terça-feira, fevereiro 11, 2014

O paradoxo da relação entre os bancos e os conventos na Espanha

A surpresa foi enorme com a matéria do The Wall Street, replicada pelo Valor e elaborada pelo correspondente direto de Alcalá de Hernares. A chamada: "Finanças - Emprego de freiras funcionárias é ameaçado". O título da reportagem: "Crise dos bancos espanhóis também atinge conventos".

O paradoxo que me chamou a atenção na matéria, sobre a "parceria" do banco com os conventos, não foi o simples contraponto entre o pragmatismo do setor financeiro e o dogmatismo religioso, este fica num patamar menor diante, da possível observação, sobre a contradição maior entre os extremos da conhecida volatilidade do capital financeiro, em contraponto, à não menos conhecida e medieval clausura, estabelecidas pelos conventos, onde freiras e monges possuem limitado contato com o mundo, como lembra a própria reportagem.

É significativo e simbólico que a matéria exponha em infográfico imagens sobrepostas do Convento de San Juan de la Penitencia, em Alcalá de Henares (perto de Madri) e os gráficos com os lucros líquidos dos empréstimos e inadimplências do banco espanhol.

A reportagem além de simbólica é didática sobre a contemporaneidade, a crise do capital e as contradições das instituições neste mundo pós-moderno.

O utilitarismo e o racionalismo do homo economicus do caso evidenciam, em limites inimagináveis as contradições do sistema capitalista em usar no limite as dificuldades (sobre os dogmas da igreja católica - observe que é na Espanha), para cumprir o que é sempre o seu destino (como o escorpião ao dizer que é da sua natureza picar para matar).

Abaixo a matéria junto do infográfico citado.

Crise dos bancos espanhóis também atinge 


conventos

Por Ilan Brat e Christopher Bjork | de Alcalá de Henares, Espanha
As dificuldades financeiras da Espanha acabaram atingindo um escritório recluso de um de seus maiores bancos - o convento onde a irmã Mariuca Mesones separa e classifica a correspondência enviada pelo banco.
Depois de quase todas as missas matinais, ela e outras dez irmãs da Ordem de Santa Clara vão para uma sala do convento e viram bancárias. Elas fazem coisas como digitar dados em computadores ligados à rede do banco, arquivar documentos e processar reembolsos de passagens aéreas não usadas compradas com cartões de crédito do banco.
O trabalho faz parte de uma parceria pouco comum e pouco conhecida entre instituições espanholas. O Banco Popular Español SA, o quinto maior do país em ativos, há muito conta com o Convento de San Juan de la Penitencia, onde vivem as freiras da Ordem de Santa Clara, e cerca de 20 outros conventos espanhóis para cuidar de tarefas administrativas de rotina.
Hoje, ambos os parceiros nessa relação estão sofrendo. Seis anos após a explosão da bolha imobiliária espanhola ter atingido suas carteiras de empréstimos, o Popular e alguns outros bancos ainda estão fechando agências e demitindo funcionários. Isso significa menos trabalho para as freiras, de acordo com o Banco Popular e freiras de alguns dos conventos. "Precisamos trabalhar para sobreviver", diz a irmã Mariuca, cujo salário (as freiras recebem por hora trabalhada) ajuda a pagar as refeições e a manutenção do convento, que tem 400 anos. "Não podemos viver do nada."
Os problemas dos bancos do sul da Europa estão afetando comunidades de toda a região, não só aqueles que tomam empréstimos. O Banca Monte dei Paschi di Siena SpA, da Itália, cortou patrocínios para equipes esportivas. O Banco Nacional da Grécia cortou, desde 2009, mais da metade de seu orçamento para programas sociais como exposições arqueológicas. Na Espanha, o Bankia SA fechou muitas bibliotecas públicas que havia financiado.
Freiras e monges de 874 claustros da Espanha têm contato limitado com o mundo além de suas paredes. Elas recebem pouco financiamento da hierarquia da igreja. Os espanhóis, atingidos pela queda de salários e pelo alto nível de desemprego, estão comprando menos tortas, licores e outros produtos que freiras e monges tradicionalmente vendem na entrada de seus conventos para se sustentar.
Nas últimas décadas, os membros de conventos e mosteiros envelheceram e diminuíram em número, o que torna ainda mais difícil para eles se sustentarem.
Não existem dados públicos sobre as finanças dos claustros espanhóis, mas muitos conventos "não podem mais sobreviver", diz Mónica Artacho, diretora da DeClausura, uma organização sem fins lucrativos que ajuda mosteiros e conventos a vender seus produtos.
O Banco Popular começou a contratar freiras no fim dos anos 70. Ele faz mais negócios com a Igreja Católica que qualquer outro banco espanhol, dizem executivos que trabalham com instituições religiosas. Não está claro quantos bancos espanhóis trabalham com conventos.
Porta-vozes de outros bancos de grande porte dizem que suas instituições não fazem isso.
A carga de trabalho também diminuiu para as freiras do Mosteiro de São Bento, que cuidam da correspondência do Ibercaja por cerca de 1.200 euros por mês, dizem uma freira do convento e um porta-voz desse pequeno banco do norte da Espanha. O banco está diminuindo sua correspondência porque cada vez mais contata clientes por e-mail.
Um porta-voz do Popular diz que o banco paga freiras para o trabalho de documentação porque elas o fazem com perfeição e porque seus conventos precisam do dinheiro. "Temos uma relação muito satisfatória com elas."
O banco e as freiras não revelam quanto elas ganham. O porta-voz do banco diz que são pagas a "preço de mercado". Os funcionários do banco que realizam tarefas semelhantes e estão cobertos por acordos trabalhistas recebem cerca de pouco mais de 7 euros por hora.
O uso de mão-de-obra do convento se encaixa à cultura tradicionalmente conservadora do Popular. Enquanto rivais maiores investiram pesadamente na América Latina nas últimas duas décadas, o Popular focou em aumentar a rentabilidade em casa. Em meados da década de 2000, a consultoria Arthur D.Little apontou o Popular como o banco de maior eficiência de custo da Europa.
Mas depois disso as apostas do Popular em imóveis saíram pela culatra quando o mercado imobiliário entrou em colapso, em 2008. Em 2012, o Popular registrou um prejuízo anual recorde e foi forçado a levantar bilhões de euros em capital novo.
As freiras que trabalham para o Popular dizem que a carga de trabalho vem caindo desde então.
Os problemas financeiros do convento San Juan de la Penitencia estão se agravando. Há goteiras no telhado e mofo nas paredes do térreo. O prédio consome 75% do dinheiro que 11 das 13 freiras do convento ganham do banco, das aposentadorias daquelas com mais de 65 anos e das doações, diz a irmã Mariuca.

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