segunda-feira, abril 23, 2018

Os movimentos das frações do capital, a função e a mobilidade dos fundos financeiros na economia global contemporânea

Durante um período de mais de cinco anos, eu me dediquei a estudar e investigar os sistemas portuários e suas relações com a cadeia produtiva do petróleo. Alguns artigos e uma tese foram produzidas e seguem sendo debatidas, com a apresentação de indicadores e interpretações sobre o tema no Brasil, mas com análises que são transescalares e multidimensionais.

Adiante, já em 2017, mesmo mantendo uma observação sobre o mesmo assunto e sobre o que passei a chamar de "Circuitos Espaciais do Petróleo e dos Royalties" no Brasil e no mundo, eu passei a me aprofundar na investigação sobre outro tema, mesmo que derivado e em consequência de demandas geradas pela pesquisa anterior. Assim, avancei para pesquisas sobre "os movimentos das frações do capital e sua relação com o território".

Neste campo, atualmente eu tenho buscado me aprofundar nas investigações sobre o papel dos fundos financeiros como elemento que oferece mobilidade transfronteiriça ao capital, na obtenção de lucros em diferentes setores da economia.

Tese do autor. Introdução, P.35,) [1]
Este movimento se articula a partir da produção material que após passar pelo mercado se converte, em movimento vertical, em capital fictício nos fundos financeiros, como diagnosticava Giovanni Arrighi e que pode ser visualizado no esquema gráfico ao lado (Tese do autor. Introdução, P.35,) [1].

Para além do movimento vertical entre a produção material e o mundo das altas finanças, os fundos financeiros conferem mobilidade ao capital, para transitar também, em movimentos horizontais por diferentes grupos econômicos, nações e negócios.

Esta mobilidade tem relação com as articulações com o poder político (Estado) que irá conferir estabilidade e segurança para ambos os movimentos. E como se sabe, essa é a condição básica exigida pelos fundos para investimentos em capital fixo, considerando a sua eterna e conhecida covardia. Em função disto, os fundos só correm riscos, depois que eles são  severamente avaliados e contabilizados, em caras análises de consultorias e escritórios de advocacia.  

As investigações sobre o movimento dos fundos financeiros explicam muitas questões que de forma genérica são chamadas de financeirização. É comum, a meu juízo, uma certa confusão na academia ao se falar sobre financeirização, sem entrar no âmago de algumas questões que necessitam ser aprofundadas e explicitadas.

Os fundos são organizados e administrados, em sua maior parte, pelos bancos como instrumentos de captura de recursos e de investimentos. Assim, os maiores fundos têm hierarquia e negócios com os médios e menores fundos e assim, controlam corporações e se movimentam ligados aos lucros, mas também estão estreitamente vinculados à geopolítica e ao poder. Os movimentos de captura de capitais, investimentos e controles envolve ainda conglomerados vinculados às nações centrais, onde estão a maior parte dos donos dos dinheiros e também as sedes das grandes corporações transnacionais.


Papel, tamanho e forma de atuação dos fundos de investimentos
Os fundos são a principal forma usada pelo capital e setor financeiro para romper a regulação dos estados-nações, na medida em que na maioria destes países, não há cobrança de impostos (ou há isenções parciais) para aplicação dos mesmos, visando a alocação de volumosos recursos, sob a forma de capital fixo para a produção material em diferentes espaços do mundo.

Os fundos são compostos com capitais de diferentes origens e teoricamente para diferentes finalidades. Fundos de pensão, ações, soberano, hedges, private equity, family offices (grandes fortunas familiares), etc. Estima-se que hoje existam no mundo, em várias tipologias, mais de 75 mil fundos, que somariam juntos, um patrimônio líquido, já superior a meia centena de trilhões de dólares.

No Brasil, segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capital) os fundos já possuem um patrimônio líquido de R$ 4 trilhões, equivalentes a 2/3 (66%) do PIB do país. São cerca de 13 milhões de contas e captação líquida - no período de janeiro a setembro de 2017 - de R$ 218 bi, com um aumento de 118%, em relação ao ano anterior, apesar a crise. Só na segunda semana de abril de 2018, no mundo, os fundos de ações tinham captado US$ 7 bilhões, segundo a consultoria EPFR Global. [3] [4] [5]

Sobre o movimento global destes fundos e seus interesses sobre o Brasil, pode-se lembrar o caso do fundo americano que comprou o Porto do Açu. Outro fundo, canadense, ficou com a malha de gasodutos do Sudeste (NTS) da Petrobras. Consórcios de fundos estão comprando a TAG (Transportadora Associada de Gás) também da Petrobras, etc. [6]

É possível citar cerca de uma centena de casos similares no último ano de investimentos em fundos e aquisição de empresas brasileiras. Isto acontece neste momento de crise de nossa economia, quando as mesmas estão baratas dento da realidade mundial.

Os fundos assim, em seus movimentos, adquirem bases produtivas já instaladas, estruturadas com mercados garantidos e grande rentabilidade. Desta forma, elas seguirão gerando novos excedentes que, seguindo a imagem da pirâmide acima, subirão e se transformarão novamente em capital fictício e móvel no andar superior das altas finanças (Arrighi, 1997). [2]

Assim, você sabe onde os fundos aplicam, mas não sabe quem aplica recursos neles. Uma lógica que não é fruto do acaso e ajuda a explicar sua enorme mobilidade e volatilidade que chega a assustar os donos dos mercados e do sistema financeiro.

Os fundos financeiros devem ser entendidos e observados para além da intermediação de capitais. Ou do financiamento de atividades produtivas como sempre aconteceu no mundo capitalista, onde os bancos oferecem créditos para a instalação, manutenção e ampliação das atividades produtivas, as indústrias, infraestruturas de logística e mesmos dos serviços.


Fundos financeiros esgarçam a apropriação dos lucros sobre a produção
Os fundos se misturaram de uma lado, aos bancos e aos rentistas de diversas naturezas. Do outro lado, os fundos são partes das composições acionárias das grandes corporações mundiais. Assim, os fundos capturam excedentes econômicos nas diferentes pontas do sistema, tanto o produtivo com os excedentes apurados na comercialização, quando no financeiro da oferta do capital.

Desta forma, os fundos se apropriam das partes maiores dos lucros, esgarçando os ganhos sobre a produção (e desta forma sobre o trabalho) e sobre o bem-estar das sociedades no capitalismo contemporâneos. Fato que vem gerando reações políticas, de certa forma contraditórias, mas crescentes e em diferentes espaços do mundo.

Os fundos financeiros possuem interligações globais. Vinculados aos bancos e ao sistema financeiro global, mas também ao mundo as corporações. Está no andar das altas finanças e também no mundo real da produção das riquezas materiais. Entre estas escalas há a etapa de comercialização da produção, onde há a formação de valor e geração dos excedentes econômicos da produção cada vez mais capturada pelo sistema financeiro.

Num mundo em constante reestruturação produtiva, produção em cadeias globais que determinam dois terços do comércio mundial (segundo a OMC), é que se compreende a forma e a intensidade que os fluxos de capitais passaram a prescindir da mobilidade oferecida pelos fundos financeiros. 

Segundo Dowbor (2017), [8] o sistema bancário fica com 42% dos lucros corporativos. Em 1947, os bancos ficavam com apenas 11%. Assim, o setor financeiro aspira os lucros da produção material e da geração de riquezas, que é base da pirâmide do capital, levando o capital para o andar superior das altas finanças e do capital fictício.


Os fundos são os instrumentos de mobilidade entre as frações do capital
A maior geração de excedentes por grupos econômicos tendem a movimentar a aplicação dos excedentes capturados para as frações do capital e em instalações de capital fixo nas regiões e países que oferecem maiores rentabilidades. É aí que os fundos financeiros passam a ter um papel indispensável para conferir fluidez e mobilidade aos capitais em busca de acumulações e lucros como parte do Ciclo Sistêmico de Acumulação :

Apresentação do autor no 2º Colóquio Espaço-Economia: Repercussões do 
Capitalismo Contemporâneo e das Redes Globais sobre as Dinâmicas
Regionais no ERJ. 9 e 10 out. 2017, UERJ. Slide 22/31. [7]
Assim, compreender estes movimentos das frações do capital e do papel dos fundos financeiros é um esforço indispensável para se avançar na complexidade do capitalismo mundial e de suas consequências para os estados-nações e seus territórios, aí incluídas, as suas populações.

No caso do Brasil, essa investigação é ainda mais importante no momento atual, porque ela permite analisar o processo de desintegração das empresas estatais e ainda o desmonte do processo de regulação da economia nacional, onde os fundos financeiros globais estão tendo uma enorme presença.

A análise deste processo mostram as facilidades criadas para que essa atuação ampliada dos fundos de investimentos que avançaram com maior controle sobre o todo da economia nacional, mas também sobre as frações do capital que no país possuem mais relevância.

Esses movimentos foram facilitados por articulações políticas-jurídicas-midiáticas, sob o manto do tripé: a festejada atração de investimentos; o discurso da eficiência e do combate à corrupção. Aliás, não é difícil perceber que esta pode ter se ampliado, agora no atacado e, talvez só mais adiante, distante do calor dos acontecimentos presentes, se poderá ter a compreensão de toda a sua extensão. 

No momento estou ainda recolhendo vários dados empíricos e interpretações sobre este movimento que passamos a chamar de frações do capital global, suas características e os efeitos que produz sobre o espaço, com o objetivo de escrever um texto mais resumido, mas ao mesmo tempo mais denso sobre o assunto. 

Enquanto isto é provável que, de forma simultânea, traga par ao espaço do blog, algumas informações e análises pontuais sobre o tema que sei que interessa a diversos outros estudos que analisam as consequências destes movimentos sobre regiões e nações.


Referências:

[1] Tese do autor (PESSANHA, R.M) defendida em mar. 2017, no PPFH-UERJ: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto” como produtora de novas territorialidades”. Disponível na Rede de Pesquisa em Políticas Públicas (RPP)-UFRJ: http://www.rpp.ufrj.br/library/view/a-relacao-transescalar-e-multidimensional-petroleo-porto-como-produtora-de-novas-territorialidades. P.35. Introdução.

[2] ARRIGHI, Giovanni. 1997. A ilusão do desenvolvimento. 1 ed. Vozes, Petrópolis,RJ.

[3] Nota no Valor, edição de 19 set. 2017, P.C3. Fundos atingem R$ 4 tri.

[4] Matéria no InfoMoney em 19 set. 2017. Patrimônio dos Fundos de investimentos bate recorde histórico. Recorde histórico vem acompanhado da marca de 13 milhões de contas. Disponível em: http://www.infomoney.com.br/onde-investir/fundos-de-investimento/noticia/6964785/patrimonio-dos-fundos-investimentos-bate-recorde-historico

[5] Nota no Valor, em 16 abr. 2018, Caderno Finanças. P.C2. Fundos emergentes captam US$ 2,5 bi.

[6] Reportagem do site G1 em 13 out. 2017. Lava Jato levou empresas a vender mais de R$ 100 bilhões em ativos desde 2015. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/lava-jato-levou-empresas-a-vender-mais-de-r-100-bilhoes-em-ativos-desde-2015.ghtml

[7] Apresentação do autor (PESSANHA, R.M) no 2º Colóquio Espaço-Economia: Repercussões do Capitalismo Contemporâneo e das Redes Globais sobre as Dinâmicas Regionais no ERJ. Mesa Redonda: Os Movimentos das Frações de Capitais e os Circuitos Espaciais: Metropolização e Regiões Produtivas no Estado. Slide 22/31. 9 e 10 out. 2017, UERJ.

[8] DOWBOR, Ladislaw. 2017. A era do capital improdutivo. A nova arquitetura do poder: dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. Autonomia Literária/Outras Palavras. São Paulo, SP.

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