quinta-feira, novembro 22, 2018

A disputa EUA x China pode definir o futuro do mundo e envolver perigosamente o Brasil na próxima década

Não se trata apenas da guerra comercial implementada por Trump. A China não é a Rússia e os tempos são outros. O tamanho da população, a enorme quantidade de reservas, enorme mercado e economia dinâmica com uma produção manufatureira sofisticada e de alta produtividade oferece à China um trunfo que a Rússia não possuía, quando se estruturava principalmente de forma militar.

De outro lado, a hegemonia estaduninense num mundo até há pouco unipolar, vai perdendo espaço, embora seja ainda basicamente uma grande força militar e com uma moeda com enorme poder econômico e geopolítico sobre o mundo e outras nações.


Entre um e outro tem-se a Europa que cada vez busca maior aproximação na direção eurásia, mesmo temendo a aliança cada vez maior China e Rússia com economias e interesses geopolíticos complementares.

Tudo isso mostra que a disputa vai para além da guerra fria entre EUA e Rússia até porque a China cresce, ganha força e musculatura com um capitalismo de estado amplia a participação na economia e no mercado global.

A China também possui enorme volume de títulos do tesouro americano e controle sobre uma porção importante da dívida americana ampliando a pressão contra os EUA. Assim, se vê que os EUA tenta de várias formas confrontar o crescimento e a atuação global da China.

Martin Wolf, editor do jornal inglês, Financial Times, afirma em seu último artigo republicado pelo Valor [1] que os danos que um conflito EUA-China poderiam infligir à gestão dos bens comuns e as propriedades mundiais (e portanto ao próprio sistema capitalista)  poderiam ser enormes em parte devido ao fato de os dois países serem tão imbricados entre si.

Dessa forma, Wolf que analisa há muito tempo as questões geopolíticas, mostra preocupações com "esse conflito estratégico profundo e duradouro" e com as posições de Trump que ataca também antigos aliados americanos desdenhando a força da China, num cenário onde se vê que o Xi-Jipping parece ter uma posição mais controlada como estadista que o presidente americano.   

Neste contexto Wolf sugere cinco princípios para administrar essa disputa para evitar a irrupção de conflitos que possam não ser administrados:
1) Reconhecer que a China não é "nossa" para formarmos ou a transformamos. Ela é dos chineses e de mais ninguém;
2) Entender que a organização política da China permanecerá diferente do Ocidente por período de tempo indefinido;
3) Concentrar a atenção em comportamentos meticulosos e mensuráveis que afetam os outros e fazer isso de modo coerente e pautada por princípios e não tentando conter o desenvolvimento da China. Isso é claramente equivocado;
4) Reconhecer que a China é uma concorrente e sob alguns aspectos, mas que é também uma parceira vital e essencial para manter a estabilidade da economia mundial, não pautando a relação principalmente na concorrência estratégica;
5) Entender o valor das alianças. Isso tem a ver com confiança. Se os EUA desejam estimular os países a resistir  à intrusão chinesa, o país tem de ser visto como aliado confiável. No governo Trump, não foi.

Como se vê se trata de uma pauta que parece querer para salvar o sistema e administrar os conflitos do que resolver os problemas que afligem à maioria das populações das nações do mundo. Elas estão sendo alijadas do sistema. São vistos como sobrantes com quem não se deve manter os direitos. [2]

A financeirização crescente e o esgarçamento dos ganhos financeiros sobre a produção dos quais as pessoas estão sendo alijadas, mostram que os valores da liberdade e da democracia parecem estar ficando de lado nesse processo, em que a disputa por hegemonia (China-EUA-Europa-Nações Periféricas) podem estar nos levando a um confronto que é bem diverso e muito mais grave - e iminente - do que àquele que levou às duas grandes guerras mundiais.

Para se ter uma ideia de como esses princípios são solenemente ignorados pelos EUA é possível ver o relato em nova matéria do Financial Times (também republicada pelo Valor em 19 nov. 2018) sobre a reunião de cúpula da Ásia, na Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec) ocorrida neste último fim de semana (entre 17 e 18 de novembro), Port Moresby, capital de Papua Nova Guiné. [3]

Após a reunião na China, o presidente chinês deu a seguinte declaração que contesta a posição dos EUA: "Unilateralismo e protecionismo não vão resolver os problemas, mas vão acrescentar incertezas à economia mundial", disse Xi. "A história mostra que o confronto, seja na forma de uma guerra fria, conflito militar ou de uma guerra comercial, não produz vencedores."

Em meio à tudo isso há que se lamentar que o Brasil pelo seu histórico - até aqui - com as suas amplas relações com outras nações poderia desempenhar um importante papel de mediação. Porém, o governo de direita eleito, prefere assumir claramente uma posição de dependência e subalternidade e de aliança incondicional ao Trump. É bom que todos saibam dos riscos que essa posição significa em meio à essa conjuntura global explosiva.


Referências:
[1] Artigo do Martin Wolf no Financial Times e republicado traduzido no Valor em 31 de outubro de 2018, P. A15. EUA  devem evitar guerra fria com a China. Disponível em: https://www.valor.com.br/opiniao/5960741/eua-devem-evitar-guerra-fria-com-china

[2] SASSEN, Saskia. Expulsões: Brutalidade e Complexidade na Economia Global. 2014. Editora Paz & Terra. Rio de Janeiro/São Paulo.

[3] Matéria do Financial Times republicado traduzido no Valor Online 19 de nov. de 2018. Tensão EUA-China explode durante cúpula na Ásia. Disponível em: https://www.valor.com.br/internacional/5988081/tensao-eua-china-explode-durante-cupula-na-asia

Nenhum comentário: