segunda-feira, agosto 19, 2019

Breve história de fundos públicos com recursos dos royalties do petróleo: do descaso anterior da era da abundância em Campos e Macaé, ao esforço atual e inicial de Niterói, Maricá e governo do ES

Desde 2000 passamos a defender a necessidade de criação de fundos de estabilização de receitas dos municípios e estados que recebiam royalties e das Participações Especiais (PE) decorrentes da produção de petróleo.

Em 2001, depois de pressões da sociedade através de um Fórum Regional de Desenvolvimento, o município de Campos dos Goytacazes criou um fundo, não para estabilização, mas para apoiar a atração de empresas para atuar no município.

Sem controle social, os secretários emprestaram dinheiro sem um planejamento por cadeia produtiva, sem garantias e sem controle, e assim, o Fundecam se mostrou o fracasso que hoje se conhece. 

Assim, agora, a prefeitura tenta cobrar mais de R$ 400 milhões de dívidas não pagas pelos empresários que apanharam esse dinheiro sem resultados para o município.


Da era da abundância (2004) à fase de colapso (2014), em especial Campos e Macaé
Passaram-se quase mais uma década - por volta de 2008, quando em especial Campos dos Goytacazes e Macaé) no auge do início do boom das receitas de estados e municípios chamados de produtores passaram a ter enormes receitas com os royalties e das Participações Especiais (PE) do petróleo.

Na ocasião, junto com vários estudiosos do tema, voltamos a defender e insistir mais fortemente para a necessidade de constituição desse fundo de estabilização, separando parte dos recursos dos royalties para estabilização em situações de emergência e também para desenvolver atividades que apostasse na diversificação da economia visando uma menor petrodependência da economia dos royalties.

Era evidente que o montante daquelas receitas não se sustentariam. Elas cresciam em ritmo aceleradíssimo. Entre 2010 e 2014 foi a primeira vez na história que o preço do petróleo esteve oscilando, mas sempre acima de US$ 100, o barril, ao mesmo tempo que a produção na Bacia de Campos atingia o seu auge com um dólar alto, em função da crise financeira de 2008.

Assim, entre vários conflitos regionais no Oriente Médio e maior demanda de petróleo no mundo, os preços se mantinham altos e os royalties repassados aos municípios não paravam de crescer.

Nesse período o caso de Campos foi destaque. Em pouco ais de uma década o município chegou a receber cerca de R$ 14 bilhões de royalties, quase 60% do orçamento total do município naquele período. Já nesta última década, desde 2010, o município de Macaé chegou a receber mais de R$ 20 bilhões só com a receita dos royalties do petróleo.

Quando chegou a fase de colapso do preços do ciclo petro-econômico, no final de 2014 e início de 2015, esses foram os dois municípios que mais sofreram, porque já tinham comprometido muito de seus gastos, com custeio bancado por essas receitas. E pior, eles não tinham nenhum fundo para bancar esse período de colapso das receitas. Fato previsível, apesar do pouco caso com os vários alertas de quem há quase duas décadas acompanhava a evolução dessas receitas.

De 2016 para cá, enquanto Campos e Macaé ainda tentam se equilibrar entre despesas e receitas e gastos mal planejados, do período da abundância irresponsável dos royalties do petróleo, a Bacia de Campos viu sua capacidade de produção se reduzir, onde os campos se tornaram maduros e o aumento da produção – também como previsto – se deslocou espacialmente para os municípios na direção sul da Bacia de Santos (que fica já abaixo de Arraial do Cabo em direção a São Paulo).


A partir de 2016 a mudança espacial da receita dos royalties do petróleo (da Bacia de Campos para a Bacia de Santos e o pré-sal) de Campos e Macaé para Maricá e Niterói
Assim, desde 2016, Marica e Niterói comemoram o aumento vertiginoso (mais de quatro vezes mais) dessas mesmas receitas dos royalties do petróleo, em função da legislação que beneficia os municípios confrontantes aos campos do pré-sal e da bacia de Santos no litoral.

Muito do que se criticou lá atrás sobre os gastos destas receitas nos casos dos município de Campos e Macaé, segue ocorrendo agora, também em Maricá e Niterói que hoje possuem orçamentos municipais de R$ 2,5 bilhões e R$ 3 bilhões.

A diversificação econômica tem uma retórica fácil e uma ação e um planejamento difícil porque exige visão de longo prazo. A tentação do uso imediato destes recursos em meio a tanta demanda social por estes investimentos é uma outra razão difícil de ser enfrentada, diante da busca de novos mandatos pelos prefeitos e seu grupo político.


Finalmente surgem os fundos de estabilização orçamentária: Niterói, Maricá e ES
Ainda assim, quase vinte anos depois, esses dois municípios decidiram constituir fundos financeiros de estabilização de seus orçamentos com recursos dos royalties do petróleo. É pouco, mas melhor que o catástrofe anterior.

Niterói criou um fundos de estabilização de receita que fica com 10% de cada repasse (trimestral) das Participações Especiais, mas nada das quotas mensais. Junto decidiu que 1/3 de todos os recursos dos royalties seriam para investimentos, embora metade ainda para custeio da máquina pública.

Já Maricá evitou fixar a destinação de um percentual específico para este fundo de estabilização com o dinheiro dos royalties do petróleo. Assim, a Prefeitura de Maricá destina menslamente entre 1% e 5% de toda a receita dos royalties do petróleo e não apenas as Participações Especiais (PE) para esse fundo.

Assim, agora, em 2019, os dois municípios, ainda em fase inicial de capitalização, possuem cada um pouco mais de R$ 100 milhões nestes fundos de estabilização. Ambos os municípios fazem previsão de que entre 10 e 20 anos possam ter mais de R$ 2 bilhões, cada um, nesse fundo.

Assim, imaginam e planejam que os novos gestores possam bancar momentos emergenciais de bruscas reduções de receitas, mas em especial servir com bases para parcerias em investimentos em obras e infraestruturas, assim como fundo garantidor, para acordos com setor privado para investimentos que gerem trabalho e renda e supra necessidades básicas como habitação e saneamento ao longo do tempo, mas de forma permanente.

Movimento similar acaba de ser adotado pelo governo do estado do Espírito Santo. Decidiu criar dois fundos financeiros com esses recursos. Um oriundo do pagamento de R$ 900 milhões que recebeu retroativo da Petrobras, em função de um acordo sobre Participação Especial (PE) depois da Unitização dos campos de petróleo do Parque das Baleias, no litoral capixaba. Outros R$ 600 milhões a serem recebidos em 42 parcelas também serão destinados a este fundo que, segundo o estado terão como destino o financiamento de obras e infraestrutura.

O segundo fundo estruturado pelo governo capixaba, chamado de soberano, tem como previsão de R$ 400 milhões por ano com receita dos royalties do petróleo e visam apoiar a diversificação e menor dependência futura da produção de petróleo. Em 2018, o governo do ES recebeu R$ 2 bilhões de royalties do petróleo. Até 2030, o governo estadual do ES espera ter capitalizado cerca de R$ 4 bilhões nesse fundo soberano.


Fundos precisam de gestão democrática e participação popular
Esses fundos públicos não são e não podem ser vistos como panaceias tecnocráticas e nem como instrumentos de financeirização junto a mercado de capitais e aos fundos privados, geridos por bancos, como se faz muitas vezes, irresponsavelmente, com os fundos previdenciários também dos municípios e estados.

Esses fundos precisam ter gestão com participação democrática da sociedade porque se tratam de recursos inter-geracionais (e finitos) e, que, portanto devem ser pensados e planejados para além dos mandatos dos representantes políticos eleitos.

Não é fácil - e nem nunca afirmei isso – ser criterioso e não tecnocrático no uso destes recursos. Por isso, sempre afirmei que o gestor do momento erra menos se descer do seu pedestal e se dispuser a dialogar mais e ampliar a participação popular para a tomada destas decisões.

Outros municípios e estados brasileiros precisam travar discussões similares sobre a constituição, organização, controle e planejamento deste tipo de fundo público originado desta receita. 

No caso dos estados, o ERJ que em 2019 terá quase R$ 8 bilhões desta receita, a situação é mais problemática, por conta da história do seu endividamento e da absurda securitização de sua dívida. Porém, os estados de SP (com R$ 1,5 bi de royalties em 2019); Bahia (R$ 400 milhões em 2019); Rio Grande do Norte (R$ 259 milhões) e Sergipe (R$ 222 milhões) precisam planejar seus fundos soberanos. 

No ERJ, outros municípios para além de Niterói e Maricá precisam planejar os seus fundos com suas receitas de royalties do petróleo. Em 2023, Macaé deverá ter ainda R$ 1 bilhão, um total maior que os R$ 700 milhões com essas receitas em 2019; Campos dos Goytacazes deverá ter R$ 740 milhões, receita bem maior que os R$ 412 milhões previstos para esse ano, segundo a ANP. Saquarema terá em 2023 um total de R$ 700 milhões contra R$ 290 milhões este ano. Araruama terá em 2023, uma receita com royalties de R$ 211 milhões, contra apenas R$ R$ 47 milhões este ano. Arraial do Cabo deverá ter R$ 250 milhões em 2023, contra R$ 90 milhões este ano.

Enfim, a gestão pública precisa ampliar a discussão não apenas sobre esse tema dos fundos públicos a partir das receita dos royalties do petróleo, mas sobre a participação popular de forma mais ampla. Erra menos quem ouve e dialoga mais.

É certo que os interesses em disputa nos municípios e estados é sempre muito grande. Mas, tem sido os setores econômicos mais favorecidos aqueles que conseguem acessar essas receitas, sugando as rendas que deveriam estar a serviço da melhoria das condições de vida da população que mais precisa dos governos.

Quando o gestor se fecha à participação popular e da sociedade a esse debate é porque optou por só atender aos interesses econômicos mais poderosos e que estão sempre colados aos governos. Quaisquer que sejam.

Um comentário:

Vitor Carvalho disse...

Parabéns, Professor!!!!
Perfeito mais uma vez!!!!