segunda-feira, setembro 07, 2015

O bicentenário da expedição científica de Maximiliano de Wied-Neuwied - III, por Soffiati

Abaixo publicamos o terceiro artigo do professor, historiador e ecologista Aristides Soffiati sobre a expedição do alemão Maximiliano de Wied-Neuwied. O texto faz parte da série de seis artigos sobre o tema. Para quem não leu, os dois artigos anteriores podem ser lidos aqui e aqui.


O bicentenário da expedição científica de Maximiliano de Wied-Neuwied - III
Em Campos
Arthur Soffiati

            Ao chegar em Campos, Maximiliano de Wied-Neuwied parece ter chegado na margem da civilização. Ele se sentiu quase em casa. A comitiva que o acompanhava se hospedou na casa urbana do prior do Mosteiro de São Bento. Faltou, na expedição, um bom desenhista ou pintor. O príncipe ficou nos devendo este especialista, pois muitas paisagens admiradas por ele não foram retratadas em desenho. Gostaríamos de ver o aspecto da Igreja de Santo Amaro, do Mosteiro de São Bento e de Campos. O Rio Paraíba do Sul o encanta e é comparado ao Reno. Hoje, o Reno está em melhor estado que o nosso mediano rio, num país de rios colossais.

            Em 18 de julho de 1815, Napoleão Bonaparte é definitivamente derrotado pela aliança de países conservadores da Europa. Naquele longínquo tempo, não havia emissoras de radio e de televisão. Campos ainda não contava com jornais. Mas havia serviço de correio que atravessava a costa, sobretudo entre Rio de Janeiro e Salvador. Outro gosto de civilização para Maximiliano foi saber pelos jornais, em Campos, dois meses depois, que Napoleão tinha sofrido a derrota que o levaria para o exílio definitivo na Ilha de Santa Helena, onde morreu.

            Como seu diário de viagem foi concluído na Alemanha, o príncipe pôde recorrer a vário autores. Citando o padre Simão de Vasconcelos, ele informa que a Baixada dos Goytacazes foi povoada originalmente por índios da nação goitacá.

            Tendo conhecido as cidades, as vilas e os povoados entre Rio de Janeiro e Salvador, Maximiliano estava autorizado para afirmar que Campos "é atualmente a zona mais próspera entre o Rio de Janeiro e a Bahia. Toda a região é ocupada por fazendas dispersas e plantações; e, na margem sul do rio Paraíba, que corta  essa fértil planície, cerca de oito léguas do mar, fica uma importante vila, que decerto merece o nome de cidade."

            Ele informa que "A Vila de S. Salvador dos Campos dos Goitacás tem de 4 a 5.000 habitantes; a população de todo o distrito é calculada em 24.000 almas. É de ordinário chamada simplesmente Campos, sendo razoavelmente edificada e possuindo ruas regulares e calçadas na sua maior parte, bem como belos edifícios, alguns dos quais de vários andares. Balcões, fechados com rótulas de madeira, à antiga moda portuguesa, são ainda comuns. Próximo do rio há uma praça, onde fica o edifício público em que se reúnem as autoridades municipais, e no qual, além disso, está a prisão. Há na cidade sete igrejas, cinco boticas e um hospital, com capacidade para cerca de vinte doentes. O lazareto é dirigido por um cirurgião, além do que consta haver no lugar médicos muito mais competentes que em outras partes da costa, onde, muitas vezes, se procura em vão um profissional digno de confiança."

            A Casa de Câmara e Cadeia a que ele se refere situava-se no local onde hoje se ergue o prédio central do Banco do Brasil, na Praça do SS Salvador. Pela descrição, Campos apresentava mais coerência urbanística e arquitetônica do que hoje, parecendo gozar de prestígio em termos de economia e serviços. Mas ele descreve mais:

            "A situação da cidade é bastante aprazível; acompanha em longa extensão a margem do belo Paraíba e oferece lindo panorama, especialmente quando vista da estrada, rio abaixo. A paisagem ribeirinha é sempre animada; uma quantidade de gente, na sua maioria de cor, agita-se continuamente, entregue ao comércio e a outras ocupações. Pratica-se, em Campos, ativo intercâmbio de diversas mercadorias; a região do Paraíba acima produz, nesse particular, grande quantidade de açúcar; e existem grandes engenhos junto ao pequeno rio Muriaé, que desemboca na margem norte do Paraíba, oposta a S. Salvador. Café, algodão e outros produtos agrícolas dão otimamente; até verduras europeias se encontram nos mercados. O principal produto, entretanto, é o açúcar e a aguardente dele destilada. Há entre os habitantes, gente opulenta, possuidora de vastos engenhos perto do rio, em alguns dos quais se ocupam cento e cinquenta escravos ou mais; além da aguardente, produzem-se, em cada um desses estabelecimentos, anualmente, quatro a cinco arrobas de açúcar. Nessa região, no Paraíba e no Muriaé, já em 1801 havia duzentos e oitenta engenhos, dos quais oitenta e nove grandes e muito lucrativos."

            Em resumo, a pena do naturalista pinta um núcleo urbano próspero, intimamente ligado à zona rural, com produção mais diversificada que atualmente. Hoje, a cana e o gado dominam a economia da baixada, mesmo assim, enfrentando crise. Naquele tempo, havia plantio de algodão, café e hortaliças. Como a distância entre os centros urbanos era grande, entende-se que cada um deles tivesse mais autonomia econômica. Em decorrência desta prosperidade, em grande parte decorrente do trabalho escravo:

            "Vê-se bastante luxo na cidade, especialmente no trajar, coisa em que os portugueses despendem muito dinheiro. O asseio é geral entre esse povo, mesmo nas classes baixas, pelo menos entre os filhos do país. Visitando-se, porém, o interior, ou vilas menores, nota-se quase sempre que os colonos conservam os antigos costumes, não demonstrando a menor ideia de melhorar de condição. Veem-se aí pessoas abastadas, que enviam à capital, todo ano, várias tropas carregadas de gêneros, e talvez umas mil ou mil e quinhentas cabeças de gado para a venda, mas cujos casebres, apesar disso, são piores do que os dos mais pobres camponeses germânicos; baixos, de um só pavimento, feitos de barro e até mesmo sem caiação. Toda a economia doméstica e maneira de viver estão no mesmo nível; mas poucas vezes se vê desasseio nos trajes. É pequena a criação de gado na região do Paraíba, embora as suas planícies sejam tão próprias para isso. Criam-se aí alguns muares; não são, porém, fortes e bonitos como os de Minas Gerais e Rio Grande. Os carneiros e as cabras são pequenos, e os porcos não crescem tão bem como em outras zonas. Visitei os Campos dos Goitacás, não para colher dados estatísticos a respeito da região (o leitor procurará outras obras para esse fim), mas para conhecer o que houvesse de notável no povo ou nos produtos naturais. Assim que consegui o meu objetivo, abreviei a minha permanência, e apressei-me em visitar, o que representava para nós a raridade de maior interesse, uma tribo de tapuias ainda em estado selvagem, existente nas vizinhanças, junto ao Paraíba."

            O contraste entre o modo de viver e de trajar dos fazendeiros urbanos e rurais também será notada, em 1818, por Auguste de Saint-Hilaire. Observemos que o Distrito de Campos ainda não contava com uma nobreza de título, que só vai se desenvolver no Império. Contudo, por mais que Campos ofereça um ambiente próximo da civilização de onde viera o naturalista, o objetivo de conhecer plantas, animais e povos nativos, "selvagens", como ele e outros chamavam, é preciso partir. Na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, onde hoje cresceu Guarus, havia a redução indígena de Santo Antônio de Guarulhos. Parece, todavia, que os índios ali reunidos já estavam muito aculturados ou subindo o Rio Muriaé. Nos planos de Maximiliano, uma visita a São Fidélis. Parece que, na região, foi o lugar mais admirado por ele.

            Voltando de lá, rumo a São João da Barra, ele ainda deixa uma impressão sobre Campos, depois de confirmar a derrota final de Napoleão, festejada inclusive pelos moradores da vila:

            "A cidade acompanha até bom pedaço a beira do rio, oferecendo uma bela paisagem. A massa de casas ergue-se imediatamente acima do rio; erguem-se, acima delas, coqueiros solitários, e o magnífico fundo de cena é formado pelas montanhas azuis longínquas. A superfície reluzente do rio, que tem aí razoável largura, é cortada em todas as direções pelas canoas remadas por negros, e as margens são guarnecidas de capoeiras, pequenos capinzais e moradas pitorescas. Um pintor poderia, desse lugar, fazer um lindo quadro da cidade e arredores."

            Sentimos falta desse pintor. Como nenhum desenho da vila foi deixado por ele, ilustramos o artigo somente com o pincel de sua pena.

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