domingo, maio 27, 2018

A luta dos caminhoneiros do Brasil expôs questões bem para além do preço do diesel

A rapidez com que as consequências da paralisação de cerca de 2 milhões de caminhoneiros provocaram em todo o Brasil nos deram demonstrações sobre as mudanças na forma e conteúdo do trabalho no mundo contemporâneo. Poucos poderiam avaliar que os impactos sobre toda a população seriam tão grandes e em tão curto espaço de tempo.

A relação entre as etapas da produção, circulação e consumo das mercadorias já foi amplamente estudada como sendo a tríade marxiana. A produção descentralizada, expandida e em parte globalizada, demanda cada vez mais a etapa da circulação da mercadoria para garantir o consumo.

A etapa da circulação das mercadorias é um serviço que foi ganhando velocidade com redução de tempo, numa lógica de redução dos estoques da produção para diminuição de custos e capital envolvidos em todo o processo.

A redução do tempo entre a produção, distribuição e o consumo, a partir de um determinado período passou a ser considerado como um sistema de administração, que foi chamado pela expressão em inglês de “just-in-time”, ou de produção “no tempo certo”.

O avanço colossal e rápido da tecnologia de comunicações online facilitou a troca de informações entre produtores e consumidores ampliando e aproximando os mercados intra-nação e internacional, gerando mais possibilidades e demandas por transportes.

O "WhatsApp" hoje conecta a tríade entre a produção, circulação, distribuição e o consumo que são monitoradas online. Assim, no Brasil, é o transporte rodoviário que faz a ligação (fluxo) material entre a produção e o consumo que foi negociada pelo fluxo informacional.

Tudo isso passou a exigir sofisticados e ágeis mecanismos de transportes nos vários modais, desde o rodoviário, ferroviário e marítimo. Todos profundamente imbricados com o uso do petróleo que fez com que o transporte fosse aos poucos assumindo uma liderança cada vez maior, no consumo de energia derivada do petróleo em todo o planeta.

Vale por isso observar que o petróleo é uma mercadoria especial, porque ao mesmo tempo, ela precisa dela própria para se transportar e não por outro motivo ela acaba sendo, como se vê no caso atual no Brasil, aquela mercadoria mais importante em termos de abastecimento.

Todo este processo ajuda a explicar uma parte importante da evolução do capitalismo desde o comercial, industrial ao financeiro. Este foi se tornando importante não apenas para financiar a produção, mas também a expansão da infraestrutura vinculada à logística de transporte e do consumo, capturando ganhos crescente de todas estas etapas.

A importância da atividade de transporte acabou, por ser modernamente chamada como a "revolução da logística", que quase se transformou numa ciência específica, profundamente prática com montagem de protocolos, procedimentos integradas à tecnologia.

No Brasil como muito já foi comentado, como um país com extensão continental, não poderia ter deixado se transformar num modal de transporte de cargas e pessoas, basicamente rodoviarista, quando se sabe que em distâncias superiores a 1 mil a 2 mil quilômetros a ferrovia seria mais eficiente. E acima disso, o modal naval teria mais vantagens.

Esta enorme e potente mobilização contra o preço do diesel no Brasil atual nos tem apontado várias questões, para além do debate sobre a política de preços do diesel, como de todas a cadeia produtiva do petróleo e combustíveis no Brasil.

Por exemplo, nos mostrou que boa parte da nossa alimentação mais rica e natural está perto da gente, mas precisa do transporte para chegar a cada um de nós. Vale também chamar a atenção sobre as condições precárias de trabalho da maioria dos motoristas.

Tornou-se também importante ampliar o debate sobre a questão do modal rodoviário diante de outras possibilidades, mas também seria oportuno discutir os impactos da forma de organização do trabalho moderno, diante de um mercado disperso e em contante expansão e alta concentração de renda.

Tudo isto demanda mais e mais transportes, que por sua vez consomem mais combustíveis que são um dos principais insumos desta atividade. Por isto é importante chamar a atenção da relação biunívoca entre os profissionais de logística (onde estão os caminhoneiros) e o setor do petróleo e seus derivados, área da qual dependem tão diretamente.

Talvez, esta seja na essência, alguma das razões e motivos, para que estas duas categorias profissionais possam vir a se encontrar, num movimento para além das justas reivindicações setoriais. E assim, pensar na mediação e no estabelecimento de políticas mais amplas para toda a nação.

De uma forma ou outra, o caso também nos lembra que mesmo na sociedade mais tecnologizada, o trabalho humano continua como parte importante da movimentação do sistema.

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