quinta-feira, agosto 02, 2018

É quase impossível que o número de empregos em Macaé volte a superar o pico de 2013/2014, mesmo diante de um novo ciclo de preços do petróleo

A mídia comercial e política regional e nacional têm produzido várias matérias sobre uma retomada das atividades do setor petróleo em Macaé o que parece uma distante da realidade.

O que se tem de real parece mais com uma estabilização, onde as demissões de trabalhadores do setor estão, finalmente, parando de cair. É mais um equilíbrio do que um início, mesmo que pequeno, de contratações no setor pela expansão das atividades do setor petróleo.

Há vários interesses em descrever essa hipótese do que seria uma nova fase de expansão (boom), já no presente. Essa narrativa pode criar condições e facilitar decisões à nível de relaxamento de regulações, por parte das várias escalas de governo, como redução de royalties e impostos e outros incentivos desejados pelas corporações do setor.

Mesmo com o equilíbrio atual e essa lentíssima retomada das atividades no setor de petróleo, o que se tem hoje, são reduzidíssimas contratações. Desde 2014, Macaé foi perdendo empregos e seguiu até 2017, quando o município perdeu quase 5 mil empregos no total e não apenas no setor de petróleo.

No setor petróleo e afins, em números aproximados, desde 2014, a queda ficou em torno de 40%. Agora se percebe um aumento de menos de 5% nos empregos em média no setor.

Ou seja, as poucas contratações dos primeiros meses de 2018 - que não chegam a mil vagas, são muito inferiores às demissões só do ano passado. E ainda mais distante do estoque de empregos do ano de 2013/2014, quando as demissões se iniciaram, com a redução do preço do barril de petróleo e a diminuição dos investimentos pelas petroleiras em todo o mundo.

Este quadro permite identificar vários movimentos simultâneos relacionados aos empregos no município de Macaé e na região:

1) Haverá uma retomada de contratações com novos operadores (petroleiras privadas) para além da Petrobras na Bacia de Campos. Ainda muito ligeira retomada está voltando a acontecer, especificamente, nas atividades de exploração com a contratação de sísmicas e perfuração de poços.

2) Na verdade contribui para essa nova fase de atual equilíbrio, antes de uma real retomada, também com as atividades de descomissionamento de alguns campos e unidades produtoras até que a expansão seja mais ampla. 

3) É possível arriscar que a chegada de um novo ciclo de preços do barril do petróleo (ciclo petro-econômico) - fora a ocorrência de conflitos regionais graves em áreas produtoras no Oriente Médio, antecipe este cenário - deverá acontecer próximo da metade da década seguinte (por volta de 2025).

4) Porém, dois fatores jogam na direção contrária e, a meu juízo, não será com a redução dos percentuais dos royalties para as petroleiras. Assim pressionam o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo), ABESPetro (Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Petróleo) e ANP (Agência Nacional de Petróleo), mas isto não alterará a realidade do quadro de empregos. Nem para mais e nem para menos. 

5) A condição dos campos mais maduros na Bacia de Campos, mesmo com a preparação de exploração em novas áreas leiloadas também limita a demanda de empregos. Assim, como a redução das exigências de conteúdo local definidas a todo momento pela ANP.

6) Isto faz com que as para-petroleiras, que são empresas prestadoras de serviço e tecnologia para as atividade de exploração de petróleo, deixem de ser obrigadas a desenvolver tecnologias e se organizar para prestar serviços no país.

7) Em minhas pesquisas sobre o setor entre 2012 e 2017, eu referi à este processo dentro da cadeia produtiva do petróleo como uma trilogia (tripé) ou uma tríade de atividades que nasce a partir da exploração offshore e se estendem ao longo da extensa cadeia. 

Tríade: Petróleo-Porto-Indústria de Apoio Offshore (naval).
Fonte: Tese do autor defendida em mar. 2017, no PPFH-UERJ:
“A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto”
como produtora de novas territorialidades”. [1]
8 ) Chamei a isto de Tríade “Petróleo-porto (infraestruturas de transportes) – apoio operacional e industrial offshore (setor naval entre outros)”. Essa tríade funcion, dinamizando a chamada “Economia do Petróleo” que chegou a movimentar mais de 13% do PIB nacional e 33% do PIB do ERJ. 

9) A redução das exigências de conteúdo local decididas pelo governo Temer reduz imensamente a capacidade de arrasto de empregos para o setor. O grande número de empregos nesta tríade pode ser atestado especialmente, no período entre 2010 e 2013 no ERJ e no país. Na ocasião só indústria naval, já espalhada em diversos estados para além do RJ, chegou a ter 82 mil trabalhadores, contra cerca de 2 mil que exisitia no setor no final do ano de 2002. [1] e [2]

10) Além disso, não se pode ainda deixar de considerar que esta fase de colapso de preços do barril (parte do ciclo petro-econômico) obrigou estas empresas para-petroleiras a reduzirem violentamente os seus custos, desde 2014, para tentar manter os contratos com as petroleiras operadoras da exploração, em todo o mundo.

11) Este processo levou tanto à redução do número de empregos, quanto à redução dos níveis salariais dos empregados, mesmo que qualificados, diante das ameaças do desemprego. Além disso, neste período, como forma de redução de custos muitas atividades, foram automatizados muitos processos nas plataformas, assim como novas rotinas organizacionais - com menos pessoas trabalhando mais - foram implantada para reduzir custos com trabalho e retrabalho.


Interpretando um pouco mais o movimento das empresas e do emprego em Macaé
Este é um caminho quase sem volta, mesmo diante de uma nova fase de expansão das atividades do setor petróleo.

A volta das exigências da Política de Conteúdo Local (PCL), é uma das únicas possibilidades que podem ampliar o número de empregos no setor, em diferentes regiões do país, incluindo as regiões onde estão as bases operacionais de apoio à exploração offshore e indústria naval.

Há ainda que se considerar que uma nova fase do ciclo do petróleo no Brasil, que deverá ter se expandido bastante lá pelo meio da próxima década, encontrará as atividades de exploração de petróleo no Brasil, ainda mais deslocada espacialmente, fenômeno que já se assiste hoje, em direção à outras bacias (Santos e ES) e ao pré-sal.

Tudo isso tende a fazer com que partes das áreas operacionais da base de Macaé, migrem ainda mais na direção do Porto do Açu e do Rio de Janeiro e São Paulo, para atender como apoio, às atividades de exploração (perfuração e produção) de petróleo offshore no país.

É evidente que as leituras de cenários contêm apostas, discursos e interesses que estão muitas vezes distantes da realidade por uma série de motivos. Para um maior aprofundamento do assunto, eu sugiro que se amplie a análise de dados, processos e movimentos, daquilo que passei a chamar de “Circuito Espacial do Petróleo do ERJ” que produz importantes desdobramentos sobre o território em várias escalas e dimensões. [1]

Desta forma, eu insisto que seria mais interessante entender e tentar planejar políticas públicas decorrentes desta realidade de maneira mais regional, de uma forma menos municipal (e com menos concorrências locais), planejando programas, projetos e ações mais integradas regionalmente. (Veja aqui postagem do blog sobre pensar o regional) [3]

A fração do capital ligada ao setor petróleo, se movimenta de forma variada sobre o território, mas com algumas características já definidas. Elas buscam relações e soluções conforme as escalas de governo que mais lhe interessam a cada tempo.

Sem voltar às exigências de conteúdo local nesta cadeia produtiva, com agregação de valor, empregos mais qualificados e bem remunerados, a região (vista de forma ampla) tenderá a perder as oportunidades com a exaustão das reservas do petróleo para o qual se caminha.

Assim, penso que as gestões públicas não deveriam se guiar pelos interesses corporativos em suas ações sobre o território. Elas precisam dirigir os interesses de suas comunidades mesmo que em articulação com as corporações.

No caso específico dos municípios da chamada Bacia de Campos, considerando a fase mais madura e de quarenta anos de exploração de petróleo, já passou da hora de começar a pensar o day-after (dia seguinte) da exploração offshore.

É hora de deixar de lado os períodos da abundância de recursos que se viveu, de forma intensiva em termos de royalties e petrorrenda há pelo menos duas décadas.

A sobrevida desta petrorrenda será cada vez menor e com menores volumes de recursos. Quanto mais tempo se demorar a enxergar esta realidade, mais dolorosa será a retomada de uma economia real e sem vínculo com o petróleo.


Referências:
[1] Tese do autor defendida em mar. 2017, no PPFH-UERJ: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto” como produtora de novas territorialidades”. Disponível na Rede de Pesquisa em Políticas Públicas (RPP)-UFRJ: http://www.rpp.ufrj.br/library/view/a-relacao-transescalar-e-multidimensional-petroleo-porto-como-produtora-de-novas-territorialidades

[2] Postagem no blog em 20 set. 2016. O fechamento dos estaleiros, as plataformas vindas do exterior e a volta do retrocesso neoliberal da dependência consentida e subordinada. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/09/o-fechamento-dos-estaleiros-as.html

[3] Postagem no blog no dia 30 jul. 2018. A importância de pensar a região quando se faz escolhas sobre a gestão estadual. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2018/07/a-importancia-de-pensar-regiao-quando.html

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