terça-feira, junho 30, 2020

Capitalismo de plataformas e Appficação no Brasil e no mundo expõem a superexploração do trabalho

Em 2019, as 5 Big Techs americanas: Google; Apple; FB; Amazon e Microsoft, detinham 20% da riqueza das 500 maiores empresas dos EUA.[1]

Agora em 2020, com o transcurso da Pandemia e o uso ampliado das plataformas digitais para várias outras funções, incluindo a expansão vertiginosa do home-office (trabalho de casa), onde cada vez mais trabalhadores utilizam esses recursos, certamente essa concentração de riquezas se ampliou ainda mais e possui potencialidade para avançar.

Do lado dos donos dos negócios das plataformas digitais tem-se uma "Appficação" que vem ganhando amplitude, com o uso das lojas de aplicativos da Apple Store e a Google Store. Elas servem de instrumentos de controle sobre quais aplicativos e serviços que podem ser ou não disponibilizados.

Trata-se da GIG Economy, que instituiu e manipula a “Economia dos Bicos”. “Economia sob Demanda”. “Economia freelancer”. Um mundo onde estão os trabalhadores temporários, sem vínculos e com tarefas pontuais que exigem plantão de espera para o trabalho. 

É um estágio de um esgarçamento de ganhos sobre o trabalho humano, comparável à servidão, onde o trabalhador tem que esperar a sua vez para ser explorado. Ricardo Antunes trata do assunto em seu último livro O privilégio da servidão. [2]

A isso, Nich Srnicek passou a chamar de "capitalismo de plataformas" que se junta à exploração da captura de dados que a digitalização da vida social passou a oferecer a quem os controla.

Um processo que segue levando a uma espécie de "hipercapitalismo" que salta de uma fase de espiral de acumulação infindável (Harvey, 2018) para uma forma de capital helicoidal implosiva. [3] [4]


Capitalismo de plataformas no Brasil: aumento da concentração e lucros
Além das 5 Big Techs americanas que aumentam a cada dia os seus lucros, o Brasil possui suas plataformas digitais que operam seus negócios neste ambiente, onde também se observa uma enorme e crescente aumento dos lucros, neste auge da pandemia no país.

Estadão (capa) 28 jun. 2020.
Neste domingo (28 jun. 2020), em matéria de capa (imagem ao lado), o Estadão (link aqui) traz dados sobre valorização de empresas-plataformas similares neste auge da pandemia no Brasil. [5]

A corporação B2W (dona das plataformas Submarino e Shoptime) neste momento tem seu valor de mercado aumentado em 87% e a rede varejista Magazine Luíza (Magalu) suas ações aumentaram em 55%. 

As plataformas digitais que operam no Brasil são uma espécie de sub-plataformas destas outras que são a raiz desta forma de intermediação. Digamos que uma camada abaixo, controlada pela tecnologia-raiz das Big Techs que pode ser observada como uma espécie de hierarquia de ganhos e de controles. Acumulação central em oligopólios que se estendem aos ganhos também centralizados na periferia do sistema.

Isso é o capitalismo de plataformas se desenvolvendo também no Brasil, quando também se vê observa o processo de startupização, onde os fundos financeiros possuem participações e escolhem os projetos que receberão seus aportes, num processo de seleção, classificação e filtragem (de investidor anjo, a classe A, B, C) para no final controlar aquelas ideias que conseguirem se viabilizar tecnicamente diante do mercado. 

As plataformas digitais com suas redes e seus suportes técnico-informacionais fazem na prática, a intermediação de produtos e serviços diretamente entre produtores e consumidores, substituindo o comércio físico tradicional, num processo de concentração de lucros, que aparece imediatamente no valor de mercado (ações) destas corporações.

E termos de ampliação do uso das plataformas digitais no Brasil, é ainda oportuno observar o que está em curso no setor financeiro, através dos bancos digitais e as fintechs e do uso ampliado dos aplicativos (Appficação). Já se percebe um processo de fusões e aquisições (F&A) por parte dos grandes bancos. No setor de negócios imobiliário, a plataforma OLX comprou a ZAP. Outras startups novas que têm sucesso de mercado são, rapidamente, compradas pelas grandes corporações.

Também no Brasil, com raras exceções a Appficação está vinculada à superexploração do trabalho. Os milhões de trabalhadores de aplicativos não possuem direitos, previdência, seguro contra acidentes de trabalho, horas extras, etc. que disfarçadas do discurso de empreendedores, levam os entregadores das plataformas de aplicativos como (IFood, Rapi e Uber Eats) a terem que trabalhar 12 horas, incluindo fins de semana, para na média ficarem com R$ 963. Por isso, esses entregadores, corajosamente, começaram a se organizar e programaram para amanhã (01/07/2020), uma greve que merece ser apoiada.

Isso é o hipercapitalismo (real) que funciona como uma espiral de acumulação retirando e sugando de forma circular e exponencial, a renda do trabalho para entregar aos intermediários, donos destas plataformas.

Vale ainda registrar que a Appficação é controlada por duas das cinco Big Techs, através de suas lojas virtuais que disponibilizam os aplicativos: Apple Store e Google Play (Play Store). Na prática, elas atuam como espinha dorsal (back bone) da Appficação e do processo de plataformização no mundo. Os aplicativos que não passarem por elas não serão acessadas pelo grande público, reforçando o caráter oligopólico do controle dos meios, ou o controle das plataformas que fazem a intermediação entre os produtores e consumidores de produtos e/ou serviços.


Aprofundando a leitura sobre o fenômeno da plataformização dos negócios
A observação dos fatos aqui descritos já permitem demonstrar que é preciso investigar melhor e mais profundamente, o efeito de tudo isso na etapa de circulação entre a produção e o consumo. Como eu já disse, as plataformas digitais atuam como infraestruturas intermediárias entre diferentes grupos: usuários (consumidores), anunciantes, motoristas, técnicos e outros profissionais. 

Dito de outra forma, as plataformas atuam entre a produção social no território e os donos do capital de riscos que fazem a intermediação de produtos e serviços. Para isso, além de ampliar o controle sobre a produção e sua relação direta com o consumo, também tendem a hierarquizar a relação com a fração do capital que controlam a IE de transportes, que eles gostam de chamar de logística. 

É neste contexto que algumas plataformas digitais já estão vinculadas (diretamente ou indiretamente pelos fundos financeiros que controlam essas mesmas corporações) às suas redes de transportes, dominando assim a tríade da produção ao consumo, porque passam a conhecer (pelos algoritmos e IA) todo o processo e seus agentes. É neste contexto que os Correios estão sendo engolidos e em breve deverá ser também entregue a estes players. 

Um levantamento do Valor (24 jun. 2020- imagem abaixo), sobre o aumento dos custos da logística por cadeia produtiva (frações do capital) no Brasil entre 2018 e 2020, mostra como essa fração do capital (que atua na logística) está ficando com uma parcela maior (que antes) da renda gerada pela produção material. Mesmo que se saiba que este aumento dos fretes se vincule ainda a dois fatos. Ao aumento dos preços dos combustíveis e ao aumento da demanda por transportes pelas razões que já conhecemos. 

Custo da logística por cadeias produtivas no Brasil 2018-2010. Valor, 24-06-20- P.  F1. Caderno Especial Logística. 


















Enfim, como é possível perceber, há necessidade de uma análise mais ampla dos circuitos econômicos (visão de totalidade), para melhor se compreender os efeitos do capitalismo de plataformas. E assim, ir para além da questão do incremento do uso das tecnologias digitais, Big Data (BD), Inteligência Artificial (IA), etc.

Assim, como a inovação tecnológica junto do processo de financeirização são os suportes desta mudança de patamar no Modo de Produção Capitalista (MPC) que vai para além da Reestruturação Produtiva que vivemos na década de 90 com o Toytotismo.

A plataformização permite a  articulação sobre o que está antes e depois da produção, tendo caminhado ainda mais fortemente para onde está a demanda (consumo), que hoje é mais claramente identificada e geolocalizada, através do capitalismo de captura de dados (Big Data) e processada através da Inteligência Artificial (IA). Estes alimentarão diretamente os esquemas de marketing direto e também produção, sem sequer necessitar da autorização das pessoas que se expõem nas redes e assim são inteiramente percebidas pelos seus hábitos de consumo e de vida.

Diante deste quadro, é necessário ainda investigar a junção destas ferramentas desde a produção automatizada, a robotização, a IoT (internet das coisas), os algoritmos capturando dados e demandas de consumo e tipos de vida nas redes sociais, o home-office e a precarização do trabalho, o Big Data que reúne esse arsenal de informações, a Inteligência Artificial (AI) que ordena esses dados conforme interesses de seus controladores, o uso da plataformas para intermediação dos negócios (plataformização dos negócios), tudo isso como um processo em desenvolvimento, com parte, já implantado.

A observação preliminar desse fenômeno reforça a hipótese de que está em curso uma transformação mais radical do MPC (já comentado acima) que nos remete a um novo patamar de acumulação no capitalismo contemporâneo, onde os ganhos, mesmo que capturado em parte pela hegemonia financeira (captura cada vez uma fração maior da renda), continua tendo o território, onde se dá a produção social e a geração de riqueza, como base de todo o processo. 

Reforçando ainda mais a leitura de que estamos vivendo uma nova reestruturação do capitalismo e, possivelmente, mais uma rodada ainda mais radical do neoliberalismo (como gosta de lembrar o professor Carlos Brandão). Há que se reforçar a luta contra-hegemônica para evitar essa realidade.

Por fim, reforço a interpretação de que o campo de investigação Espaço-Economia tem enorme contribuição para o aprofundamento desses estudos que vou dividindo com outros interessados no debate sobre o tema.


Referências:
[1] Matéria do Poder 360, em 19 jan. 2020. Maiores empresas de tecnologia alcançam US$ 5 trilhões em valor de mercado. Disponível em: https://www.poder360.com.br/tecnologia/maiores-empresas-de-tecnologia-alcancam-us-5-trilhoes-em-valor-de-mercado/
Procurar matéria sobre 5 big techs

[2] ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão - O novo proletariado de serviços na era digital. 2ª edição revista e ampliada. BoiTempo. São Paulo. 2020.

[3] Harvey, 2018. A loucura da Razão Econômica. BoiTempo. São Paulo 2018.

[4] PESSANHA. A 'indústria' dos undos financeiros: Potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Consequência. 2019.

[5] Matéria do Estadão em 28 de junho de 2020. "Efeito do Amazon´ faz grupo de empresas valorizar na crise - Companhias de e-commerce têm maior alta na bolsa; dólar alavanca exportadoras. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/06/28/efeito-amazon-faz-grupo-de-empresas-lucrar-apesar-da-crise.htm

[6] Valor. Caderno Especial. Logística. 24 de junho de 2020. P.F1.

[7] Postagens anteriores (em ordem cronológica) do blog sobre o tema da plataformização, home office e capitalismo de plataformas:

a)      Postagem em 14 de fevereiro de 2020
Capitalismo de plataformas e a falsa economia do compartilhamento: 99 e Uber somam hoje mais de 1 milhão de motoristas ativos no Brasil enriquecendo seus investidores globais
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/02/capitalismo-de-plataformas-e-falsa.html

b) Postagem em 15 de março de 2020
Se as plataformas digitais são neutras (“e do bem”), por que elas ajudam tão pouco em situações de crise como na pandemia do coronavírus?
 Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/03/se-as-plataformas-digitais-sao-neutras.html

c)      Postagem em 2 de abril de 2020:
O que os primeiros dias de intensificação do trabalho em casa (home office) já permite enxergar
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/04/o-que-os-primeiros-dias-de.html

d)      Postagem 13 de maio de 2020:
A plataformização digital da vida pós-Covid ampliará a vampirização da renda do trabalho num processo de retroalimentação do sistema
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/05/a-plataformizacao-digital-da-vida-pos.html

e)      Postagem em 3 de junho de 2020:
O aumento da digitalização altera o modo de produção e nos remete à fase de um capitalismo financeiro e de plataformas
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/06/o-aumento-da-digitalizacao-altera-o.html

f)      Postagem em 10 de junho de 2020:
O fenômeno da intensificação da plataformização dos negócios durante e pós-pandemia
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/06/o-fenomeno-da-intensificacao-da.html

4 comentários:

Vinicius Santos disse...

Excelente análise!

Unknown disse...

Sim !!! Estamos vivendo a era do precariado ,gostaria de dizer que como professora , sinto que é desolador .

Luiz de Pinedo Quinto Junior disse...

Roberto Moraes, este seu artigo e os debates que vc tem participado tem sido muito esclarecedores deste momento que estamos vivendo de grandes mudanças no mundo do trabalho e muito esclarecedor.

Nelson Choueri Junior disse...

Esta é a visão do trabalhador, expressa numa canção de protesto

https://youtu.be/kGS7vAliIjI

Millenials, essa é pra vocês

Sou da geração sem remuneração.
E não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou.
Porque isto está mal e vai continuar,
Já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou.
E fico a pensar:
Que mundo tão parvo,
Onde para ser escravo
É preciso estudar.
Sou da geração "casinha dos pais".
Se já tenho tudo, p'ra quê querer mais?
Que parva que eu sou.
Filhos, maridos, estou sempre a adiar,
E ainda me falta o carro pagar.
Que parva que eu sou.
E fico a pensar:
Que mundo tão parvo,
Onde para ser escravo
É preciso estudar.
Sou da geração "vou queixar-me p'ra quê?",
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou.
Sou da geração "eu já não posso mais!",
E esta situação dura há tempo demais,
E parva eu não sou!
E fico a pensar:
Que mundo tão parvo,
Onde para ser escravo
É preciso estudar.
Que mundo tão parvo,
Onde para ser escravo
É preciso estudar.