Trabalhadores formam-se numa área e trabalham em outra!
O estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Observatório Universitário e divulgado a cerca de um mês pela Folha de São Paulo e comentada em nota aqui, neste blog, suscitou a entrevista abaixo feita com a professora Cibele Daher Monteiro, Diretora de Ensino do Cefet Campos. Cibele tem experiência como professora há mais de 25 anos, com atuação na Educação Profissional e na formação de professores é mestre em Cognição e Linguagem pela UENF, licenciada em Letras - Português e Inglês, pós-graduada em Língua Inglesa pela PUC Minas.
O estudo que a entrevista se refere, foi publicado na Folha Online e pode ser lida na íntegra aqui. Nele, o IBGE identificou que 53% dos formados no Brasil trabalham em áreas diferentes da sua formação. No estudo foi feita uma análise a partir do trabalho e da profissão de 3,5 milhões de trabalhadores formados em 21 diferentes áreas. O resultado encontrou grandes variações de resultados conforme a área de formação. Não foi informada sua metodologia, ainda assim, no entender deste blog, ela mereceu as questões levantadas abaixo:
Blog: Por que os pesquisadores atribuíram, como um dos motivos desta discrepância, a baixa idade com que os adolescentes e jovens são chamados a optar por uma carreira? O que você acha disto?
Cibele: Eu acho que é pertinente, pois você tem no Brasil duas situações: ou a dos jovens de baixa renda que por terem que trabalhar precocemente têm que cursar a formação profissional do nível médio como possibilidade de melhoria de vida e até de continuar a estudar, ou a dos jovens com melhores condições sócio-econômicas, mas que também são obrigados muitas vezes, a optar precocemente por uma carreira universitária. Estes jovens não têm tempo suficiente para conhecer melhor a área que desejam. No último caso, muitos deles, após certo amadurecimento, desejam mudar de curso. Como nem todos têm recursos para fazer isto, o que acaba acontecendo é que eles concluem e de posse de seus diplomas vão tentar uma reorientação após o tempo de estudo regular, que pode ser fazer um novo curso superior ou trabalhar em uma área distinta daquela para a qual se formaram.
Blog: As conclusões do estudo podem trazer de volta a idéia de núcleos comuns e básicos para os cursos de graduação que quando aplicados são rejeitados e questionados pelos alunos?
Cibele: Olha, esta questão é muito interessante, porque nós aqui no CEFET Campos temos uma experiência boa de curso superior formatado em área que é o de Licenciatura na área de Ciências da Natureza, que forma professores em Física ou Química ou Biologia. Realmente no início os alunos questionam muito, pois querem aqueles cursos tradicionais, com ênfase na especialidade. No entanto, é curioso notar que todos os alunos a partir do 5º Período, que é quando fazem a opção, já mudam de opinião e entendem o quanto é importante o curso ter um núcleo básico específico da área. Isto no entanto, não é nada fácil nem para os gestores, nem para os professores. Mas eu acho que poderia ser uma grande oportunidade de pensar o conhecimento de uma maneira mais articulada e de dar aos estudantes a possibilidade de entender melhor as suas opções profissionais.
Blog: Os autores do estudo disseram que para a grande maioria das profissões, especialmente no setor terciário, poderia oferecer a formação profissional em até dois anos no máximo ou até numa curta pós-graduação. O que acha disso?
Cibele: Concordo em parte. Se o Brasil tivesse educação básica de qualidade universalizada talvez fosse possível formar profissionais em um tempo menor que até mesmo os nossos cursos superiores de tecnologia. No entanto, hoje há também uma crítica forte a estas formações profissionais que não contemplam a formação para a cidadania, e ainda há o corporativismo de algumas universidades que criticam a falta de base científica nos alunos, principalmente no caso de quererem prosseguir estudos na pós-graduação. Aí entra também a questão do dualismo estrutural da educação brasileira que valoriza pouco no meu entender os cursos profissionais e a experiência dos trabalhadores, mas supervaloriza a pesquisa dita acadêmica. Hoje, sinceramente eu acho que é preciso dar educação básica de qualidade para todos, pois a partir desta base é que são construídas as demais possibilidades de formação.
Blog: Os Cefets e as escolas técnicas têm uma tradição, de pelo menos quarenta anos, de formação de técnicos em nível médio que ainda possuem espaço no mercado de trabalho, como compreender este fato à luz dos resultados desta pesquisa?
Cibele: Aqui no CEFET Campos, temos observado um movimento de retorno de alunos já formados em áreas técnicas distintas e até de alunos oriundos de cursos superiores mais tradicionais que estão voltando a procurar outras áreas, muitas vezes totalmente diferentes, com o intuito de melhorar sua vida, arranjar um emprego melhor, etc. Acho que esta alta rotatividade na formação das pessoas atualmente é um dado que merece ser estudado, mas que é também uma característica muito atual. Enfim, acho que há outras condições que estão em jogo no fato de a pessoa inserir-se em um posto de trabalho. Não é somente a sua formação que conta. Em pesquisa que realizamos aqui no CEFET Campos com alunos ingressantes dos cursos técnicos de nível médio e superiores, cerca de 70% disse desejar encontrar condições de trabalho em Campos (em primeiro lugar) e em Macaé (em segundo lugar). Portanto, vemos que os jovens estão também procurando qualidade de vida, o que para eles representa: ficar próximo dos amigos, da própria família, em ambientes já conhecidos, talvez de menor violência, enfim, tentam inserir-se não somente guiados pela formação, mas por outras condições. Além do mais, o técnico de nível médio já não representa mais a única possibilidade de inserção para um jovem. Ao contrário, o nível superior tem se mostrado mais eficaz. Mesmo aquele que se forma técnico, não deseja parar seus estudos mesmo em condições de trabalho. Deseja prosseguir estudos. É bem diferente dos técnicos do passado, que permaneciam anos e anos sem buscar verticalizar os seus estudos, e se aposentavam técnicos. Talvez estes fatos justifiquem um pouco os dados das pesquisas.
Blog: Fala-se em preparar as pessoas que tenham formação sólida o suficiente para dominar linguagens que as permitam atuar em qualquer profissão. Isto não lhe parece teórico?
Cibele: Não, não acho teórico. Acho que é possível até certo ponto, pois quem domina bem linguagens tem condições de compreender melhor o mundo em que vive e conseqüentemente tem condições de apreender muito mais rápido o saber necessário a uma formação profissional. Mas é claro que seria também importante determinar que nível de formação é esse. Acho que para a formação profissional técnica é possível sim, desde que tivéssemos um Ensino Médio de qualidade, melhores condições de acesso da população aos meios educacionais e uma boa oportunidade de desenvolvimento de experiência profissional no trabalho (isto nem sempre as empresas querem oportunizar). Para isto o Ensino Médio deveria deixar de ser tão teórico, não é mesmo? Quanto às profissões do nível de formação superior, penso ser um pouco mais complicado, pois há mesmo um saber especializado necessário. Vamos pensar, por exemplo, no caso da Medicina. Não acho ser possível só com o domínio das linguagens se formar um bom médico.
Blog: No campo da tecnologia, aparentemente, as propostas que os pesquisadores apontam, não parecem ter muito sentido, pois a base científica parece exigir mais e maiores estudos. Esta interpretação pode ser considerada um exagero ou não?
Cibele: Acho que no campo das tecnologias, você está correto. Também será necessário definir se desejamos apenas que nossos profissionais sejam consumidores de tecnologia ou se desejamos que eles possam desenvolver outras tecnologias e inovações. A base científica é muito necessária sim. Veja o que tem acontecido com os nossos cursos superiores de tecnologia. Queremos que também estes alunos sejam desenvolvedores de soluções e nem sempre conseguimos, pois eles são trabalhadores e neste sentido, muito mais usuários. Temos conseguido algum desenvolvimento com os alunos do Curso Superior de Tecnologia em Informática e também do Curso Superior em Design Gráfico. Mas isto não tem necessariamente acontecido em todos os cursos e alguns estudos já indicam a necessidade de se adensar a base científica deles.
Blog: Considerando “de passagem” os resultados desta pesquisa aponte três ações, em ordem de prioridade, que poderiam ser tomadas pelos gestores da educação brasileira.
Cibele: 1. Como já disse antes, o Brasil precisa de educação básica de qualidade. É urgente repensar o Ensino Médio, como um nível que prepare não para fazer o vestibular, mas para compreender a vida. E para compreender a vida, talvez seja necessário aproximá-lo do Trabalho enquanto princípio necessário à vida humana, e não apenas como um mercado para o qual se tem que entrar compulsoriamente, e também da Tecnologia, pois os alunos do Ensino Médio não compreendem bem para que servem tantos conceitos para a sua vida cotidiana;
2. A possibilidade de formação de ciclos básicos por área nos cursos superiores também nos parece interessante, pois o jovem teria melhores condições de escolha de acordo com a sua aptidão e com as suas possibilidades, além de permanecer mais tempo antes de fazer a sua escolha definitiva;
3. A não banalização da formação profissional de nível médio, pois há que se levar em consideração que sem o fortalecimento das bases científicas, humanísticas e a compreensão das linguagens, não existe formação profissional capaz de dar conta da enorme evolução tecnológica à qual estamos submetidos. Estaríamos formando pessoas sem condição de permanência no mercado de trabalho. Talvez isto explique um pouco o fato de tantos formados estarem fora de suas áreas de origem de formação.
4. Melhorar a formação dos professores para a Educação Básica, e criar condições para a formação dos professores para a educação profissional e tecnológica.
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