quinta-feira, maio 22, 2014

O impacto da internet na sociedade por uma perspectiva global, por Manuel Castells: uma resenha

O blogueiro na segunda-feira disponibilizou, em seu perfil no Facebook, um link para um novo ensaio do professor espanhol  Manuel Castells, relacionado aos efeitos do intensivo uso da internet para a sociedade.

O assunto muito me interessa, até pelo laboratório que há quase dez anos exercito aqui neste espaço do blog, e ainda, por considerar a relevância do tema para um universo cada vez maior de pessoas, que usa a internet e as redes sociais, mesmo sem se dar conta do que tudo isto pode significar.

Eu arrisquei resumir e resenhar o texto do Castells, mesmo identificando que ele é relativamente breve. Assim, ele segue publicado abaixo a quem se interessar:

O impacto da internet na sociedade por uma perspectiva global, por Manuel Castells: uma resenha
O sociólogo espanhol Manoel Castells, autor do livro “Sociedade em Redes” entre outros, voltou ao seu tema preferido na publicação “Cambio”, lançada, na internet, agora no início de maio. Lá estão publicados 19 ensaios sobre “como a internet está transformando as nossas vidas”. 

Clique aqui e "baixe" (faça o download) do texto (apenas) do Manuel Castells. Enquanto aqui você pode baixar todos os 19 ensaios do conjunto a publicação "Cambios". Se desejar assista aqui ao vídeo do lançamento da publicação ocorrido em Madri, no dia 29 de abril de 2014.

Sobre este seu novo texto, Castells informa que trabalhou com dados empíricos de diversas fontes que cita no texto sem explicá-las separadamente, deixando as referências para quem se interessar por seu aprofundamento. Diz ter agido assim com o objetivo de “chegar a um público mais amplo”.

A sua tese sobre o impacto da internet na sociedade é diverso do que tem sido alardeado por outros estudiosos. Manuel Castells questiona a hipótese de que o uso intensivo da internet aumente o risco de alienação, de isolamento, depressão ou distanciamento social.

Castells conclui que pelos dados disponíveis, ou não existe nenhuma relação entre o uso da internet e a vida social, ou esta relação é positiva e de efeito cumulativo. "Em geral as pessoas mais sociáveis são as que mais utilizam a internet e quanto mais usam, mais aumentam sua sociabilidade dentro e fora da rede, sua responsabilidade cívica e a intensidade de suas relações com familiares e amigos”.

As conclusões do sociólogo parecem otimistas. Seus críticos indagam sobre sua relação com as corporações de telecomunicações que financiam parte destas pesquisas. Talvez, por isto, tenham crescido as críticas ao seu trabalho.

De qualquer forma, eu, particularmente, julgo que há pontos a serem debatidos, com mais ou menos crítica. Esta breve resenha pretende fazer este exercício de sintetizar o máximo possível, os seus argumentos questionando alguns destes pontos, sobre alguns dos principais “efeitos sociais da internet”.
Castells inicia lembrando que “a tecnologia é uma cultura material que se produz no curso de um processo social, dentro de um entorno institucional particular e sobre uma base de idéias, valores e interesses e conhecimento de seus criadores originais e seus continuadores”. Prossegue dizendo ainda que “os usuários da tecnologia, os que se apropriam dela e as adaptam, ao invés de limitar-se ao que ela é e como está, modificando e produzindo num processo infinito de interação entre produção tecnológica e uso social”.

Para o entendimento do que está dito e para avaliar a importância da internet na sociedade, para Castells há que se considerar as características específicas da internet como uma tecnologia, antes de situá-la no contexto de transformação total da estrutura social e suas características culturais.

Para o autor, efetivamente vivemos, uma nova estrutura social, a sociedade das redes globais, caracterizada pela aparição de uma nova cultura, a cultura da autonomia. É neste contexto que recorda do termo cunhado por Ithiel de Sola Pool (em 1973) que disse que a Internet é uma “tecnologia da liberdade”.

Ainda numa retrospectiva para explicar a situação atual, Castells descreve que a expansão da internet a partir do meado da década de 90 foi resultado da combinação de 3 (três) principais fatores: a) O descobrimento da tecnologia da rede das redes (www: “World Wide Web”)e sua disposição em abrir o código fonte; b) A troca institucional na gestão da internet com pouco controle dos internautas; c) Transformação na estrutura, cultura e conduta social para uma comunicação em rede como forma predominante de organização, que passa a ser marcada por uma tendência ao individualismo, no comportamento social e à cultura da autonomia que passa a imperar na sociedade em rede.

Os dois primeiros fatores são inquestionáveis, mas não o terceiro. Voltaremos a ele mais adiante, após resumir um conjunto maior das idéias e da tese do autor.

Castells prossegue relembrando os argumentos de seu livro sociedade em redes, ao repetir que ela é construída em torno de rede pessoais e corporativas operadas por redes digitais que se comunicam pela internet. Como elas são globais não há limites.

Esta estrutura social é própria deste momento histórico e resultado da interação entre o paradigma tecnológico emergente, baseado na revolução digital e determinadas transformações sócio-culturais de grandes proporções, o que faz surgir o que chama de “sociedade egocêntrica”, que em termos sociológicos, ele chama de “processo de individualização”.

Há neste ponto uma inquietante questão: a individualização e o que isto significa. Para o autor, este processo, seria uma virtude e não um problema, porque ele contribuiria para a constituição de subjetividades. O autor fala em “constituição de sujeitos” (individuais ou coletivos) pela conexão em redes e pela forma de organização. Seria uma nova sociabilidade com a definição emprestada de Wellman (2012), de “individualismo em rede”.

Para Castells há reinterpretação das relações (espaço, trabalho e família). Não se trataria do fim da comunidade e nem da interação e sim, “uma nova forma de vida comunitária, sobre a base de interesses, valores e projetos individuais”. Ele argumenta que a individualização não significa isolamento e sim uma reconstrução da sociabilidade sob a forma de individualismo e comunidade em rede, através da busca de pessoas afins, num processo que combina interação virtual (online) com interação real (offline). A partir disto justifica que assim, a sociabilidade não se reduz e sim amplia.

Neste processo Castells novamente retoma sua trilogia cujo título é “A Era da Informação - Economia, Sociedade e Cultura”, com três livros: “Sociedade em redes”; “O poder da identidade” e o “Fim do milênio”. Nela, Castells trata das novas formas de organização da atividade econômica, política e social: espaço (vida metropolitana); atividade laboral e econômica (empresa e processos de trabalho em rede); e a cultura e as comunicações (que deixam de ser unidirecionais de massa e passam a ser autocomunicação de massa pela internet).

Castells insiste que as pesquisas empíricas identificam que o uso da internet intensifica a sensação de segurança, liberdade pessoal e influência que teriam efeitos positivos sobre a felicidade e bem estar das pessoas. Além disso, contribuiria para maior integração de gênero para as mulheres. Que a internet favoreceria à cultura da construção da autonomia que seria a chave do processo de individualização, em que os atores sociais se converteriam em sujeitos. Neste processo, haveria uma relação direta entre internet e o auge da autonomia social que seria comprovada por 55 mil entrevistas na Catalunha, onde teria avaliado pessoas que usavam e outras que não usavam a internet sob “seis tipos de autonomia”: a) desenvolvimento profissional; b) autonomia comunicativa; c) espírito empreendedor; d) autonomia do corpo; e) participação sociopolítica; f)autonomia pessoal, individual. As conclusões no geral é foi de que as pessoas quanto mais autônoma, mais usam a web e quanto mais usam a web, mais autônoma (e diz que esta conclusão já tinha chegado em 2007).

Neste ponto, Castells valoriza a “busca da autonomia como uma tendência cultural dominante que avançaria numa sociedade de indivíduos assertivos e com liberdade cultural superando as barreiras das rígidas organizações sociais herdadas da era industrial”.

Há novamente um grande questionamento, porque a superação da rígida hierarquia jogaria os sujeitos num vazio, tanto em termos identitários, quanto de certa negação do processo histórico, apostando quase num modernismo individualista, e num processo em rede. Ou não?

O surgimento e a explosão das redes sociais na internet
A partir de 2002-2004, criação da Friendster e depois o Facebook produziu uma nova revolução tecnológica. Elas misturaram (fazendo um mix) as relações pessoais, negócios, trabalho, cultura, comunicação, movimentos sociais e política nestas redes, agora chamadas de “sociais”, a partir de perfil público (ou semipúblico) que articula uma lista pessoal de cada usuário. Estes navegam nas conexões destas listas criadas individualmente para si.

Os usos destas redes sociais, já superam rapidamente em horas de uso, ao aplicativo do correio eletrônico, agora chamados simplesmente de emails. Lodo este uso a passa a ser, disparado, a maior parte do tempo de uso das pessoas na internet. Ela exige criatividade, não aceita o anonimato e está em conexão com outras redes, num vínculo sem limites. Para Castells, isto não se trata de uma sociedade virtual. Porque na prática há estreita conexão com as redes vivas. Tornando um mundo híbrido, que é o real e não um mundo à parte. (Há que se discutir também isto). Para Castells os indivíduos criam redes para estar com os outros e o critério é agrupar pessoas que já se conhecem. A maioria visita sua página diariamente o que na prática significa uma conectividade permanente. Tudo isto confirmaria o aumento da sociabilidade, facilitado pela conectividade permanente e pelas redes sociais na web.

Segundo Castells, nos EUA, 38% dos adultos compartilham conteúdos, 21% mesclam seus compartilhamentos com opiniões próprias e 14% escrevem um blog e diz que esta tendência cresce exponencialmente. Isto cria relações e conectando-se mais e mais, porém cada um, determinando sua “co-evolução”. Para ele, “a vida virtual é mais social que a física, agora individualizada pela organização do trabalho e da vida nas cidades”. Neste ponto ele contrapõe, num jogo de palavras, o que chama: “virtualidade real x realidade virtual”. Na primeira, as práticas sociais como compartilhar, mesclariam o viver em sociedade acabam facilitadas pela virtualidade no que o autor denomina “espaço de fluxos” (Castells, 1996, no livro Economia, Sociedade e Cultura).

Castells constata ainda que os indivíduos se sentem cada vez mais cômodos na multitextualidade emultidimensionalidade da web e que por isto as organizações (das diversas áreas) estão migrando massivamente para a internet. Para ele, “com as redes sociais se materializa o potencial libertador da internet”. Assim, ele diz aspirar que “a expressão mais palpável desta nova liberdade quiçá, seja a transformação do ativismo sociopolítico graças à rede”.

O poder da autocomunicação de massas e a transformação da política
O autor já havia conceituado autocomunicação de massas baseada na internet como a superação da comunicação de massas unidirecional e baseada em meios de comunicação. Sai de uma única mensagem enviada a muitos com pouca (ou nenhuma) interatividade para um sistema baseado em mensagens de muitos para muitos, multimodal, ao mesmo tempo selecionado e com interatividade total, em que emissores são receptores e receptores também emissores. Ambos possuem hipertexto multimodal na rede que constitui o núcleo sempre em transformação dos processos de comunicação.  A comunicação vem de várias pessoas (auto) e segue com recursos simples (redes digitais) para ilimitado público que incorpora, ajusta e contrapõe posições num vai-e-vem permanente e cíclico.

Sobre o poder e contrapoder relacionado ao processamento de informações, Castells lembra aparatos ideológicos que sempre tentaram manipular e ter o poder unidirecional dela para garantir o poder. Por isto, ele diz que as redes de comunicação pela internet e telefonia móvel são meios incomparáveis de autocomunicação e organização de massas. Isto modificaria o processo de transformação social.

A chave para que uma sociedade produza significado estaria no processo de comunicação socializada. Assim, Castells define comunicação como exercício de compartilhar significado mediante a troca de informação. Completa dizendo que “a comunicação socializada é a que se dá no espaço público com potencial de chegar às amplas faixas da sociedade”. “Na sociedade em rede, a estrutura social da era da informação se caracteriza pela presença dupla de redes de comunicação num hipertexto modal”. Na rede, “os aspectos da vida social são ao mesmo tempo global e local, genérica e pessoal segundo um modelo de constante troca”. Em consequência, as “relações de poder institucionalizadas são questionadas e transformadas, numa comunicação consciente e significativa que transforma humanos em seres humanos”.

É nestas idas e vindas que há paulatinamente um “processo de desintermediação” dos controles governamentais e corporativos sobre as comunicações. Este é um ponto interessante porque as mídias comerciais, durante séculos, ganharam muito dinheiro com esta intermediação, seja para as corporações, seja para os governos. As mídias nacionais sempre mais com as primeiras (corporações), enquanto as mídias regionais ainda hoje (e muito, ou quase que exclusivamente) com os governos locais e regionais. As consequências desta “desintermediação” ainda há que ser investigado pelo seu alto poder de mudanças.
Castells, segue sempre muito otimista. Parece até demais. Assim, ele chega a dizer que “a construção de uma rede global de comunicação baseada na internet é uma tecnologia que encarna a cultura da liberdade em que se originou”. Ainda na mesma linha, ele retoma ao fio inicial dizendo: “o fato é que a tecnologia é cultura material (idéias incorporadas a um desenho) que a internet tem materializado a cultura da liberdade quando do seu surgimento”. Mesmo crente é difícil acreditar em todo este potencial vendo os seguidos crimes cibernéticos e as espionagens americanas fartamente denunciadas por Eduard Snowden. 

Nas conclusões Castells chama a atenção para o papel dos jovens neste processo ao dizer que para eles “as tecnologias das comunicações digitais é uma espécie de segunda pele”, ao mesmo tempo, que alimenta temores e fantasias dos que seguem governando.

Para finalizar, uma reflexão do resenhista
No essencial, as idéias renovadas por novas pesquisas empíricas do Manuel Castells, na prática, confirmam um entendimento hegemônico de que o uso da internet cria reforça o individualismo. Porém, para o sociólogo catalão, ela traz positividades, porque o uso das redes lhe confere as possibilidades da sociabilidade, só que em novas bases e sob novas e ainda não claras formas de organização social que tendem a romper com estruturas atualmente conhecidas. Castells também vantagens no fato de que esta nova realidade permite a construção de novas subjetividades relacionadas ao exercício de uma maior autonomia, que a seu juízo, seria objeto de desejo do ser humano, sem que isto represente a disposição para a vida comunitária e vinculada que a concentração e o adensamento dos centros urbanos estão aí a nos mostrar diariamente nas diversas nações e continentes.

Pelo que depreendi, É como se Castells quisesse dizer que ao retomar à sua individualidade de uma forma mais radical, possibilitada pela tecnologia da internet, a comunicação lhe oferecesse em troca, a ampliação de diálogos, em redes mais amplas, para além do convívio da família, do trabalho e das relações culturais mais próximas decorrentes do seu convívio real. Além disso, Castells, insistiu que não há sociedade virtual, sem a sociedade real, e que o resultado deste hibridismo das relações e redes, é que se teria a realidade em que estaríamos vivendo no mundo contemporâneo. Ainda estaria a para serem construídas novas formas de mediação que teriam profundas alterações em suas institucionalidades, conhecidas hoje é conhecida no campo da política, do trabalho, das relações familiares, sociais e culturais.

Particularmente, mesmo vendo alterações muito significativas em curso, não julgo um bom propósito, o abandono das relações históricas e referenciais que nos trouxeram até aqui. Caminhar nesta direção aprofundaria uma superficialidade nefasta e indesejada, ao contrário, das possibilidades que estão em sendo descobertas, sem abandonar a compreensão de que os mecanismos e métodos estão sendo alterados, mas, não os motivos e os objetivos das disputas e da liderança dos caminhos que não parecem alterados, por liberalismo e individualismo, em detrimento do coletivo e da solidariedade que estes mecanismos também propiciam.

Em síntese, um mundo seguindo em disputas, tal como antes, mesmo que em realidades distintas. Fato é que não parece ser também conveniente, abandonar, desconsiderar e não acompanhar criticamente esta realidade e todos os seus desdobramentos. Eles são rápidos demais. Isto dificulta a sua análise, porque observando o processo histórico, ele até aqui nos ensinou que certo distanciamento (no tempo e no espaço) do objeto, é uma das formas de conseguir enxergá-lo por ângulos que não são visíveis frente a frente.

Desta forma, sigamos em frente observando. De minha parte, este blog acaba por ser um campo de experimentação do que Castells mais profundamente vem fazendo entre erros e acertos, mas, sempre com interessantes provocações. 

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