sexta-feira, junho 28, 2019

Prumo levanta a hipótese de montar planta de liquefação de gás natural no Porto do Açu: como o setor de energia, para além do petróleo, torna o território do litoral fluminense estratégico para o capital, onde a população se alimenta de uma vaga noção de "progresso"

A informação sobre a ideia de uma unidade de liquefação de gás natural no Açu foi veiculada há um mês, em matéria da revista Brasil Energia. A ideia do projeto seria de um parceria (joint venture) a ser formada pela Prumo Logística (através da Gás Natural Açu- GNA Açu), e as empresas BP e Siemens.

O projeto tem como oportunidade a identificação de uma alta produção de gás nos campos de petróleo da Bacia de Santos e Pré-sal. Depois dessa informação, aparentemente solta, o blog teve acesso à informação recente de que a ANP autorizou o Brasil a exportar GNL.

Terminal da Cheniere, Sabine Pass, em Lousiana, Texas, EUA.
Unidade de liquefação e exportação de GNL dos EUA 
A decisão pareceu estranha na medida em que o Brasil, não possui unidades de liquefação de gás natural, importando GNL através de terminais no Rio, Bahia e Ceará para suas unidades de regaseificação já instaladas e outras em implantação, inclusive junto ao Porto do Açu.

Uma unidade de liquefação tem instalação ainda muito cara, mesmo que o custo de sua instalação venha se reduzindo o que esteja tornando o transporte de gás natural mais comum de forma intercontinental pelos navios gaseiros, prescindindo assim dos gasodutos que produzem enormes impactos e conflitos socioambientais quando da sua instalação. 

O custo de uma unidade de liquefação, dependendo do porte ainda fica em torno de US$ 7 bilhões. É mais cara que a implantação de um refinaria, evidentemente, dependendo do porte e capacidades de processamento. Isso só a unidade de liquefação fora custos de fretes e transportes.

Cadeia de valor do GNL - Upstream: Extração e Liquefação;
Midistream: transporte por navios/regaseificação/gasodutos;
Downstream: Distribuição e venda aos consumidores finais.

Mesmo que seja uma unidade complexa e cara o que se faz é simples de ser compreendido pelos que não são do setor. Para tornar líquido o gás natural, para que ele possa ser transportado por navios é só reduzir a sua temperatura a cerca de menos 250º C. Depois para regaseificá-lo é só ir aproximando-o da temperatura ambiente para que o mesmo volte à condição gasosa. Esse processo bem mais simples e barato, muitas vezes é feito no próprio navio. Vale dizer que o custo de uso diário destes navios chegam a superar US$ 150 mil/dia.

Mais detalhes sobre a importância estratégica do gás natural como combustível de transição (entre o carvão, petróleo e a energia renovável) na matriz energética mundial e sobre esses processos de liquefação e transportes, podem ser acessados neste artigo que publiquei aqui no blog em 11 de julho de 2016 com o título: "A ampliação do poder estratégico e geopolítico do Gás Natural (GNL) na matriz energética mundial". [1]


O gás natural como combustível estratégico de transição
No mundo de uma maneira geral, as reservas de gás são distintas das de óleo. A Rússia possui muito mais reservas de gás do que de petróleo. O mesmo a Argentina. Em nossas bacias petrolíferas no litoral brasileiro não. As reservas de óleo e gás estão juntas, em proporções distintas.

As reservas do pré-sal possuem muito gás natural, o que inclusive pode limitar a extração de petróleo, se não houver formas de escoamento do gás natural, porque há limite de queima do gás não utilizado ou escoado definidos pela ANP. Hoje, no caso do pré-sal, uma parte expressiva do gás tem sido re-injetado no poço para auxiliar e ampliar a extração de petróleo nos poços.

No auge da fase de boom do ciclo petro-econômico no Brasil (sobre esse assunto ver tese do autor) [2], a Petrobras chegou a pensar, mesmo que superficialmente, em desenhar a implantação de uma unidade de liquefação de gás natural que seria offshore, junto ao megacampo de Libra (rico em gás), localizado na reserva do pré-sal na Bacia de Santos para processar o gás dali extraído direto para transporte até o continente nos portos do Brasil e/ou para exportação. 

O custo da unidade unidade de liquefação offshore aliado ao enorme desafio da Petrobras, na ocasião envolvida com vários projetos caros e em implantação (sondas, plataformas, petroleiros, refinarias, unidades de fertilizantes, etc.) deixou a ideia como tal, sem nenhuma consequência.

No mundo, com a ampliação da extração/produção de gás xisto nos EUA, as exportações de LNG se ampliaram muito pelo mundo. A produção de GNL dos EUA é de longe a mais alta de qualquer país, com 4,3 milhões de bpd (um subproduto do boom do gás de xisto). Isso é mais do que todo o Oriente Médio e responde por 37,6% da produção global total de GNL. Em termos apenas da produção de gás, a maior do mundo ainda é da Rússia com 11,2 milhões de bpd; seguido de perto pelo EUA com 11,0 milhões de bpd. Em terceiro a Arábia Saudita com 10,5 milhões de bpd. [3]

Abaixo um mapa sobre movimentação (fluxo) e comércio de LNG entre vários países do mundo.  

Mapa dos fluxos (comércio) de Gás Natural e GNL em 2018: em bilhões de metro cúbicos.
Fonte: Statistical Review of World Energy - 2019. p.41/62

























O gás natural como um hub no Açu e um motor econômico na região 
Voltando à ideia das empresas Prumo, Simens e BP de implantação de uma unidade de liquefação junto ao Porto do Açu. Ela pode ser novamente só uma ideia, na medida em que demandará enormes investimentos.

Porém, considerando a oferta de gás natural e as possibilidades de rentabilidade desejadas pelos investidores, o processamento, venda e/ou exportação de gás natural, pode interessar e avançar, embora hoje exista enorme concorrência no comércio mundial de LNG. Um setor oligopolizado, como é comum nesse setor que lida energia sobre a forma de commodities.

É nesse espaço que entram os interesses de investidores. Em especial os que atuam no âmbito global. Por isso, não há como analisar esse setor sem considerar as redes de produção dentro das cadeias globais de valor.

No momento parece que eles, em especial, os grandes fundos de investimentos, estão mais interessados em ter acesso - em aquisição a preços módicos - aos ativos decorrentes das privatizações da Petrobras e do setor de energia elétrica com a entrega também dos ativos da Eletrobras. São muitas e variadas as possibilidades de compras a preço de final de feira, de um "Brasil baratinho".  Fator que pode consumir os investimentos que ajudariam a bancar projetos novos de "Infraestrutura e Energia", como é o caso que estamos analisando.

Para os donos do capital é melhor e mais rentável ter aquilo que já produz lucros e acumulações no curto prazo e sem trabalho e custos (muitas vezes imprevisíveis) de implantação. Para o país é evidente que uma decisão atrapalha a outra. Há muitas pessoas e analistas que não querem entender essa lógica porque olham só o lado do investidores e não da nação. E essa lógica se reflete em decisões estratégicas de financiadores e corporações globais que olham o país, quase que somente como forma de ampliar os seus lucros e as suas acumulações que vão multiplicar os ativos financeiros globais que já ultrapassaram US$ 400 trilhões em todo o mundo.

A Prumo Logística Global é a holding (grupo) que controla o Porto do Açu e a GNA-Açu, que por sua vez, como num pirâmide de holdings, é controlada pelo fundo financeiro americano EIG Global Energy Partners. Fundo que foi se especializando em negócios de energia (que está em seu nome) e de infraestrutura em várias partes do mundo. Fato que aumenta o potencial da ideia.

Porém, foi esse fundo EIG quem desenhou financeiramente os investimentos para instalação deste seu hub de gás, com terminal portuário para regaseificação de gás natural, ramal de gasoduto interligando em Campos, o Gascav (que liga Macaé a Vitória) e duas usinas termelétricas (UTEs) à gás natural, e para isso montou através da GNA, um consórcio de parceria com a Siemens e financiamento de banco alemão KfW com intermediação do Banco Mundial (IFC) e BNDES. Sobre o assunto veja outra postagem do blog 28/12/2018 : "UTE do Porto do Açu capta R$ 1,76 bilhão com o BNDES e garantia do banco alemão KfW" [4]. Esse conjunto de projetos do hub de gás somados demandaram aportes de mais de R$ 8 bilhões que estão sendo paulatinamente utilizados.

Terminal de Cabiúnas em Macaé:
maior polo brasileiro de processamento de gás natural
Além dos projetos de gás natural no no Porto do Açu, no município de São João da Barra, o município de Macaé, base executiva da Bacia de Campos já é o maior polo de gás natural do Brasil. Ali chegam diversos gasodutos da Bacia de Campos, Santos e do Pré-sal e são processados na Unidade de Cabiúnas quase 30 milhões de m³ por dia.

Também no antigo Terminal de Cabiúnas (Tecab) atual UTGCAB (Unidade de Tratamento de Gás de Cabiúnas) há processo de liquefação de gás para ser engarrafado e vendido como botijões. Além disso, Macaé possui duas usinas termelétricas em funcionamento : UTE Mário Lago – ex-El Paso com capacidade de geração de 932 MW e UTE Norte Fluminense com capacidade de geração de 780 MW. de energia elétrica. [5] [6] [7]

Há ainda em Macaé o projeto de instalação da UTE Vale Azul, já licenciado, que era da EBTE e foi adquirido pelo fundo investimento Pátria (50,1%), Shell (29,9%) e a Mishitubishi (MHPS) com 20%. As duas UTEs ajudam a ampliar o orçamento do município de Macaé por conta dos repasses das quotas-partes de ICMS que vem do estado. Assim, a quota-parte é para Macaé sua segunda maior receita, só atrás do ISS (Imposto sobre Serviços), mas na frente das receitas dos royalties do petróleo. [8]


Energia como commodity lucrativa para as empresas (capital) e pouco retorno para a população 
Enfim, o setor de energia, de uma forma ou outra, está se tornando um enorme potencial econômico para essa parte do ERJ. Os projetos de terminais portuários, uso de gás para geração térmica, vai bem além daquilo que o circuito da Economia do Petróleo com exploração offshore foi sendo estruturado em três/quatro décadas, desde 1974.

Hoje, o setor de energia, envolvendo o gás natural, a geração de eletricidade sob a forma térmica e vários outros projetos de energia renováveis que estão em fase adiantadas de negociações e amadurecendo (eólica e solar) na região, tornam esse vetor com enorme potencial econômico. 

Há que se considerar ainda, as possibilidades de uso de estoques de terras relativamente baratas, oriundas de uma baixa utilização na atividade canavieira e/ou pecuário tem a perspectiva de se transforma numa nova forma de rentismo para os proprietários de terra.

Vários proprietários de terras em Campos dos Goytacazes, São João da Barra e São Francisco do Itabapoana foram procurados por pessoas interessadas em arrendar ou alugar terras (por até 25 anos) para a instalação de usinas eólicas e solares (fotovoltaicas).

Porém, resta saber o que fica para a região além dos impostos, na medida também que muitos desses projetos vêm acompanhados de isenções ou incentivos tributários, além das exigências assumidas pelos diferentes níveis de governo para construir acessos rodoviários e viabilizar aquilo que se chama no campo da economia de Condições Gerais de Produção. Em nome dos anúncios de empregos, muitas vezes fantasiosos divulgados pelo forte marketing promovidos pelos empreendedores, prefeitos e governadores são convocados (ou se oferecem) para reduzir impostos e oferecer garantias e apoios aos projetos.

Nessa área de energia, os empregos gerados acontecem em maiores proporções quando da construção, que aliás atrai levas de trabalhadores de fora, que já são conhecidos dos gerentes das empresas construtoras e instaladoras chegam na região onde o projeto é instalado. Porém, é fato que acabam empregando muita pouca gente (muito pouco mesmo), depois para as atividades de operação e manutenção dessas usinas de geração de eletricidade. 

As populações no geral, acabam impactadas pelos projetos das mais diferentes formas. Sofrem não apenas os efeitos socioambientais mais diretos, mas também o aumento do custo de vida na região, a competição para acesso aos equipamentos públicos de saúde e educação e ainda a pressão por investimentos em moradia, saneamento e as consequências de tudo isso na segurança pública, entre outros.

Assim, os problemas se instalam e muitas vezes são naturalizados e vistos como partes de um progresso para poucos. Os empreendedores e investidores que moram nas metrópoles do mundo aumentam seus faturamentos e lucros e se sustentam no discurso e na narrativa - paga às mídias locais/regionais - que tratam de ideia vaga de progresso em meio a imagens de vidas irreais.

Como já disse em algumas outras postagens similares a esta. Esses textos têm a intenção não apenas jogar mais uma informação solta e fragmentada como acontece no dia-a-dia. Eles guardam o objetivo o de contribuir para que as pessoas possam linkar pontas de notícias soltas que levam a interpretações muitas vezes equivocadas e distorcidas, sobre uma noção colonizada de um falso "progresso" e de um desenvolvimentismo ultrapassado, onde sempre ganha - e mais - os que sempre ganharam e perdem - e mais - os que sempre perderam.

Referências:
[1] Mais detalhes sobre o processo de liquefação e regaseificação do gás natural e o aumento do papel estratégico do uso do LGN no mundo pode ser visto aqui na postagem do blog feita em 11 de jul de 2016, com o título: A ampliação do poder estratégico e geopolítico do Gás Natural (GNL) na matriz energética mundial. No texto que é um artigo há várias referências e outras postagens que falam do aumento do poder estratégico do gás natural na matriz energética mundial e na geopolítica. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/07/a-ampliacao-do-poder-estrategico-e.html

[2] Sobre Ciclo Petro-Econômico ver tese do autor (1ª parte, capítulo 7-1.7) defendida em mar. 2017, no PPFH-UERJ: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto” como produtora de novas territorialidades”. Disponível no Banco de Teses da UERJ: http://www.bdtd.uerj.br/tde_busca/processaPesquisa.php? pesqExecutada=1&id=7433&PHPSESSID=5vd3hsifip5hdg3n1icb57l9m6

[3] Postagem do blog em 24 de junho de 2019 que analisa a geopolítica do petróleo e gás natural à luz dos indicadores que indicaram recordes em 2018. Recordes mundiais de consumo e produção de petróleo em 2018 reforçam o seu peso sobre a geopolítica. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2019/06/recordes-mundiais-de-consumo-e-producao.html

[4] Postagem do blog em 21 de dezembro de 2018. UTE do Porto do Açu capta R$ 1,76 bilhão com o BNDES e garantia do banco alemão KfW. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2018/12/ute-do-porto-do-acu-capta-r-176-bilhao.html

[5] Postagem do blog em 1 de junho de 2015. Unidade de Gás da Petrobras em Cabiúnas, em Macaé tem autorização para operar novas unidades e ampliar processamento: mudanças espaciais no NF. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/06/unidade-de-gas-da-petrobras-em-cabiunas.html

[6] Postagem do blog em 3 de maio de 2016 quando afirmo que o "Terminal de Cabiúnas é o maior polo brasileiro de processamento de gás natural". O título da postagem foi: "Discussão sobre a crise em Macaé tem prioridade invertida". Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/05/discussao-sobre-crise-em-macae-tem.html

[7] Postagem do blog em 15 de maio de 2016. Gasoduto que interliga Pré-sal da Bacia de Santos ao Terminal de Cabiúnas em Macaé é simbólico e inverte relação que havia com o óleo entre o RJ e SP. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2016/05/gasoduto-que-interliga-pre-sal-da-bacia.html

[8] Postagem do blog em 13 de fevereiro de 2019. Fundo financeiro - e não Shell - construirá e controlará a UTE à gás anunciada para Macaé: impacto regional em empregos, impostos e no ambiente. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2019/02/fundo-financeiro-e-nao-shell-construira.html

PS.: Atualizado às 17:46 e 18:02: Para acrescentar imagem sobre a cadeia global de LNG e alguns ajustes nas informações e texto.

Um comentário:

Manoel Ribeiro disse...

Enquanto isso em Macaé: http://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/noticias_area/arquivos/48500.005916-2014-55.pdf

Uma notícia que ninguém fala: as obras da Termoelétrica de Macaé só vão começar em novembro de 2020. E na feira Offshore todos dizendo blá blá blá...