quinta-feira, setembro 21, 2017

"Sem um estado forte, outro Poder mandará"

O artigo abaixo foi publicado no jornal GGN (aqui), na terça-feira 19 set. 2017. O autor é o advogado André Araújo. Ele discute o papel do Estado no Brasil, lembrando que no país, o Estado chegou antes da nação e fala dos riscos de desintegração da nação em meio à enorme crise política e econômica.

É um artigo amplo. Vale conferir. Concordar na íntegra ou em parte é o menos importante. Eu mesmo discordo de algumas sugestões, mas concordo com boa parte dos argumentos e diagnóstico. Repito. Vale conferir!

Sem um Estado forte, outro Poder mandará, por André Araújo
O Brasil está em uma crise política, econômica e social de caráter histórico. A raiz da crise é o ENFRAQUECIMENTO do Estado nacional, hoje submetido a forças desintegradoras que  agridem o funcionamento e a estabilidade de um dos maiores países do mundo.
Um novo governo, seja ele de esquerda, centro ou direita não governará nesse quadro caótico.
Ou o poder se recentraliza ou o Brasil será ingovernável, correndo sérios riscos de ruptura das colunas de integridade construídas em séculos pela Coroa ibérica, pela Igreja Catolica e especialmente pelas forças armadas, fundamentais na repulsa às invasões holandesa e francesa, às incursões castelhanas, na luta pela Independência e na submissão de rebeldias internas, forças desintegradoras que de norte a sul contestaram o Estado colonial e nacional.
Nenhum desses movimentos rebeldes poderia ter sido enfrentado se o Estado brasileiro não fosse forte por índole e propósito. O Brasil nasceu como nação pelas mãos do Estado fundador, anterior à própria formação da nacionalidade, o Estado antecede à Nação.
O Imperador Dom Pedro II era o símbolo da solidez do Estado brasileiro, o ponto de união e convergência em seis décadas quando os riscos potenciais de ruptura do Estado foram muitos e de toda ordem. Foi o Império com sua legitimidade histórica que impediu a fragmentação do território nacional, como ocorreu na América espanhola, dividida em 17 paises.
Na Primeira República, os Presidentes foram fortes e esmagaram incontáveis movimentos de contestação ao poder central, capitais foram bombardeadas ou invadidas como Salvador, São Luis , Fortaleza e São Paulo, rebeldias regionais não foram admitidas contra a República.
Revoltas violentas  foram enfrentadas por todo lado, como a Farroupilha, a do Contestado, a do Acre, que resultou na sua anexação pelo Brasil, o amplo e duradouro movimento dos Tenentes de 1922, a rebelião de 1924 em São Paulo. Já a Segunda República enfrentou revoltas em São Paulo em  1932, dos comunistas no Rio e em Natal em 1935 e com o desfecho do Estado Novo em 1937, etapa máxima da centralização do Poder do Chefe de Estado, figura simbólica  como sucessor do soberano, criando as condições de um enorme desenvolvimento social e econômico do Brasil de 1937 a 1975, regimes sequenciais ao regime varguista de 1937.
Contestação judicial ao Governo Floriano pelo STF levou à celebre frase do Presidente Floriano Peixoto ao ser ameaçado pelo Supremo “ mas quem é que dará habeas corpus ao Supremo?”
Hoje o poder da Presidência, que deveria ter as características de poder superior aos demais no sentido de seu exercício de comando operacional do Governo, está ABAIXO em poder de outras três torres de comando oficiais: o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral e a Policia Federal. Ao invés do poder dos canhões, essas três torres se utilizam de INQUÉRITOS, que podem abrir contra qualquer  autoridade em qualquer numero e sob sua exclusiva vontade, sem contraponto, contestação ou bloqueio, poder que não tem o Executivo ou Legislativo, cujas regras podem ser contestadas judicialmente enquanto normas do Supremo não tem instância superior de controle e inquéritos da Policia ou da Procuradoria produzem efeitos políticos a partir do momento de sua divulgação. Formou-se assim uma assimetria que transforma a Presidência em poder refém de outros, enquanto os demais não dependem em nada da Presidência ou do Congresso, podem atuar sem contrapesos.
Esses poderes podem abrir quantos inquéritos quiserem, com ou sem motivos e através dos inquéritos comandam os acontecimentos políticos, inalcançáveis por controle externo.
O Supremo incorporou o PODER DE LEGISLAR sobre matérias que não estavam antes em seu alcance e através dessa nova aquisição de poder governa a politica. Exemplo marcante é a decisão do STF de proibir o financiamento empresarial de campanha. É claríssimo, de uma limpidez ímpar, que essa é uma matéria de LEGISLAÇÃO e não de decisão judicial.
Não há na lei proibição ao financiamento empresarial, a proibição foi um exercício ilegítimo de poder pelo Supremo e como esse inúmeros outros temas foram objetos de PODER CRIADO interna corporis, o Supremo gera dentro dele o novo poder que exercita ACIMA DA LEI, como a aplicação da norma do DOMÍNIO DO FATO, que não se encontra na legislação positiva.
Nas novas leis “abertas” de livre  interpretação, as chamadas “leis omnibus” dentro das quais cabem enquadramentos ao infinito ,  se  usa e abusa  de uma aplicação extensiva e ao único arbítrio do julgador,  permitindo penas aterradoras, muito superiores àquelas do Código Penal, penas de 20,  30, 40 ou mais anos por ter ido a um guichê sacar um cheque, tudo entendido como  lavagem de dinheiro,penas  que não se dá a assassinos estupradores, o que demonstra grave distorção do sistema de leis penais e de sua aplicação pratica,  tal disfunção tem clara explicação politica:  essas regras extravagantes e de interpretação aberta como obstrução de justiça, lavagem de dinheiro, anti-corrupção, são LEIS DE PODER,  tem como alvo principal a “classe politica” que fica assim submetida ao comando dos novos soberanos, a arma de guerra é a capacidade desse poder reforçado de aplicar penas que equivalem à prisão perpetua, destruindo a capacidade de reação da classe eleita, colocada contra a parede por inquéritos que podem ser manejados livremente como instrumentos de comando politico.
Ao proibir o financiamento empresarial de campanha o Supremo abre largamente o mercado de inquéritos contra todos os políticos do Legislativo e do Executivo, tornando-os mais vulneráveis e imputáveis. O STF aumenta por sua própria decisão o poder da PF e da PGR para criminalizar condutas de políticos que anteriormente a essa decisão poderiam receber doações empresariais e aumentam largamente o campo de arbitragem do sistema judiciário sobre a atividade politica e seus operadores eleitos pelo voto direto, agora submetidos a um poder maior que a eleição.
MERCADO FINANCEIRO
Mais duas poderosas e  não oficiais  TORRES DE COMANDO estão acima da Presidência: o ente conhecido como “mercado financeiro”, hoje representado pelo Ministro da Fazenda e pela sua divisão blindada, o Banco Central, a ponto de um Ministro que deveria ser um auxiliar do Presidente, por ele nomeado e demissível a qualquer momento, se permitir de forma publica  a MÁXIMA ousadia que jamais um Ministro da Fazenda invocou no Brasil republicano, dizer que se mudar o Presidente ele fica, entendendo-se ele e sua equipe. Essa simples declaração em outros tempos implicaria em imediata demissão mas nestes momentos escuros o Presidente não pode demiti-lo. Na história recente em 1965 o Ministro da Guerra, Costa e Silva, disse algo semelhante  quando fez uma viagem à Europa no início do Governo Militar “viajo Ministro e volto Ministro” o que foi entendido como sendo seu poder ser superior ao do próprio Presidente Castello Branco, que a partir daí encolheu sua autoridade até Costa e Silva ser indicado e empossado realmente como Presidente, sua declaração atrevida previu o desfecho de seu poder superior ao Presidente como Ministro da Guerra.
A entidade “mercado financeiro” por seus porta vozes na mídia, cito apenas uma, Miriam Leitão, vem declarando continuamente que a POLÍTICA ECONÔMICA é independente de quem seja o futuro Presidente, o que é  uma visão historicamente absurda, porque o futuro Presidente estaria amarrado a uma politica econômica de um grupo anterior ao seu Governo?
MÍDIA
Chegamos então à quinta TORRE DE COMANDO sobre a Presidência, a mídia eletrônica, rádios e TVs que são uma concessão do Estado mas se permitem contesta-lo a todo dia. O Estado concede e pode cassar a capacidade de usar as ondas hertzianas, que pertencem ao Estado e são apenas cedidas temporariamente a particulares, o Código de Telecomunicações dá amplos poderes ao Estado para conceder e cancelar essas concessões quando elas forem desvirtuadas de suas finalidades ou em situações onde a transmissão põe em risco a segurança nacional, a cassação não demanda muitas explicações e pode ser executada por simples decreto da Presidência, ninguém é “dono” de uma frequência para radio e tv, é uma regra universal.
O democratíssimo Presidente Juscelino usou de seu poder legal para tirar do ar a TV Tupi quando Carlos  Lacerda ameaçou fazer um discurso para depor o Presidente.
Quando a mídia divulga vazamentos ilegais de processos protegidos por sigilo cabe punição severa. Paises democráticos processaram um Julian Assange por quebra de sigilos que estavam sob proteção do Estado. O que é sigiloso não pode ser divulgado e quem é cumplice da divulgação pode perder a concessão, o Estado está acima do direito subjetivo de transgressões que agridem as leis ,  Governos democráticos não devem ser fracos para dar a pessoas individuais o direito de desafia-lo indo contra a ordem legal  Certas máximas do Poder mesmo em países democráticos fora, esquecidas no Brasil a partir da Constituição de 88, a Constituição que ampliou ao infinito os “direitos” a custa do enfraquecimento do Estado.
POLÍTICA ECONÔMICA
Nas mais sólidas democracias a mudança da Presidência implica na mudança da política econômica, nos EUA isso ocorreu em todas as mudanças de ocupantes da Casa Branca, há grande diferença entre uma politica econômica do Partido Democrata e a do Partido Republicano, na crise dos anos 30, as políticas de Hoover e Roosevelt eram diametralmente opostas, assim como a de Churchill e Attlee no Reino Unido, a saída de Thatcher implicou em grande virada na politica econômica britânica. Como então o “mercado” por seus porta vozes na mídia se atreve a dizer que o próximo Presidente manterá a mesma política recessionista da atual equipe, aliás se atrevem a dizer que a mesma equipe continuará, é muita ousadia e se se a permitem é porque acham que a força do “mercado financeiro” é suficiente para mandar na economia e por extensão, no Governo, no atual contexto parece que conseguem esse feito.
Isso é o contexto de hoje mas não foi sempre assim. O Presidente Fernando Henrique mudou duas vezes o presidente do Banco Central, demitindo o ocupante por telefone, sem se aprisionar ao mercado. O Presidente Itamar Franco mudou em pouco tempo três Ministros da Fazenda, sem dar maiores satisfações ao “mercado”. O Presidente Collor mudou quem e quando quis na área econômica, tirou Zelia para colocar Marcílio Moreira sem pedir permissão ao mercado ou à mídia, o Presidente do Brasil pode muito, é uma Presidência imperial.
OS PODERES DA PRESIDÊNCIA
O aprisionamento atual da Presidência a esses novos poderes e algo novo, não tem precedentes históricos e nem é da natureza do cargo e da extensão de sua autoridade.
Um Chefe de Estado que pretenda governar o Brasil não o fará com essas torres de comando acima dele. Nada tem a ver com ideologia, é uma regra de poder simplesmente, o Comandante não pode ser emparedado pelo sargento corneteiro ou pelo oficial de intendência ou é Comandante incontestado ou o Regimento não vai combater.
A saída lógica é uma aliança do Chefe de Estado com as Forças Armadas para reconduzir as TORRES DE COMANDO a seu devido lugar na politica e na Historia.
Uma Presidência forte e centralizada será essencial para o Brasil enfrentar sérios desafios na cena internacional dos próximos anos. O enfraquecimento da Presidência levou ao apequenamento da projeção internacional do Brasil, hoje uma sombra do que foi durante o Governo Vargas e durante os governos militares, que projetaram a influencia e presença do Brasil no Oriente Médio e na Africa, criaram uma forte indústria de material bélico, prontamente liquidada pelo governo FHC ao rejeitar um papel internacional do Brasil para alinha-lo automaticamente ao sistema de Washington,, assinando o Tratado de Não Proliferação e o Acordo de Cooperação Judiciaria, dois instrumentos de perda de soberania.
Os desafios da economia, da ecologia, dos conflitos regionais, do aumento da pobreza e da concentração de renda exigirão uma Presidência institucionalmente forte e eficiente, o que jamis será com a existência de ilhas de poder concorrente contra a Presidência.
Esta pequena analise é oferecida no contexto da práxis do poder politico no modelo proposto pelo mestre Nicoló Machiavelli, sem qualquer pretensão de  julgamento ideológico ou ético-moral para indagar as razões do poder, apenas pretende-se um olhar sobre o poder em EXISTÊNCIA, ele existindo só poderá operar se tiver comando do território.
Quando os militares depuseram o digno Imperador Dom Pedro II em 15 de novembro de 1889, o Embaixador britânico no Rio de Janeiro Sir Hugh Wyndham perguntou por telegrama ao Ministro do Exterior em Londres, o lendário Marques de Salisbury (Robert Gascoyne-Cecil), vamos reconhecer o novo Governo Republicano do Brasil?
O Imperador era respeitadíssimo em Londres, seu longo reinado tornara-o um figura de peso na Europa e nos Estados Unidos, o Embaixador com razão lamentava o fim da Monarquia mas Lord  Salisbury, três vezes Primeiro Ministro, que comandava o Império Britânico quando abriu o Seculo XX, não derramou uma lágrima sentimental, sé fez uma única pergunta?
Os militares que depuseram o Imperador dominam o território?
SE DOMINAM O TERRITÓRIO RECONHEÇA O NOVO GOVERNO IMEDIATAMENTE.
Domínio para Lord Salibury significava mandar sem contestação ou oposição.
Para Salisbury não importava o justo ou o injusto, a ética, a moral, a tradição ou a ideologia do novo governo que obviamente não poderia ser da simpatia da monarquia inglesa.
Mas a politica é antes de tudo REALIDADE, o Marques de Salisbury operava dentro dela.
Essa é a chave, governa quem domina o território, quem PODE MANDAR é o poder.

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