terça-feira, novembro 06, 2018

Fundos financeiros agora também nos hortifrutis: seu avanço e mobilidade estão moldando o capitalismo contemporâneo e o modus de vida das pessoas

Quem acompanha as postagens do blog sabe que a investigação sobre a atuação dos fundos financeiros vem ganhando cada vez mais centralidade em minhas pesquisas, mesmo que outros temas permaneçam sob observação.

O primeiro insight sobre a questão veio em 2013, quando os fundos financeiros globais passaram a adquirir participações em projetos de vários setores no Brasil: infraestrutura (portos, concessões de aeroportos, rodovias, etc.), energia (petróleo e eletricidade), setor imobiliário, agronegócios, etc.

A migração entre estes setores confere mobilidade ao capital e maior apropriação de excedentes econômicos gerados na produção material do mundo real pelos donos dos dinheiros do andar de cima. Um movimento vertical entre a produção material, o comércio, a transformação em dinheiro e depois capital. [1]

Assim, prosseguindo nas investigações eu já tratei aqui nesse espaço e em palestras, mesas redondas e debates também aqui nesse espaço sobre a atuação dos fundos financeiros.

Diversas vezes expus "cases" nos setores de petróleo (energia) e portos (logística); produção imobiliária e mais recentemente sobre o setor de comércio mostrando como as redes de farmácias [3] controladas pelos fundos financeiros nacionais e globais passaram a aniquilar o comércio local e controlar os mercados mesmo nas cidades menores.

Na ocasião citei ainda como as franquias e o comércio de marcas ampliavam a velocidade com que aumentavam a participação nos comércios, já nas cidades médias e algumas pequenas, em boa parte do interior do Brasil, onde os fundos possuem enorme controle. 

Hoje trago a informação sobre um outro setor de comércio, o de alimentos, que passou a ser conhecido com os hortifrútis. Presentes nas cidades de todos os tamanhos, eles substituem os antigos e tradicionais mercados das cidades que aos poucos (foram ou estão sendo transformados em centros de gastronomia com restaurantes e bares.

O caso mais próximo e conhecido dos fluminenses (ERJ) é o da empresa Hortifruti foi criada em 1989 em Colatina (ES). O negócio nasceu em 1989 no município de Colatina, estado do Espírito Santo, vinculado a vários produtores de hortifrutigranjeiros e inspirada no modelo dos "sacolões", com venda de legumes e verduras pesados juntos, sob preço único. Aos poucos o empreendimento passou a ser grande abastecedor dos mercados do ERJ. Inicialmente através do supermercados locais e depois também com suas lojas próprias.

Hoje, a rede Hortifruti já possui 45 pontos de comércio no ERJ, SP e ES e também incluíram lojas com outras marcas e com diferentes portes, conforme a realidade dos mercados dos bairros e cidades onde se instala.

Pois bem, para quem não sabe, há algum tempo, a rede Hortifruti já tinha sido comprada pelo grupo Bozzano Investimentos que se deriva do banco com esse mesmo nome. E, desde 2016, o fundo suíço Partners Group comprou 40% de participação na Rede Hortifruti. Um ano depois, empolgados com o sucesso e o retorno dessa rede de comércio de hortifrutigranjeiros, o fundo financeiro suíço, adquiriu o restante da empresa que em 2017, teve receita líquida de R$ 1,28 bilhão.

O fundo suíço financeiro suíço Partners Group tem ativos no mundo entre US$ 34 bilhões e US$ 66 bilhões (valores divergente conforme a fonte) nos últimos anos, depois de ter decidido abrir base no Brasil tem por aqui aportado em torno de US$ 300 milhões por ano. Assim, o grupo adquiriu a fabricante de relógios Technos e investiu num projeto de instalação de cabo de fibra ótica submarino ligando São Paulo a Nova York. Na área de alimentos, além do Hortifruti, a Partners Group adquiriu a rede de lojas Casadoce.

No Brasil, o grupo também se juntou a outros fundos financeiros como o Pátria Investimentos que controla as redes de farmácias Drogasil, das lojas Casa do Pão de Queijo e da rede de faculdades Anhanguera e ao fundo Vinci Partners que é dono das redes Domino´s, redes de laboratórios e negócios no setor de energia elétrica.

Além de investir no Brasil, esses fundos vêm ao país de olho na captura de recursos e de excedentes econômicos que por aqui circulam. Esses fundos buscam interagir com os fundos de pensão e seguradoras. Além disso também captam investimentos das gestores de fortunas de famílias ("family offices") para bancar seus investimentos aqui e no exterior.


O avanço e a mobilidade dos fundos financeiros que estão moldando o capitalismo contemporâneo e o modus de vida das pessoas

Por tudo isso, se vê que a atuação dos fundos financeiros merece uma investigação mais ampla e aprofundada. É um processo radical de apropriação dos excedentes da economias locais que cada vez transfere mais capital para fora das regiões e para um controle centralizado no mundo das finanças.

Os fundos conferem mobilidade ao capital para escolher setores com maiores rendimentos e lucros, assim como os mercados regionais mais atrativos em termos espaciais na busca dos lucros. Assim se tem os lugares "escolhidos" e aqueles lugares que estão sendo - e serão ainda mais - "esquecidos" pelo capital. Chamo a isso de mobilidade horizontal. [2] [4]

Muita gente ainda não entendeu o papel dos fundos financeiros. É comum na classe média as pessoas serem abordadas pelos gerentes de bancos para investir em fundos ao invés da poupança ou outras aplicações mais tradicionais.

O argumento é a maior rentabilidade que quase sempre está vinculada ao fato de menores taxações e impostos. Mas, além disso, os bancos sabem que a aplicação nos fundos financeiros (como LCI do setor imobiliário ou LCA do setor de agronegócios) estão menos sujeitos à regulação mais rígida do Banco Central.

Além dos fundos organizados pela rede bancária, cada vez aparecem mais fundos instituídos forma própria por investidores que captam recursos nessas plataformas digitais que se multiplicam. Prometem grandes retornos e se apresentam aos donos dos dinheiros com experts em setores específicos onde investirão os recursos. 

Os investimentos não se dão apenas em novos negócios (fundos equity para investimentos empresas que não possuem ações e não estão em Bolsas de Valores). 

A maioria dos investimentos é para adquirir controle e participações em negócios já existentes e que numa época de crise prescinde de dinheiro para capital de giro e acesso a outros mercados. Dessa forma, na maioria das vezes compram empresas por valores “bem baratinhos”, especialmente nos países em crise e com moedas desvalorizadas como nos casos citados acima da Partners Group, Pátria e Vinci.

É comum os fundos se juntarem entre si (em parcerias), como ocorre com os fundos de pensão que possuem os recursos de previdência dos trabalhadores. Hoje, no Brasil os fundos de pensão já somam mais de uma centena (113 número exato hoje) e que administram um volume extraordinário de capital que somam R$ 188 bilhões. 


A atuação dos fundos financeiros é global, transfronteiriça e articulada para ampliar captura de recursos e fugir da regulação e tributações nacionais

Os fundos financeiros atuam globalmente e dessa forma os maiores e com sede nas nações centrais passam a exercer o controle dos negócios, muitos entre entre si. Assim, eles rompem os limites das nações cruzando interesses entre os donos dos dinheiros e os negócios de investimentos. É uma nova e mais radical mobilidade vertical para captura e controle dos excedentes gerados nas economias nacionais.

Quem acompanha a mídia corporativa diariamente, vê notícias sobre “parcerias” entre fundos financeiros globais e os nacionais. Aqui também se observa além da enorme mobilidade derivada dos fluxos informacionais (das redes digitais), assim como a baixa – ou quase inexistente - regulação dos governos sobre os fundos.

Aqui faço um parênteses para lembrar que no ano passado a Receita Federal promoveu e divulgou os primeiros resultados de uma investigação - ainda em curso - sobre procedimentos criminosos e sobre falsificações que estariam em curso por parte de alguns investidores em fundos financeiros.

Como já é de conhecimento e questionamento geral, os fundos financeiros divulgam em que e onde investem, para mostrar resultados e captar mais investidores, mas não são obrigados a dizer quem investe neles. Quem são seus investidores de onde captam os recursos para os fundos que gerem.

Foi assim que a Receita Federal descobriu, entre outras coisas, que muitos dos investidores de fundos financeiros no Brasil, se apresentavam como investidores internacionais, mas na verdade eram recurso de brasileiros que assim buscavam as isenções tributárias que são concedidas aos estrangeiros. Dessa forma a Receita Federal tinha autuado vários fundos e investidores cobrando bilhões de sonegação. [4]

Nesse processo sempre pouco transparente, o setor financeiro cada vez se apropria a captura mais e mais excedentes econômicos da produção material onde está o mundo real em que vivemos. 


A plutocracia exige maior produtividade sobre o mundo real, assim captura mais excedentes e esgarça o sistema em busca de maiores lucros

Por isso a enorme exigência por produtividade e por reduções de custos sobre a produção no mundo real das empresas, fábrica e prestadoras de serviços. É lá que estão os trabalhadores. Assim, a mudança (que chamam de reforma trabalhista) se torna imperiosa para os donos dos mercados.

Reduzir custos para ampliar os ganhos, sem se importar com o mundo real onde as pessoas cada vez mais, apenas sobrevivem e passam a depender mais e mais dos programas de assistência social governamentais. E esses também acabam podados, ou totalmente cortados, para que os governos também possam ter produtividade e efetividade (as palavrinhas mágicas do mercado) e assim reduzir seus déficits financeiros. 

Os gerentes e diretores da corporações controladas pelos fundos (quase todos oriundos dos MBAs da vida) são contratados com metas que para serem cumpridas exigem reengenharia, demissões e enxugamento.

Tudo assim avança para uma lógica que também está presente no poder político e no Estado que pressionados reduzem as regulações e cedem às pressões de quem lhes financia as eleições para chegar aos cargos.

Enfim, a plutocracia está vinculada à superestrutura, mas age sobre a nossa conjuntura, embora não seja percebida pela maior parte das pessoas. Nessa linha eu tenho insistido na necessidade de melhor se observar a forma de atuação dos fundos no capitalismo financeiro contemporâneo e a apropriação que fazem das riquezas intranacionais.

Assim, os fundos financeiros se tornam dia-a-dia - e cada vez - mais importantes no modus de vida das pessoas dentro do capitalismo contemporâneo, embora seja um processo ainda no geral ainda invisível.

A maioria de nós continua a discutir somente os aspectos conjunturais de nossas crises. Elas são crises da Economia Política e da forma civilizatória que ela engendra. Dessa forma tendemos a não observar estrutura age sobre a conjuntura, afetando, interferindo e produzindo a realidade econômica, social e espacial em que vivemos.

PS.: Agradeço os comentários e as críticas sobre o assunto.

PS.: Atualizado às 21:30 de 7 nov. de 2018:

Postagens do blog sobre os fundos financeiros.
Referências:

[1] Em 19 set. 2017. “Fundos já possuem patrimônio de 66% do PIB do Brasil”. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/09/fundos-ja-possuem-patrimonio-de-66-do.html

[2] Em 23 abr. 2018. Os movimentos das frações do capital, a função e a mobilidade dos fundos financeiros na economia global contemporânea. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/04/os-movimentos-das-fracoes-do-capital.html

[3] Em 7 ago. 2018. Para ajudar a entender a explosão do comércio das farmácias. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/08/para-ajudar-entender-explosao-do.html

[4] Em 25 de agosto de 2018: Os fundos financeiros são os principais instrumentos da mobilidade do capital e da estratégia de reprodução do capitalismo global no mundo contemporâneo. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/08/os-fundos-financeiros-sao-os-principais.html

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