sexta-feira, fevereiro 02, 2018

O atual cenário de produção e preços do barril de petróleo: segue a disputa EUA (xisto) x Opep. Geopolítica do petróleo só migrará para a geopolítica dos renováveis daqui a 3/4 décadas

O que mudou? Já comentei sobre isso algumas vezes aqui neste espaço. Porém, uma síntese para seguir atualizando a conjuntura justifica a repetição e assim evitar remeter o leitor apenas aos links de textos e análises anteriores. Até porque, quando se repete, há uma tendência, ou expectativa que se possa ser um pouco mais conciso (sic).

É oportuno recordar que entre 2010 e 2014, é o único período na história da humanidade, que o petróleo esteve com o preço acima dos US$ 100 dólares, o barril. Fora os picos de preços, como em 2008, quando da crise financeira mundial, quando o petróleo chegou a US$ 170, o barril, nunca, ele havia passado tanto tempo seguido, com preços tão altos, flutuando sempre acima dos US$ 100.

Neste cenário, em 2014, é que se se impõe - mesmo que de maneira mais informal - uma decisão conjunta entre Arábia Saudita e EUA para jogar para baixo, os preços do petróleo.

Na verdade tratou-se de uma aposta para alterar as fases do "ciclo petro-econômico" depois de uma longa fase de expansão (boom) de preços, para nova fase de colapso de preços, mesmo que nem todas as consequências pudessem ser bem avaliadas tanto pelos EUA, quanto pela Arábia Saudita. Mas, os objetivos, alvos e interesses de ambos eram muito claros e conhecidos por quem acompanha o setor.

Os americanos apostavam em refluir a retomada do poder russo no Leste Europeu, derrubar a Venzezuela e conturbar o Brasil, já visto como a maior fronteira exploratória da década com o seu pré-sal.

Já a Arábia Saudita na oportunidade queria criar embaraços para o Irã, seu maior inimigo no Oriente Médio, que estava prestes a superar o embargo imposto pelos EUA e louco para retomar seu mercado de petróleo. Com preços menores do barril a disputa pelo mercado de compradores de petróleo seria embaraçado para o Irã, que assim aufeririam menos receitas na retoamda de sua economia.

Junto, os sauditas, apostavam e pagavam para conhecer quais seriam os preços de equilíbrio (break-even) da produção em águas ultra-profundas do pré-sal brasileiro e também do xisto americano, apesar da decisão conjunta destes países para inverter a fase do ciclo de preços do barril de petróleo, no segundo semestre de 2014.

Em março de 2015, Harry Tchilinguirian, estrategista chefe global do mercado de commodities de um dos maiores bancos de desenvolvimento da Europa, BNP Paribas, num passagem pelo Rio de Janeiro disse numa entrevista ao jornal Valor:

“A maior preocupação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que decidiu em novembro deixar o preço do petróleo recuar, não é a expansão da exploração de petróleo e gás não convencionais, o "tight oil" e o "shale gas" nos Estados Unidos, e sim as grandes petroleiras e seus investimentos em áreas de custo mais alto de produção, como a Petrobras e o pré-sal brasileiro.” [1]

Tratei deste de forma mais ampla em meu artigo publicado em 2015 na revista Espaço e Economia com o título: “A ampliação da fronteira de exploração petrolífera no Brasil é parte da geopolítica da energia: oportunidades e riscos de inserção global em meio às novas territorialidades regionais e ao desafio da abundância na economia dos royalties no Estado do Rio de Janeiro”. [2]


O que derivou desta aposta AS-EUA para um novo ciclo petroeconômico?
A atual situação todos conhecem. A Rússia enfrentou um duro embargo também pelo conflito com a Ucrânia e teve que se ajustar com menos condições de interferir na geopolítica de sua região e também do circuito Eurásia, ao ter suas receitas com a venda do petróleo e do gás, bastante reduzida.

A Venezuela passou a sofrer pesadamente com menores receitas e uma crise econômica que conturbou ainda mais a disputa política interna que agora em 2018 segue nos limites.

O Brasil e a Petrobras sofreram com o baque das receitas e as pressões decorrentes do golpe político que gerou ainda a entrega do controle de vários ativos do cobiçado setor de petróleo, após a descoberta da “joia da coroa” que seria o Pré-sal. Assim, hoje, a Petrobras segue menor e as petroleiras estrangeiras avançam sem freios sobre as nossas reservas e instalações do setor petrolífero.

Os EUA e a Arábia Saudita também sofreram com suas decisões, mas avaliam que considerando o todo e os resultados decorrentes da mudança de ciclo do petróleo, a decisão de jogar os preços para baixo foi positiva para os seus interesses econômicos e geopolíticos. A indústria americana ligada à produção do tight oil e shale gas sofreram bastante desde quando o petróleo chegou a US$ 27, o barril em janeiro de 2015, mas hoje têm o forte apoio do governo e desde 2017, já olham e planejam o novo ciclo do petróleo.

Já a Arábia Saudita viu seu orçamento cair à menos da metade, o que fez aumentar o descontentamento na população. Para embaralhar este cenário, o rei saudita lançou o programa “Vison 2030”, que passava a ideia de que a nação apostaria numa transição energética, menos ligada à energia dos fósseis. E todos sabemos que não se avança neste campo sem dinheiro. 

Para isso, a gestão saudita planejou vender um percentual de sua estatal petroleira, a Saudi Aramco. Porém, não faria sentido vender um ativo deste porte com um preço tão baixo do barril de petróleo que afeta o valor das empresas do setor.

Assim, uma nova fase de um novo ciclo petro-econômido começou a surgir no horizonte. O preço do barril chegou novamente aos US$ 70, agora em janeiro. Porém, é razoável supor, que ele não deve aumentar muito além disso, por mais um bom tempo. Alguns anos, talvez.

Pelo que está exposto acima se depreende que é muito pouco provável que os preços do petróleo avancem muito acima de US$ 70 por barril em 2018, em função da disputa entre a OPEP e o setor de xisto americano. Estes são hoje, os dois claros polos. A não ser uma explosão de grande conflito regional.

Fora daí, só especulações jogam os preços, ora um pouco para cima e depois um pouco para baixo, onde aqueles que comercializam faturam bom dinheiro com comprar e venda de petróleo em curto prazos. O fato é que hoje os EUA de um lado e a Opep (e demais produtores em acordo, especialmente a Rússia), na prática se auto-controlam e também a geopolítica da energia.

A Opep, EUA e Rússia hoje produzem um pouco mais de 50% de todo o petróleo do mundo. Porém, o autocontrole não se dá tanto por este volume em relação ao total e sim, porque a alteração da direção de um, provoca, automaticamente, a reação de outro, em termos de aumento ou redução da produção, conforme o preço do mercado.  

Os americanos com a produção de xisto que voltou a ganhar espaço com os preços mais elevados do barril. Do outro lado a Opep com os demais produtores que segurou a produção em cerca de 1,8 milhão de barris por dia, ajudando a elevar o preço do barril. Com isso, se criaram as condições para os EUA retomarem uma maior produção de xisto.

Mas à medida que os EUA produzem mais, eles importam menos e assim dão conta do seu consumo diário de quase 20 milhões de barris. Fato que contribui para reduzir os preços do barril no mercado mundial. Em novembro de 2017, a produção dos EUA chegou a 10 milhões de barris, próximo do seu recorde.

Valor, 1 fev. 2018, P. A11. [3]
Os EUA levam uma vantagem e sofre outra desvantagem neste cenário. De um lado, porque ao contrário dos projetos convencionais de petróleo que podem levar muitos anos para entrar em produção, os poços de xisto podem ser perfurado em em duas semanas e a um custo bem menor, em milhões de dólares. Isto permite que as empresas do setor possam responder rapidamente às flutuações de preços do mercado de petróleo.

De outro lado é muito complexo e quase impossível tamponar os poços de xisto e interromper a produção depois dela inciada, porque as perdas são muito grandes. Além disso, os efeitos ambientais da exploração de xisto com os frackings (tecnologia do fraturamento hidráulico) são cada vez mais devastadores e questionados por comunidades e pelos órgãos de controle do ambiente, que neste mandato de Trump foram calados.

Essa relação entre as flutuações de preços do mercado e a produção é tão rápida - e direta - que atualmente, os departamentos econômicos dos bancos de investimentos que atuam no setor, já fazem a conta de que, com o preço do barril no patamar de US$ 70, a produção americana se eleva em 500 mil barris por dia. O que leva a um cenário da produção americana a 10,3 milhões de barris neste ano e 10,9 milhões de barris em 2019. [3] [4]

Assim, esta disputa tende a se manter por algum tempo. A nova fronteira exploratória do Brasil com o pré-sal - a maior descoberta da última década no mundo - também interferirá, brevemente, com a ampliação ainda maior da nossa exportação de petróleo cru com os 7 (sete) sistemas de produção que têm previsão de entrar em funcionamento, ainda em 2018.

Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a produção brasileira de petróleo vai ter o maior crescimento do mundo nas próximas décadas entre os países fora da Opep, com um aumento de produção nos próximos 5 anos, só abaixo, mas próximo dos EUA. Para 2040, a AIE prevê um aumento da produção brasileira para até 5,2 milhões de barris por dia, que corresponderia a 27% do crescimento mundial da extração de petróleo durante estes período e a maior expansão fora da Opep [5]

Há que se lamentar (e muito), com o fato de que com a venda a preço vil destes ativos de petróleo no Brasil, no auge da fase de colapso de preços do barril de petróleo, o destino das exportações brasileiras, já hoje e no futuro, estarão cada vez mais nas mãos de outras petroleiras estrangeiras e menos da Petrobras.  


O peso dos consumidores e a pressão pelo fim do petrodólar
Porém, há que se observar que no meio desta contenda, os chineses hoje, como os maiores importadores de petróleo do mundo, ficam cada vez mais próximos dos russos, com a hipótese do comércio desta mercadoria especial, a mais negociada do mundo, ser feita nas moedas nacionais e não em dólar, que já começa a romper com a lógica do petrodólar.

Os EUA com isso também maneja sua moeda como sempre fez. A mexida no dólar acaba sendo outro fato que altera a quantidade de petróleo comercializada no mundo e consequentemente o seu preço. Dólar forte, mercado de petróleo menor, porque fica mais caro comprar a mesma quantidade de petróleo e vice-versa.

Percebendo estas variações dos alinhamentos mundiais, no âmbito da geopolítica da energia, a Arábia Saudita - que foi quem na década de 70 com os EUA decidiu por romper o padrão-ouro, com a adoção do petrodólar - preocupada em não perder, mesmo quem parte, as vendas para os chineses, já admitiu também a venda do petróleo, com o recebimento em moeda chinesa, cada vez mais rastreada em ouro, apesar das pressões dos EUA.

Entendendo ainda os desgastes a nível mundial do Trump, a Arábia Saudita também se aproximou de Moscou e fez uma série de acordos comerciais que já começou a dar andamento, nas áreas de petróleo e também em infraestrutura.

Como se vê há mudanças na geopolítica da energia muito significativas em curso durante todo este tempo. O avanço do uso do gás natural que ganhou mobilidade com as exportações sob a forma líquida (LNG) que passou a prescindir do uso dos gasodutos faz com que ele amplie o seu papel estratégico a nível mundial. [6]

O gás natural é considerado como transição entre a matriz fóssil e os renováveis por ser menos poluente que o carvão e o petróleo. Assim, nenhum estudo sério que conheço, indica que o crescimento dos renováveis (infelizmente) na matriz de consumo da energia, se altere profundamente, antes de três a quatro décadas.

Neste período o uso da energia renovável irá seguir crescendo paulatinamente e só mais adiante poderá dar conta, para ir além de suprir o crescimento da atual demanda, sem interferir no consumo mundial anual de petróleo, que hoje já se aproxima dos 100 milhões de barris de petróleo por dia.


A migração energética para os renováveis também alterará a geopolítica
Como disse acima, esta migração energética será gradual num horizonte de cerca de meio século à frente. Além disso, há que se considerar que a mesma trará implicações geopolíticas. A transição energética ao contrário do que muitos imaginam, não levará ao éden (o jardim do paraíso) dos renováveis. Pura ilusão.

A energia continuará sendo disputada, só que com novos produtores com a transição para a eletrificação, fundamentalmente. Seguiremos tendo regiões abastardas e outras vulneráveis levando à uma nova geopolítica de baixo carbono.

O aumento da quantidade de fornecedores e a produção e o consumo maior de energia de fontes elétricas exigirão novos tipos de equipamentos e instalações assim como ocorre hoje no petróleo.

Os benefícios das reduções das emissões de gases que geram o efeito estufa e o acesso a anergia para comunidades pobres e de fronteiras gerarão de outro lado os controles riscos de ameaças de cortes cibernéticos, considerando este cenário mais eletrificado e digitalizado. Mais usinas de energia elétrica, solares, eólicas, nucleares serão necessárias, assim como mais redes elétricas e pontos de recargas alterarão também a mobilidade da energia e sua logística.

Mesmo que isto seja num cenário após 3/4 décadas, os eixos nas relações entre produtores e consumidores se alterarão, mas a luta pela hegemonia e controle do acesso à energia se manterão. Não tenhamos ilusões.

Um estudo em conjunto publicado pelo Centro de Estudos de Energia Global da Universidade de Columbia, EUA, articulado com a Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), Harvard Kennedy School e o Programa do Kuwait da Iniciativa do Oriente Médio, de autoria de Meghan O’Sullivan, Indra Overland e David Sandalow, com o título “The Geopolitics of Renewable Energy” traz cenários bastantes interessantes para a compreensão sobre os cenários destas mudanças, mas acima de tudo reforça a interpretação que isto não ocorrerá antes deste período de três a quatro décadas. [7]

Enfim, acompanhar as mudanças contemporâneas da geopolítica da energia e estudar os cenários futuros é obrigação das nações. Mobilizar as instituições os seus “think-thanks” para pensar e elaborar um projeto de nação é necessário. Infelizmente, o Brasil pós-golpe, fez a opção pela dependência e pela subordinação total e completa aos projetos hegemônicos. Assim abriu mão, de um grau que seja, de soberania, neste mundo complexo e cada vez mais desigual.

O Brasil pelo fato de ser uma nação com ampla extensão territorial com enormes bens materiais (que alguns chamam de recursos) e uma grande população, que é polo de poder num continente, tinha tudo para se mover de forma distinta do que se vê no presente. 

Este texto analítico aqui publicado tem como objetivo de chamar a atenção para alguns pontos para os quais venho me dedicando a investigar de forma mais profunda há pelo menos seis anos. Democratizar as pesquisas e suscitar o debate é uma forma de sair da distopia e enxergar superações. Sigamos na luta e em frente.


Referências:
(1] Matéria do Valor em 06 de mar. 2015. POLITO, Rodrigo. Petrobras e Pré-sal estão na estratégia da Opep. A reportagem com o Harry Tchilinguirian, estrategista chefe global do mercado de commodities de um dos maiores bancos de desenvolvimento da Europa, BNP Paribas numa passagem pelo Rio de Janeiro: “A maior preocupação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que decidiu em novembro deixar o preço do petróleo recuar, não é a expansão da exploração de petróleo e gás não convencionais, o "shale oil" e o "shale gas" nos Estados Unidos, e sim as grandes petroleiras e seus investimentos em áreas de custo mais alto de produção, como a Petrobras e o pré-sal brasileiro.” Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/3940268/petrobras-e-pre-sal-tambem-estao-na-estrategia-da-opep. 

[2] Artigo deste autor publicado em 2015 na revista Espaço e Economia, Ano III, Nº 6. A ampliação da fronteira de exploração petrolífera no Brasil é parte da geopolítica da energia: oportunidades e riscos de inserção global em meio às novas territorialidades regionais e ao desafio da abundância na economia dos royalties no Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/1511

[3] Matéria da Bloomberg republicada pelo Valor, em 01 Fev. 2018, P. A11. SUMMERS, Jessica. Produção de Petróleo dos EUA supera 10 milhões de barris. Disponóvel em: http://www.valor.com.br/internacional/5297567/producao-de-petroleo-dos-eua-supera-10-milhoes-de-barris

[4] Matéria do Valor em 1 Fev. 2018. P. B9. ROSTAS, Renato. Minério e petróleo dão continuidade a alta em janeiro. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/5297677/minerio-e-petroleo-dao-continuidade-alta-em-janeiro

[5] Matéria do Valor em 27-29 jan. 2018. ROSTAS, Renato. Brasil vai liderar alta na oferta de petróleo fora da Opep, diz AIE. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/5287343/brasil-vai-liderar-alta-na-oferta-de-petroleo-fora-da-opep-diz-aie

[6] Artigo deste auto no blog em 11 jul. 2016. A ampliação do poder estratégico e geopolítico do Gás Natural (GNL) na matriz energética mundial. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/07/a-ampliacao-do-poder-estrategico-e.html

[7] The Geopolitics of Renewable Energy. Jun. 2017. Estudo publicado pelo Centro de Estudos de Energia Global da Universidade de Columbia, EUA,Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), Harvard Kennedy School e o Programa do Kuwait da Iniciativa do Oriente Médio. Meghan O’Sullivan, Indra Overland e David Sandalow. Disponível em: https://sites.hks.harvard.edu/hepg/Papers/2017/Geopolitics%20Renewables%20-%20final%20report%206.26.17.pdf

PS.: Atualizado às 01:04 de 03/02/2018: Para pequena inclusão no texto e nas referências.

Um comentário:

José Mário disse...

Excelente artigo.
Precisamos muito de pensamento estratégico .