no papel, por Eike Batista por cerca de US$ 5 bilhões.

Esses negócios de fusão dos grandes grupos que atuam no Porto do Açu, reforçam a visão sobre como os negócios extrativistas formam enclaves e são comandados por grandes corporações ligadas ao que se chama de Cadeias de Valor Global e que se utilizam do extrativismo dos recursos minerais e usam os demais áreas e comunidades como "territórios de passagem". 

Vale ainda observar como a transação comercial é feita baseada em todas a cadeia de negócios da mineradora Anglo American e não sobre o negócio específico da mesma no Sistema Minas-Rio que exporta minério pelo Porto do Açu. A reportagem deixa claro que o maior interesse é pela extração de cobre, material que ganha importância com a intensificação dos processos de eletrificação ampliado com o avanço da transição energética, portanto, sem nenhuma relação direta com o Minas-Rio que entra como complemento na venda.

São negócios que movimentam bilhões de dólares com exportações de (cerca de 26 milhões de toneladas), mas com pouquíssima conexão e benefícios para a região. Muitos dos controladores destes negócios sequer conhecem a região. Extrativismo, enclave, centralização, concentração e oligopólios que precisam do território e das infraestruturas portuárias, apenas para realizar seus lucros com as exportações.

[1] Matéria em O Globo, 26/04/2024, p.17, NEDER, Vinícius.

PS.: Atualização às 09:28: É ainda importante relembrar que a mineradora BHP Billiton era sócia da mineradora brasileira Vale (50% +50%) na minha da Samarco em MG cuja bacia de rejeitos desmoronou e provocou um dos maiores tragédias social e ambiental do país, matando 19 pessoas, devastou o Rio Doce e atingiu cidades mineiras e capixabas em 5 de novembro de 2015. O processo criminal que tornou rés 22 pessoas e as mineradoras Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR Recursos Hídricos pelo desastre.

PS.:Atualização às 12:58: com outros dois comentários que envolvem esses processos de fusão, aquisições e incorporações (F&A) entre corporações globais e GPIs controladas por grandes fundos financeiros globais.

1) Ainda observando mais esse movimento de aquisição, fusão e incorporação (F&A) entre corporações, também vale registrar alguns processos que venho analisando em pesquisas no território. O mundo corporativo é uma realidade muito distante. Andar superior é uma boa definição. No território, junto às instalações e bases operacionais (capital fixo) ficam seus operadores. São encarregados que recebem por contrato e extras por metas cumpridas e bajulações(sic) desde que lucrativas para investidores, na maioria fundos financeiros. Os CEOs, diretores e alguns gerentes trabalham por mandato, como os treinadores e jogadores de futebol. Quando se desgastam com a comunidade (stakeholders), são trocados para reduzir conflitos e criar novas expectativas.

2) Esse caso reforça a "Lógica das Cadeiras de Valor Global" (CVG). Muito correlata à lógica dos fundos globais. Trato disso em algumas análises que já realizei em textos anteriores sobre o tema e também como já comentei acima, esses controladores de Grandes Projetos de Investimentos (GPIs) não tratam a importância de um negócio específico da corporação nessas decisões, mas sim os ganhos na cadeia todo. Podem perder em alguns, às vezes muito, mas ganham em negócios complementares. Por isso, fica difícil concorrer com as corporações globais que vão se transformando em oligopólios. E costumam ser recebidos com tapetes vermelhos de gestores que muitas vezes trabalham como despachantes de luxo destes negócios, usufruindo dos resultados políticos do discurso genérico e difuso do progresso e do emprego que chegam, mas em quantidades muito menores, em especial para cargos mais qualificados e de confiança da corporação, que vem gerir como encarregado dos investidores (acionistas) os negócios e as operações nas bases locais. O objetivo é produtividade, lucros e amortização de conflitos. A maioria dos gestores públicos abre mão em acompanhar compensações, exigir contrapartidas proporcionais aos volumosos lucros e admitem que seus territórios, sirvam mais para fluxos de passagem do que para alguma perspectiva de desenvolvimento, mesmo que mais predominantemente voltada aos interesses da corporação. O grau em que isso se dá é que define ou não a condição de enclave que gera poucas externalidades para a economia e as comunidades locais.

PS.: Atualização às 08:16 de 27/04/2024
A Bloomberg informa que acionistas da Anglo American querem mais pela venda da mineradora para a BHP Billiton. No jargão do comércio significa que o negócio depende apenas do acerto nos valores. 
Fonte: O Globo 27-04-2024 a partir da informação da Bloomberg.




domingo, abril 07, 2024

Musk quer com seu estado-plataforma X (Twitter) a mesma liberdade que buscou Hitler

As pressões e articulações de Ellon Musk CEO do X (Twiiter) trabalha numa lógica de um Estado-plataforma (Pierre Lévy) acima do Estado brasileiro. Suas falas e ações não são contra o judiciário apenas e sim contra todo o Estado. São articulações globais da extrema-direita com viés da geopolítica. Esse é o interesse de Musk ao defender uma liberdade total para seguir articulando a volta do fascismo.

A Meta (Facebook e Instagram) já tem uma corte suprema que decide as punições por cima dos Estados-nações. Não se trata apenas de regular. A extrema-direta e o oligopólio das corporações digitais e das Big Techs são efetivamente uma ameaça. Esses oligopólios não são exatamente iguais, mas no todo reforçam os riscos. A regulação não dá conta do que se tem pela frente, mas é o mínimo em defesa desse setor estratégico para a soberania nacional.

Com essas ações e manifestações, quem pode acreditar que os algoritmos do X (twitter) e do FB não ampliam ou limitam o alcance dos perfis conforme sua programação algorítmica baseado na ideologia? Isso se chama controle e dominação tecnológica.

Trata-se de uma articulação escancarada da extrema-direita global entre donos de corporações de mídia e lideranças políticas. O TSE teve papel importante no freio de arrumação nas eleições de 2022. É disto que reclamam. É sobre isso que articulam.

Tenho repetido à exaustão. O fenômeno da digitalização como etapa da reestruturação produtiva é global, mas as articulações e também as resistências são e serão sempre dos estados- nacionais. Assim, o TSE garantiu a lisura das eleições de 2022 e as instituições impediram a seguir o golpe militar-bolsonarista de 8 de janeiro.

Vivemos sob o que tenho chamado de um "tripé do capitalismo contemporâneo": digitalização e dominação tecnológica; hegemonia financeira e a racionalidade neoliberal. Não é possível analisar a "digitalização de quase tudo" dissociada da hegemonia financeira e da lógica neoliberal. Eles seguem juntos e imbricados num presente distópico que exigem intervenção civilizatória.

O enfrentamento a esse fenômeno se dá no campo da Economia Política e deve ser contra todo o tripé, mesmo que alternados nas três diferentes bases dessa tríade que refletem os movimentos transfronteiras na geoeconomia e na geopolítica.